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Processo n.º 94/2022
(Autos de recurso laboral)

Data: 17/Março/2022

Recurso interlocutório
Recorrente:
- A, S.A. (ré)

Recurso final
Recorrente:
- B (autor)


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, com sinais nos autos (doravante designado por “autor”) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da A S.A. (doravante designada por “ré”) no pagamento do montante de MOP$282.372,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Na contestação, foi invocada a excepção de caso julgado.
Inconformada com a decisão proferida no saneador que julgou improcedente a excepção invocada, recorreu a ré jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador de fls. 111 a 114 nos termos do qual tribunal a quo entendeu não se verificar a excepção do caso julgado, por não se ter verificado cumulativamente a tríplice identidade entre a acção antiga e a presente, sustentando que não existe nem identidade do pedido nem a da causa de pedir, porquanto na acção anterior se pediu e se julgou as compensações pelos 30 minutos de trabalho antes do início de cada turno pelo trabalho prestado em cada período de sete dias com o período diferente que na presente acção se alega e pede.
II. Em 14.01.2021 o Autor, ora Recorrido, intentou contra a aqui Recorrente acção de processo comum de trabalho, pedindo a condenação desta ao pagamento de uma indemnização global de MOP$282.372,00 a título de trabalho prestado para além do período normal de trabalho (30 minutos) e de trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias e descanso compensatório não gozado, alegando para tanto, entre outros factos, que desde a referida data (22/07/2003), o Autor prestou trabalho para a Ré e que a relação de trabalho entre o Autor e a Ré (A) terminou no passado dia 09/04/2018.
III. Em outro processo, que correu termos no mesmo Juízo laboral sob n.º LB1-18-0051-LAC foi a Ré condenada a pagar uma indemnização a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade, comparticipação no alojamento, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias e trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, em virtude da aludida relação laboral.
IV. Em face da identidade de pretensões a aqui Recorrente invocou nos presentes autos a existência de caso julgado, tendo sido proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada excepção por entender que apesar do Autor vir peticionar os mesmos créditos, o período é diferente.
V. Está a Recorrente em crer, com todo o devido respeito, que não assiste razão à decisão recorrida.
VI. Dispõe o art.º 416º do Código do Processo Civil (CPC), que: As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição da causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
VII. Resulta do artigo 417º do Código do Processo Civil (CPC), que: Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade específica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.
VIII. O artigo art. 574º n.º 1 CPC relativamente ao valor da sentença transitada em julgado dispõe que: Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 416º e ss (…).
IX. Segundo a noção dada por Manuel de Andrade (In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, 304), o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.
X. Para o aludido Mestre o instituto do caso julgado assenta, por um lado, no prestígio dos tribunais – que ficaria altamente comprometido se a mesma situação concreta uma vez definida em determinado sentido pudesse ser validamente decidida em sentido diferente – e, por outro lado, numa razão de certeza e segurança jurídica – já que sem o caso julgado acabaríamos perante uma situação de instabilidade jurídica.
XI. Conforme o mesmo sabiamente ensina, «O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado (…) Vê-se portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)».
XII. Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes. Uma vertente negativa, reconduzida à excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura e uma positiva designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
XIII. Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 417º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já quanto à autoridade de caso julgado, apesar de divergências doutrinárias, parece ser maioritariamente aceite que não se requer aquela tríplice identidade.
XIV. Segundo Lebre de Freitas (in Código Civil Anotado Vol 2) «pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito (…)» ao passo que «a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»
XV. No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa (“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss”), ensina que “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior.”
XVI. O caso julgado, em qualquer uma das suas vertentes implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior obstando que a relação jurídica venha a ser contemplada de novo de forma diversa.
XVII. Nos presentes autos vem o Autor alegar que: Desde a referida data (22/07/2003), o Autor prestou trabalho para a Ré e que a relação de trabalho entre o Autor e a Ré (A) terminou no passado dia 09/04/2018, peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$282.372 sendo: - MOP$54.898,00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; - MOP$36.599,00 a título de descanso compensatório não gozado; - MOP$95.437,50 a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias; - MOP$95.437,50 a título de descanso compensatório não gozado em sequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal.
XVIII. No processo LB1-18-0237-LAC alegou que: Desde 22/03/2008 até ao presente o Autor (…) passou a estar ao serviço da 2º Ré (A), peticionando a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de MOP$370.129,50 sendo: - MOP$25.180,00, a título de subsídio de alimentação; - MOP$81.576,00 a título de subsídio de efectividade; - MOP$23.947,50 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado; - MOP$62.572,00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas; - MOP$39.349,00 pela prestação de, pelo menos, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; - MOP$137.505,00 a título do trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias. Tendo a Recorrente sido condenada a pagar a quantia global de MOP$348.002,97.
XIX. É nítido que princípios de certeza e segurança jurídica e até mesmo pelo prestígio dos tribunais impõem que a mesma situação concreta já julgada não venha novamente a ser decidida, mostrando-se preenchidos os requisitos para a invocada excepção de caso julgado.
XX. Em qualquer uma das duas acções Autor e Réu são os mesmos, o pedido, ainda que quantitativamente diferente, é idêntico em face da coincidência dos efeitos jurídicos pretendidos na presente acção e na acção que correu termos sob n.º LB1-18-0051-LAC, cumprindo não perder de vista que a lei não impõe que haja coincidência do ponto de vista quantitativo para que se mostre preenchido este requisito, também é idêntica a causa de pedir porquanto a pretensão deduzida em qualquer um dos processos procede do mesmo facto jurídico, qual seja, a relação laboral outrora estabelecida ente as partes.
XXI. O Autor, no processo, já transitado em julgado LB1-18-0051-LAC, quando intentou a referida acção (12.03.2018), ainda estava a trabalhar para a aqui Ré, no entanto, essa relação laboral extinguiu-se menos de um mês depois, no dia 09.04.2018, tendo a discussão na primeira instância sido encerrada no dia de 14 de Novembro de 2018.
XXII. A questão é, se o Autor, tendo pleno conhecimento dos factos e estando na posse de todos os elementos necessários, é parte numa acção laboral que tem como fundamento a relação de trabalho, com a sua antiga entidade patronal, alegando os factos que consubstanciam a causa de pedir e os pedidos que considera lhe serem devidos, com o intuito de receber todas as quantias que alegadamente não lhe foram pagas, não pode, depois da referida decisão transitar em julgado, propor nova acção com a mesma causa de pedir, entre as mesmas partes, pretendendo receber outras quantias que alegadamente terá deixado de fora na acção judicial já julgada, sob pena de violação dos Princípios de boa-fé, lealdade e de economia processual.
XXIII. Portanto, se em duas acções laborais, o Autor e o Réu são os mesmos, a causa de pedir é o contrato de trabalho que ligava as partes e que se extingue no decurso da primeira acção judicial, e o efeito jurídico que o Autor pretende obter é o pagamento de quantias pecuniárias, em razão da referida relação laboral, existe então uma repetição de causas, independentemente da designação que o Autor resolva atribuir a cada uma das parcelas que reclama.
XXIV. Na verdade entre a extinção da relação laboral (09.04.2018) e o encerramento da discussão na primeira instância (14.11.2018), distam mais de 7 meses, durante os quais, o Autor, já estava em condições de exercer todos os seus créditos contra a aqui Ré.
XXV. Pelo que, o Autor, poderia sempre, ter ampliado o seu pedido nos termos do artigo 16º do Código de Processo do Trabalho ou, no limite, nos termos do artigo 217, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo do Trabalho).
XXVI. Aliás, a referida possibilidade legal de ampliar o pedido, tem sido usada por alguns dos Autores nos processos similares que correm os seus termos neste Juízo Laboral.
XXVII. Sendo que, no decorrer do processo anterior, o Autor encontrava-se em condições de exercer todos os seus créditos contra a Ré.
XXVIII. Se não o fez, foi porque não quis.
XXIX. E não o tendo feito, não pode agora vir fazê-lo.
XXX. O objectivo do Autor, é obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, mais dinheiro do que aquele que lhe foi pago em razão dos mesmo factos jurídicos.
XXXI. Tendo a Ré sido condenada numa primeira acção laboral ao pagamento de uma indemnização a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade, comparticipação no alojamento, 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias e trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, em virtude da aludida relação laboral, e tendo tal decisão já transitado em julgado, constitui por isso, caso julgado entre as partes, aqui Recorrente e Recorrida, não podendo agora voltar a ser objecto de apreciação pelo mesmo Tribunal Judicial de Base.
XXXII. Entendemos assim que a decisão recorrida, violou o disposto nos artigos 413, alínea j), 416º, 417º, 574º, n.º 1, 576º, todos do CPC, ex vi artigo 1º do CPT, bem como o Princípio do Caso Julgado.
XXXIII. É que, como se viu, a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita estendendo-se à decisão de questões preliminares que foram antecedente lógico e indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
XXXIV. Nas palavras de Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil pag. 579) «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
XXXV. O Autor, teve a oportunidade, no processo LB1-18-0237-LAC de peticionar o que faz nos presentes autos, pois tinha todos os elementos à sua disposição, os mesmo que tinha aquando da apresentação da presenta acção, mas não o fez.
XXXVI. Se cometeu um erro foi por culpa sua tendo aqui plena aplicação a máxima latina sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit [Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar – in Codex Iustiniani 4.29.22.1].
XXXVII. O facto de o Autor ter cometido um lapso – como procura invocar em nota prévia do seu articulado inicial – não retira a autoridade ao caso julgado.
XXXVIII. Aliás, o douto Tribunal da Segunda Instância já teve oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica no acórdão no processo 314/2019 de 11 de Julho, tendo concluído que:
XXXIX. “1. Há caso julgado quando, em duas acções, as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido são idênticos, não obstante o pedido nesta segunda acção ter uma dimensão menso ao nível quantitativo. E, houve já decisão anterior transitada em julgado que arrumou definitivamente as mesmas questões colocadas ao tribunal. 2. É do entendimento dominante que, após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o poder/dever de condenar em quantidade superior previsto no artigo 42º do CPT, passando a cumprir rigorosamente o dever de decidir em conformidade com o pedido formulado pelo demandante, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pode. 3. Se o demandante, na primeira acção proposta, em vez de pedir a compensação por dias totais de descanso semanal não gozados, referente a todo o período de relação laboral mantida, veio, já depois da cessação da relação laboral, pedir apenas, parte desses dias não gozados, não pode agora, nesta segunda acção, vir pedir a restante parte dos dias de descanso semanal não gozados, por a mesma questão já ter sido decidida por acórdão transitado em julgado, formando-se assim caso julgado, que impede que o Tribunal agora volte a decidir a mesma questão. 4. Não agindo dessa maneira, o Tribunal a quo, ao conhecer do mérito, violou o caso julgado, o que determina necessariamente a procedência do recurso e consequentemente a revogação da sentença atacada.”
XL. Em face da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir e em obediência à autoridade do caso julgado o Tribunal a quo não poderia senão ter julgado procedente a invocada excepção e em consequência absolver a aqui Ré da presente instância.
XLI. Ao decidir de modo diverso a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 416º, 417º e 574º do CPC ex vi artigo 1º do CPT, devendo ser revogada e substituída por outra que julgando procedente a invocada excepção absolva a Ré e aqui Recorrida da presente instância.
Nestes termos, e nos mais em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra explanados, fazendo V. Exas. dessa forma inteira e sã JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o autor tendo formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“i) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, em caso algum se pode concluir que o Despacho em crise enferme de qualquer erro e/ou vício, tendo antes apreciado a excepção – de caso julgado – invocada com rigor e certeza jurídica, razão pela qual o mesmo não merece um qualquer juízo de censura.
ii) Em concreto – conforme a própria Recorrente bem o afirma ao longo das suas Alegações de Recurso – os “pedidos” formulados pelo Autor nos presentes autos são temporalmente distintos dos formulados anteriormente e, em grande parte, tendo como pano de fundo (leia-se, como fundamentação de Direito) a Lei n.º 7/2008 e já não o Decreto-Lei n.º 24/89/M, diploma que serviu de base ao processo anterior.
iii) Trata-se, pois, de matéria de facto e de direito nova e não alegada e/ou apreciada anteriormente pelo Tribunal a quo.
Acresce que,
iv) Não obstante os presentes autos surgirem na sequência de processo anteriormente intentado pelo ora Autor contra a Ré (A) e contra a C, importa desde já sublinhar que à data da propositura da anterior acção o Autor se encontrava ao serviço da Ré (A).
v) E, como tal, não estava em condições de exercer todos os seus créditos contra a mesma.
vi) Veja-se, a este particular respeito, o Ac. do TSI n.º 867/2020, no qual se sublinha que: “Situação diferente será aquela em que, por ainda manter uma relação laboral, o trabalhador poderia sofrer alguma “pressão” da entidade patronal, então justificar-se-ia deixar a reclamação de alguns créditos para outra oportunidade (…)”.
vii) Ora, apenas após terminar a relação de trabalho com a Ré o Autor e sentiu em condições de reclamar daquela os créditos que lhe eram devidos à luz da Nova Lei das Relações de Trabalho.
viii) De onde, não é verdade que na presente acção o Autor esteja a propor uma acção idêntica à proposta anteriormente, nem sequer a repetir o pedido e a causa de pedir anteriormente apreciados relativamente à primeira fase da relação laboral.
Acresce que,
ix) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a autoridade de caso julgado apenas pode ser admitida em relação a questões suscitadas no processo e que devam considerar-se abrangidas nos termos e limites precisos em que julga.
x) O mesmo é dizer que “a autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exacta correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”.
xi) Distintamente do afirmado pela Recorrente, é entendimento pacífico que: “O autor não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta, o que está de acordo com o princípio do dispositivo (…)” e, deste modo, “(…) ao contrário do que sucede com o réu (que deve concentrar toda a defesa na contestação (…), quanto ao autor tal não ocorre, visto que não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na acção que seja proposta”.
xii) Especificamente no campo laboral não existe qualquer regime especial da obrigatoriedade da cumulação inicial de pedidos, pelo que o Recorrido não estava “obrigado” a formular todos os pedidos contra a Recorrente no momento da propositura da acção em juízo.
Seja como for,
xiii) In casu, resulta claro que os pedidos de ambas as acções são diferentes e assentam em causas de pedir igualmente distintas.
xiv) Do mesmo modo, as questões formuladas nas duas acções são jurídica e temporalmente distintas, sendo igualmente diferente o efeito jurídico que em ambas as acções se pretende obter e tutelar e bem assim o concreto facto jurídico em que assentam as pretensões para as quais se pede a tutela jurisdicional.
Acresce ainda que,
xv) Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não vislumbra em que medida é que a decisão a proferir nos presentes autos possa vir a contradizer ou a reproduzir a decisão anteriormente proferida, sabido que as questões submetidas à apreciação e decisão nos presentes autos nunca foram objecto de qualquer pronunciamento e análise por parte do mesmo órgão decisor.
xvi) Em concreto, a causa de pedir dos presentes autos não foi objecto da primeira acção, nem podia ter sido, pela simples razão de que não foram alegados os respectivos factos nem as suas respectivas razões de direito, conforme resulta com clarividência da respectiva Sentença que delimitou e concretizou as quantias a pagar pela Ré ao Autor, tendo por base os pedidos concretamente formulados. Só assim não teria sido acaso a primeira decisão tivesse condenado a Ré em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido pela Autor, o que manifestamente não ocorreu.
xvii) Em momento nenhum nos autos precedentes se discutiu ou sequer se alegou os créditos do autor à luz da Lei n.º 7/2008 – Nova Lei das Relações de Trabalho, porquanto a sua análise se centrou em exclusivo na aplicação do Decreto-Lei n.º 24/89/M. Tratam-se, pois, de pedidos e de causas de pedir novos e nunca apreciados anteriormente, pelo que a função do caso julgado não impede que, com base na decisão anteriormente proferida, se peticione um efeito processual não abrangido pelo decisão proferida.
xviii) Contrariamente ao que a Recorrente sugere, a situação apreciada pelo douto Tribunal ad quem no Acórdão n.º 314/2019 é substancialmente distinta da questão em apreciação nos presentes autos, desde logo porque nos referidos autos estava em apreciação créditos laborais que já haviam sido objecto de uma decisão anterior e relativamente a um mesmo período temporal, o que manifestamente se não verifica nos presentes autos.
xix) Questão semelhante à trazida pela Recorrente, já foi apreciada pelo douto Tribunal de Recurso no Ac. 1220/2019, nos termos do qual se decidiu que, tratando-se de períodos temporalmente diferentes, não existe identidade de pedido, razão pela qual deverá improceder o Recurso da Recorrente.
Termos em que devem as presente Alegações de Resposta ser aceites e admitidas e, em consequência, seja julgado improcedente o Recurso interposto pela Recorrente.”
*
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$78.404,30, acrescida de juros legais a contar da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (A) na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado durante 30 minutos para além do período normal de trabalho e pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (seja é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) à luz da Lei n.º 7/2008.
2. In casu, impõe-se apreciar a interpretação que o Tribunal a quo levou a cabo a respeito dos art. 38º e n.º 2 do art. 42º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação da Ré (A) numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de Petição Inicial.
Mais detalhadamente.
3. Resulta da matéria de facto provada que:
- Entre 01/08/2010 até 09/04/2018, por ordem da Ré, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno (…) (16º);
- Entre 01/08/2009 e 09/04/2018 o Autor compareceu ao serviço da Ré (A) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos (…) (18º);
- A Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno (19º);
- A Ré (A) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado (20º).
4. Não obstante a referida factualidade assente, entendeu o Tribunal a quo não ter aplicação o disposto no art. 38º da Lei n.º 7/2008, porquanto a situação dos autos não se poder subsumir em qualquer das suas previsões normativas. Sem razão, porém, está o ora Recorrente em crer.
5. Com efeito, resulta da matéria de facto que o Autor não era livre de comparecer, ou não, durante o referido período que antecedia o início de cada turno. Estava obrigado a fazê-lo porque assim lhe era imposto pela Ré (A) e com carácter de regularidade, convertendo uma situação que a Lei quis como excepcional num regime regra e sem que exista um qualquer registo a comprovar a voluntariedade e/ou consentimento do ora Recorrente.
6. Por outro lado, ficou provado que a Ré (A) nunca conferiu ao Autor o gozo de um período de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado.
7. A este concreto respeito, na falta de voluntariedade, será sempre de aplicar a solução constante do n.º 1 e/ou do n.º 2 do art. 38º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual deve a Ré (A) ser condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$36.319,60 a título de descanso compensatório, em consequência do trabalho extraordinário prestado, correspondente ao seguinte:
- Entre 01/08/2010 a 20/07/2015 – (MOP$7.500/30 dias/8 horas) X 0,5 hora X 1475 dias = MOP$23.046,90;
- Entre 21/07/2015 a 09/04/2018 – (MOP$7.875/30 dias/8 horas) X 0,5 hora X 809 dias = MOP$13.272,70.
8. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 38º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal a quo, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Acresce que,
9. Resulta da matéria de facto assente que:
- Desde 01/08/2010 a 09/04/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos (21º);
- Entre 01/08/2010 a 09/04/2018 (…) a Ré (A) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (…) (23º);
- Entre 01/08/2010 a 09/04/2018 (…) a Ré (A) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal (24º);
- 01/08/2010 a 09/04/2018 a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (25º).
- 01/08/2010 a 09/04/2018 a Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho em dia de descanso compensatório não gozado (26º).
10. Não obstante a referida matéria de facto provado, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois.
11. E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória.
12. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito.
13. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (A) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$94.650,00, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal, acrescido da quantia de MOP$94.650,00 a título falta de marcação e gozo de dia de descanso compensatório – e não só de apenas MOP$23.925,00, correspondente ao seguinte:
- Entre 01/08/2010 a 20/07/2015 – MOP$7.500/30 dias X (1685 dias/7 dias) = MOP$60.000,00 X 2;
- Entre 21/07/2015 a 09/04/2018 – MOP$7.875/30 dias X (924 dias/7 dias) = MOP$34.650,00 X 2.
14. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual formuladas pelo Autor na sua Petição Inicial e relativas ao trabalho prestado em dia de trabalho extraordinário e de descanso semanal, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a ré formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente os pedidos deduzidos a título de descanso compensatório adicional referente aos 30 minutos para além do período normal de trabalho e a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) e descanso compensatório não gozado, por entender que a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo da sobredita compensação e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado dos artigos 38º e ainda do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
II. O Recorrente entende que, por essa razão, deve a douta Sentença Recorrida ser julgada nula e substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação dos referidos normativos.
III. Com mui respeito, nada há apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação dos preceituados do n.º 1 do artigo 38º (conforme pedido na p.i.) e n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
IV. Alega o Recorrente que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no n.º 1 do artigo 38º da Lei n.º 7/2008, e ser condenada a pagar ao Autor o montante de MOP$36.319,60 pelo descanso compensatório adicional referente aos 30 minutos para além do período normal de trabalho.
V. Após analisar o artigo 38, n.º 1 da Lei n.º 7/2008, que menciona que as situações previstas no artigo 36º, n.º 2 das alíneas 1) e 2), não nos parece que o Recorrente tenha qualquer tipo de razão.
VI. Ficou demonstrado o briefing era usado para efeitos de transição de turnos, mormente, para que os colegas que as encontravam no final do turno pudessem entregar aos que iam começar um novo turno os instrumentos de trabalho, tais como o “walkie talkie”.
VII. O trabalhador não tem direito a qualquer período de descanso compensatório, sempre que o trabalho extraordinário seja prestado por solicitação prévia do empregador e obtido o consentimento do trabalhador.
VIII. Além disso, o trabalho antecipado de 30 minutos por dia, já foi considerado como trabalho extraordinário e a, ora Recorrida, condenada a pagar o montante de acordo com o calculo de 1.5 do salário por hora.
IX. O descanso compensatório adicional é somente atribuído em algumas situações que estão previstas do n.º 1 no artigo 38º da Lei n.º 7/2008, conforme o Autor pede na sua petição, nem sempre que se recebe horas extraordinárias tem direito a descanso compensatório adicional.
X. Assim não nos parece, existir as situações previstas no artigo 36º, n.º 2, alínea 1) e 2) e do artigo 38º, n.º 2 da Lei n.º 7/2008, logo a Ré não precisa de prestar a compensação adicional pelas horas extraordinárias do trabalho.
XI. Parece-nos que o Tribunal a quo entendeu bem ao não condenar a ora Recorrida no pagamento do descanso compensatório adicional, pelo que nesta parte o recurso terá necessariamente de improceder.
XII. Alega ainda, o Recorrente que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 43º da Lei n.º 7/2008 por ter condenado a Ré, ora Recorrida, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$23.925,00 pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho) em vez do valor de MOP$94.650,00, como também o montante de MOP$64.650,00 a titulo de falta de marcação e gozo de descanso compensatório, uma vez que não resulta da Lei n.º 7/2008 que a concessão ao trabalhador de um dia de descanso ao 8º dia possa ser considerado como descanso semanal e não ficou provado, nem foi alegado pela Ré nos articulados, que a actividade desenvolvida pela Ré, por si só, torne inviável, o gozo pelo Autor do descanso semanal em cada período de sete dias.
XIII. Não assiste razão ao Recorrente pois nada há a pontar à decisão proferida nesta parte pelo douto Tribunal Judicial de Base.
XIV. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória – é actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino, pelo que não haveria necessidade de fazer mais qualquer outra prova nos autos.
XV. Nem se diga que pela matéria dada como provada aos quesitos 14º, 15º, 18º e 23º da sentença pois bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 33º, 35º e 44º da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo o Autor Recorrente gozava um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da fundamentação na resposta dada à matéria de facto.
XVI. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 01/08/2010 e 09/04/2018, não poderia ter sido calculado de modo diferente.
XVII. No que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor em 01/01/2009 da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, isto é: «O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.»
XVIII. Sendo que, dispõe o art.º 43º, n.ºs 1, 2 e 4 do mesmo diploma: «1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando: (…) 3) Quando a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da empresa. 2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e o direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base ou gozar, dentro de trinta dias, um dia de descanso compensatório para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal; 4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a: 1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal».
XIX. No caso dos autos e como supra se referiu, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitavo dia como descanso semanal nos termos do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
XX. Ora, conforme o alegado pelo Recorrente nos artigos 63º e 64º da Contestação e pela matéria dada como provada na resposta ao quesito 22º, e como supra se referiu, por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem como, em função da natureza do sector de actividade da ora Recorrida – Casino – que é de laboração contínua, poderá o empregador ter a necessidade de fixar e atribuir esses dias de descanso semanal não ao sétimo dia, mas num outro dia do mês.
XXI. E o mesmo se diga relativamente à compensação adicional referente ao descanso compensatório pelo trabalho prestado entre 01/08/2010 e 09/04/2018, também não tem razão o ora Recorrente.
XXII. Conforme foi já decidido em processos em tudo idênticos ao dos presentes autos, com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas.
XXIII. Nos presentes autos, uma vez que a Lei n.º 7/2008 permite que o descanso semanal possa ocorrer em cada oitavo dia nos termos do art.º 42º, n.º 2 da Lei n.º 7/2008, o Autor apenas terá direito a receber um acréscimo de um dia de remuneração de base mais um outro dia de remuneração de base a título de compensações pelo dia de descanso compensatório não gozado.
XXIV. É que o Recorrente já gozou de um dia de dispensa remunerado em cada oitavo dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivo, conforme resulta do alegado pelo Autor na sua petição inicial.
XXV. Nesta medida, verificando-se no caso sub judice uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 42º e no artigo 43º da Lei n.º 7/2008 e resultando da matéria de facto dado como provado que o Recorrente descansou ao 8º dia, bem andou o douto Tribunal a quo ao atribuir ao Recorrente de uma compensação de MOP$23.925,00.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 03/12/1998 a 21/07/2003, o Autor prestou funções de guarda de segurança para a C S.A., na qualidade de trabalhador não residente. (A)
Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) da C para a Ré (A), com efeitos a partir de 22/07/2003. (B)
E entre 01/08/2010 a 20/07/2015 a Ré (A) pagou ao Autor a quantia de MOP$7.500,00, a título de salário de base mensal. (C)
Entre 21/07/2015 a 09/04/2018, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7.875,00, a título de salário de base mensal. (D)
Entre 22/07/2003 e 09/04/2018, o Autor prestou trabalho para a Ré (A) nos mesmos casinos, com os mesmos colegas e respeitando as ordens dos mesmos superiores hierárquicos que consigo trabalhavam na C. (1º)
Entre 22/07/2003 a 31/03/2010, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98, aprovado pelo Despacho n.º 03297/IMO/SACE/98. (2º)
Entre 01/08/2010 a 31/07/2011, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 06279/IMO/GRH/2010. (3º)
Entre 01/08/2011 a 31/07/2012, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 06743/IMO/GRH/2011. (4º)
Entre 01/08/2012 a 31/07/2013, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 11206/IMO/GRH/2012. (5º)
Entre 18/07/2013 a 20/07/2014, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 14932/IMO/GRH/2013. (6º)
Entre 21/07/2014 a 20/07/2015, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 16331/IMO/GRH/2014. (7º)
Entre 21/07/2015 a 20/07/2016, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 21493/IMO/GRH/2015. (8º)
Entre 21/07/2016 a 20/07/2017, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 20355/IMO/GRH/2016. (9º)
Entre 21/07/2017 a 09/04/2018, o Autor exerceu a sua actividade profissional para a Ré (A) ao abrigo do Despacho n.º 15014/IMO/DSAL/2017. (10º)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (11º)
A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (12º)
O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (13º)
Entre 01/08/2010 e 09/04/2018, o Autor prestou trabalho diariamente, sem prejuízo de 24 dias de férias anuais por cada ano civil e dispensas de trabalho não remuneradas, nomeadamente os dias indicadas nas fls. 24 a 28, bem como um dia de descanso no oitavo dia após cada sete dias de trabalho consecutivos durante ao serviço da Ré.” (14º, 15º)
Entre 01/08/2010 até 09/04/2018, por ordem da Ré, o Autor está obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (16º)
Durante o referido período de tempo, tem lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual são inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (17º)
Entre 01/08/2010 e 09/04/2018, o Autor compareceu ao serviço da Ré (A) com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo da resposta aos quesitos 14º e 15º. (18º)
A Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (19º)
A Ré (A) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (20º)
Desde 01/08/2010 a 09/04/2018, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré (A) num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (21º)
A que se segue um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecede a mudança de turno. (22º)
Entre 01/08/2010 e 09/04/2018, a Ré (A) não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da resposta aos quesitos 14º e 15º. (23º)
Entre 01/08/2010 a 09/04/2018 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré (A) nunca solicitou ao Autor autorização para que o período de descanso não tivesse uma frequência semanal. (24º)
Entre 01/08/2010 e 09/04/2018 a Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (25º)
Entre 01/08/2010 a 09/04/2018 a Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho dia de descanso compensatório não gozado. (26º)
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (27º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Comecemos pelo recurso intelocutório interposto pela ré.

Da alegada excepção de caso julgado

Invoca a ré que os créditos devidos ao autor pelos 30 minutos de trabalho por dia prestados antes do início de cada turno e os devidos pelo trabalho prestado em cada período de sete dias devem improceder com fundamento na violação de caso julgado.
Alega a ré ora recorrente que na primeira acção intentada no âmbito do Processo n.º LB1-18-0051-LAC foi alegado, e provado, o facto de que o autor esteve a trabalhar a partir de 22.7.2003 para com a A até 9.4.2018, mas não tendo aquele formulado naquela acção créditos laborais relativamente a todo esse período, antes tendo fraccionado a reclamação dos créditos laborais em duas acções autónomas (incluindo a presente), daí entende se ter formado caso julgado.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«Excepção do caso julgado
Nos termos do art. 416º, n. 1º e 2º do CPC, ex vi do art. 1º do CPT, “1. As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
Ao mesmo tempo, dispõe o art. 417º do mesmo Código que, “1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, considerando-se como causa de pedir nas acções reais o facto jurídico de que deriva o direito real e, nas acções constitutivas e de anulação, o facto concreto ou a nulidade especifica que a parte invoca para obter o efeito pretendido.”
Das referidas normas resulta que a excepção do caso julgado destina-se a proibir a repetição duma causa ou acção, que depende da verificação simultânea da identidade dos sujeitos, da causa de pedir e do pedido entre as duas acções. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
No caso subjudice, dúvida não resta que entre a presente acção e a acção sob o processo n. LB1-18-0051-LAC há identidade dos sujeitos. No entanto, não existe nem identidade do pedido nem a da causa de pedir, porquanto na acção anterior se pediu e se julgou as compensações pelos 30 minutos de trabalho antes do início de cada turno e pelo trabalho prestado em sétimo dia em cada período de sete dias de trabalho consecutivo com o período diferente que na presente acção se alega e se pede.
Assim, não se verifica a excepção do caso julgado por não se ter verificado cumulativamente a tríplice identidade entre a acção antiga e a presente.
Pelas razões acima expostas, julga-se improcedente a excepção do caso julgado.».

Vejamos então.

À matéria que consta do despacho recorrido acrescentamos que a acção que correu termos sob o nº LB1-18-0051-LAC foi instaurada em 12.03.2018 e foram reclamados créditos até 31.03.2010 como da sentença na mesma proferida resulta – cf. fls. 64 a 105 -.
Nesta acção reclamam-se créditos de 01.08.2010 a 09.04.2018.

Sobre esta matéria já nos pronunciámos em vários Acórdãos entre eles o de 22.10.2020 proferido no processo 636/2020, de onde retiramos:
«Relativamente a situação idêntica à suscitada nestes autos foram já proferidos Acórdãos por este tribunal em 30.07.2020 no processo 583/2020 e em 11.07.2019 no processo 314/2019.
No acórdão de 11.07.2019 diz-se:
«Ora, salvo o melhor respeito, não nos parece andar certo quando o Tribunal a quo afirmou que não se verifica a excepção de caso julgado porque o pedido deste processo é a compensação por falta de marcação pela Ré dos dias de descanso compensatório.
A falta de marcação pela Ré dos dias de descanso compensatório em si não confere nenhum direito ao trabalhador, o que releva é saber se ele chegou ou não gozar de dias de descanso nas condições legalmente fixadas! Ou seja, o que importa é sempre o resultado, e não o procedimento!
No processo Nº LB1-12-0119-LAC, que deu origem ao recurso para o TSI, sob o nº 693/2014, cuja decisão foi proferida em 19/03/2015, com o seguinte teor:
“O Tribunal a quo condenou a Ré a pagar ao Autor na quantia de MOP$519,629.55, com os juros de mora legais, a título de compensação dos dias de descanso semanal não gozados, com base no cálculo do salário diário resultante da média do rendimento total de cada ano.
Salvo o devido respeito, não achamos que o Tribunal procedeu de forma correcta.
Vejamos.
Em primeiro lugar, nos termos acima expostos, concedemos provimento ao recurso interlocutório, no sentido de não admitir a formulação do novo pedido e a ampliação do pedido inicial.
A consequência do provimento daquele recurso implica que o Tribunal tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir – nº 1 do artº 564º do CPCM.
Ciente de que o nº 3 do artº 42º do CPT permite que o Tribunal pode e deve, no âmbito do processo laboral, condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diferente do dele, sempre que isso resulte da aplicação à matéria de facto de preceitos inderrogáveis das leis ou regulamentos.
Este poder/dever processual do Tribunal prende-se com a indisponibilidade dos créditos do trabalho, com vista a proteger os trabalhadores por ser a parte mais fraca em relação à entidade patronal na constância da relação laboral.
No entanto, tem sido consolidado na jurisprudência da RAEM, tanto do TSI como do TUI, o entendimento de que a indisponibilidade dos créditos do trabalho cessa com a extinção da relação laboral, a partir da qual o trabalhador fica livre de dispor os seus créditos resultantes do trabalho, na medida em que desapareceu já o factor determinante da sua protecção especial – a existência da relação laboral.
Isto significa que após a cessação da relação laboral, o Tribunal deixa de ter o tal poder/dever, tem de decidir em conformidade com o pedido, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, que é o caso.
Por outro lado, resulta da sentença recorrida que a Ré pagou ao Autor, ao longo da duração da relação laboral, os subsídios de alimentação e de efectividade, bem como as remunerações das horas extraordinárias acordadas.
Portanto, o rendimento anual do Autor incluía certamente os referidos pagamentos.
Essas remunerações não devem fazer parte integrante do salário diário para efeitos do cálculo da compensação dos dias de descanso semanal não gozados, na medida em que foi estipulado de forma expressa um salário diário próprio, aceite por ambas as partes, pelo que deve relevar esse salário diário para determinar o quantum da compensação dos dias de descanso semanal não gozados.
Segundo o mapa de apuramento constante da sentença recorrida, o número total dos dias de descanso semanal não gozados é de 687 dias.
No entanto, o Autor só pediu na petição inicial a compensação de 640 dias (artº 94º da p.i.).
Nesta conformidade, o Autor tem direito de receber a quantia de MOP$140.800,00, resultante da aplicação da seguinte fórmula: Nº de dias não gozados e pedidos X salário diário acordado X 2.”
Ora, nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 416º/2 e 417º do CPC, são 3 argumentos para revogar a decisão ora posta em crise:
1) – As Partes (Autor e Ré) são iguais entre o Processo nº 693/2014 do TSI e este;
2) – A causa de pedir é a mesma – está em causa sempre o período em que se mantinha a relação laboral entre o Autor e a Ré, ou seja, no período de 1994 a 2017!
3) – O pedido é idêntico (ou pelo menos, o direito de descanso semanal não gozado).
Mais, a questão levantada já foi objecto de tratamento específico no acórdão do Processo nº 693/2014, de 19/03/2015, nos termos acima citados.
Pelo que, seguido o raciocínio expendido no referido aresto, o demandante não pode “fraccionar” o seu pedido, mormente quando já cessou a relação laboral. Nestes termos, como a questão já foi decidida, formou-se nitidamente caso julgado.
Julga-se assim procedente a excepção de caso julgado (Processo nº 693/2014 do TSI) (artigo 413º/j) do CPC), absolvendo-se a Ré da instância e ficando o Tribunal impedido de conhecer do mérito (artigos 412º/2 e 413º/-j) do CPC).».
O caso julgado tem duas funções que a doutrina normalmente distingue entre o efeito positivo ou autoridade do caso julgado e efeito negativo ou excepção do caso julgado.
A primeira consiste na obrigatoriedade/autoridade da decisão transitada em julgado a qual tem de ser cumprida obedecida não só por todos os tribunais como também pelos sujeitos públicos ou privados, enquanto que a segunda visa impedir/obviar a que os tribunais sejam colocados na situação de ter de decidir duas vezes a mesma situação ou de proferirem decisões contraditórias entre si.
Acompanhando o Acórdão do STJ de Portugal de 12.05.2017 proferido no processo nº 1565/15.8T8VFR-A.P1S1, ali se diz:
«E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).
Nas palavras de CASTRO MENDES, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 36 e segs.).
Assim:
— A função positiva do caso julgado opera o efeito de “autoridade do caso julgado”, o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos. 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.
E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.
 — A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.
A este propósito, sublinha TEIXEIRA DE SOUSA: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25).
E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).
Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excecionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção» (in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, p. 354).
Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:
— A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;
— A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida.
(Cfr. RODRIGUES BASTOS, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 60 e 61)
2.1.2. O caso julgado como exceção dilatória: da tríplice identidade exigível para a sua aferição
Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil).
E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).
Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide.
A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação, conforme infra (sob o ponto 2.1.3.2.) melhor se analisará.
Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.
E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter.
Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objeto da acção.
E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.
Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que «o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 576).
2.1.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado
Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objetivos e subjetivos (questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.
(…)
2.1.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito
Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância.
A relevância desse momento implica, então, a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. Ou seja: tal referência temporal do caso julgado consubstancia um momento preclusivo.
De extrema pertinência revelam-se, assim, os ensinamentos de CASTRO MENDES, que, a propósito do assinalado efeito preclusivo, afirma:
«Fora da hipótese de factos objetivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida “rebus sic stantibus” - cremos que os “contradireitos” que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura.
O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem.(…)»
E prossegue o mesmo Autor:
«A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.
Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.
A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objeto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu.
(…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.
(…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que "não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado". O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo “ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim”, tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo "princípio-irmão" do caso julgado material.
 (…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. (…) Sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.»
E, depois de acentuar que o efeito preclusivo precede a própria prolação da sentença, uma vez que se verifica no momento em que ocorre a cominação ou preclusão processual que está na sua base, formula a seguinte conclusão:
«Com o trânsito em julgado da sentença, o efeito preclusivo dissolve-se porém no instituto geral do caso julgado, e traduz-se no afastamento de possíveis limites argumentativos do mesmo. Se o tribunal condena o réu a pagar 100, fica assente que o réu deve 100 ao autor; e a indiscutibilidade desta afirmação não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. Tal efeito apresenta-se portanto, segundo cremos, como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.»  (In "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 178 e segs.)
Ressaltando do exposto que a preclusão, enquanto fenómeno processual, mostra correlatividade com um ónus processual, então, importará ainda ter presente que o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cfr. artigo 573º, nº 1 do Código de Processo Civil), isto é, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação - na sugestiva expressão de CASTRO MENDES, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177) -, pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, por razões de lealdade na litigância processual, a que subjazem, igualmente, razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram, mas poderiam ter sido, invocados.
Quanto à posição do Autor, CASTRO MENDES ensinava que «sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo» e que «… é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 179)  
Sublinhando as consequências mais importantes do aludido princípio, esclarece MANUEL DE ANDRADE: «devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha» (in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 382).
No mesmo sentido, MIGUEL MESQUITA vem afirmar que «o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário ou uma decisão que desfira um golpe fatal no direito reconhecido pela precedente sentença» (in “Reconvenção e Excepção em Processo Civil”, p. 439).
E, afrontando a problemática da natureza do direito de reconvir, mais sustenta que o réu «necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito», ficando, assim, «inibido de propor uma contra-ação independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram», já que, proferida uma sentença favorável ao autor, a formação de caso julgado material, impede o réu de, através de uma nova ação, com base em factos anteriores, vir a afetar o teor da sentença antes proferida (in ob. cit., p. 429, 441 e 453).
Ademais, em matéria de efeitos da citação, o artigo 564º, al. c), do Código de Processo Civil, determina que a citação do réu inibe esta parte de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor.
Ou seja: a propositura de uma ação impõe ao réu um ónus de concentração de toda a sua defesa na ação pendente, obstando, portanto, à admissibilidade de uma ação destinada a contrariar o efeito pretendido pelo autor.
Por outro lado, importa referir o ensinamento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (citado na decisão impugnada), «O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.
Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da ação anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. Portanto, quanto ao autor a preclusão incide sobre os factos complementares.
A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objecto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal» (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª. Edição, pág.586).
No caso dos autos o que ocorre é que o Autor invocando um contrato de trabalho entre si e a Ré, ao abrigo do qual aquele prestou para esta a sua actividade entre 22.07.2003 e 06.04.2010, vem pedir o pagamento de créditos laborais relativos ao período de 01.01.2009 a 06.04.2010.
Com base no mesmo contrato de trabalho e referente ao mesmo período temporal o Autor havia instaurado acção a qual correu termos sob o nº LB1-18-0244-LAC em que pediu a condenação da entidade patronal a pagar-lhe os créditos vencidos até 31.12.2008.
Ou seja, no processo que já tem decisão transitada em julgado a Ré foi condenada a pagar ao autor créditos laborais referentes a períodos até 31.12.2008 e nos autos que hoje temos em apreciação são pedidos créditos referentes ao período de 01.01.2009 até ao termo da relação laboral.
De acordo com o disposto no artº 417º do CPC repete-se a causa quando há identidade quanto aos sujeitos, causa de pedir e pedido.
No caso em apreço quanto aos sujeitos duvidas não há quanto à sua identidade uma vez que se tratam da mesma pessoa física e jurídica.
A questão coloca-se quanto à identidade de causa de pedir e do pedido.
Naquela acção o trabalhador/autor quantificou os seus créditos até 31.12.2008 e nada pediu quanto a créditos de 2009 e 2010 podendo fazê-lo uma vez que a relação laboral já havia terminado.
Nesta acção o trabalhador/autor vem pedir os créditos referentes a 2009 e 2010.
A dogmática da causa de pedir anda de longe de ser fácil de definir1, sendo que para efeitos de litispendência e caso julgado o nº 4 do artº 417º do CPC a define como sendo o facto jurídico de onde emerge a pretensão do Autor, o que nos reconduz aos fundamentos de facto e de direito.
No caso em apreço o contrato de trabalho e os termos em que a actividade foi prestada bem como as normas de onde emergem os direitos do autor será sem dúvida a causa de pedir.
O problema está em saber se o ter de chegar com antecedência 30 minutos todos os dias em que trabalhou e nunca ter gozado descanso adicional por trabalhar ao 7º dia depois de 6 dias consecutivos de trabalho também no período de 2009 e 2010, se são factos que integram a causa de pedir para efeitos de caso julgado.
Ora, dúvidas não há que estes factos fazem parte da causa de pedir no sentido de que relevam para a quantificação do pedido, no entanto nada obstava que o autor os tivesse invocado na primeira acção, sendo certo que numa e noutra acção o pedido do autor emerge duma única relação laboral e a actividade desenvolvida no âmbito da mesma de onde resultam os créditos reclamados.
Há que concluir que para efeitos de caso julgado há identidade de causa de pedir.
Quanto ao pedido a diferença está na quantificação, sendo certo que o efeito jurídico pretendido é igual.
No processo que correu termos a Ré foi condenada a pagar ao Autor créditos laborais referentes a períodos até 31.12.2008 e nos autos que hoje temos em apreciação são pedidos créditos referentes ao período de 01.01.2009 até ao termo da relação laboral.
Ora, tal como se refere na decisão citada supra deste Tribunal, a indisponibilidade dos créditos laborais verifica-se apenas durante e enquanto decorrer a relação laboral, pelo que, finda a qual deixa de ter aplicação o disposto no nº 3 do artº 42º do CPT, ficando o tribunal limitado a condenar apenas até ao limite do que for pedido.
Da mesma sorte o trabalhador, após o termo da relação laboral é livre de vir pedir de entre os créditos a que tiver direito aqueles que entender.
Porém, sendo a causa de pedir o contrato de trabalho que existiu entre Autor e Ré, relativamente aos créditos que o trabalhador não reclamar preclude o respectivo direito.
A isto alude o Acórdão do STJ de Portugal citado supra quando transcreve os ensinamentos de Castro Mendes. Face ao artº 566º do CPC de Macau (611º do CPC Português), na sentença deve-se atender à situação existente no momento do encerramento da discussão o que segundo aquele autor implica para as partes a obrigação de invocarem os factos supervenientes sob pena de jamais o poderem vir a fazer.
Por maioria de razão, se o Autor não pedir/reclamar o pagamento de créditos já existentes aquando da instauração da acção, independentemente da causa porque o fez, jamais o poderá voltar a fazer.
Como ensina Rui Pinto em Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias «O pedido é o efeito jurídico que a parte ativa pretende obter pela decisão do tribunal e que ela retira materialmente da causa de pedir que invoca, “pedido” é sinónimo de ação na terminologia do artigo 10.º - uma espécie de acção e a espécie de “efeito jurídico” pretendido (cf. artigo 581.º, n.º3).
Esse efeito jurídico tem por objecto certo e determinado bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Em termos simples, o pedido tem por objecto imediato determinado efeito jurídico que se retira da causa de pedir e por objecto mediato o bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Donde, há identidade de pedido quando em causas diferentes a parte ativa pretende uma sentença com idêntico efeito jurídico para um mesmo e determinado bem jurídico.».
Ora, na primeira acção instaurada o Autor tinha como causa de pedir o contrato de trabalho e não lhe terem sido pago determinados créditos laborais e o pedido consistia em que lhe fossem pagos esses créditos laborais.
Nesta acção a causa de pedir e o pedido do ponto de vista do efeito e do bem jurídico protegido são rigorosamente iguais.
É certo que na primeira acção o Autor não pediu créditos laborais referentes a 2009 e 2010, o que vem fazer agora nesta acção, mas podia tê-los pedido naquela outra uma vez que a acção foi instaurada quando estes já se haviam vencido e a relação laboral cessado.
Se o não fez, a omissão apenas ao Autor é imputável, mas o efeito preclusivo do caso julgado impede que o tribunal volte a ser colocado na situação se apreciar novamente a situação.
O efeito jurídico pretendido com o pedido numa e noutra acção é igual, estando a diferença apenas na quantificação.
Destarte, no caso em apreço não só há identidade de sujeitos e de causa de pedir, como também de pedido.
Assim sendo, seguindo aquela que tem vindo a ser a jurisprudência deste tribunal em situações idênticas, impõe-se revogar o despacho recorrido, julgando em substituição, procedente a excepção do caso julgado invocada pela Ré aqui Recorrente, sendo esta absolvida da instância ficando assim prejudicado e sem efeito tudo quanto se decidiu após o despacho revogado a fls. 94 sem prejuízo da ordenada correcção à p.i..».

Atentamos agora à situação “sub judice”.

A situação do caso dos autos diverge um pouco daquela outra, alegando o Autor e agora Recorrido que como ainda estava ao serviço da Ré quando a primeira acção foi instaurada os créditos laborais eram indisponíveis pelo que, não funciona o efeito do caso julgado quanto aos não reclamados.
Contudo, não lhe assiste razão.
Se é certo, como já se referiu que a primeira acção foi instaurada em 12.03.2018 quando o Autor ainda estava ao serviço da Ré, também é verdade que quando a decisão nessa acção foi proferida em 22.02.2019 já aquela relação havia terminado em 09.04.2018, isto é, 28 dias depois de instaurada a acção.
Ou seja a indisponibilidade dos créditos laborais ocorre quando a acção está em curso, pelo que, nada impedia ao Autor que valendo-se desse efeito tivesse reclamado aquilo a que tivesse direito e que apenas por temor reverencial não haja feito, sendo que, então se aplicava o nº 3 do artº 42º do CPT caso se concluísse pela indisponibilidade dos créditos.
Por outro lado a indisponibilidade dos créditos durante a relação laboral prende-se com a segurança do vinculo laboral versus o risco que resulta de instaurar uma relação laboral contra a entidade patronal.
Ora, se o Autor veio reclamar os créditos decorrentes do trabalho extraordinário e não gozo de descanso semanal não se entende porque não o fez até ao momento em que deduziu o pedido, mas se tal se ficou a dever ao temor de ser despedido, nada impedia que recorrendo à superveniência da cessação da relação laboral viesse pedir tudo a que se achava com direito.
Não o tendo feito e tendo deixado transitar em julgado a decisão que já após o termo da relação laboral conheceu dos créditos laborais a que tinha direito, precludiu a possibilidade de o voltar a fazer.

De outra sorte goza o período da relação de 12.03.2018 a 09.04.2018.
Sendo este período posterior à instauração daquela acção não funciona quanto ao mesmo a excepção do caso julgado.

Destarte, no que concerne ao recurso interlocutório, impõe-se revogar o despacho recorrido julgando parcialmente procedente a excepção do caso julgado relativamente a todos os créditos referentes ao período até 12.03.2018 e improcedente quanto aos créditos reclamados referentes ao período posterior.

Do recurso interposto da decisão final.

Vem o Autor interpor recurso da decisão final quanto ao cálculo da indemnização devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e a indemnização que entende ser devida pela não concessão de descanso compensatório quanto ao trabalho extraordinário prestado.

Em face da matéria de facto apurada temos que neste período de 28 dias o Autor por três vezes não gozou o dia de descanso semanal ao 7º dia, embora lhe tenha sido fixado um dia de descanso compensatório ao oitavo dia e tendo trabalhado 28 dias e descansado 3 (ao oitavo dia), em 25 dias trabalhou mais meia hora que como resulta da sentença recorrida, a cujos fundamentos, nesta parte, aderimos, foi trabalho extraordinário.
O Autor trabalhava consecutivamente durante 7 dias e descansava ao 8º dia, conforme resulta da matéria de facto assente.
Relativamente a esta matéria tem «Este TSI tem entendido de forma unânime, que o trabalho prestado no sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Tem o Autor já gozado os dias de descanso compensatório a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008, só fica por pagar-lhe o acréscimo de uma remuneração de base correspondente aos (…) dias de trabalho prestado no descanso semanal.» - cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 83/2021, de 29.04.2021.
Pelo que, de acordo com o que tem vindo a ser o entendimento deste TSI, e tendo em consideração a matéria de facto apurada, tendo o Autor já gozado o dia de descanso compensatório a que teria direito (o descanso ao 8º dia), pelo trabalho prestado ao 7º dia tem este direito a receber apenas o acréscimo da remuneração correspondente a um dia de trabalho nos seguintes valores:
- Entre 12.3.2018 e 9.4.2018 por 3 dias de trabalho ao 7º dia, tem a receber MOP787,50 (MOP7.875,00/30x3);

E quanto à meia hora de trabalho extraordinário em 24 dias tem direito a receber MOP615,19 (MOP7.875,00 / (30 x 8 horas) x 1.5 x 0.5 hora x 25 dias).

No que concerne à indemnização devida pela não concessão de descanso compensatório na sequência do trabalho extraordinário prestado, tal como tem vindo a ser jurisprudência deste tribunal não assiste razão ao Autor.
Relativamente a esta matéria alegava o Autor na p.i. – e agora em sede de recurso – que tendo sido prestado trabalho extraordinário para além do direito à remuneração do mesmo, tem ainda o trabalhador direito a descanso compensatório nos termos do artº 38º da Lei nº 7/2008.
É a seguinte a redacção do preceito em causa:
Artigo 38.º
Descanso compensatório
1. Nas situações previstas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 36.º, o trabalhador tem direito a gozar um descanso adicional, remunerado nos termos gerais, com uma duração:
1) Não inferior a vinte e quatro horas, se o período de trabalho atingir o respectivo limite diário máximo;
2) Proporcional ao período de trabalho prestado, se o período de trabalho não atingir o respectivo limite diário máximo.
2. O disposto no número anterior aplica-se à situação prevista na alínea 3) do n.º 2 do artigo 36.º se o trabalhador prestar trabalho extraordinário durante dois dias consecutivos.
3. O direito ao descanso compensatório é gozado nos quinze dias seguintes ao da prestação do trabalho extraordinário, em dia escolhido pelo trabalhador, com a concordância do empregador.
4. Na falta de acordo entre trabalhador e empregador quanto ao dia em que o descanso compensatório deve ser gozado, o mesmo é fixado pelo empregador.
Os nºs 1) e 2) do nº 2 do artº 36º estipulam que:
«2. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho extraordinário, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Se verifiquem casos de força maior, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;
2) O empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, caso em que o período de trabalho diário não pode exceder dezasseis horas;»
No caso em apreço não se alega, nem se demonstra que o trabalho extraordinário prestado o haja sido por alguma daquelas razões, pelo que, não tinha o Autor direito ao descanso compensatório.
Assim sendo, ao improceder esta pretensão do Autor bem se andou na decisão recorrida o que aqui agora se confirma.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
1. Concedendo parcial provimento ao recurso interposto pela Ré, revoga-se o despacho recorrido de fls. 111 e 111v e em consequência julga-se procedente a excepção do caso julgado relativamente a todos os créditos referentes ao período até 12.03.2018 e improcedente quanto aos créditos reclamados referentes ao período posterior;
2. Revoga-se na decisão recorrida, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a indemnização MOP1.402,69, sendo absolvida dos demais pedidos.
  
Custas pelo Autor e Ré na proporção do decaimento.

Registe e Notifique.

RAEM, 17 de Março de 2022
  
    Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
   Lai Kin Hong


(Declaração de voto vencido)
     No Acórdão em apreço entendeu verificar-se a situação de caso julgado com fundamento de que na acção anterior foi alegado, e provado, o facto de que o trabalhador, ora recorrido, esteve a trabalhar entre 22.7.2003 e 9.4.2018 para a ré, mas não tendo o mesmo autor formulado naquela acção créditos laborais relativamente a todo esse período, antes tendo fraccionado a reclamação dos créditos laborais em diferentes processos, daí entendeu se ter formado caso julgado.
     Salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, sou de entender que verificado não está a alegada excepção dilatória.
     Para que haja caso julgado, é necessário verificar-se identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, ao abrigo do artigo 417.º do CPC.
     No caso em apreço, sou de entender que apenas há identidade de sujeitos e causa de pedir entre as acções, sendo diferente o pedido.
     Não obstante ter sido alegado e provado em acção anterior que o autor esteve a trabalhar para com a sua entidade patronal ora recorrente entre 22.7.2003 e 9.4.2018, mas não tendo o autor formulado naquela acção créditos laborais relativamente ao período posterior a 3.2010 objecto de discussão nos presentes autos, não há, a meu ver, identidade de pedido (não me parece que há apenas diferença quanto ao valor peticionado, antes o facto que serviu de fundamento ao cálculo daquele valor peticionado não é igual ao da presente acção), sendo assim, não se ter formado caso julgado.
     Ademais, uma vez que, atento o princípio do dispositivo, não há norma que obriga a que o credor tenha que formular todos os pedidos numa só acção, sou de opinião de que o credor pode escolher aquilo que melhor entender.
     E não se diga que é para evitar decisões contraditórias.
     Em boa verdade, observa Viriato de Lima2, citando as palavras de Rodrigues Bastos: “…embora o caso julgado se deva considerar restrito à parte dispositiva do julgamento, deve alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, às questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à parte dispositiva da sentença.”
     No caso dos autos, está provado que na acção anterior o trabalhador esteve a trabalhar para com a sua entidade patronal ora recorrente entre 22.7.2003 e 9.4.2018 e que não recebeu determinados créditos laborais. Por ser aquela questão comum em todas as acções posteriores, constitui pressuposto da apreciação de ulteriores pedidos, daí que não se afigura ser lícito ao tribunal apreciar a tal questão em termos diferentes, isso significa que, no fundo, não vai haver lugar a decisões contraditórias quanto àquela matéria de facto.
     Tecidas as considerações acima expostas, sou de entender que, por não ter o autor formulado anteriormente pedido de créditos laborais relativamente ao período posterior a 3.2010, não há identidade de pedido entre as duas acções e, consequentemente, não há lugar a caso julgado, devendo confirmar a decisão interlocutória nos seus precisos termos e passar a apreciar o recurso da sentença final.
     
      Tong Hio Fong
      17.3.2022
1 Veja-se Mariana França Gouveia em A cauasa de pedir na acção declarativa, Almedina.
2 Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, CFJJ, 2018, pág. 579
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Recurso Laboral 94/2022 Página 13