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Processo nº 885/2021
Data do Acórdão: 17MAR2022


Assuntos:

Falta de fundamentação
Vícios novos do acto administrativo recorrido
Imposto especial sobre o jogo
Isenção excepcional do pagamento do imposto complementar de rendimentos
Actos vinculados
Os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade


SUMÁRIO

1. A nulidade a que se refere a alínea b) do nº1 do artº 571º do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, e que só a falta em absoluto da menção de factos provados ou da fundamentação gera a nulidade da sentença prevista no artº 571º, nº1, al. b) do CPC.

2. Os vícios do acto administrativo, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores.

3. À luz do disposto no artº 28º da Lei nº16/2001, não há qualquer isenção ipso jure, o pagamento do imposto especial sobre o jogo não implica a isenção do pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei. A isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique mediante despacho do Chefe do Executivo a proferir no uso do seu poder discricionário.

4. Os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade circunscrevem-se apenas ao exercício de poderes discricionários, não sendo operantes nos actos administrativos vinculados.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 885/2021


Acórdão em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de recurso contencioso fiscal nº 2953/20-CF, que corre os termos no Tribunal Administrativo, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedente o recurso:
I. Relatório
  Recorrente A, melhor id. nos autos,
  Interpôs o presente recurso contencioso fiscal contra
  Entidade Recorrida COMISSÃO DE REVISÃO DO IMPOSTO COMPLEMENTAR DE RENDIMENTOS DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS que, pela sua deliberação tomada em 2 de Abril de 2020, manteve a matéria colectável do exercício de 2018 em MOP160,912,479.00 e fixou o agravamento, a título de custas, em 0.009% sobre a colecta.
  Alegou a Recorrente, com os fundamentos a fls. 2 a 21 dos autos, em síntese:
  - a falta de fundamentação e omissão de pronúncia,
  - a violação das normas do artigo 551.º do Código Comercial de Macau, o artigo 28.º da Lei n.º 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo nº 333/2007, os artigos 2.º, 3.º, 46.º e 55.º do RICR, e
  - a violação dos princípios gerais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade e a violação da lei por dupla tributação.
  Concluiu, pedindo a declaração de nulidade ou a anulação do acto recorrido.
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  A Recorrida contestou, com os fundamentos a fls. 137 a 156 dos autos, pugnando-se pela improcedência do recurso.
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  Ambas as partes apresentaram alegações facultativas.
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  No parecer final, o digno Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer com fundamentos a fls. 216 a 220v dos autos, promovendo que fosse julgado improcedente o recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
   “…司法上訴人A就被訴實體財政局所得補充稅複評委員會於2020年4月2日作出不接納其稅務申駁,維持其2018年度可課稅收益為澳門幣160,912,479.00元、及對稅款訂定0.009%的稅額之提增的決議向行政法院提起本稅務司法上訴,要求宣告被訴行為無效或將之撤銷,主張被訴行為沾有大量違法瑕疵,尤其是被訴行為欠缺說明理由、違反作出決定義務、違反《商法典》第551條、違反一系列法律原則(平等、適度、公正無私、善意)、以及存在雙重徵稅。
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  隨後,司法上訴人在非強制性陳述要求基於被訴實體附入一份由財政局局長作出的批示文件,增加請求的依據,主要質疑被訴實體對司法上訴人與其他類似公司存在差別對待,同時質疑欠缺上述可課稅收益金額的計算由來。
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  對於司法上訴人在非強制性陳述提出的事宜,終審法院在第35/2012號合議庭裁判指出:“Nos termos do artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, só podem ser invocados vícios novos nas alegações do recurso contencioso se o recorrente só tiver conhecimento dos factos em que se baseiam tais vícios supervenientemente, por exemplo, com a junção do processo instrutor.” (粗體及底線另外加上);換言之,法律只是允許司法上訴人可以在非強制性陳述基於嗣後知悉而主張構成被訴行為非有效的新瑕疵的事實,而不是單純屬於已經在起訴狀主張的瑕疵的“新證據”。
  按照司法上訴人在非強制性陳述描述的內容,司法上訴人實際上只是重申被訴行為存在欠缺說明理由及違反平等原則的問題,而並非真正意義上主張出現新的非有效瑕疵。由於不符合《行政訴訟法典》第68條第3款的規定,應對相關內容不予審理。
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  就司法上訴人在起訴狀主張的違法瑕疵,我們的意見如下:

  欠缺說明理由
  按照起訴狀陳述法律事宜的部分,雖然司法上訴人在開頭(第41至43點)曾提及計算可課稅收益的問題,但縱觀全部內容,司法上訴人實際上是在質疑被訴行為沒有清楚說明不給予其豁免所得補充稅的原因。
  對於行政行為說明理由的要件,終審法院在第116/2019號合議庭裁判指出:“Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Para haver falta de fundamentação, não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados, sendo necessário ainda que eles não possibilitem um “esclarecimento concreto” das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto. A fundamentação deve ter conteúdo adequado a suportar formalmente o acto administrativo, capaz de revelar a ponderação dos factos e pressupostos legais determinantes para a tomada da decisão.”
  另外,中級法院在第352/2018號合議庭裁判專門指出:“É do entendimento pacifico que a decisão em matéria de procedimento tributário exige uma sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, tendo-se como adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori.” (底線另外加上)
  遵循上述見解,我們認為被訴行為不存在欠缺說明理由的問題。
  從被訴行為的內容可見,被訴行為清楚指出根據《所得補充稅章程》第2條及第3條的規定,針對司法上訴人作為商業公司於2018年在澳門從事工商業活動並取得的全年經營所得的純利,計算出可課稅收益為澳門幣160,912,479.00元,該金額的計算是依據司法上訴人向B 提供的服務所得收益。除此之外,被訴行為亦清楚指出,司法上訴人不符合法律規定豁免所得補充稅的情況,亦因為沒有博彩承批公司的身份而不能受惠於第16/2001號法律第28條的優惠,司法上訴人與B簽署的協議亦不同於其他納稅人與B簽署的協議,故此沒有任何依據可以豁免司法上訴人的所得補充稅。
  那麼,除有更好理解外,上述說明理由已經清楚解釋了被訴實體作出決定所依據及考慮的事實及法律思路,不存在含糊、矛盾或不充分之處,即不存在欠缺說明理由的瑕疵。
  誠然,如果司法上訴人是在質疑可課稅收益的計算結果,即不屬於說明理由的問題,而應當屬於事實前提錯誤的瑕疵,然而,由於司法上訴人沒有對此主張任何可供考慮的事實情節推翻被訴實體的計算結果,因此有關結果亦無從質疑。
  故此,我們認為被訴行為不存在司法上訴人主張的欠缺說明理由的瑕疵。
  
  違反作出決定義務
  司法上訴人主張被訴行為違反《行政程序法典》第11條及第100條規定的作出決定原則/義務,主要是指責被訴行為沒有回應其主張及理解的關於與其他納稅人存在差別待遇的問題。
  我們認為不能如此理解上述條文。
  根據《行政程序法典》第100條規定:“在明示之最終決定中,有權限之機關應解決在程序中出現而先前未作決定之一切有關問題(todas as questões pertinentes suscitadas) ”。另外,《行政程序法典》第86條第1款規定:“如知悉某些事實有助於對程序作出公正及迅速之決定,則有權限之機關應設法調查所有此等事實;…。” 總括上述條文可以得出,法律並非要求行政當局解決私人提出的所有問題,而是需要解決私人提出並對作出公正及迅速決定有重要性的問題。
  事實上,司法上訴人提出的質疑對被訴行為沒有重要性,因為涉案的行政程序是一項稅務行政程序,重要的問題是要確定課徵對象及稅務主體,被訴行為已經清楚指出司法上訴人需要支付因其於2018年在澳門從事工商業活動並取得的全年經營所得的純利的所得補充稅,並且沒有任何法律依據豁免司法上訴人的所得補充稅,那麼,司法上訴人單純主張其他納稅人的個案根本不足以獲得稅務寬免,亦不能以此質疑被訴行為的合法性。
  故此,我們認為被訴行為已履行了上述作出決定義務,不存在司法上訴人主張的瑕疵。
  
   違反《商法典》第551條
  簡而言之,司法上訴人認為與B之間的關係是《商法典》第551條規定的隱名合夥合同關係,因此應受惠於第16/2001號法律第28條及第333/2007號行政長官批示,認為被訴行為違背了相關法律的規定及批示的精神。
  司法上訴人的主張顯然沒有理據。
  在嚴格的稅務合法性原則之下,除非已有法律明確的豁免依據或行政當局依法作出的具體豁免決定,否則,只要符合稅務法律規定的前提,即產生繳付相應稅項的債務,相關債務的產生不取決於行政當局或稅務人的意願。
  根據《所得補充稅章程》規定:
第二條
(課徵對象)
所得補充稅係以自然人或法人,不論其居所或住所在何處,在本地區所取得由第三條所規定的總收益為課徵對象。
第三條
(總收益)
一、個人的總收益係指下列收益總和減除有關負擔後的所得額:
a)工商業活動的收益;
二、團體的總收益係指按照本章程的規定計算工商業活動全年經營所得的純利。
三、倘屬商業公司及以商業形式組成的民事公司時,其總收益將減除派給股東或股份持有人與課稅年度有關的利潤或股息。
四、本條一款及二款所指的總收益不包括房屋的收益。
誠然,司法上訴人無疑是一間商業公司,並因其在澳門特別行政區的工商業活動獲得相應收益,那麼,司法上訴人完全符合上述法律條文規定的前提,相關收益必須作為所得補充稅的可課稅對象。另外,司法上訴人的狀況顯然亦不符合任何一種可以獲得豁免所有補充稅的情況(《所得補充稅章程》第9條),尤其是司法上訴人不符合第16/2001號法律第28條第2款的規定,因為司法上訴人顯然不是博彩特許經營的承批公司。
基於此,司法上訴人應當負有義務就其相關收益繳付所得補充稅。
至於司法上訴人主張被訴實體對其與B訂立的合同的錯誤定性問題,並無對其需要繳付所得補充稅的債務產生影響。
  誠然,司法上訴人的有關主張不是新問題,基於情況相同,在此引述中級法院在第534/2020號合議庭裁判中的司法見解:
  “É de verificar que o alegado contrato celebrado entre a Recorrente e a B não é um contrato de associação em participação, por não se verificarem as notas caracterizadoras da figura em causa, nomeadamente as previstas no artigo 551º/1, acima citada, e ainda as referentes ao exercício dos direitos de informação, de fiscalização e de intervenção na gestão pelos associados (artigo 552º do CCOM). O que existe entre eles é um contrato de promoção de jogos, ou seja, a B autoriza que a Recorrente desenvolve actividades de promoção de jogos de fortunas e azar e depois explora estas actividades nas instalações da B. Pois, é uma actividade que só pode ser exercida por quem está legalmente licenciada e no espaço devidamente autorizado.
  Ou seja, há diplomas legais de carácter especial que regulam especificadamente as actividades de exploração de jogos e de promoção dos mesmos, nomeadamente a Lei nº 16/2001, de 24 de Setembro, o Regulamento Administrativo nº 6/2002, de 1 de Abril (em matéria de promoção de jogos).
  Logo, é irrelevante o argumento de que tais contratos fossem “chacelados” pelo Governo ou não, por não terem nenhum efeito sobre a tributação em causa.”
  換言之,縱使被訴實體對有關合同的法律定性有不同理解,但不影響徵稅行為本身的有效性,因為倘若有關收益本來就需要被徵收相應的稅務,即行政當局只是執行法律,即使對相關行為的法律定性存在錯誤,並不會導致相關徵稅行為構成違法行為,更不能因此免除繳稅義務。
  基於此,司法上訴人主張的上述上訴理由不能成立。

  違反平等、適度、公正無私、善意原則
  我們必須指出,司法上訴人並沒有指出具體事實支持說明被訴行為如何違反適度、公正無私及善意原則。
  對於平等原則,司法上訴人只提及財政局局長在2006年11月17日向C置業股份有限公司作出的批示,但沒有指出任何具體事實說明其與該公司之間有何相同或相似之處,亦根本不足以說明被訴行為違反平等原則。
  而且,被訴實體基於司法上訴人符合《所得補充稅章程》第2條及第3條的規定,且不符合任何法律規定可豁免所得補充稅的情況,因此對司法上訴人作出被訴行為,該行為明顯屬於法律羈束之行為。正如終審法院一直主張:“No âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça e da igualdade, da adequação, da proporcionalidade e ainda da colaboração entre a Administração e os particulares.”
  基於此,司法上訴人主張的上述上訴理由不能成立。
  
  雙重徵稅
  至於雙重徵稅的問題,根據第16/2001號法律規定:
第二十七條
博彩特別稅
一、承批公司必須繳納博彩特別稅,該稅款係按照經營博彩之毛收入計算。
(…)
第二十八條
稅務制度
一、承批公司除須繳納博彩特別稅之外,尚須繳納法律訂定之稅項、稅捐、費用及手續費。
二、基於公共利益之原因,行政長官可暫時及例外地全部或部分豁免承批公司繳納所得補充稅。

  從上述條文可見,縱使博彩特別稅與所得補充稅都可能是以經營博彩活動的收益作為課徵對象,但立法者顯然沒有將兩者混同,亦即博彩特別稅與所得補充稅是兩種不同的稅項,可以同時針對因經營博彩的收益作出課徵、結算及徵收,不存在雙重徵稅。
  事實上,司法上訴人顯然是將單純同時針對同一課徵對象以不同稅項進行徵納的行為等同於因為針對相同課徵對象、主體及稅項等因素而造成的本義上的雙重徵稅的問題混為一談。
  正如上面提及,司法上訴人一方面沒有承批公司的身份,也沒有獲得豁免所得補充稅,當然不能享受因B獲得相關豁免而必須衍生的稅務優惠。而且,針對所得補充稅而言,無論是主體還是課徵對象,司法上訴人的情況顯然獨立及不同於B,亦根本談不上存在雙重徵稅的前提。
  換言之,司法上訴人依法仍須就其收益承擔繳納所得補充稅的責任。
  因此,此上訴理由也不能成立。
  *
  綜上所述,建議裁定司法上訴的理由不成立,維持被訴行為…”
  *
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
  O processo é o próprio.
  Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
***

II. Factualidade
  Resultam documentalmente provados nos autos os seguintes factos:
➢ A Recorrente é uma sociedade que se dedica à exploração do Hotel XXX, na XXXXXXX, Edif. “Hotel XXX”, em Macau (conforme consta de fls. 83 a 90 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B, S.A. (conforme consta de fls. 35 a 47 e 91 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 29/7/2019, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2018 (conforme consta de fls. 78 a 116 do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no valor de MOP21,477,412.00 (ibid).
➢ Em 16/1/2020, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP160,912,479.00, e em 18/2/2020, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 61 e 77 e v do P.A.).
➢ Em 18/2/2020, foi efectuada a liquidação do imposto de rendimento pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 9/7/2020 (conforme consta de fls. 2 e 62 do P.A.).
➢ Em 23/3/2020, a Recorrente reclamou contra a fixação da matéria colectável junto da Recorrida (conforme consta de fls. 10 a 12 do P.A.).
➢ Em 2/4/2020, a Recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2018 o rendimento colectável de MOP160,912,479.00, com o teor da fundamentação que se transcreve no seguinte:
  “…Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, deliberou a Comissão de Revisão:
  1. Nos termos do disposto no artigo 2.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, doravante abreviadamente RICR, este imposto incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.°, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.
  2. Constituindo o rendimento global das pessoas colectivas, o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial, calculado nos termos do RICR.
  3. A Administração Fiscal deliberou fixar o rendimento colectável em MOP$160,912,479.00em relação ao exercício de 2018 – em virtude de rendimentos obtidos por prestação de serviços da contribuinte A à B.
  4. A contribuinte, ora reclamante, pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com o RICR.
  5. Entende a Administração Fiscal que a contribuinte reclamante não se enquadra nem preenche qualquer das normas de isenção legalmente previstas no Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, designadamente no artigo 9.° do RICR.
  6. Nem tão pouco, por não ser concessionária, se enquadra previsto no n.º 2 do artigo 28.° da Lei n.º 16/2001.
  7. Esta previsão legal estabelece que só a concessionária pode ser isenta, excepcionalmente, do pagamento do imposto complementar de rendimentos, tendo o legislador concedido ao Chefe do Executivo um poder discricionário para o efeito.
  8. Assim, comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato celebrado com B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio de igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.
  9. Quanto à alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, é pacífico o entendimento na doutrina, como na jurisprudência, que esses só assumem relevância autónoma quando a administração actua no exercício de poderes discricionários.
  10. No caso em apreciação a lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos, pelo que, não pode haver ofensa a esses princípios.
  11. De igual modo não existe a acumulação de cargas tributárias na reclamante relativas aos mesmos rendimentos, ou seja, não estamos perante a identidade da matéria colectável.
  12. A B, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial de jogos por incidir sobre o rendimento bruto da exploração do jogo enquanto a reclamante aufere o rendimento derivado da transacção efectuada com a B, como contrapartida monetária pela prestação de serviço a esta, então, a reclamante deve ser considerada como contribuinte do ICR.
  13. Contudo, de qualquer maneira, só a B pode ter a qualidade de beneficiário da referida isenção.
  14. Importa reafirmar que a Lei não deixa á entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimento.
  15. Verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, na medida em que, a Sociedade é uma contribuinte normal, e não investida de alguma qualidade que permita a exclusão da integração do seu rendimento na matéria colectável – cfr. artigos 2.°, 4.°, 9.°, 10.°, 19.° do RICR – a Administração Tributária, no exercício de uma competência vinculada, sujeita ao princípio da legalidade – cfr. artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplica à Sociedade A as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impõem perante a ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do RICR.
  16. A CRIC considera na apreciação dos contratos celebrados pela A com a B, que não importa o nomen juris para a definição da natureza jurídica dos mesmos, deve resultar sim do respectivo clausulado, que de resto se auto-definem como Contratos de Prestação de Serviços e de Ocupação e Uso do Espaço, onde funciona o Casino explorado pela B.
  17. Resulta claro que a contribuinte não está investida na qualidade de sujeito tributário que determine tratamento especial ou excepcional junto à Administração Tributária.
  18. Não estando reunidos os critérios que atribuem a isenção, pelo que, os rendimentos estão sujeitos à tributação do imposto complementar de rendimentos e ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes.
  Pelo exposto, a Comissão deliberou negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2018 o rendimento colectável de MOP$160,912,479.00.
  Ao abrigo do artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.009 % sobre a colecta de MOP$ 16,732,208.00.
  Nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação – n.º 2 do artigo 80.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
  O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo – artigo 82.º do mesmo diploma.
  O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto.
  Desta deliberação cabe ainda reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.° do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.º do mesmo Regulamento...” (conforme consta de fls. 8 a 9 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 29/6/2020, a Recorrente interpôs o presente recurso contencioso fiscal.
***

III. Fundamentação
  Começamos pela análise do vício de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia.
  
  Em matéria de fundamentação do acto, a norma do artigo 114.º, n.º 1, alínea b) do CPA impõe o dever legal de fundamentação dos actos que “decidam reclamação ou recurso”. E quanto aos requisitos da fundamentação, exige-se, na norma do artigo 115.º, n.º 1 do CPA, que a mesma seja expressa e contenha uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
  Como se tem entendido na generalidade da doutrina, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo, e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo.
  
  De acordo com a consolidação jurisprudencial da RAEM que tem vindo a ser feita em torno do dever legal de fundamentação, considera-se cumprido este dever sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa sindicar o acto de forma esclarecida (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Acórdão do TSI, Processo n.º 375/2016).
  
  Ou seja, quanto à questão da suficiência da fundamentação, adopta-se aqui o critério formal de “compreensibilidade das razões da decisão por um destinatário normal ou razoável, ainda que colocado na situação concreta” – o que interessa é que o mesmo percebe “quais as razões de facto ou de direito que tinham determinado o mesmo autor a agir ou escolher aquele conteúdo”. Trata-se do critério que “corresponde às exigências práticas que se colocam, em especial, no âmbito do controle jurisdicional: as razões que devem ser declaradas não são as (subjectivamente) “mais importantes”, nem as “essenciais”, mas as “determinantes”, isto é, aquelas que sejam, ao mesmo tempo, justificativas – por revelarem um juízo típico ou próprio de um órgão público, objectivamente apto a suportar uma decisão administrativa – e decisivas – por terem sido, entre todas, aquelas que serviram de causa impulsiva do agir da Administração”. (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, pp. 247 a 248).
  
  No caso dos autos em apreço, a ora Recorrente considerou que a fundamentação do acto recorrido peca por insuficiência, obscuridade e contradição, no tocante aos pontos 7, 8, 9 e 10, porque, essencialmente, a Recorrida insistiu que a isenção fiscal apenas pudesse ser concedida pelo Chefe do Executivo, admitindo entretanto outras hipóteses em que a concessão foi feita pela DICJ; além disso, referiu à situação da Recorrente como inevitável, enquanto tratava de maneira diferenciada os casos dos outros, sem justificar a diferença que motiva concretamente sua decisão; por fim, omitiu por completo a questão levantada no sentido de responder às razões que a levaram a conceder aqueles benefícios fiscais à sociedade C, vício esse ainda qualificável como omissão de pronúncia, no entender da Recorrente.
  Como se depreende do supra assinalado critério da suficiência formal de fundamentação, o que releva é apenas as razões de facto ou de direito que motivam a Administração a agir desta maneira, e não as outras meramente hipotéticas que pudessem conduzir a uma escolha diferente do conteúdo do acto, mas foram negligenciadas ou afastadas.
  
  Estando em causa um acto de fixação da matéria colectável, as razões determinantes do acto são aquelas que fundamentam a verificação dos pressupostos da relação jurídica tributária em causa, conforme se expõe, em especial, nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 15 da fundamentação do acto recorrido.
  
  É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo antes a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação – nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a essas considerações não determinantes do acto, a Administração Fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a da anulação do acto pelo vício de falta de fundamentação, já que a suficiência formal do acto não está em crise, como vimos atrás.
  
  Nestes termos expostos, é evidente a satisfação do dever legal de fundamentação do acto administrativo no caso dos autos, que não fica afectada pela eventual insuficiência ou contradição verificada na fundamentação na sua parte superabundante. Julga-se, por isso, improcedente o recurso quanto a esta parte.
  
  Nem nos parece que esteja verificada a omissão de pronúncia assacada pela Recorrente ao acto recorrido.
  
  Como se entende pacificamente, o órgão competente “deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento”, nos termos dos artigos 11.º e 100.º do CPA, o que não lhe implica, naturalmente, uma exigência no sentido de responder de forma exaustiva a todos os argumentos expostos pelos particulares, ainda que sejam impertinentes. Donde, o dever de pronúncia só se impõe ao órgão administrativo em certa medida, em relação àquelas questões pertinentes que constituam fundamento da sua decisão.
  
  Como já vimos, a fundamentação do acto administrativo recorrido é mais do que suficiente, ou seja, “superabundante”, e além disso, com os seus fundamentos expostos, permita-se responder a única questão pertinente colocada pela Recorrente na reclamação graciosa – por quê é que a mesma, não obstante ser colaboradora da concessionária do jogo, terá sido tributada nos termos determinados pelo acto recorrido.
  
  Portanto, inexiste o vício de falta de fundamentação, assim como a omissão de pronúncia em relação ao acto ora recorrido. Deve-se improceder o recurso contencioso quanto a este fundamento.

*
  Importa saber agora se existe ou não o invocado vício de violação da lei.
  
  Em síntese, alega a Recorrente que desenvolvia sua actividade em colaboração necessária, nos termos do contrato de prestação de serviços, com a concessionária B, e que a tributação dos seus rendimentos obriga-a a repercutir os custos fiscais na sua relação com a concessionária, o que vai contra o espírito da isenção fiscal concedida pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007. E que existe para a Recorrente uma dupla tributação sobre o mesmo rendimento que já foi sujeito à tributação especial sobre o jogo. Nesta linha, ao determinar tributar esse rendimento, o acto recorrido violou o conjunto das normas legais, como o artigo 551.º do Código Comercial, os artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 21/78/M que aprovou o Regulamento do Imposto Complementar dos Rendimentos (doravante “RICR”), e os artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 16/2001.
  
  Mais alega que o acto recorrido violou um conjunto dos princípios fundamentais, como os da justiça, da igualdade tributária, da imparcialidade, da proporcionalidade, etc.
  
  Vejamos.
  
  Em consonância com o entendimento que transparece na fundamentação do acto, a Recorrente, não sendo beneficiária de qualquer suposta isenção fiscal legal, só pode ser tributada como contribuinte normal pertencente ao grupo A, com base nos seus rendimentos auferidos na RAEM, de acordo com as normas legais do RICR, nomeadamente, os artigos 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a).
  
  Ora bem, o artigo 2.º do RICR dispõe o seguinte:
  “O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.”
  
  E no art.º 3.º, do mesmo diploma, estabelece-se o seguinte:
  “1.O rendimento global das pessoas singulares é a soma dos rendimentos a seguir mencionados, deduzida dos competentes encargos:
  a) Rendimentos da actividade comercial ou industrial;
  …
  2. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento.
  3. Tratando-se de sociedades comerciais e civis sob forma comercial, abater-se-á ao rendimento global, a importância dos lucros repartidos pelos sócios ou dos dividendos distribuídos aos accionistas relativamente ao ano a que o imposto respeitar.
  4. Exceptuam-se do rendimento global referido nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, os rendimentos de prédios urbanos.
  …”

  Com a aplicação das normas citadas ao caso, é evidente que a Recorrente, enquanto uma sociedade comercial, é sujeito passivo vinculado à realização da prestação tributária, pela verificação do facto tributário previsto na norma de incidência – os rendimentos por ela auferidos foram provenientes do exercício da actividade comercial e tiveram lugar na RAEM.
  
  Em face do acto recorrido com a fundamentação tal como ela é, uma das duas coisas que a Recorrente poderia tentar: ou impugnar os pressupostos legais do acto, dizendo que aquele pressuposto de incidência não chegou a ser efectivamente verificado no caso, ou não obstante a verificação dos pressupostos, invocar as excepções cuja demonstração obsta à prática do acto recorrido, por exemplo, a existência da isenção fiscal legal de que a mesma é beneficiária.
  
  Na situação vertente, quanto à verificação dos pressupostos de incidência do acto, parece-nos que a Recorrente não tenha impugnado de uma forma válida e incisiva. O caminho que ela entretanto optou por seguir é, no fundo, o de fazer convencer que ela mereceria um tratamento privilegiado, e deveria ser beneficiária da isenção fiscal. Assim, a actuação tributária ao incidir sobre o seu rendimento, resultaria na dupla-tributação.
  
  Como se compreende facilmente, quanto a isto, os benefícios fiscais, tomando frequentemente a forma de normas de exclusão de incidência, de normas de isenção ou de reduções de taxa, caracterizam-se por determinarem um desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em homenagem a razões de ordem extrafiscal, “assim, a criação de benefícios fiscais não apenas tende a suscitar questões de segurança jurídica e de tutela da expectativa dos contribuintes como acarreta sempre uma redistribuição da carga tributária, aliviando os respectivos beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais contribuintes…continuam a servir à apropriação de recursos colectivos por corporações económicas avulsas e grupos de pressão com maior capacidade reivindicativa, feita em prejuízo do comum dos contribuintes e do resto da comunidade”. Trata-se da matéria de especial importância, que “a sua discussão passe pelo parlamento, pela maior garantia de transparência e participação democrática que aí oferece o procedimento legislativo”, constituindo, portanto, a matéria da reserva da lei dimanada pela Assembleia Legislativa. (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pp. 334 a 335).
  
  Além disso, tem-se entendido que, em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente assume nestes domínios (cfr. Acórdão do STA, Proc. n.º 0592-11, de 2011/11/23). Significa isto que por força do princípio da legalidade tributária, se encontra sempre vedada, nesta matéria tributária, a integração analógica, com base na existência de similitude entre o caso omisso e o caso previsto na lei.
  
  Na situação vertente, a Recorrente que alegou a existência de algum benefício fiscal, deverá necessariamente demonstrar a base legal desses benefícios pretendidos e sustentar que se encontram preenchidos os respectivos pressupostos legais no caso. Contudo ela não logrou fazer isso, limitando-se a reclamar que o seu rendimento foi proveniente da prestação dos serviços imprescindíveis para a actividade desenvolvida pela concessionária de jogo B, ou no âmbito do contrato de associação em participação previsto no artigo 551.º do Código Comercial de Macau e que deveria gozar do benefício fiscal ou ter sido favorecida da mesma forma que a concessionária, sem que tenha invocado, em seu favor, nenhuma norma legal respeitante à suposta isenção fiscal.

  Nestes termos, no pressuposto de não ser possível a criação de um benefício fiscal ou uma isenção fiscal fora da previsão legal, a pretensão da Recorrente deveria ser inevitavelmente denegada.
  
  Por outro lado, a tributação do rendimento não é sequer contornável pela tese da proibição da dupla tributação. Pois, a dupla tributação, por definição, “configura uma situação de concurso de normas, ou seja, uma situação em que o mesmo facto tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do outro, a pluralidade de normas tributárias” e como requisito da identidade de facto tributário, costuma exigir-se a regra das quatro identidades, ou seja, “a identidade do objecto, a identidade do sujeito, a identidade do período da tributação e a identidade do imposto” (José Caslata Nabais, Direito Fiscal, 2014, 7.ª Edição, Almedina, pp. 222 a 224).
  
  No caso dos autos, manifestamente não ocorre a dupla-tributação, dada a falta da identidade do facto tributário, pela inexistência da analogia substancial dos impostos, designadamente, do imposto especial sobre o jogo e do imposto complementar de rendimentos.
  
  Além do mais, ao que nos parece, independentemente de saber se se verificou ou não efectivamente uma situação da dupla tributação, a sua proibição ou eliminação nunca constitui um princípio geral no ordenamento jurídico tributário da RAEM, pela ausência da base legal.
  
  Veja-se, por exemplo, a isenção fiscal com base no fundamento de dupla tributação, prevista no art.º 9.º, n.º 1, alínea h) do RICR, segundo o qual “1.São isentos do imposto complementar de rendimentos… h) os rendimentos globais auferidos no Território pelas empresas de transporte aéreo cuja sede ou local de direcção efectiva se situe no exterior, provenientes da exploração de aeronaves e de actividades complementares desta, desde que isenção equivalente seja concedida às empresas da mesma natureza com sede ou direcção efectiva em Macau e a reciprocidade se encontre reconhecida em Acordo de Transporte Aéreo ou em despacho do Governador publicado no Boletim Oficial.”
  
  Conforme se depreende ainda da norma do disposto do art.º 28.º, n.º 2 da Lei n.º 16/2001 (Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino) onde se estabelece relativamente aos rendimentos auferidos pelas Concessionárias na exploração do jogo e sujeitos ao imposto especial sobre o jogo, que “Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.”
  
  Daí resulta claro que o nosso sistema legal tributário não rejeita, como princípio, qualquer situação da dupla tributação, e que a sua eliminação não deve ocorrer automaticamente, não se podendo operar sem ter sido baseada numa norma legal preexistente, a qual tanto pode relegar a sua regulamentação para a convenção internacional directamente aplicável, como pode deferir a resposta para a intervenção posterior e casuística do órgão administrativo.
  
  No entanto, a existência de tal norma não foi demonstrada no caso vertente. Assim, não se podendo, portanto, ter por verificado o vício de violação da lei, nomeadamente, das normas invocadas pela Recorrente.
*
  Ainda em relação à imputada violação dos princípios fundamentais, não alegou a Recorrente, correspondentemente, os factos concretos como integradores dos vícios de ilegalidade. Não obstante, não se deixa de perceber que tal imputação era pensada pelo facto de a Administração Fiscal ter anteriormente concedido a favor das outras contribuintes as isenções fiscais no caso materialmente semelhante, tal como descrito nos artigos 33. º a 40.º da petição inicial do recurso.
  
  Importa que a descrita circunstância, mesmo que se tivesse por verificada, é totalmente irrelevante, do nosso ponto de vista, para se obter efeito invalidante do acto recorrido. Pois se a Administração Fiscal neste caso se circunscreve à apreciação negativa dos pressupostos da isenção fiscal em observância às normas legais vigentes, e à extração das consequências daí decorrentes, não haverá então nenhuma razão para censurar o seu comportamento eventualmente “faltoso” de não ter tratado de forma igual os casos que lhe foram colocados, alegadamente idênticos.

  Como se sabe, no âmbito da actividade vinculada, o princípio da legalidade consome a generalidade dos restantes princípios administrativos. “No âmbito da actividade vinculada não se releva a alegada violação dos princípios da boa-fé e da igualdade (e ainda dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da tutela da confiança).” (veja-se, entre os outros, o Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 18/9/2019, Proc. n.º 26/2019).
  
  Nestes termos, deve-se concluir que o acto recorrido não incorreu no vício de ilegalidade pela violação dos princípios gerais da actividade administrativa. É evidente que este fundamento do recurso contencioso não pode proceder.
  
  Resta decidir.
***
IV. Decisão
  Assim, pelo exposto, decide-se:
  Julgar improcedente o presente recurso, com a consequente manutenção do acto recorrido.
*
  Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 6UC.
*
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a recorrente A recorrer da mesma concluindo que:
1.ª A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual "foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços."
2.ª A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
3.ª No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: "foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços."
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente - ou seja, existe alguma margem de discricionaridade.
4.ª Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
5.ª Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
6.ª Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou "factos supervenientes" em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
7.ª Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões H).
8.ª Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
9.ª Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
10.ª Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
11.ª A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
12.ª As quatro funções do dever de fundamentar os actos adminsitrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
13.ª O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
14.ª Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a "nova fundamentação" do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
15.ª A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
16.ª Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
17.ª Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
18.ª Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
19.ª Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
20.ª O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética não discricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
21.ª O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
22.ª A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
23.ª Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 29 de Julho de 2019 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 2 de Abril de 2020 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
24.ª E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP21,477,412.00 declarado pela Recorrente para MOP$160,912,479.00 fixado pela Recorrida
25.ª Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
26.ª O segmento decisório: "É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação", aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
27.ª Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
28.ª O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
29.ª No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
30.ª Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
31.ª A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
32.ª Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
33.ª Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B "como situações diferentes" da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
34.ª Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
35.ª Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
36.ª Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
37.ª O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [...] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
38.ª A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a B.
39.ª Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
40.ª Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
41.ª Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
42.ª Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal- pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
43.ª A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
44.ª Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, "relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino".
45.ª A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento "relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no no. 2 do artigo 28° da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011."
46.ª Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que "o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos."
47.ª Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei n° 12/2003)
48.ª O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
49.ª Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
50.ª O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
51.ª Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
52.ª O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
53.ª O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
54.ª Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
55.ª Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
56.ª O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as "receitas brutas da exploração do jogo"
57.ª A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
58.ª O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
59.ª O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO PROFERIDA EM SUA SUBSTITUIÇÃO OUTRA QUE ANULE O ACTO ADMINISTRATIVO RECORRIDO,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

Notificada das alegações, a Administração fiscal recorrida respondeu pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.

Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu seguinte parecer, pugnando pela improcedência do recurso:
  Nas alegações de fls.264 a 290 dos autos, a ora recorrente solicitou a revogação da sentença em questão e a substituição da mesma por aresto que vá julgar procedente o recurso contencioso e anular a deliberação tomada em 02/04/2020 pela Comissão de Revisão do Imposto Comple-mentar de Rendimentos (doc. de fls.27 a 28 dos autos, que se dá aqui por reproduzido na sua íntegra).
*
1. Da arguição da violação da lei processual
  À douta sentença em escrutínio, a recorrente assacou, em primeiro lugar, a violação dos preceitos nos arts.76º do CPAC e n.º3 do art.562º do CPC, argumentando que nos “factos provados” não elencou o documento de fls.117 dos autos, e também que “no cumprimento das disposições su-pracitadas, deveria ter ficado consignado que em situações anteriores a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente.”
  Ora, a indevida desconsideração ou ignorância dum facto fecunda o erro de julgamento em vez da nulidade, por isso distingue-se da não es-pecificação de facto que, de acordo com a alínea b) do n.º1 do art.571º do CPC, só é relevante quando chegar a gerar a nulidade da sentença.
  Proclama a jurisprudência mais autorizada que a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º1 do art.571.º do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, e que só a falta em absoluto da menção de factos provados ou da fundamentação gera a nulidade da sentença prevista no art.º571.º, n.º1, al. b) do CPC (cfr. Acórdão do TUI nos Processos n.º21/2004 e n.º24/2006).
  Em esteira, e dado que a sentença em crise contém a especificação de factos provados, inclinamos a entender que a omissão nos “factos pro-vados” do documento de fls.117 dos autos é insignificante, não podendo provocar a nulidade da supramencionada sentença.
*
2. Do argumento relativo à “admissibilidade de novos fundamentos”
  Nas conclusões das alegações do recurso jurisdicional em aprecia-ção, a recorrente insistiu em serem admissíveis os fundamentos alegados apenas nas suas alegações facultativas e vieram ser desatendidos pelo MMº Juiz a quo na sentença em questão.
  2.1. Ora, é a fundamentação dum determinado acto administrativo em si mesma que constitui o parâmetro para efeitos de avaliar se a qual for clara, congruente e suficiente; por natureza das coisas, um documento que venha ser apresentado pelo órgão recorrido na pendência do recurso contencioso e não tenha haver com o acto administrativo em causa não pode, a posteriori, acarretar contradição à tal fundamentação. Pois, reza a jurisprudência mais autorizada (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º37/2015): Os ví-cios do acto administrativo, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores.
  Nestes termos, parece-nos que é sem sombra de dúvida que basta a leitura da própria deliberação contenciosamente impugnada para indagar se a mesma enfermar da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, visto que tal deliberação incide tão-só e simplesmente sobre a Reclamação deduzida pela ora recorrente (doc. de fls.10 a 12 do P.A.).
  Daí decorre incontestavelmente que não é legítimo que a recorrente arrogou facto superveniente para abonar a sua arguição da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, portanto, a decisão do MMº Juiz a quo traduzida em não atender tais duas arguições é sã e inatacável.
  2.2. Na nossa óptica, a douta sentença recorrida no que diz respeito à assacada “omissão de pronúncia” está em perfeita consonância com a determinação no art.100.º do CPA que impõe tão-só o dever de “resolver as questões” ao órgão administrativo, sem exigir a análise e ponderação de todos os fundamentos invocados por interessado.
  De outro lado, vale a pena assinalar que as disposições nos n.º2 do art.11.º e n.º2 do art.148.º do CPA torna certo que a existir, a omissão de pronúncia não germina o vício de forma nem invalida o correlativo acto administrativo, dá luz apenas a subsistência do dever de decisão.
*
3. Da assacada “violação da lei substantiva”
  Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, viola-ção que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
  3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição insanável entre os pontos 7 a 10 e, de outro lado, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencio-nadas no ponto 8 dessa deliberação.
  Do art.115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumu-lativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão toma-da; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642). Pois, o n.º2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contra-dição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
  Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que pre-coniza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a co-nhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
  Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls.32 a 42 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e com-preender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
  Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricioná-rio do Chefe do Executivo, e os pontos 9 e 10 referem-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia irrefutavelmente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
  Note-se que na sua Reclamação, a recorrente peticionou tão-só que lhe seria aplicada a isenção prescrita no Despacho n.º329/2016 do Chefe do Executivo, sem pedir a isenção prevista no art.9.º do RICM, alegando ser parceira de exploração da «B, S.A.».
  Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art.9.º do RICM, não ficava obrigada a precisar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação, portanto não se ve-rifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação.
  Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
  3.2. Bem, o art.28.º da Lei n.º16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias fi-cam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
  Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contri-buições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
  Repare-se que o n.º1 do Despacho n.º329/2016 do Chefe do Execu-tivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, S.A., a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
  Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º329/2016 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, in-cluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º329/2016.
  Ora, o que a recorrente recebeu da B tem, sem mínima sombra de dúvida, a natureza jurídica de rendimento que fica sujeito ao imposto complementar de rendimentos (art.2.º do RICR). Sendo assim, o imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada e assume uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º324/2020). Tudo isto evidencia que não enferma da dupla tributação a deliberação impugnada no recurso contencioso culminante com a prolação da sentença em escru-tínio, por isso é infundada a arguição da dupla tributação.
  3.3. De outro lado, é de frisar que na sua Reclamação, a recorrente arrogou só a aplicação a si da isenção prescrita no Despacho n.º329/2016 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º1 do art.9º do RICR. Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento auferido no exercício do ano 2018. Daí flui que a dita deliberação não ofende os princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
  Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurí-dico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de propor-cionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos adminis-trativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legali-dade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de si-tuações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007)
  Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º1 do art.9º do RICR não dota o Fisco de qualquer poder discricionário ou margem de livre apreciação, e a qualificação do sobredito rendimento da recorrente no lucro tributável consignado no referido n.º1 não comporta o exercício de poder discricio-nário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
  De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
***
  Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

II

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi dos artºs 1º e 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, não há questões que nos cumpre conhecer ex oficio.

Nas conclusões tecidas nas alegações do recurso jurisdicional, a recorrente vem insistir na sua teses quanto às questões da falta de fundamentação, da admissibilidade de novos fundamentos de recurso contencioso, por ela invocados nas alegações facultativas, da violação da lei e da violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, invocadas como fundamento da procedência do presente recurso jurisdicional e do provimento do recurso contencioso de anulação.

Para nós, todas as questões efectivamente colocadas e delimitadas nas conclusões de recurso já foram correcta e exaustivamente debatidas no Douto parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, com que estamos inteiramente de acordo, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.


Resumindo e concluindo:

1. A nulidade a que se refere a alínea b) do nº1 do artº 571º do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, e que só a falta em absoluto da menção de factos provados ou da fundamentação gera a nulidade da sentença prevista no artº 571º, nº1, al. b) do CPC.

2. Os vícios do acto administrativo, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores.

3. À luz do disposto no artº 28º da Lei nº16/2001, não há qualquer isenção ipso jure, o pagamento do imposto especial sobre o jogo não implica a isenção do pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei. A isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique mediante despacho do Chefe do Executivo a proferir no uso do seu poder discricionário.

4. Os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade circunscrevem-se apenas ao exercício de poderes discricionários, não sendo operantes nos actos administrativos vinculados.


Tudo visto resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o presente recurso jurisdicional e manter na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 10 UC.

Notifique.

RAEM, 17MAR2022

Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
*
Mai Man Ieng
Ac. 885/2021-1