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Processo nº 1003/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 3 de Março de 2022

ASSUNTO:
- Autorização de Residência Permanente
- Requisitos

SUMÁRIO:
- Exige a lei que a pessoa que nasce fora da RAEM tenha nacionalidade chinesa ou não tenha feito opção de nacionalidade e tenha um vínculo de filiação com pelo menos um residente permanente, o qual por sua vez, tem de ter nacionalidade ou ascendência chinesa;
- Donde resulta que, se o vínculo de filiação é com um nacional chinês ou com um cidadão com outra nacionalidade, mas ascendência chinesa que não é residente permanente, esse vínculo não origina a aquisição do estatuto de residente permanente por parte do filho;
- Do mesmo modo, se o vínculo de filiação existe relativamente a um residente permanente, mas este não é nacional chinês nem tem ascendência chinesa, também nessa situação aquele vínculo não é suficiente, por si, para permitir a aquisição do estatuto de residente permanente por parte do filho nascido fora da RAEM;
- Foi intenção clara do legislador, expressa sem qualquer ambiguidade nos textos das normas legais relevantes, a de restringir a possibilidade de aquisição originária da residência permanente por parte dos filhos de residentes permanentes nascidos fora da RAEM apenas aos cidadãos chineses filhos de residentes permanentes chineses [trata-se da situação contemplada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999] e bem assim aos cidadãos chineses ou que não tenham feito opção de nacionalidade que sejam filhos de residentes permanentes de ascendência chinesa e portuguesa [trata-se da hipótese prevista na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999].



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Rui Pereira Ribeiro













Processo nº 1003/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 3 de Março de 2022
Recorrente: A (representado pelo seu pai, B)
Recorrida: Subdirectora dos Serviços de Identificação
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

   A (representado pelo seu pai, B), com os demais sinais dos autos,
   veio instaurar acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, pedindo a condenação da subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação a emitir a favor do Autor o Certificado de Confirmação do Direito de Residência nos termos das alíneas 5) e 6) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 8/1999 com efeitos retroactivos à data da formulação do seu pedido (15.10.2019).
   Foi proferida sentença julgando-se a acção improcedente e absolvendo a Requerida do pedido.
   Não se conformando com a decisão proferida veio o Autor recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Requerente preenche todos os requisitos ou pressupostos de facto, previstos na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999 (LR) e na sua remissão para a alínea 5), visto que:
1) O Requerente é um indivíduo menor de ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos pais (é filho de pai português e mãe chinesa) (consanguinidade mista de 1.º grau);
2) O Requerente tem a nacionalidade chinesa, comprovada pelo seu passaporte;
3) O Requerente nasceu em Macau, em Hong Kong;
4) O Requerente reside habitualmente em Macau com os pais, que aqui se casaram;
5) O Requerente tem domicílio permanente em Macau, como poderá comprovar logo que a Requerida, reconhecendo-lhe o direito à residência na RAEM, solicite ao pai do Requerente a declaração, a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º da LR.
2. A Requerida rejeitou o pedido do Requerente, com fundamento no facto de que o pai do Requerente «não reunir os requisitos da alínea 5) por não preencher o requisito da ascendência» Chinesa e Portuguesa (nenhum dos avós paternos do Requerente é cidadão Chinês).
3. A Requerida e o Tribunal a quo declaram que o Requerente «tem ascendência chinesa e portuguesa», mas não indicam a disposição legal em que se apoiam para proferir tal declaração.
4. As alíneas 4) e 5) do artigo 1.º da LR são as únicas disposições, que expressamente se referem à «ascendência chinesa e portuguesa» e, pois, a remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da LR tem de ser invocada para qualificar o Requerente como um indivíduo que «tem ascendência chinesa e portuguesa».
5. O Requerente entende que não pode haver a rejeição do pedido do Requerente com fundamento de que o pai do Requerente «não reúne os requisitos da alínea 5) por não preencher o requisito da ascendência Chinesa e Portuguesa, que o mesmo é dizer, com fundamento de que nenhum dos avós paternos do Requerente é cidadão Chinês.
6. Como a Requerida, o Tribunal a quo e o Requerente não contestam a «ascendência chinesa e portuguesa» do Requerente, este deve ser qualificado como tendo «ascendência chinesa e portuguesa», com base na remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da LR, mas a interpretação literal que a Requerida e o Tribunal a quo utilizam, deve ser considerada inadequada para a solução do litígio, por acarretar consequências absurdas e irracionais e violar disposições legais, com base nas quais só uma interpretação sistemática evita.
7. Na Notificação do Indeferimento do pedido do Requerente, a Requerida afirma: que a legislação só admite o primeiro nível de ascendência (pais); que a alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 não dispõe nenhum requisito acerca da nacionalidade dos avós do requerente; que. tanto na redação da lei, como na execução da lei pela Requerida, não se dispõe requisitos alusivos à nacionalidade dos avós, sobre a qual a Requerida não precisa de fazer nem faz análise".
8. O Requerente concorda com a mencionada interpretação que a Requerida faz da alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da LR, no entanto considera que a afirmação da Requerida, de que «não precisa de fazer, nem faz análise», é desmentida pelos documentos constantes das folhas 12, 15 e 16, do processo administrativo, anexo aos autos.
9. Aliás, é a própria Notificação do indeferimento do pedido do Requerente que o confirma: “Embora V Ex.ª [pai do requerente] já tenha adquirido o estatuto de residente permanente de Macau aquando do nascimento do requerente, pelo facto de ter residido habitualmente em Macau por sete anos consecutivos e declarado ter domicílio permanente em Macau, V. Ex.ª deve ser de ascendência chinesa e portuguesa, para que haja lugar da aplicação da alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
Contudo, V. Ex.ª [pai do requerente] declarou expressamente (...) que apenas tem ascendência portuguesa e não tem ascendência chinesa (...), razão pela qual, V. Ex.ª [pai do requerente e residente permanente] não reúne os requisitos da alínea 5) por não preencher o requisito da ascendência [chinesa e portuguesa]1».
Por isso, ao requerente não pode ser reconhecido o estatuto de residente permanente nos termos da alínea 6)» (bold e sublinhados nossos) (fls. 47 e 47v dos autos).
10. O Requerente entende, portanto que, nos presentes autos está em causa um indivíduo que, podendo optar entre a nacionalidade chinesa e a nacionalidade portuguesa, optou já pela nacionalidade chinesa, nascido fora de Macau (em Hong Kong), que é filho de um pai (e avós paternos) de nacionalidade portuguesa e de uma mãe (e avós matemos) de nacionalidade chinesa, cujo Pedido do Certificado de Confirmação do Direito de Residência em Macau foi rejeitado com fundamento no facto de, tendo sido solicitado ao pai do Requerente se ele tinha ascendência chinesa e portuguesa e, pois, se o avô ou a avó paterna do Requerente possuía “ius sanguinis Chinês”, o mesmo declarou que todos eles só possuíam «ascendência portuguesa».
11. O Tribunal a quo consider que o «regime previsto nas alíneas 4) a 6) da norma» do n.º 1 do artigo 1.º da LR «nasceu, exclusivamente para o caso específico dos “macaenses”», define estes como sendo uma «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», sustentando ainda que «a mesma conclusão encontra-se corroborada face ao teor do Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão do Trabalho» (fls. 293v e 294 dos autos).
12. O Requerente entende que o Tribunal a quo adoptou a linguagem vulgar de “Macaenses”, inexistente na legislação, e como o Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão do Trabalho da AL, para além do «critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea», nada diz sobre o que se deva entender por “macaenses”, pelo que a definição destes como uma «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», é, assim, uma construção original do Tribunal a quo, a quem se lhe deve atribuir a autoria.
13. O Requerente considera que tal definição, sendo exclusiva dos “Macaenses”, não é inclusiva, visto que, por um lado, no entender do Tribunal a quo, exclui os requerentes filhos, nascidos fora de Macau, dos cidadãos “Portugueses” que, preenchendo os requisitos das alíneas 3) e 4) do artigo 24.º da LB, constituíram relações familiares ou casaram com cidadãos Chineses.
14. O Requerente, por outro lado, constata que a concepção restrita de “Macaenses”, entendida como «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», compreende apenas os netos, nascidos fora de Macau, cujos progenitores (avós) dos progenitores (pais) (consanguinidade mista de 2.º grau) tenham «ascendência chinesa e portuguesa», ainda que os últimos, não tendo a nacionalidade chinesa, possam não ter também a nacionalidade portuguesa.
15. O Requerente entende que ficam excluídos, na concepção restrita de “Macaenses” do Tribunal a quo, os filhos, nascidos fora de Macau, cujos progenitores (pais) tenham «ascendência chinesa e portuguesa», isto é, ficam excluídos os que deveriam ser os primeiros a ser incluídos!
16. O Requerente entende que considerar - como o Tribunal a quo considera -, que os «vulgarmente designado[s] por “Macaense”[s]» são os indivíduos que, por efeito da sua «presença natural em Macau», integram a «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», não pode deixar de compreender, desde logo, também o Requerente: que é descendente de pai português e de mãe chinesa e com eles vive em Macau (apesar de ter nascido em Hong Kong).
17. O Requerente entende que o Tribunal a quo, na sua douta decisão (fls. 294 dos autos), inverte os termos: a «ascendência sanguínea mista» de 1.º grau, não é a que se estabelece entre o filho (nascido em Macau) e os seus progenitores (pai português e mãe chinesa), que requere o direito à residência na RAEM, mas entre os avós e os progenitores do Requerente.
18. O Requerente considera, por um lado, que a referida inversão não tem qualquer suporte em que, por analogia, se pudesse justificar, visto que a Lei da Nacionalidade só fala em «indivíduo [filho] nascido na China cujos progenitores [pai e mãe]» (LN, arts. 4.º, 5.º e 6.º), pelo que o filho é o requerente e, a falar-se em graus, deve dizer-se ascendência sanguínea chinesa» de 1.º grau (só existe apenas um grau).
19. Por outro lado, que os progenitores (pais) que constituem «ascendência chinesa e portuguesa» directa de filhos, nascidos fora de Macau consubstancia a consanguinidade mista de 1.º grau (ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos pais), como é “padrão” das demais disposições do artigo 24.º da LB e do artigo 1.º da LR, bem como dos “padrões Internacionais”).
20. Para o Requerente, porém, mais decisivo parece ser a declaração da Requerida - de que «não se encontra nenhuma prova de ascendência Chinesa e Portuguesa» (fls. 16 do processo administrativo) -, na medida em que, na mesma, se for consultada, pode ver-se que o primeiro vínculo (ou grau) é o que liga o Requerente (0) ao pai (1) e à mãe (8) e só depois se seguem os demais vínculos.
21. O Requerente entende que a conclusão, a que o Tribunal a quo chegou, tem subjacente a concepção restrita de “Macaenses”, que o mesmo perfilha e que, não só não tem suporte no Parecer da Comissão de Trabalho da AL, como ainda entra em colisão com a doutrina chinesa de Macau.
22. O Requerente entende que C, na sua obra, engloba correctamente, no conceito de “macaenses” não só os portugueses, que integram a «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», mas também a comunidade dos portugueses que "tenham vivido em Macau por longo tempo" (portanto, aqui tendo a sua residência habitual e o seu domicílio permanente), e que “já têm relações familiares ou de parentesco com chineses” (tal como, integralmente, sucede com o pai e o avô paterno do Requerente) e que a concepção ampla desse Académico Chinês de Macau está em conformidade com a letra e o espírito da legislação aplicável (documentos das Autoridades Centrais, Lei da Nacionalidade e Lei Básica).
23. O Requerente cita também o Académico Chinês de Macau, D que, na sua obra, adopta uma posição contrária à do Tribunal a quo, porque referindo-se aos “vulgarmente designados por “macaenses”, nem sequer fala em «descendentes comuns de chinês e português», e é mais restritiva do que a de C, por considerar apenas: “Os residentes de ascendência portuguesa” [a que se refere o artigo 42.º da Lei Básica], os quais “são os descendentes dos portugueses que, ao longo dos últimos 400 anos, aqui se estabeleceram, multiplicaram e consociaram com a população chinesa local» (o Requerente, o seu pai e o avô paterno preenchem as respectivas condições).
24. A considerar-se o termo vulgar de “macaenses”, como base auxiliar da interpretação, o Requerente considera que a concepção que é compatível com o artigo 42.º da LB, conjugado com os artigos 24.º e 25.º da LB e com o artigo 4.º da LN é a de C que, numa concepção ampla de “macaenses”, agrega, simultaneamente, a do Tribunal a quo (que os restringe à «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português») e a de D (que os restringe aos “residentes de ascendência portuguesa” ou aos “descendentes dos portugueses”).
25. O Requerente, tal como C, compreendem os “macaenses”, como sendo uma comunidade única, unida pela nacionalidade portuguesa e pela proveniência do “sistema de ensino do português e da cultura portuguesa” (o artigo 42.º da LB designa-os por «residentes de ascendência portuguesa em Macau» e cujos «costumes e tradições culturais devem ser respeitados»), que “aqui se estabeleceram, multiplicaram e consociaram com a população chinesa local”, tendo “vivido em Macau por longo tempo”, e constituindo “relações familiares ou de parentesco com chineses” (as alíneas 3) e 4) do artigo 24.º da LB falam em «portugueses», que nasceram em Macau, ou que preenchem os requisitos da residência habitual e do domicílio permanente, prescritos nas referidas alíneas).
26. O Requerente considera que, nesta perspectiva, devem ser considerados “macaenses”: o Requerente (que fez a opção pela nacionalidade chinesa), por ser descendente comum de pai (português) e mãe (chinesa); o pai do Requerente (português), por ter vivido em Macau por longo tempo juntamente com os residentes chineses locais (por mais de 20 anos), e por ter constituído relação familiar com a mãe do Requerente (chinesa), o avô paterno (português), por ter vivido em Macau por longo tempo juntamente com os residentes chineses locais (por mais de 30 anos) e por ter constituído relação familiar com uma cidadã chinesa que, para todos os efeitos, é «parente», ou detém uma relação de parentesco, análoga à da avó paterna.
27. Deste modo, o Requerente (cidadão chinês), por ser descendente comum de pai (português) e mãe (chinesa), o pai e o avô paterno do Requerente (cidadãos portugueses), por terem vivido em Macau por longo tempo juntamente com os residentes chineses locais, e por terem constituído (nos planos vertical e horizontal) relações familiares e de parentesco com cidadãs chinesas, devem, à luz da aludida concepção ampla de C, que tem apoio constitucional nos artigos 24.º, 42.º e 25.º da Lei Básica, ser considerados como “macaenses”, ao contrário do que o Tribunal a quo e a Requerida, erradamente, sustentam.
28. O Requerente concorda que a «existência da forte conexão histórica e cultural com a Região» é correctamente reconhecida, como sendo a justificação para o especial tratamento dos “macaenses”, pelo Tribunal a quo, que não apenas pelos aludidos académicos chineses: C (“desempenho da iniciativa dos macaenses para construir, conjuntamente com os chineses, a RAEM”) e D (“ao longo do tempo, em conjunto com os chineses residentes em Macau, terem contribuído para a prosperidade e o desenvolvimento de Macau”), pelo que se deve entender que, quanto a este aspecto, há unanimidade entre a jurisprudência e a doutrina.
29. O Requerente, por sua vez, acrescenta, ainda que a estabilidade (política e social) e a prosperidade (económica) são bens comunitários, que não apenas a segurança (nacional e regional), a ordem pública e a saúde pública, com que os direitos e liberdades fundamentais dos residentes de Macau devem conjugar-se e, nalguns casos, ceder mesmo perante eles, sem prejuízo da salvaguarda do conteúdo essencial.
30. O Requerente entende, em consequência, que o Tribunal a quo, ao considerar, restritivamente e contra a doutrina chinesa de Macau, que só devem ser considerados “Macaenses” os «descendentes comuns de chinês e português» e que só os «filhos [netos] deles nascidos and» de Macau devem poder adquirir o «estatuto de residência permanente», para além de separar os membros da mesma família, está a criar uma divisão (artificial), que potencialmente fomenta conflitos (reais) entre sectores da mesma comunidade dos “portugueses­macaenses” e, por essa via, viola os bens comunitários da estabilidade política e prosperidade económica, estabelecidos pelas Autoridades Centrais e rigorosamente seguidos pelo Chefe do Executivo da RAEM.
31. O Requerente considera que a concepção restrita de “Macaenses”, que o Tribunal a quo defende, não só não tem suporte nos documentos das Autoridades Centrais e no Parecer da Comissão de Trabalho da AL, entra em colisão com a doutrina chinesa de Macau, como ainda é posta em crise pela jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância (TSI).
32. O TSI, no Proc. 735/2019, depois “de notar que não se encontra a menção expressa relativa aos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa (reconhecidos socialmente por “macaenses”) no art.º 24.º da Lei Básica (...)», também se refere ao aludido Parecer da Comissão de Trabalho, para reafirmar que «É propositadamente adoptado o critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea» (nota 4 da p. 37 do Acórdão).
33. O TSI, nesse Proc. 735/2019, não adoptou uma interpretação literal do mencionado Parecer e acrescentou algo muito importante: «o critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea nas disposições consagradas nas alíneas 4) a 6) do n. o 1 do art.º 1 da Lei n.º 8/1999» destinam-se a «regularem designadamente os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa».
34. Tendo o Requerente, na sua Petição Inicial, chamado a atenção para a expressão «regularem designadamente os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa» (fls. 56 dos autos), o Tribunal a quo ignorou a expressão utilizada pelo TSI e, em vez de renunciar à sua interpretação literal e explorar hermenêuticamente a via aberta por este Tribunal, preferiu criar a sua própria narrativa para sufragar a rejeição do pedido do Requerente pela Requerida.
35. O Requerente entende que a concepção restrita de “macaenses”, não tendo suporte no Parecer da Comissão de Trabalho da AL, entrando em colisão com a doutrina chinesa de Macau, e adoptando uma interpretação literal, que não é adoptada pela jurisprudência do TSI, sobre as mesmas disposições legais, viola os documentos das Autoridades Centrais, a Lei da Nacionalidade e a Lei Básica.
36. Como resulta da sua leitura, o Requerente considera que, em lado algum dos Esclarecimentos do Comité Permanente da APN, incluindo o segundo parágrafo do n.º 1, se fala em “Macaenses”, mas tão-só em «(...) residentes da Região (...) de ascendências chinesa e portuguesa».
37. O Requerente considera que são a Requerida e o Tribunal a quo, quem pela primeira vez fala em “Macaenses” - já que os Esclarecimentos do Comité Permanente da APN, a eles não se referem -, e são a Requerida e o Tribunal a quo, quem perfilha uma concepção restrita de “Macaenses”, e que, julgando erradamente a mesma decorrer dos referidos Esclarecimentos, acabam por os violar.
38. O Requerente entende que, no Proc. 735/2019 (como também no Proc. 734/2019), foi correctamente decidida a rejeição do pedido das requerentes, pelo TSI.
39. Mas, o Requerente também entende que o caso do Proc. 735/2019 é totalmente diferente do caso do ora Requerente, porque ambos os progenitores (pai e mãe) das requerentes são cidadãos portugueses (indivíduos de ascendência portuguesa), não há sangue chinês (“ius sanguinis”) de, pelo menos um deles, pelo que, não se podendo falar de ascendência chinesa e portuguesa, o mesmo cai and do âmbito de aplicação das alíneas 4) e 5) do artigo 1.º da LR e da remissão da alínea 6), aplicando-se-lhe de pleno a literatura dos aludidos académicos chineses.
40. Na Petição inicial, o ora Requerente disse: «No Processo 735/2019 [o TSI também] se refere aos avós e até aos bisavós, não só maternos, mas também paternos, não porque o Tribunal considerasse um requisito necessário para a aplicação da alínea 5), mas porque [a mãe das requerentes, sendo portuguesa], alegou ter sangue chinês já que o pai das menores, o não tem», [por também ser português] (fls. 55 dos autos).
41. Deste modo, porque a ascendência chinesa e portuguesa das requerentes não poderia determinar-se com base na consanguinidade chinesa em linha recta de primeiro grau dos progenitores (pais), o TSI procurou, na sua metódica, verificar da veracidade da consanguinidade chinesa de segundo e terceiro graus (avós e bisavós), alegada pela mãe das requerentes, no sentido de apurar se haveria na «ascendência», alguns dados genéticos de “ius sanguinis” chinês.
42. Acresce que, a mãe das requerentes, que invocou a qualidade de residente permanente, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 8/1999, não residia habitualmente em Macau, nem aqui tinha o seu domicílio permanente, à data do nascimento das filhas, as quais também não tinham domicílio permanente em Macau: requisitos estes, ausentes no caso do Processo 735/2019, mas todos eles presentes no caso do Requerente do presente litígio dos autos.
43. O Requerente entende que, não tendo a Requerida feito a interpretação da alínea 6) e da sua remissão para a alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999, em conformidade com primeiro e o segundo períodos do segundo parágrafo do n.º 1 dos Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, violou a mesma um documento emanado de uma Autoridade Central (Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional).
44. O Requerente também entende que o Parecer da Comissão Preparatória da RAEM, nem expressa, nem implicitamente exige que os «indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa», nascidos fora de Macau, cujo residente permanente seja português, tenha de ter também ascendência chinesa e portuguesa, pelo que também fazendo errada interpretação do mesmo, acaba por o violar.
45. O Requerente considera que o Tribunal a quo, no que respeita aos cidadãos de nacionalidade portuguesa, tem a pré-compreensão vulgar de que «ser natural de Macau» tem mais peso do que «ter completado sete anos» de residência em Macau, visto que, na interpretação literal, que faz da alínea 6) do artigo 1.º da LR, vê nela o “acentuar” «de um «tratamento mais favorável das comunidades macaenses [1.º requisito] relativamente aos cidadãos portugueses [2.º requisito]» (fls. 294 dos autos).
46. O Requerente entende que, para efeitos de residência em Macau, a Requerida e o Tribunal a quo interpretam a Lei 8/1999, no sentido de que a remissão da alínea 6) para a alínea 5) do seu artigo 1.º se aplica apenas para filhos, nascidos fora de Macau, de indivíduos com residência habitual e domicílio permanente em Macau e de «ascendência chinesa e portuguesa».
47. Deste modo, possuindo o Requerente a consanguinidade mista de 1.º grau («ascendência chinesa [mãe] e portuguesa [pai]») o mesmo teria ainda, de fazer a prova complementar ­ tal como lhe foi pedido que fizesse (fls. 12 a 16 do processo administrativo) -, da consanguinidade mista de 2.º grau («ascendência chinesa [avó paterna] portuguesa [avó paterno]»), não bastando a consanguinidade mista de 2.º grau de ambos os avós matemos; o que é excessivo.
48. O Requerente reitera nestas Alegações, o que já deixou dito na sua Petição inicial: «Acresce que, se a Lei da Nacionalidade admite a possibilidade de aquisição da nacionalidade chinesa, assente na consanguinidade chinesa em linha reta do 1.º grau ou dupla consanguinidade, por um indivíduo (1.º nível), quer nasça na China, quer no estrangeiro, bastando que os progenitores, ou um deles (2.º nível), sejam cidadãos chineses (artigos 4.º e 5.º, 1.ª parte), o que se aplica de pleno aos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, quer nasçam em Macau ou em Macau (na China ou no estrangeiro), qual é a racionalidade de, por um lado, se exigir mais níveis de consanguinidade do que a própria Lei da Nacionalidade exige e, por outro, não se admitir o direito de residência em Macau, a todos os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, preenchidos os demais requisitos?» (fls. 54 dos autos).
49. O Requerente entende que, porque estava em causa uma questão respeitante ao apuramento da existência de “ius sanguinis” do Requerente, com base no qual se determina a nacionalidade chinesa - que entra na «ascendência chinesa e portuguesa», a que se refere a remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da Lei 8/1999 -, o Tribunal a quo tinha o dever de fazer a interpretação da Lei da Residência (lei regional) à luz do artigo 4.º da Lei da Nacionalidade (lei nacional), já que esta, aplicável na ordem jurídica da RAEM, por efeito do segundo parágrafo do artigo 18.º da LB, constitui um limite da mesma e, por ela, deve ser respeitada.
50. O Requerente considera que, ao recusar-se fazer a interpretação da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da Lei 8/1999 à luz da Lei da Nacionalidade, mais especificamente do seu artigo 4.º, como o Requerente solicitara na sua Petição inicial, e ao exigir ao Requerente, para efeitos de reconhecimento do direito de residência na RAEM, mais do que lhe foi exigido para efeitos do direito à nacionalidade chinesa, o Tribunal a quo, sufragando o entendimento da Requerida, violou, por excesso de exigências, o artigo 4.º Lei da Nacionalidade.
51. O Requerente - salvo o devido respeito -, entende que o Tribunal a quo revela errada compreensão dos limites, a que a sua interpretação está sujeita: adopta uma interpretação literal (excessivamente apegada à “letra da lei”), quando procede à interpretação da Lei da Residência (lei regional), e considera-se “livre” para, na sua missão de intérprete, ignorar as leis nacionais, ou de se limitar a descrever o seu conteúdo: como sucedeu com a Lei da Nacionalidade, e como sucede com a Lei Básica.
52. O Requerente entende que, o Tribunal a quo limitou-se a “ler” o artigo 24.º da Lei Básica, seguindo a sua sequência descendente - como se a nacionalidade chinesa tivesse o mesmo peso da nacionalidade portuguesa, da nacionalidade de estrangeiros e de apátridas: «Em torno deste critério [o da nacionalidade], o direito concede-se prioritariamente, aos cidadãos chineses e seus filhos - nas citadas alíneas 1) e 2); de seguida, aos cidadãos portugueses e os filhos - nas alíneas 3) e 4), em terceiro lugar, aos cidadãos de outras nacionalidades e os filhos - nas alíneas 5) e 6)» (fls. 293v dos autos).
53. O mesmo fez, no que respeita à Lei da Residência (LR): «Tal esquema foi basicamente transposto pelo legislador ordinário da norma em apreço - do artigo 1.º da Lei n. 08/1999, isto é, aborda-se aqui o direito de residência dos cidadãos chineses e os seus filhos nas suas alíneas 1) a 3); nas alíneas 7) e 8), o direito dos cidadãos portugueses e seus filhos; nas alíneas 9) e 10), o direito das pessoas das demais nacionalidades» (fls. 293v dos autos).
54. O Requerente não considera que a Assembleia Popular Nacional, ao aprovar a Lei Básica, se tenha “esquecido” de introduzir, no segundo parágrafo do artigo 24.º, o factor da consanguinidade» (fls. 293v dos autos), gerando com isso uma lacuna, que seria colmatada pelas alíneas 4) a 6) do artigo 1.º da Lei 8/1999.
55. Pelo contrário, o Requerente considera que a consanguinidade (nexo sanguíneo que une os familiares entre si e que, tendo a sua génese no AND, contém a informação genética específica da sua hereditariedade) e a nacionalidade (vínculo jurídico que une os cidadãos ao seu Estado e que, tendo a sua génese na respectiva ordem jurídica, estabelece o seu específico estatuto de direitos e deveres) são as “duas faces da mesma moeda”, do “ius sanguinis”, o qual, conjuntamente com o “ius soli”, constituem os dois pilares do regime jurídico: quer no que respeita à nacionalidade chinesa (Lei da Nacionalidade), quer relativamente à residência em Macau (Lei Básica).
56. O Requerente entende que, no domínio da Lei Básica, trata-se de determinar o regime jurídico de residência, dos «residentes permanentes» de uma Região (a RAEM) de um Estado (a RPC), pelo que o “ius sanguinis” é determinado pela consanguinidade e nacionalidade chinesas (pelo menos um dos progenitores deve ter a nacionalidade chinesa) e o “ius soli é determinado pela conexão com Macau, que devem ser conjugados entre si.
57. O Requerente considera que o “ius sanguinis” - ao contrário do que o Tribunal a quo sustenta -, não assenta na nacionalidade em abstracto, mas na nacionalidade chinesa, a qual tem maior peso e, pois, se contrapõe à nacionalidade portuguesa (e à nacionalidade de estrangeiros e aos apátridas).
58. O Requerente considera que a literatura dos académicos chineses, citada pela Requerida, na sua Contestação, que enfatiza a relevância da nacionalidade chinesa face às demais nacionalidades, tem efectivamente o seu apoio na Lei Básica, porque, ao contrário do que sucede com os cidadãos chineses (LB, artigo 24.°, alínea 1) e 2)), é exigido aos cidadãos «portugueses», como compensação pela falta da consanguinidade e nacionalidade chinesas, o seu domicílio permanente, independentemente de terem nascido em Macau (LB, artigo 24.°, alínea 3)), ou de terem residência habitual em Macau (LB, artigo 24.°, alínea 4)).
59. O Requerente entende que o “ius soli”, diversamente, assenta em duas modalidades que, por jogarem em alternativa, têm o mesmo peso (como se viu já a propósito do Parecer da Comissão Preparatória da RAE»): Macau como local de nascimento ou Macau como local de residência habitual (por período não inferior a sete anos consecutivos).
60. Daí que, são «residentes permanentes»: (1) quer os «cidadãos chineses» nascidos em Macau (LB, artigo 24.º, alínea 1)) e os «cidadãos chineses» com residência habitual em Macau (LB, artigo 24.º, alínea 2)); (2) quer os cidadãos «portugueses» nascidos em Macau (LB, artigo 24.º, alínea 3)) e os cidadãos «portugueses» com residência habitual em Macau (LB, artigo 24.º, alínea 4)).
61. Todavia, se o requerente tem o “ius sanguinis” (consanguinidade e nacionalidade chinesas), mas não tem o “ius soli” (por o local de nascimento ter ocorrido fora de Macau), o Requerente entende que a Lei Básica exige como compensação da falta do “ius soli”, que o requerente detenha uma relação de «filiação» com progenitores que possuam o necessário “ius soli”: Macau como local de nascimento (LB, artigo 24.º, alínea 1),2.ª parte) ou Macau como local de residência habitual (LB, artigo 24.º, alínea 2), 2.ª parte).
62. Porém, se o requerente não tem o “ius sanguinis” (não têm consanguinidade, nem nacionalidade chinesas), seja do lado do pai, seja do lado da mãe, nem o “ius soli” (o local de nascimento ocorreu fora de Macau), como sucede com os filhos, nascidos fora de Macau, dos «portugueses», a que se referem as alíneas 3) e 4) do artigo 24.º da LB, o Requerente já considera que os mesmos não têm direito à residência.
63. O Requerente considera que, neste sentido, há unanimidade, da doutrina e da jurisprudência (decisão do TSI, no Proc. 735/2019), e, como se disse já, o Requerente também concorda com a rejeição do pedido dos requerentes, nestes casos.
64. O Requerente reconhece, que lhe falta o “ius soli” (nascimento fora de Macau), mas, por via da relação de «filiação» com o seu pai - que tem Macau como local de residência habitual -, possui a necessária compensação da falta do “ius soli” (LB, artigo 24.º, alínea 3)).
65. Por outro lado, o Requerente tem o “ius sanguinis” (consanguinidade e nacionalidade chinesas, por parte da mãe), e o domicílio permanente do pai - o qual exerce a função compensatória da falta de nacionalidade chinesa do mesmo.
66. Deste modo, possuindo os factores de compensação das carências relativas ao “ius soli” e ao “ius sanguinis”, pelo que, solicitar-lhe, ainda, a consanguinidade e a nacionalidade chinesas da avó paterna, leva o Requerente a considerar que, tal exigência, viola, por excesso, não apenas o artigo 4.º da Lei da Nacionalidade, mas também a letra e o espírito das alíneas 3) e 4) do segundo parágrafo do artigo 24.º da LB.
67. O Requerente considera que, embora nascido fora de Macau (em Hong Kong), sempre pode adquirir o direito à residência na RAEM, ao abrigo da Lei Básica (da alínea 2) do seu artigo 24.º), ainda que tenha de esperar que a sua mãe resida habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos e aqui se torne residente permanente, sendo irrelevante para o efeito, a Lei n.º 8/1999 (embora, obviamente, a aquisição do direito não seja de forma tão imediata).
68. Em contrapartida, o Requerente entende que, tal nunca poderá suceder no caso dos filhos de Macaenses «descendentes comuns de chinês e português» (netos), a que a Requerida e o Tribunal a quo se referem, e a quem se lhes aplicaria, em privilégio exclusivo, as alíneas 4), 5) e 6) do artigo 1.º da LR.
69. É que, nestes casos - de netos, nascidos fora de Macau (v.g.: em Hong Kong), em que um dos avós é chinês e o outro é português (existência de consanguinidade mista de 2.º grau), e em que um dos progenitores (pai ou mãe) tem a nacionalidade portuguesa e o outro (mãe ou pai) não tem a nacionalidade chinesa (inexistência de consanguinidade mista de 1.º grau) - seja porque não a adquiriu, a ela renunciou, ou a perdeu automaticamente (por ter adquirido nacionalidade estrangeira) -, os mesmos não só não podem adquirir a nacionalidade chinesa (a não ser por aprovação de pedido de aquisição de nacionalidade chinesa, ao abrigo dos artigos 7.º e 8.º da LN), como ainda nem sequer podem adquirir o direito à residência na RAEM (sem a Lei n.º 8/1999, entenda-se).
70. O Requerente entende, por um lado, que esses indivíduos não podem adquirir a nacionalidade chinesa por, apesar de terem nascido na China (em Hong Kong), não lhe serem aplicáveis os artigos 4.º e 6.º da Lei da Nacionalidade: nenhum dos progenitores é «cidadão chinês».
71. Por outro lado, esses indivíduos não podem adquirir o direito à residência em Macau por, apesar de «descendentes comuns de chinês e português» (ao nível dos avós), não lhes ser aplicável o segundo parágrafo do artigo 24.º do Lei Básica: não lhes são aplicáveis as alíneas 1) e 2), em virtude destas disposições falarem expressamente em «filhos nascidos fora de Macau» (ficando os netos, irremediavelmente excluídos) de «cidadãos chineses» (progenitores/pais e não progenitores de progenitores/avós); não lhes são aplicáveis as alíneas 3) e 4), porque estas disposições não falam (nem expressa, nem implicitamente) em «filhos nascidos fora de Macau» (e, pois, ainda menos em netos), não preenchendo, assim, os requisitos por elas exigidos.
72. O Requerente considera que se opera a violação da alínea 4) do artigo 24.º, conjugada com o artigo 42.º da Lei Básica, devido:
1) à não resolução do problema dos Macaenses filhos de «descendentes comuns de chinês e português» (como o Requerente), apesar de a Lei Básica implicitamente os proteger;
2) ao facto de o Tribunal a quo, em vez de ter procedido à análise do regime jurídico do «direito à residência» na RAEM, se ter limitado a enunciar os «factores atributivos» do direito à residência, sem qualquer outro esforço interpretativo, rejeitando mesmo recorrer às disposições do Código Civil, quando solicitado para isso pelo Requerente;
3) ao facto de o Tribunal a quo não ter considerado relevante, para a boa resolução do litígio, procurar saber se o Requerente - ainda que não fosse publicada a LR -, teria, no domínio da Lei Básica, «direito à residência» na RAEM, e, pois, se essa proteção constitucional deveria ser considerada como uma pré-compreensão, a ser tida em conta na interpretação da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da LR;
4) ao facto de o Tribunal a quo ter adoptado uma concepção restrita de “Macaenses” (consanguinidade mista de 2.º grau: «ascendência chinesa e portuguesa», ao nível dos avós), a qual não só viola os diplomas legais, até agora analisados, designadamente, as alíneas 3) e 4) do artigo 24.º da LB (que fala em «portugueses»), mas também o artigo 42.º da LB (que fala em «residentes de ascendência portuguesa em Macau»), que, numa interpretação sistemática, devem ser conjugadas entre si.
73. O Requerente conclui a este propósito que uma concepção ampla de “Macaenses” (consanguinidade mista de 1.º e 2.º graus: «ascendência chinesa e portuguesa», ao nível dos pais e dos avós), tal como entendida por C, não só pode, como deve ser retirada da conjugação do artigo 4.º da LN com os artigos 24.º e 42.º da LB, e da remissão da alínea 6) para as alíneas 4) e 5) do n.º 1 do artigo 1.º da LR, interpretada à luz dessas disposições legais.
74. Na Petição inicial de interposição do recurso contencioso administrativo, o Requerente chamou à atenção para a violação do princípio da igualdade (fls. 56 dos autos) e manteve essa arguição, e demais vícios - provavelmente numa técnica mais defeituosa -, quando o Tribunal a quo, no seu despacho (de fls. 31 a 33), sugeriu que se convertesse o recurso contencioso em ação para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.
75. O Requerente aceitou proceder a essa conversão, em virtude de ter concordado com o Tribunal a quo, de que, diversamente do recurso, aquela ação «é a forma processual mais eficaz e que garante uma melhor tutela jurisdicional efectiva do interesse legalmente protegido do Recorrente».
76. Todavia, na sua douta decisão, o Tribunal a quo vem sustentar o contrário: que, afinal, a acção em causa tem um âmbito mais restritivo do que o recurso contencioso: «o objecto do processo de condenação à prática de actos administrativos não se centra no acto negativo e na contestação dos fundamentos em que este se possa ter baseado, mas na “posição subjectiva de conteúdo pretensivo” de que é titular o Requerente. Por isso, os fundamentos vertidos no acto de indeferimento deixarão de poder influir directamente no destino da acção» (fls. 295 dos autos).
77. O Requerente considera que, mesmo tratando-se «nos termos da lei (...) [do] direito à emissão de um acto de conteúdo vinculado», não lhe «basta invocar o fundamento legal que impõe a emissão desse acto com esse conteúdo», tanto mais que, até agora, não obteve qualquer «ganho de causa na acção».
78. Daí que, ao contrário do que o Tribunal a quo sustenta, o Requerente entende que, enquanto «autor (...) tem interesse em invocar ilegalidades formais ou procedimentais em que possa ter incorrido o acto de conteúdo negativo eventualmente praticado”» e outras que reforcem a sua «“posição subjectiva de conteúdo pretensivo”» (fls. 295 dos autos).
79. Por outro lado, ainda «que nos situamos fora do processo impugnatário típico que é o recurso contencioso de anulação, a eventual falta da fundamentação do acto de indeferimento», Requerente entende que a discutir a mesma não «perde a sua pertinência» (fls. 295 dos autos), como defende o Tribunal a quo.
80. O Requerente reconhece «(...) que foi no domínio de estrita vinculação que surge a presente acção de condenação, intentada pelo Requerente ao abrigo do artigo 103.º, n.º 1, alínea b) do CPAC» (fls. 295 dos autos).
81. Mas, a prova de que, ainda que «verificados todos os requisitos constitutivos do direito invocado pelo Requerente, a Requerida obriga-se a praticar o acto devido em seu favor», o Requerente entende que está no presente recurso jurisdicional.
82. No entender do Requerente, a Requerida indeferiu a sua pretensão um pouco à imagem do Eutífron (ευθύφρων) de Platão sobre a definição da piedade: não porque, «não se verificam todos os requisitos constitutivos do direito invocado», mas «não se verificam todos os requisitos constitutivos do direito invocado», porque a Requerida e o Tribunal a quo adoptaram uma interpretação literal da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da LR, bem como uma concepção restrita de “Macaenses” que, não só não tem suporte nos diplomas legais, alguns deles já analisados, como ainda opera a sua violação, impedindo o deferimento da sua pretensão.
83. O Requerente considera que, foi por esta via, que um poder legal e originalmente vinculado foi convertido em «exercício do poder discricionário», quando a Requerida tinha o dever de praticar um acto vinculado.
84. Portanto, ao contrário do que o Tribunal a quo afirma, o Requerente entende que «o modo de interpretação das normas legais pela Administração (...) é (…) relevante para obter uma decisão de mérito em favor dos interesses substantivos do ora Requerente», e este entende ainda que, discutir a violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 25.º da Lei Básica, tem toda a «relevância» para «sustentar a pretensão substantiva do Requerente» (fls. 295 dos autos), devido à discricionariedade introduzida pela Requerida no «modo [literal] de interpretação das normas legais» e na concepção restrita de “Macaenses”.
85. O Requerente concorda com a doutrina de CÂNDIDO DE PINHO e LINO RIBEIRO, de que “É no domínio da actividade discricionária da Administração que o princípio da igualdade (...) assume particular relevo». Mas, tal não significa que não tenha relevância no domínio da actividade vinculada da Administração. Neste caso, «se a decisão é vinculada, das duas uma: se a Administração respeita a lei, a desigualdade deriva da lei aplicada; se não respeita, a desigualdade resulta da ilegalidade praticada”.
86. No caso dos autos, o Requerente entende que a desigualdade não deriva da lei aplicada, mas da ilegalidade praticada, decorrente da concepção restrita de “Macaenses” e da conexa interpretação literal da Lei n.º 8/1999, mais concretamente da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do n.º 1 do seu artigo 1.º.
87. O Requerente considera que o princípio da igualdade proíbe “a diferenciação das pessoas em classes jurídicas distintas, com diferentes direitos e deveres», de acordo com as, designadamente, seguintes “categorias suspeitas” ou “sinais indicadores de existência de discriminações proibidas” ou “factores de desigualdade inadmissíveis”, aplicáveis ao caso do Requerente: a nacionalidade e a ascendência (LB, artigo 25.º), a raça e o território de origem (CP A, artigo 5.º).
88. No caso dos autos, o Requerente entende que a desigualdade é criada, porque a Requerida e o Tribunal a quo consideram que os “Macaenses” se restringem a uma «comunidade dos descendentes comuns de chinês e português», quando o Requerente, concordando com o pensamento de C, os compreende como uma comunidade única, unida pela nacionalidade portuguesa e pela proveniência do “sistema de ensino do português e da cultura portuguesa”, que em Macau “se estabeleceram, multiplicaram e consociaram com a população chinesa local”, tendo “vivido em Macau por longo tempo”, e constituído “relações familiares ou de parentesco com chineses”.
89. O Requerente também considera que a discriminação foi produzida sem fundamentação material bastante, fundamento material ou critério material objectivo, porque a disciplina jurídica não se baseou num: (i) fundamento sério; (ii) num sentido legítimo; e (iii) estabeleceu diferenciação jurídica sem um fundamento razoável”, gerando “uma violação arbitrária da igualdade jurídica”.
90. Aliás, no entendimento do Requerente, a conjugação do artigo 25.º da LB com as alíneas 3) e 4) do artigo 24.º e com o artigo 42.º, não apenas proíbe discriminações em razão da nacionalidade e ascendência (chinesa e portuguesa), como, pelo contrário, impõe uma obrigação de discriminação positiva ou obrigação de diferenciação, de proteção dos interesses dos «portugueses» (que nasceram em Macau, ou que preenchem os requisitos da residência habitual e do domicílio permanente) e dos «residentes de ascendência portuguesa em Macau», relativamente às «demais pessoas» (aos estrangeiros e apátridas: LB, artigo 24.º, alíneas 5) e 6) e LR, artigo 1.º, alíneas 9) e 10)).
91. Por outro lado, o Requerente também entende que, a remissão da alínea 6) para as alíneas 4) e 5) do artigo 1.º da LR, cuja interpretação sistemática deveria ter sido feita à luz do artigo 25.º da LB, conjugado com as alíneas 3) e 4) do seus artigos 24.º e 42.º, não só proíbe a discriminação em matéria da ascendência («ascendência chinesa e portuguesa») desses «portugueses» ou «residentes de ascendência portuguesa em Macau» (incluindo os filhos e netos), mas também impõe uma obrigação de discriminação positiva ou obrigação de diferenciação, relativamente aos «portugueses», de mera «ascendência portuguesa» que, ainda que tenham “vivido em Macau por longo tempo”, não constituíram “relações familiares ou de parentesco com chineses”, nem os seus filhos e netos têm nas relações familiares ou de parentesco (incluindo pais, avôs e bisavôs, maternos e paternos), qualquer consanguinidade chinesa (caso dos Procs. 735/2019 e 734/2019 do TSI), de que se ocupam as alíneas 7) e 8) do artigo 1.º da LR.
92. Em consequência, não tendo feito a mencionada interpretação sistemática e apesar de ter a mesma nacionalidade («portuguesa») e ascendência («chinesa e portuguesa»), um “Macaense”, filho de pai português e de mãe chinesa (o ora Requerente), o Requerente considera que foi discriminado, relativamente aos “Macaenses”, que são netos (filhos de indivíduos, em que um dos avós é chinês e o outro é português); discriminação essa levada a cabo não só pela Requerida, mas também pelo Tribunal a quo, que sufragou o seu entendimento.
93. O Requerente é de opinião de que trata-se, inegavelmente, de decisões [administrativa e judicial] que, de um modo intolerável, violam o princípio da igualdade, pelo que, tais decisões são justiciáveis»,
94. O Requerente entende que não só foi violado o princípio da igualdade consagrado no artigo 25.º da LB, seja enquanto proibição de discriminação em razão da nacionalidade («portuguesa) e ascendência («chinesa e portuguesa»), como ainda enquanto obrigação de discriminação positiva: o Requerente foi considerado, como se se tratasse de um «estrangeiro» analogamente às «demais pessoas» e seus «filhos» (LB, artigo 24.º, alíneas 5) e 6)), bem como relativamente aos «portugueses», de mera «ascendência portuguesa» que, ainda que tenham “vivido em Macau por longo tempo”, não constituíram “relações familiares ou de parentesco com chineses”, nem os seus filhos e netos têm nas relações familiares ou de parentesco (incluindo pais, avôs e bisavôs, maternos e paternos), qualquer consanguinidade chinesa (caso dos Procs. 735/2019 e 734/2019 do TSI), de que se ocupam as alíneas 7) e 8) do artigo 1.º da LR.
95. O Requerente está convicto de que, ao longo das Alegações - que até aqui ficaram escritas -, demonstrou, que uma interpretação das disposições legais aplicáveis ao seu caso, diferente da empreendida pela Requerida e pelo Tribunal a quo, é possível e devida e que os artigos 8.º e 9.º do Código Civil (CC) não só permitem, como obrigam até, que a interpretação da LR (lei regional), em conformidade com a LN e a LB (leis nacionais), não fique aprisionada pela mera “leitura da lei”: da interpretação literal da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da Lei 8/1999.
96. O Requerente nunca contestou, nem contesta que, da interpretação literal da remissão da alínea 6) para a alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 resulta, inequivocamente, que «Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5)» são os filhos dos «indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa (...)», «nascidos em Macau» (alínea 4) ou estabelecidos em Macau (alínea 5).
97. O que o Requerente sempre contestou, e contesta, é que o Direito se resuma a uma descontraída “leitura da lei” e, pois, que da sobredita remissão decorra apenas esse enunciado linguístico (que o Tribunal a quo considera como sendo exclusivo dos “Macaenses” entendidos no seu sentido restrito e que não compreenda, igualmente, o caso do Requerente, na concepção ampla de “Macaenses”, tal como definida por C e aceite pelo Requerente.
98. Para o Requerente, a metódica da interpretação não se reduz à leitura da lei e à mera subsunção dos factos na hipótese da norma, mas deve conter a interpretação histórica, teleolôgica e sistemática da remissão expressa, da alínea 6), para a alínea 5): deve interpretar-se a alínea 5), no contexto da sua relação de subordinação face à alínea 6), já que, como anteriormente se viu, interpretar a alínea 5), separadamente da alínea 6), conduz a um resultado que, como se verá, é diferente do que interpretar a remissão da alínea 6) para a alínea 5).
99. Nesta ordem de ideias, o Requerente considera que a errada interpretação da lei, levada a cabo pela Requerida e pelo Tribunal a quo, decorre primacialmente do não uso das regras e dos elementos de interpretação, previstos nos artigos 8.º e 9.º do Código Civil (CC), ou do seu uso deficiente, pelo que se impõe a explicitação dessas regras e elementos e a revelação das anomalias e deficiências que se detetam na abordagem do regime jurídico do direito de residência, bem como proceder à construção da norma e dos seus enunciados normativos, que resulta das mencionadas remissões.
100. O Requerente entende que, para se evitarem as violações dos documentos das Autoridades Centrais, da Lei da Nacionalidade (artigo 4.º) e da Lei Básica (artigos 24.º, 42.º e 25.º), a remissão da alínea 6) para a alínea 5) do artigo 1.º da LR tem de contemplar a concepção ampla de “Macaenses”, preconizada por C, pelo que, para tal, deve abranger:
1) Os requerentes filhos (nascidos fora de Macau) de ascendência chinesa e portuguesa, em que o progenitor português (o pai ou a mãe do requerente, consoante ocaso) se encontrava estabelecido em Macau (aqui tinha domicílio permanente e residência habitual) à data do nascimento do filho (artigos 24.º, alínea 4), 42.º e 25.º da LB, conjugado com a alínea 5) do artigo 1.º da LR) e que, apesar de não ter constituído relação familiar com um progenitor chinês (mãe ou pai do Requerente, consoante ocaso) ele próprio tem sangue chinês adquirido da família, porque um dos progenitores do progenitor português (um dos avós) é português e o outro é chinês (artigo 4.º da LN, conjugado com a alínea 5) do artigo 1.º da LR) (consanguinidade mista de 2.º grau: ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos avós);
2) Os requerentes filhos (nascidos fora de Macau) de ascendência chinesa e portuguesa, em que o progenitor português (o pai ou a mãe do Requerente, consoante ocaso), se encontrava estabelecido em Macau (aqui tinha domicílio permanente e residência habitual) à data do nascimento do filho (artigos 24.º, alínea 4), 42.º e 25.º da LB, conjugado com a alínea 5) do artigo 1.º da LR) e que constituiu relação familiar com um progenitor (mãe ou pai do Requerente, consoante ocaso) chinês (artigo 4.º da LN, conjugado com a alínea 5) do artigo 1.º da LR) (consanguinidade mista de 1.º grau: ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos pais).
101. Embora não seja directamente relevante para a resolução do litígio do ora Requerente, também a remissão da alínea 6) para a alínea 4) do artigo 1.º da LR tem de contemplar a concepção ampla de “Macaenses”, preconizada por C, pelo que, para tal, deve abranger:
1) Os requerentes filhos (nascidos fora de Macau) de ascendência chinesa e portuguesa, em que o progenitor português (o pai ou a mãe do Requerente, consoante ocaso), nascido em Macau, aqui tinha domicílio permanente, à data do nascimento do filho residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau (artigos 24.º, alínea 3), 42.º e 25.º da LB, conjugado com a alínea 4) do artigo 1.º da LR) e que, apesar de não ter constituído relação familiar ou ser casado com um progenitor chinês (mãe ou pai do Requerente, consoante o caso) ele próprio tem sangue chinês, porque um dos progenitores do progenitor português (um dos avós) é português e o outro é chinês (artigo 4.º da LN, conjugado com a alínea 4) do artigo 1.º da LR) (consanguinidade mista de 2.º grau: ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos avós)
2) Os requerentes filhos (nascidos fora de Macau) de ascendência chinesa e portuguesa, em que o progenitor português (o pai ou a mãe do Requerente, consoante ocaso), nascido em Macau, aqui tinha domicílio permanente, à data do nascimento do filho residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau (artigos 24.º, alínea 3), 42.º e 25.º da LB, conjugado com a alínea 4) do artigo 1.º da LR) e que constituiu relação familiar ou era casado com um progenitor chinês (mãe ou pai do Requerente, consoante o caso) (artigo 4.º da LN, conjugado com a alínea 4) do artigo 1.º da LR) (consanguinidade mista de 1.º grau: ascendência chinesa e portuguesa ao nível dos pais).
102. O Requerente está em crer que, a interpretação que preconiza, respeita as regras do Código Civil relativas à interpretação, incluindo a interpretação correctiva da letra da lei embora possa admitir - porque não é detentor da verdade -, que o Tribunal ad quam possa ter uma outra formulação que, porém, na sua substância, não ponha em causa, antes satisfaça plenamente a concepção ampla de “Macaenses”, preconizada por C.
103. O Requerente reconhece que a interpretação da mencionada remissão não é tarefa fácil, mas a mesma não pode ser “banalizada”, através de uma mera interpretação literal - como a Requerida e o Tribunal a quo fizeram -, isto porque está em causa o direito fundamental dos residentes permanentes à residência na RAEM.
104. Por outro lado, o Requerente entende que, mesmo que se se considerasse que o caso não estaria previsto na remissão da alínea 6) para a alínea 5) - o que apenas se admite como mera hipótese, sem conceder -, o artigo 9.º do CC admite, ainda, a integração da lacuna: «segundo a norma aplicável aos casos análogos» (n.º 1); ou «segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema» (n.º 3) e não limitar­se à letra da remissão para a alínea 5).
105. Aliás, tal integração de lacunas é, apoiada pela jurisprudência do TSI que, no Acórdão proferido no Proc. 735/2019, na nota 4 (pág. 37), fala, em contraposição ao que diz o ponto 4.i do Parecer da Comissão de Trabalho da AL sobre a LR, em «designadamente»: «É propositadamente adotado o critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea nas disposições consagradas nas alíneas 4) a 6) do n.º 1 do art.º 1 da Lei n.º 8/1999, para regularem designadamente os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa (...)».
106. O Requerente rejeita a ideia de que uma interpretação que leve em linha de conta a concepção ampla de “Macaenses”, de C, põe em causa a autonomia regional de Macau e Hong Kong, porque o Requerente vive, em Macau, com os seus pais e «familiares próximos» (avô paterno casado com cidadã chinesa), onde os mesmos têm os «meios de subsistência estáveis ou o exercício de profissão», e procedem ao «pagamento de impostos nos termos da lei» (LR, artigo 8.º, n.º 2), e ambas as Regiões se integram na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.
107. Finalmente, o Requerente rejeita liminarmente a ideia de estar a pedir que seja “feito um fato à medida do cliente”, como a Requerida e o Tribunal a quo, parecem “insinuar”, respectivamente, na Contestação e na douta decisão do Tribunal a quo, mas que seja feita a interpretação que mais se adequa ao texto da lei e ao contexto, isto é, uma interpretação que evite as consequências sociais e jurídicas, anteriormente referidas, e as violações dos documentos da Autoridades Centrais, da Lei da Nacionalidade (artigo 4.º), da Lei Básica (artigos 24.º, 42.º e 25.º), sob pena de se violarem igualmente, os artigos 8.º e 9.º do Código Civil.
Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. Segundo as alegações de recurso, o advogado do requerente discorda da interpretação do Tribunal a quo sobre a norma da alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, pelo que interpõe o recurso pretendendo a confirmação da qualidade de residente permanente de Macau em relação ao requerente pela satisfação dos requisitos previstos no referido preceito legal e, consequentemente, assacando vícios de violação de lei à decisão recorrida por ter indeferido o requerimento.
2. Por o que está em causa ser, principalmente, o entendimento sobre a norma da alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, importa novamente esclarecermos a partir do contexto legislativo do artigo 24.º da Lei Básica (LB) e do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
3. A entidade requerida mantém o alegado nos pontos n.ºs 69 a 94 da contestação de 10 de Dezembro de 2020, nos quais recorre à Declaração Conjunta Sino-Portuguesa, LB, Esclarecimentos, Lei n.º 8/1999, obras académicas, manuais escolares e artigos de imprensa para esclarecer pormenorizadamente o contexto e pensamento legislativos do artigo 24.º da LB e artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
4. Da análise e interpretação sistemáticas do respectivo contexto e processo legislativo pode constatar-se que o legislador ao elaborar o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 concretizou o espírito legislativo e os princípios fundamentais da secção IX do Anexo I à Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e do artigo 24.º da Lei Básica – os filhos de portugueses residentes permanentes de Macau, nascidos fora de Macau (neste caso, o requerente), não adquirem automaticamente a qualidade de residente permanente de Macau; os filhos de portugueses residentes de Macau só podem adquirir a qualidade de residente permanente de Macau quando tenham nascido em Macau, independentemente da sua ascendência sanguínea (como é o caso do irmão mais velho do requerente).
5. É muito clara a posição do legislador. A ver da entidade requerida, isso é a interpretação correcta do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 e também se mostra em conformidade com o entendimento académico.
6. A entidade requerida concorda plenamente com as análises e esclarecimentos plasmados pelo MP e TA sobre a supra referida norma, e discorda dos fundamentos recursivos formulados pelo advogado da contraparte, por serem ilegais e desrazoáveis.
7. Ao interpretar a lei o jurista deve, em primeiro lugar, partir directamente da respectiva letra, presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Em caso de obscuridade ou ambiguidade, pode recorrer aos pareceres e ao teor dos debates das reuniões plenárias da AL relativamente à elaboração da respectiva legislação para reconstituir o respectivo contexto legislativo e histórico e, deste modo, procurar indagar a vontade do legislador.
8. Como diversas vezes já reiterou a entidade requerida, a Lei n.º 8/1999 foi elaborada com base no artigo 24.º da LB; ela acompanha o pensamento e espirito legislativo manifestado na secção IX do Anexo I à Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e no artigo 24.º da Lei Básica e reflecte os princípios fundamentais de defender a soberania nacional, tendo os respectivos textos sido plenamente discutidos pela Comissão de Trabalho da AL e aprovados por deliberação da mesma.
9. A redacção do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999 é muito clara e explícita, sem qualquer obscuridade ou ambiguidade, podendo reconstituir-se o pensamento legislativo a partir da própria letra da norma.
10. Mesmo que haja que analisar o contexto histórico da lei e a finalidade a que esta se destinava no momento da sua elaboração, os dados fornecidos pela entidade requerida já permitem tirar a conclusão – o legislador não teve a intenção de atribuir o estatuto de residente permanente de Macau ao filho dos pais portugueses nascido fora de Macau.
11. No caso vertente, o requerente é filho de pai português residente permanente de Macau, nascido fora de Macau, a quem a lei não atribui a residência permanente de Macau. Isso é a compreensão e interpretação correcta do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 e mostra-se em conformidade com o disposto na secção IX do Anexo I à Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e no artigo 24.º da Lei Básica.
12. No entanto, por a referida interpretação não poder conduzir ao resultado esperado, ou resultado ideal, do advogado do requerente, ele tentou, por diversas formas, confundir as disposições do artigo 24.º da LB, da Interpretação, do Parecer e do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999, com o fim de tornar o requerente elegível para o direito de residência permanente em Macau nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea 6) da mesma Lei, ignorando o facto do seu pai ser português.
13. Quanto ao entendimento da norma no art.º 1.º n.º al. 6) da Lei n.º 8/1999, a entidade requerida concorda plenamente com as análises do MP e do Tribunal a quo vertidas na decisão recorrida.
14. Importar salientar que a falta de regulamentação por parte do artigo n.º 1, n.º 1 da Lei n.º 8/1999 em relação aos filhos dos cidadãos portugueses nascidos fora de Macau não é uma lacuna da lei, mas antes uma restrição estabelecida pelo legislador aos residentes de nacionalidades estrangeiras, a qual está em conformidade com a prática internacional e não carece de integração.
15. Na verdade, se a entidade requerida confirmasse que os filhos de portugueses nascidos fora de Macau são residentes permanentes de Macau, violaria gravemente as disposições relevantes da Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e da LB.
16. A entidade requerida já esclareceu isso muito bem ao advogado do requerente, só que este último, com o intuito de alcançar o seu objectivo, insiste em interpretar à sua própria e peculiar maneira o artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999 no sentido de criar condições para que os filhos de portugueses nascidos fora de Macau possam adquirir o estatuto de residente permanente de Macau.
17. Viola, deste modo, o disposto nos artigos 8.º e 9.º do CC, ou seja, interpreta a Lei n.º 8/1999 de uma forma que não tem a mínima correspondência, nem na letra nem no pensamento legislativo das respectivas normas, interpretação essa que ofende grosseiramente as disposições relevantes da Declaração Conjunta Sino-Portuguesa e da LB.
18. Quanto ao motivo de indeferimento do requerimento do requerente, a entidade recorrida indicou por várias vezes que não porque a avó paterna do requerente não tem ascendência chinesa e nunca formulou qualquer exigência em relação à mesma.
19. A entidade requerida entende que o advogado levantou, por diversas vezes, questões injustificadas sobre a ascendência da avó paterna só com o propósito de contornar o facto de o pai do requerente não reunir os requisitos previstos na alínea 5) do n.º 1 do artigo 1 da Lei n.º 8/1999, por ele só ter ascendência portuguesa.
20. Na verdade, tal como indicou o Tribunal a quo, tendo o requerente reivindicado o direito de residência permanente em Macau nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea 6) da mencionada Lei, cabe-lhe o respectivo ónus da prova.
21. Como a mãe do requerente é residente de Hong Kong de nacionalidade chinesa, e o pai é português residente permanente de Macau a que alude o artigo 1.º, n.º 1, alínea 8) da Lei n.º 8/1999. Por o seu pai não ter ascendência chinesa e portuguesa prevista na alínea 5), não lhe pode confirmar o direito a residência permanente em Macau ao abrigo da alínea 6).
22. Compulsada a decisão recorrida, constata-se que tanto o MP como o TA apontaram lucidamente as razões do indeferimento.
23. Ora, o que o advogado do requerente pretende é que um português referido na alínea 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 pode gozar do direito dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa a que alude a alínea 5), de modo que o descendente de portugueses também possa ser residente permanente de Macau. Além disso, o advogado ainda acusa a Administração de ser desrazoável ao exigir que o pai do requerente tenha de ter ascendência chinesa e portuguesa. Afigura-se-nos difícil seguir o raciocínio por detrás disso.
24. Quanto à dúvida levantada pelo advogado sobre “Macaenses”, a entidade requerida entende que não é de insistir demasiado no significado de “Macaenses”, o legislador proporcionou uma solução que regula como os macaenses podem adquirir a qualidade de residente permanente de Macau, isto é, as alíneas 4) a 6) do n.º 1 do artigo 1 da Lei n.º 8/1999, nas quais se usa a expressão “indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa” (e os seus filhos), mas não “Macaenses”.
25. Segundo o advogado da contraparte, a entidade requerida e o Tribunal a quo incorreram em vício de violação da lei por interpretarem erradamente o conceito de “Macaense”. A nosso ver, entretanto, a palavra “Macaense” não afectará de forma alguma a compreensão e execução das referidas alíneas 4) a 6), nem haverá entre os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa e os portugueses qualquer oponibilidade alegada pelo advogado do requerente.
26. Isso porque as faladas normas, já suficientemente discutidas pela Comissão de Trabalho da AL e aprovadas por deliberação da mesma, usam a expressão “indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa”. Portanto, a entidade requerida não tem a vontade de alongar-se na interpretação de “Macaenses”, porque é irrelevante. A definição de “Macaenses” não vai afectar a compreensão das alíneas 4) a 6) acima aludidas.
27. A entidade requerida sempre explicou ao requerente e seu advogado que o requerente não reúne os requisitos da alínea 6) por o seu pai não ter ascendência chinesa e portuguesa, nunca tendo a mesma usado a expressão “Macaenses”. Acreditamos que o advogado percebeu bem a razão pela qual o requerimento em causa foi indeferido – o pai do requerente não tem ascendência chinesa, caso contrário, não teria investido em tempo e esforços para procurar satisfazer o disposto na alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da referida Lei, argumentando que o pai e avô do requerente devem ser considerados macaenses por terem vivido em Macau durante muitos anos e estabelecido família com chinesas.
28. A Lei n.º 8/1999 foi elaborada com base no artigo 24.º da LB, nos Esclarecimentos e no Parecer.
29. A LB concede o direito de residência com base em vários factores, entre os quais nacionalidade (chinesa, portuguesa e outras), local de nascimento, residência habitual em Macau pelo menos 7 anos consecutivos e vínculo de filiação. 
30. Considerando as razões históricas e a realidade de Macau, e para garantir os interesses dos residentes permanentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa, a Interpretação não os considera directamente como cidadãos chineses, mas antes lhes atribui o direito de optar pela nacionalidade chinesa ou portuguesa com base na sua própria vontade. 
31. Portanto, para resolver o problema de como os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa poder adquirir a qualidade de residente permanente de Macau, o legislador ao elaborar o n.º 1 do artigo 1 da Lei n.º 8/1999 não só categoriza os residentes permanentes de Macau em função do artigo 24.º da LB, como ainda acrescenta, nas alíneas 4) a 6), o critério de ascendência sanguínea com base na Interpretação (isto é, adopta o critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea). 
32. Os indivíduos referidos no artigo 1.º, n.º 1, alínea 6) da Lei n.º 8/1999 devem ser filhos dos residentes permanentes de Macau de ascendência chinesa e portuguesa a que aludem as alíneas 4) ou 5), sendo imprescindível aqui a ascendência chinesa e portuguesa. 
33. Para justificar a sua perspectiva sobre a relação entre o artigo 24.º da LB e o artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999 e a composição dos residentes de Macau, a entidade requerida citou na contestação os acórdãos, demonstrando todos eles a conformidade do seu entendimento com a jurisprudência. 
34. Transcreveu particularmente a análise do acórdão n.º 735/2019 em relação à aquisição do estatuto de residente permanente de Macau pelos filhos dos portugueses nascidos fora de Macau para deixar claro que, de acordo com as normas legais vigentes e jurisprudência, o único acesso ao estatuto de residente permanente de Macau para os filhos nascidos fora de Macau, cujos progenitores sejam residentes permanentes de Macau de nacionalidade portuguesa, é via a alínea 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Portanto, ao contrário do que alegou o advogado do requerente, a entidade requerida não decidiu o caso com base na decisão judicial tomada no Processo n.º 735/2019.
35. O advogado defende que os art.ºs 1.º e 3.º do Parecer não fazem menção, expressa ou tácita, de ascendência sanguínea, pelo que se trata duma errada compreensão por parte da entidade requerida. 
36. Dessarte, afigura-se-nos que a análise do caso em apreço não precisa de ser desenvolvida a partir dos artigos 1.º e 3.º do Parecer. Por conseguinte, não assiste razão ao requerente quando, visando contornar a exigência de ascendência sanguínea, acusa a entidade requerida de ter interpretado erradamente o Parecer. 
37. A formulação das pretensões de “Jus Soli” e “Jus Sanguinis” pelo advogado tem o mesmo objectivo que a dedução dos conceitos de “duplo domicílio” e “dupla ascendência sanguínea” na petição inicial e réplica - tenta usar a nacionalidade chinesa do requerente para compensar o facto do seu pai não ter ascendência chinesa, de modo a contornar a exigência prevista na alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. 
38. É de salientar que a Lei de nacionalidade da RPC e a Lei n.º 8/1999, ora Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência da RAEM, são leis diferentes e os requisitos para a obtenção de nacionalidade chinesa e do direito de residência são naturalmente diferentes, não podendo ser comparados de todo.
39. Caso o disposto no art.º 1.º n.º 1 al. 5) da Lei n.º 8/1999 não exija a ascendência simultaneamente chinesa e portuguesa, porque é que o legislador indicou expressamente no artigo que “os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente”?
40. Cumpre frisar que quer os cidadãos chineses, os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, quer os portugueses e outros, devem preencher as normas legais da Lei n.º 8/1999, para adquirirem estatuto de residente permanente de Macau.
41. Qualquer que seja o entendimento ou a dedução do art.º 24.º n.º 2 e do art.º 42.º da Lei Básica, não é possível chegar à conclusão do advogado de que o requerente satisfaz o art.º 24.º n.º 2 al.s 3) e 4) da Lei Básica e o art.º 1.º n.º 1 al. 5) da Lei n.º 8/1999, por remissão da alínea 6) do mesmo artigo e consequentemente, tem estatuto de residente permanente de Macau.
42. Importa indicar que no art.º 24.º n.º 2 al.s 3 ) e 4 da Lei Básica, prevê-se os requisitos da obtenção da qualidade de residente permanente de Macau para os indivíduos de ascendência portuguesa: 1) Aqueles nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente; 2) Aqueles que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos e aí tenham o seu domicílio permanente.
43. Ao decretar o art.º 1.º da Lei n.º 8/1999, o legislador concretizou o espírito legislativo e os princípios fundamentais da Secção IX do Anexo I da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e do art.º 24.º da Lei Básica – os filhos dos residentes de Macau de nacionalidade portuguesa nascidos fora de Macau (ora requerente) não podem adquirir directamente o estatuto de residente permanente de Macau com base no seu nascimento, independentemente da sua ascendência.
44. Nos termos do art.º 42.º da Lei Básica, os interesses dos residentes de ascendência portuguesa são legalmente protegidos, mas o que não implica que a atribuição da qualidade de residente permanente de Macau aos residentes de ascendência portuguesa está a proteger os interesses dos residentes de ascendência portuguesa, de facto, mesmo que sejam cidadãos de ascendência chinesa, também devem satisfazer os requisitos legais para adquirir a qualidade de residente permanente de Macau.
45. Suponhamos que o filho de um residente permanente de Macau de nacionalidade filipina e um residente de Hong Kong de nacionalidade chinesa tem nacionalidade chinesa e ascendência chinesa, mas não pode adquirir a qualidade de residente permanente de Macau por força do art.º 1.º n.º 1 al. 3) da Lei n.º 8/1999 em virtude da nacionalidade chinesa e da ascendência chinesa, uma vez que o pai ou a mãe que tem qualidade de residente permanente de Macau não é cidadão chinesa, não satisfazendo as al.s 1) ou 2 do mesmo artigo. Igualmente, o requerente no presente caso tem nacionalidade chinesa e ascendência chinesa, como o seu pai quem tem qualidade de residente permanente de Macau não tem ascendência chinesa, não satisfaz o art.º 1.º n.º 1 al. 5) da Lei n.º 8/1999, daí, o requerente não pode adquirir a qualidade de residente permanente de Macau por força da al. 6) do mesmo artigo.
46. É de ressalvar que a identidade de filhos está proveniente do seu pai ou da sua mãe enquanto residente permanente de Macau, o pai ou a mãe pertence à categoria prevista no art.º 1.º n.º 1 da Lei n.º 8/1999, aos seus filhos é necessariamente aplicável a respectiva norma relativa aos filhos dessa categoria, as respectivas normas não podem ser arbitrariamente confundidas, sob pena da violação do espírito legislativo e da lógica legislativa.
47. Nestes termos, a fundamentação do advogado de citar os art.ºs 24.º e 42.º da Lei Básica para provar que o requerente satisfaz o art.º 1.º n.º 1 al. 6) da Lei n.º 8/1999 é infundada e improcedente.
48. De facto, o advogado sabia claramente que o requerente não residia habitualmente em Macau por sete anos consecutivos, não satisfaz o art.º 24.º n.º 2 al. 4) da Lei Básica, ele invocou a ideia de compensação de “jus sanguinis” e “jus soli” (isto é, o requerente tem nacionalidade chinesa e ascendência chinesa, satisfaz “jus sanguinis”, não obstante o requerente não nasceu em Macau e consequentemente, não satisfaz “jus soli”, mas “jus soli” pode ser suprido através do facto de que o pai residia habitualmente em Macau e aqui tem o seu domicílio permanente), o advogado apenas pretende indicar que o requerente satisfaz o art.º 24.º n.º 2 al. 3) da Lei Básica e consequentemente, tem qualidade de residente permanente de Macau.
49. A entidade recorrida entende que não concordou com a opinião supracitada do advogado, uma vez que a sua opinião violou gravemente a lógica da Lei Básica e contrariou o espírito legislativo da Lei Básica.
50. Para levar o requerente a adquirir a qualidade de residente permanente de Macau, o advogado fez deliberadamente a interpretação do art.º 24.º n.º 2 da Lei Básica em segmentos, a fim de perturbar os requisitos legais das diversas alíneas e contornar a parte não corresponde aos requisitos, tal meio é semelhante à invocação da relação da remissão entre as alíneas 5) e 8) do n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 8/1999 na petição inicial.
51. É de destacar que caso os requisitos previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 24 da Lei Básica possam ser mutuamente compensados, porque é que o legislador regulou separadamente os cidadãos chineses, os portugueses e outras pessoas? Daí, podemos ver que a invocação do advogado incorreu no erro manifesto e é absolutamente irracional.
52. Além disso, avançou o advogado no ponto 106 das alegações do recurso que o requerente poderá adquirir a qualidade de residente permanente de Macau com fundamento da confirmação da identidade da sua mãe nos termos do art.º 24.º n.º 2 al. 2) da Lei Básica depois da sua mãe obter a qualidade de residente permanente de Macau com motivo da residência habitual por sete anos consecutivos em Macau, só que o tempo não é tão rápido, pois esse direito não é obtido directamente.
53. Também é incorrecto o entendimento do advogado sobre o art.º 24.º n.º 2 al. 2) da Lei Básica, como à data do nascimento do requerente, a sua mãe não tinha qualidade de residente permanente de Macau, pelo que o requerente não satisfaz o art.º 24.º n.º 2 al. 2) da Lei Básica.
54. Entende a entidade recorrida que para atingir a finalidade, o advogado tentou todos os meios para confundir as normas do art.º 24.º n.º 2 da Lei Básica e do art.º 1.º n.º 1 da Lei n.º 8/1999, a fim de ignorar que o pai do requerente é português nos termos do art.º 1.º n.º 1 al. 8) da Lei n.º 8/1999 e de contornar o requisito legal previsto na al. 5) do mesmo artigo de que o pai do requerente deve ter a ascendência chinesa e portuguesa.
55. Cumpre repetir que para obter directamente a qualidade de residente permanente de Macau (tal como aconteceu no caso do irmão mais velho), no caso de filhos de ascendência chinesa e portuguesa previstos no art.º 1.º n.º 1 al. 6) da Lei n.º 8/1999, o pai ou a mãe deve ser residente permanente de Macau com ascendência chinesa e portuguesa previsto nas alíneas 4) ou 5) do mesmo artigo.
56. A lei não prevê o conceito de compensação no caso de falta de ascendência chinesa do pai ou da mãe, a dedução do advogado violou completamente as normas legais e o pensamento legislativo, nem correspondeu à jurisprudência dos tribunais sobre a composição do residente permanente de Macau.
57. O advogado impugnou que a obra citada na contestação foi lançada antes da Lei n.º 8/1999, pelo que não pode ser considerada como a interpretação da lei do direito de residência, a entidade recorrida discordou disso, uma vez que a citação da respectiva obra visa interpretar e entender sistematicamente o então pensamento legislativo da Lei Básica a partir de vários níveis, a posição do legislador é clara: aos filhos dos residentes de Macau de nacionalidade portuguesa nascidos fora de Macau (independentemente de ascendência) não é atribuída a qualidade de residente permanente de Macau desde que nasçam fora de Macau.
58. No presente caso, o pai do requerente é residente de Macau de nacionalidade portuguesa e o requerente nasceu fora de Macau, pelo que é adequado a entidade recorrida citar a respectiva obra para fazer o esclarecimento ao requerente.
59. Após a transição de soberania, os chineses são nacionais e os portugueses são estrangeiros, os residentes estrangeiros não gozam dos mesmos direitos dos residentes nacionais sobre o direito de identidade e de residência, o que reflecte a soberania nacional e está em conformidade com a prática internacional, não está em causa a discriminação ou desigualdade.
60. De facto, por razões históricas, a fim de cuidar e proteger os interesses dos residentes de Macau de nacionalidade portuguesa e dos seus descendentes, o legislador formulou, de forma independente, as normas legais para a aquisição da qualidade de residente permanente de Macau no art.º 24.º n.º 2 al.s 3) e 4) da Lei Básica e no art.º 1.º n.º 1 al.s 7) e 8) da Lei n.º 8/1999, o tratamento previsto nas normas supracitadas é mais favorável do que o de outros residentes de Macau de nacionalidade estrangeira.
61. Daí, o legislador preocupou-se plenamente com os direitos de portugueses e os seus descendentes, e o estabelecimento dos padrões diferentes para os portugueses na legislação é necessário para reflectir a soberania do país e não é de forma alguma desigual ou discriminatório.
62. Face ao exposto, entende a entidade recorrida que é totalmente improcedente as alegações do recurso e é correcto o entendimento da entidade recorrida e do Tribunal a quo sobre o art.º 24.º da Lei Básica e o art.º 1.º n.º 1 da Lei n.º 8/1999, a decisão do Tribunal a quo é justa e racional e não violou a lei ou os princípios fundamentais.

Foram colhidos os vistos.

   Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.
   
   Cumpre, assim, apreciar e decidir.
   
II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Dos Factos

   Da decisão recorrida consta a seguinte factualidade:
1. Em 30/5/2019, o Requerente nasceu em Hong Kong, sendo titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEHK e de nacionalidade chinesa (vide fls. 3 a 5 do P.A. vol. 1).
2. D, mãe do Requerente, é residente permanente de Hong Kong e de nacionalidade chinesa (vide fls. 7 e 28 do P.A. vol. 1).
3. B, pai do Requerente, nascido em Portugal e de nacionalidade portuguesa, é residente permanente de Macau (vide fls. 6 e 26 do P.A. vol. 1).
4. O pai do Requerente foi autorizado a residir em Macau desde 06/01/2001 e declarou ter em Macau o seu domicílio permanente em 9/01/2009 (vide fls. 3 e 29 do P.A. vol.2).
5. O pai do Requerente declarou ter ascendência portuguesa e não chinesa (vide fls. 13 e 15 do P.A. vol. 1).
6. Em 15/10/2019, o pai do Requerente requereu à Requerida para emitir a favor daquele o Certificado de Confirmação do Direito de Residência (vide fls. 1 e 11 do P.A. vol. 1).
7. Em 16/7/2020, foi entregue ao Requerente o ofício com a referência n.º 413/DSI-DAG/OFI/2020, recusando a emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência do Requerente, cujo teor se transcreve no seguinte:
  “Assunto: Notificação de indeferimento (Pedido do Certificado de Confirmação do Direito de Residêcia n.º 2019-2102241 ).
  Exmo. Senhor,
  Em referência às alegações escritas, apresentadas por V. Ex.a, relativas ao pedido do Certificado de Confirmação do Direito de Residência a favor do seu filho A (adiante designado por “o requerente”), que deram entrada nesta Direcção de Serviços em 21 de Maio de 2020, cumpre-nos informar:
  Verifica-se que V.Ex.a não contesta o facto que o requerente não reúne os requisitos previstos nas alíneas 2), 3) e 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência da Região Administrativa Especial de Macau.
  Contudo, V. Ex.a alega que o requerente reúna os previstos na alínea 6) da mesma norma, “Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalldade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5)” e que possua estatuto de residente permanente de Macau, porque:
1) O requerente tem ascendência chinesa e portuguesa;
2) O requerente tem nacionalidade chinesa;
3) O requerente nasceu fora de Macau;
4) À data do nascimento do requerente, o pai já satisfazia os critérios previstos na alínea 5) do mesmo número,
  No caso em apreço, já que a DSI confirmou que o requerente reúne os requisitos 1) a 3) acima referidos, V. Ex.a ainda tem de comprovar que V. Ex.a reúne o requisito 4), ou seja, V. Ex.a satisfazia os previstos na alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, quando o requerente nasceu, no intuito de que ao requerente possa ser confirmado o estatuto de residência permanente de Macau, nos termos da alínea 6) do mesmo número.
  Neste sentido, procedemos à análise da alínea 5) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, “Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente” (sublinhados nossos). Os requisitos legais mencionados nesta norma são os seguintes:
  1) Ter residido, habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos;
  2) Ter em Macau o seu domicílio permanente;
  3) Ter ascendência chinesa e portuguesa.
  Embora V. Ex.a já tenha adquirido o estatuto de residente permanente de Macau aquando do nascimento do requerente, pelo facto de ter residido habitualmente em Macau por sete anos consecutivos e declarado ter domicílio permanente em Macau, V. Ex.a deve ser de ascendência chinesa e portuguesa, para que haja lugar à aplicação da alínea 5) do n.º 1 da artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
  Contudo, V. Ex.a declarou expressamente em 12 de Dezembro de 2019 que apenas tem ascendência portuguesa e não tem ascendência chinesa, declaração esta foi aceite pela DSl após verificação dos registos, razão pela qual, V. Ex.a não reúne os requisitos da alínea 5) por não preencher o requisito de ascendência.
  Por isso, ao requerente não pode ser reconhecido o estatuto de residente permanente nos termos da alínea 6).
  Por outro lado, em relação aos pontos 8 a 10 das alegações em causa, a DSI tem dificuldade em entender porque V. Ex.a alega que a DSI propõe o indeferimento do pedido do requerente com base no facto de a sua mãe (a avó paterna do requerente) não ter nacionalidade chinesa. É de referir que a alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 não dispõe nenhum requisito acerca da nacionalidade dos avós do requerente. De facto, a DSI nunca exige que os avós do requerente ao abrigo da mesma norma tenham nacionalidade chinesa e portuguesa. Tanto na redacção da lei, como na execução da lei pela DSI, não se dispõe requisitos alusivos à nacionalidade dos avós, sobre a qual a DSI não precisa de fazer nem faz análise. Ademais, não foi mencionada a nacionalidade dos avós do requerente no nosso ofício n.º 192/DAG/DJP/2020.
  A DSI reitera que, a V. Ex.a foi reconhecido o estatuto de residente permanente nos termos da alínea 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, “Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente.” (sublinhados nossos)
  Em relação ao parágrafo (1) do ponto 13 das alegações, nem o artigo 24.° da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da Republica Popular da China (doravante designada por “Lei Básica”), nem a Lei n.º 8/1999, concede a obtenção directa do estatuto de residente permanente de Macau, aos filhos, nascidos fora de Macau, dos residentes permanentes portugueses da RAEM.
  De facto, na categorização dos residentes permanentes de Macau prevista na Lei n.º 8/1999, além dos factores enumerados na Lei da Nacionalidade da República Popular da China e no artigo 24.º da Lei Básica de Macau, designadamente, a nacionalidade, o local de nascimento, o período de residência em Macau e a filiação, o legislador acrescenta o factor de ascendência por motivo histórico, conforme estipulado nos Esclarecimentos do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional sobre algumas questões relativas à aplicação da Lei da Nacionalidade, da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau, contando assim com as categorias de cidadãos chineses, indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, cidadãos portugueses e indivíduos das outras nacionalidades.
  Segundo a classificação acima referida, o legislador concede aos cidadãos chineses as condições mais relaxadas para se tornarem residentes permanentes de Macau. Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, concedidos das condições semelhantes com o requisito acrescentado que diz respeito a ter domicílio permanente em Macau, gozam melhores condições do que os cidadãos portugueses e os indivíduos das outras nacionalidades, a saber, só os filhos nascidos fora de Macau, dos cidadãos chineses ou dos indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que satisfaçam os requisitos, podem pedir ser residente permanente de Macau directamente, quando os filhos dos cidadãos portugueses ou dos outros países só podem pedir ser residente permanente de Macau caso tenham nascido em Macau, constante o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Pelo que, a decisão da DSI é tomada de acordo com a lei e não viola o princípio da igualdade.
  Quanto ao seu outro filho Homyenjai Albuquerque, Félix Shann, uma vez que ele nasceu em Macau, a situação é totalmente diferente. Tal como mencionado nas alegações escritas, a Homyenjai Albuquerque, Félix Shann foi reconhecido o estatuto de residente permanente nos termos da alínea 7) do n.º 1 do artigo 1.º, “Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau.” (sublinhados nossos)
  Em relação aos parágrafos (2) a (5) do ponto 13 das alegações, a DSI considera que é errado o seu entendimento sobre a alínea 2) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica, “Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes” (sublinhados nossos), que é aplicável apenas aos filhos de nacionalidade chinesa, nascidos fora de Macau, dos residentes permanentes Macau de nacionalidade chinesa. No entanto, não é esse entendimento de V. Ex.a, que acredita que basta comprovar gue o requerente tem nacionalidade chinesa e que o pai ou a mãe tem o estatuto de residente permanente de Macau.
  Pelo que, embora o requerente nascesse em Hong Kong e adquirisse a nacionalidade chinesa por a mãe ser residente permanente de Hong Kong, bem como V. Ex.a tenha residido em Macau por sete anos consecutivos e tenha o estatuto de residente permanente de Macau, o requerente não reúne os requisitos da alínea 2) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica pelo facto de que V. Ex.a não é cidadão chinês, ou seja, o requerente não se enquadra nos filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, dos residentes permanentes de Macau de nacionalidade chinesa.
  De igual modo, em relação aos pontos 6 e 7 das alegações, a DSI entende que o seu entendimento sobre as alíneas 3) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 é errado. Quanto aos residentes permanentes de nacionalidade chinesa referidos na alínea 3), o pai ou a mãe, enquanto residente permanente de Macau, devem ser cidadãos chineses definidos nas alíneas 1) ou 2), isto é, um dos pais deve ser residente permanente de Macau de nacionalidade chinesa à data do nascimento do filho. Quanto aos residentes permanentes referidos na alínea 6), o pai ou a mãe, enquanto residente permanente da RAEM, devem ser residentes de ascendência chinesa e portuguesa definidos nas alíneas 4) ou 5), ou seja, um dos pais deve ser residente de ascendência chinesa e portuguesa ao qual tenha atribuído o estatuto de residente, permanente de Macau à data do nascimento do filho.
  Em relação aos parágrafos 6) e 7) do ponto 13 das alegações em causa, visto que o requerente não tem o estatuto de residente permanente de Macau, a DSI não emitirá o certificado de confirmação do direito de residência de acordo com a lei, decisão sobre a qual, já foi esclarecida a sua justificação, não existindo vício de desvio de poder ou vício de forma.
  Pelo exposto, nesta decisão não existem os vícios alegados. Feita a análise das alegações escritas apresentadas, visto que não chegam a comprovar que o requerente reúne os requisitos previstos na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, o requerente não tem estatuto de residente permanente de Macau, pelo que, é tomada de decisão de que não lhe emitirá o certificado pedido.
  Caso pretenda fixar residência em Macau, poderá pedir a autorização de residência por reagrupamento familiar, nos termos da Lei n.º 4/2003, junto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública (sito na Travessa Un do Cais de Pac On, Edf. de Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, Taipa, Macau, tel. (853)28725488, website http://www.fsm.gov.mo/psp/sm/).
  Em caso de inconformidade com a decisão, pode V. Ex.a apresentar reclamação para a Direcção de Serviços de Identificação (DSI), no prazo de 15 dias contados a partir do dia imediato ao da recepção do presente ofício, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º e do artigo 149.° do Código do Procedimento Administrativo, ou recorrer para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias contados a partir do dia imediato ao da recepção do presente ofício, nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
  Em caso de dúvidas, queira contactar a DSI por via postal (Caixa Postal – Macau P.O. Box 1089), indicando o número do pedido do certificado e o nome do requerente.
  Com os melhores cumprimentos,
  Direcção dos Serviços de Identificação,16 de Julho de 2020.
  A Subdirectora, Lo Pin Heng (assinatura vide o original)” (vide fls. 21 a 27 dos autos).
8. Em 6/10/2020, o Requerente intentou a presente Acção.
   
B. Do Direito
   
   Na parte que importa à questão a decidir nestes autos é o seguinte o teor da decisão recorrida:
   «Entramos na apreciação da questão de fundo – a saber se o ora Requerente preenche os pressupostos constitutivos do seu direito que invoca, nos termos das alíneas 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
   Aliás, trata-se da única questão que interessa responder no âmbito desta acção para a condenação do acto devido, pois conforme o ensinamento do professor Mário Aroso de Almeida, “O objecto do processo de condenação à prática de actos administrativos não se confunde com o dos processos de impugnação de actos administrativos, pois não é delimitado por referência aos concretos fundamentos em que se possa ter baseado o acto de indeferimento eventualmente proferido…”, “…Qualquer destes preceitos faz apelo à ideia de que, mesmo quando confrontado com um acto administrativo de indeferimento ou de recusa da apreciação de um requerimento, o titular de uma pretensão subjectiva de conteúdo pretensivo que deduza um pedido de condenação à prática de um acto administrativo não vai discutir em juízo o acto negativo, por referência aos escritos termos em que ele se possa ter baseado, mas vai fazer valer a sua própria posição pretensiva, em todas as dimensões em que ela se desdobra.” (Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pp. 90 a 91) (sublinhado nosso)
   Vejamos.
   Desde logo, a competência normativa da Requerida para praticar o acto devido em causa resulta do disposto no artigo 1.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 7/1999, segundo o qual “os indivíduos que declarem ter o direito de residência na Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM, nos termos das alíneas 2), 3), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 da Região Administrativa Especial de Macau e não sendo titulares do Bilhete de Identidade de Residente de Macau válido ou do documento de identificação da RAEM válido, devem requerer o certificado de confirmação do direito de residência na Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, doravante designada por DSI, com excepção dos indivíduos referidos no n.º 2 do presente artigo.” (sublinhado nosso)
   Pelo que compete à Requerida, ao tempo da emissão do certificado de confirmação do direito de residência, verificar em relação a cada requerente o preenchimento dos respectivos requisitos, elencados pela norma do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, nos seguintes termos:
“Artigo 1.º
Residentes permanentes
   1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
   1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
   3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
   4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
   7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).
   2. O nascimento em Macau prova-se por registo de nascimento emitido pela conservatória competente de Macau.” (sublinhado nosso)
   Como é consabido, o referido conceito de residente permanente dado pela Lei n.º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau) é o resultado da densificação e do desenvolvimento do enquadramento definido pela norma do artigo 24.º da Lei Básica, nos termos do qual:
   “1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
   2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
   3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
   4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
   5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
   6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.”
   Daí destaca-se, dentre os vários factores atributivos do direito de residência, o da nacionalidade dos interessados (os outros são o local de nascimento dos interessados, a residência habitual em Macau durante pelo menos sete anos consecutivos, a filiação dos interessados). Em torno deste critério, o direito concede-se prioritariamente, aos cidadãos chineses e seus filhos – nas citadas alíneas 1) e 2); de seguida, aos cidadãos portugueses e os filhos – nas alíneas 3) e 4), em terceiro lugar, aos cidadãos de outras nacionalidades e os filhos – nas alíneas 5) e 6).
   Tal esquema foi basicamente transposto pelo legislador ordinário da norma em apreço – do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, isto é, aborda-se aqui o direito de residência dos cidadãos chineses e os seus filhos nas suas alíneas 1) a 3); nas alíneas 7) e 8), o direito dos cidadãos portugueses e seus filhos; nas alíneas 9) e 10), o direito das pessoas das demais nacionalidades.
   Por sua vez, a situação regulada nas alíneas 4) a 6) da norma citada tem a sua peculiaridade, na medida em que se tenha introduzido aí um diferente factor atributivo do direito de residência – o de consanguinidade. Importa que a inclusão nova deste factor não foi por mero acaso, visando antes o mesmo colmatar a falha resultante da aplicação cabal do critério da nacionalidade, face às fisionomias sociais e históricas contemporâneas, considerando, especialmente, a presença natural em Macau da comunidade dos descendentes comuns de chinês e português, vulgarmente designado por “Macaense”. Como a maioria deles têm nacionalidade portuguesa ou outra não chinesa, e por causa dessa nacionalidade, a despeito da existência da forte conexão histórica e cultural desta com a Região, os filhos deles nascidos fora poderiam não adquirir o estatuto de residência permanente, ao abrigo do disposto nas alíneas 7) a 10) da norma do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, normas que foram pensadas para o caso do cidadão português ou de outra nacionalidade.
   Foi nestas circunstâncias que nasceu, exclusivamente para o caso específico dos “macaenses”, o regime previsto nas alíneas 4) a 6) da norma, respectivamente, para os que nasçam em Macau – alínea 4), os que tenham residido habitualmente em Macau – alínea 5), e os seus filhos nascidos fora de Macau – alínea 6) (o que se releva para efeito de atribuição do direito de residência nos dois primeiros casos passa a ser então sua ascendência mista, chinesa e portuguesa, desconsiderando-se, entretanto, a respectiva nacionalidade; quanto ao terceiro último, interessa ainda que o seu filho seja de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenha feito opção de nacionalidade.)
   A mesma conclusão encontra-se corroborada face ao teor do Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão do Trabalho, emitido na sequência da apreciação da proposta da Lei n.º 8/1999, onde se diz “…4.1. A Comissão de trabalho entende que as alíneas 4), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da presente proposta de lei regulamenta exclusivamente a qualidade de residente permanente dos macaenses, tendo em consideração a realidade social de Macau. A nacionalidade é o critério adoptado na elaboração do n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica bem como no parecer aprovado pela Comissão Preparatória relativo a este artigo, ou seja, a qualidade de residente permanente é definida com base em 3 grupos: cidadãos chineses, portugueses e as demais pessoas. No entanto, o critério adoptado nesta proposta de lei é um critério misto de nacionalidade e ascendência sanguínea” (cfr. o Parecer disponível mediante a consulta em https://www.al.gov.mo/).
   Na realidade, a nosso ver, é precisamente na referida alínea 6) que se acentua o tratamento mais favorável das comunidades macaenses relativamente aos cidadãos portugueses ou de outra nacionalidade, onde se confere o direito de residência aos seus filhos nascidos fora de Macau (da ascendência sanguínea mista de 2.º grau ou mais), relevando apenas que esse filho seja de nacionalidade chinesa ou sem opção de nacionalidade. Trata-se dos indivíduos de ascendência mista de 1.º grau, a diferenciação em razão da nacionalidade não evidência (isto é, quanto aos nascidos em Macau, a alínea 4) relativo ao caso dos “macaenses” prevê os mesmos requisitos que a alínea 7), e quanto aos que tenham residência habitual em Macau, as alíneas 5), 8) e 9) contemplam o mesmo grau da exigência).
   Julgamos ser este o enquadramento geral a que importa subsumir o caso dos autos: sendo o ora Requerente filho do pai cidadão português e da mãe cidadã chinesa, para o efeito da aplicação da alínea 6) da norma, não pode ser o mesmo considerado como filho dos pais de ascendência portuguesa e chinesa, referidos nas alíneas 4) e 5). Dito por outra forma, o Requerente não tem direito de residência, porque relativamente aos seus pais progenitores não se verificou o requisito da ascendência sanguínea mista. Neste ponto, a razão está ao lado da Requerida.
   Agora, o ora Requerente não se conforma com a aludida tese, fundamentando a sua dissidência numa compreensão diferente da “ascendência sanguínea mista” referida na alínea 6) da norma – se bem apreendemos o seu sentido – para ele, sendo filho de um cidadão português e de uma cidadã chinesa, se se verifica nele a ascendência mista, podendo-se dispensar consequentemente o preenchimento do respectivo requisito previsto nas alíneas 4) e 5) em relação dos pais, exigido na mesma alínea 6) através da remissão. Ao invés, deve-se remeter para as normas das alíneas 1) e 2) ou 7) e 8) aplicáveis aos requerentes de nacionalidade chinesa ou portuguesa para o efeito (conforme se alega nos artigo 33.º a 42.º da petição inicial).
   Com o devido respeito, temos dificuldade em acompanhar tal raciocínio. Como já vimos anteriormente, a norma da alínea 6) tem o alcance próprio que não se confunde com as outras normas, a qual se dirige, exclusivamente, à aquisição do estatuto de residência permanente pelo filho dos indivíduos da ascendência mista ou dos macaenses, nascidos fora de Macau (ou da ascendência sanguínea mista de 2.º grau ou mais), porque se revela aí o “mais” em relação aos descendentes dos cidadãos de outras nacionalidades não chinesas. E o caso de ser filho de um português e uma chinesa (ou ascendência sanguínea mista de 1.º grau), manifestamente, não tem cabimento aí.
   Aliás, caberá sempre ao Requerente escolher a norma concreta sob a égide da qual pretende fazer valer o seu direito, demonstrando, em conformidade, os factos constitutivos do direito que invoca: se pretender prevalecer o estatuto de ascendência sanguínea mista referida na alínea 5), terá de provar, inelutavelmente, a sua residência habitual em Macau pelo menos sete anos consecutivos; se prefere a aquisição do direito de forma mais imediata, terá de demonstrar ser filho dos indivíduos de ascendência portuguesa e chinesa. Agora, segmentar cada norma que era uma unidade indivisível e fazer uma escolha selectiva dos elementos que lhe pareçam ser mais vantajosos, mas contornando os de demonstração mais difícil, por forma a reconstruir, a partir daí, uma nova “norma” mediante as alegadas técnicas de “remissões” (conforme se referiu, por exemplo, nos artigos 33.º a 35.º), não é legalmente aconselhável.
*
   Vejamos os restantes fundamentos (refere-se aqui apenas aos invocados na petição inicial, não aos posteriormente reiterados ou aperfeiçoados na réplica, tendo em conta que a função específica desta peça processual é a tal delimitada pela norma do artigo 420.º, n.º 1 do CPC, ex vi, o artigo 99.º, n.º 1 do CPAC), designadamente, os vícios de violação do princípio da igualdade, da falta de fundamentação ou equivalente, ou de desvio de poder. Consideramos que os mesmos carecem da relevância assinalada para sustentar a pretensão substantiva do Requerente. Procuremos justificar em breves linhas.
   Já referimos que o objecto do processo de condenação à prática de actos administrativos não se centra no acto negativo e na contestação dos fundamentos em que este se possa ter baseado, mas na “posição subjectiva de conteúdo pretensivo” de que é titular o Requerente. Por isso, os fundamentos vertidos no acto de indeferimento deixarão de poder influir directamente o destino da acção.
   E a partir daí, “se, nos termos da lei, o autor tiver direito à emissão de um acto de conteúdo vinculado, basta-lhe invocar o fundamento legal que impõe a emissão desse acto com esse conteúdo para obter ganho de causa na acção. Em relação a estes tipos de actos, o autor não tem interesse em invocar ilegalidades formais ou procedimentais em que possa ter incorrido o acto de conteúdo negativo eventualmente praticado” (Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, p. 93). Nesta linha de consideração, uma vez que nos situamos fora do processo impugnatório típico que é recurso contencioso de anulação, a eventual falta da fundamentação do acto de indeferimento perde a sua pertinência.
   Além do mais, recorda-se que foi no domínio de estrita vinculação que surge a presente acção de condenação, intentada pelo Requerente ao abrigo do artigo 103.º, n.º 1, alínea b) do CPAC. Se verificados todos os requisitos constitutivos do direito invocado pelo Requerente, a Requerida obriga-se a praticar o acto devido em seu favor; quando assim não seja, aquela também estará vinculada a indeferir a pretensão, não sendo portanto possível, em qualquer das situações, haver lugar a exercício do poder discricionário. Nesta conformidade, independentemente da correcta qualificação do vício, a violação de igualdade, ou o desvio de poder que pudesse decorrer do modo de interpretação das normas legais pela Administração não é nada relevante para obter uma decisão de mérito em favor dos interesses substantivos do ora Requerente.».
   
   Pugnando pela manutenção da decisão recorrida é do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
   «1.
   A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pela Subdirectora dos Serviços de Identificação que indeferiu o pedido de confirmação do direito de residência.
   Na sequência do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo a fls. 31 a 33 dos presentes autos, veio o Recorrente apresentar nova petição inicial de acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, na qual conclui pedindo a condenação da Directora dos Serviços de Identificação a emitir a seu favor o Certificado de Confirmação do Direito de Residência nos termos das alíneas 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
   Por despacho de fls. 62 dos presentes autos, foi ordenada a convolação do recurso contencioso em acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido.
   A Ré apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência da acção.
   Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo juiz Tribunal Administrativo e que se encontra a fls. 285 a 295 dos presentes autos foi a acção julgada improcedente com a consequente absolvição da Ré do pedido.
   Inconformado com a dita sentença, veio o Autor interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação da dita sentença e pela sua substituição por outra que condene a Ré nos termos que anteriormente pedira.
   2.
   (i)
   A questão jurídica a decidir no presente recurso jurisdicional consiste, no essencial, em saber se o Autor, cidadão chinês nascido em Hong Kong, adquiriu ou não, pelo nascimento, o estatuto de residente permanente da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
   Apesar da extensa alegação do Recorrente e do evidente esforço argumentativo que o mesmo desenvolveu no sentido de procurar demonstrar que a resposta a tal questão deve ser afirmativa e que, tendo decidido em contrário, a douta sentença do Tribunal a quo deve ser revogada, a verdade é que, em nosso modesto entendimento, a sua pretensão impugnatória não merece ser acolhida.
   Procuraremos justificar porquê, cingindo-nos ao que nos parece ser o estritamente necessário e suficiente para tal efeito.
   (ii)
   A norma legal que regula directamente a matéria em litígio é a que se encontra no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999. Nela se preceitua serem residentes permanentes da RAEM:
   «1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
   3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
   4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
   7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
   8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
   10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9)».
   Face às diversas hipóteses ali previstas, parece pacífico que o legislador ordinário, densificando a norma constitucional contida no artigo 24.º da Lei Básica e indo para além desta, mas num sentido ampliativo, de alargamento das situações que conferem o estatuto de residente e, portanto, constitucionalmente admissível, consagra, no essencial, dois modos de aquisição de tal estatuto: por um lado, através do nascimento na RAEM e, por outro lado, através da residência habitual na RAEM por um período de, pelo menos, 7 anos consecutivos. É o que resulta do disposto nas alíneas 1) e 2), 4) e 5) e 7) e 8) da Lei n.º 8/1999.
   Ao lado destes modos de aquisição do estatuto de residente permanente, a lei contempla também a possibilidade de tal ocorrer mesmo em relação a quem tenha nascido fora da RAEM e aqui não tenha residido habitualmente por pelo menos 7 anos consecutivos. É o que acontece nas situações vertidas nas alíneas 3) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
   Para a solução do caso em apreço, interessa-nos, em especial, focar a nossa atenção na norma constante da alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 já que é ao seu abrigo que o Recorrente pretende ver atendida a sua pretensão. Da sua análise é possível extrair os requisitos de verificação necessária para, com base nela, alguém que nasceu fora da RAEM adquirir, pelo facto do nascimento, o estatuto de residente permanente. São eles os seguintes:
   - Que a pessoa que nasceu fora da RAEM tenha nacionalidade chinesa ou não ter feito a opção de nacionalidade;
   - Seja filha(o) de, pelo menos, um residente permanente da RAEM que já o fosse à data do nascimento;
   - Que o residente permanente progenitor tenha nascido na RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa ou que, não tendo nascido na RAEM, tenha ascendência chinesa e portuguesa e aqui tenha residido habitualmente pelo menos sete anos consecutivos;
   - Que ter domicílio permanente em Macau.
   (iii)
   Como facilmente se pode constatar, o legislador concede a residência permanente aos filhos dos residentes permanentes que tenham nascido fora de Macau com base num critério misto que combina a nacionalidade do filho com o estatuto de residente permanente da RAEM e a nacionalidade ou a ascendência do progenitor.
   Na verdade, exige a lei que a pessoa que nasce fora da RAEM tenha nacionalidade chinesa ou não tenha feito opção de nacionalidade e tenha um vínculo de filiação com pelo menos um residente permanente, o qual por sua vez, tem de ter nacionalidade ou ascendência chinesa.
   Donde resulta que, se o vínculo de filiação é com um nacional chinês ou com um cidadão com outra nacionalidade, mas ascendência chinesa que não é residente permanente, esse vínculo não origina a aquisição do estatuto de residente permanente por parte do filho. Do mesmo modo, se o vínculo de filiação existe relativamente a um residente permanente, mas este não é nacional chinês nem tem ascendência chinesa, também nessa situação aquele vínculo não é suficiente, por si, para permitir a aquisição do dito estatuto.
   Foi, portanto, intenção clara do legislador, expressa sem qualquer ambiguidade nos textos das normas legais relevantes, a de restringir a possibilidade de aquisição originária da residência permanente por parte dos filhos de residentes permanentes nascidos fora da RAEM apenas aos cidadãos chineses filhos de residentes permanentes chineses [trata-se da situação contemplada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 8/1999] e bem assim aos cidadãos chineses ou que não tenham feito opção de nacionalidade que sejam filhos de residentes permanentes de ascendência chinesa e portuguesa [trata-se da hipótese prevista na alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999].
   (iv)
   Com todo o respeito pela esforçada interpretação das normas legais relevantes contidas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, ensaiada pelo Recorrente, não vemos como se possa chegar, sem as contrariar de forma ostensiva, a interpretação diferente daquela que vimos de fazer.
   É hoje pacífico, sabemo-lo todos e nisso estamos em inteira sintonia com o Recorrente, que se deve ter por definitivamente superado qualquer paradigma metodológico de que resulte uma interpretação das normas jurídicas apegada, estritamente, à sua letra. Pelo contrário. De acordo com o n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil, «o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que foi elaborada».
   Em todo o caso, estamos em crer, e com isto cuidamos não cair em qualquer anacronismo de raiz positivista, o elemento literal há-de ser o ponto de partida na interpretação da norma jurídica e, mais do que isso, ele constitui o limite inultrapassável dessa interpretação, uma vez que, também é de todos sabido, não pode atribuir-se à lei um sentido que não tenha na sua letra «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», tal como decorre do n.º 2 do artigo 8.º do Código Civil.
   A verdade é que, se estamos a ver bem, mesmo que nos desprendamos da estrita letra das normas legais contidas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 que constituem o pertinente critério decisório mobilizável com vista à solução concretamente adequada do caso em apreço, nenhum dos outros elementos relevantes a ter em conta, como sejam o histórico, o sistemático e, especialmente, o teleológico, permite concluir que o legislador, de alguma forma se exprimiu de uma maneira imperfeita e disse menos do aquilo que queria, exigindo-se uma interpretação enunciativa (deduzindo da norma o que nela está contido a partir de uma inferência lógico-dedutiva alicerçada no argumento a minori ad maius) ou, então, uma interpretação extensiva da norma, alargando ou estendendo o texto da norma de forma a dar-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra ao espírito da lei, na medida em que a própria razão de ser desta postula a sua aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela respectiva letra, mas são abrangidos pela sua finalidade (cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, págs. 185 e 186).
   Mesmo para quem, como nós, veja no caso o indispensável prius metodológico a partir do qual há-de ser encontrada a solução judicativo-decisória jurídico-materialmente adequada através da mobilização dos critérios abstractamente emergentes das normas legais que o mesmo na sua concreta problematicidade convoque, através de um proceder de natureza essencialmente analógica, de comparação entre a concretude do problema e a situação abstractamente prevista na norma, não nos parece viável, sem entrarmos no domínio de uma inadmissível interpretação contra legem, acolher a proposta interpretativa sustentada pelo Recorrente, qual seja a de que a alínea 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 abrange na sua previsão a situação dos filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora da RAEM de residentes permanentes portugueses sem ascendência chinesa.
   Vejamos, partindo do caso que se encontre sub judice.
   (v)
   O Recorrente nasceu em Hong Kong e tem nacionalidade chinesa. O seu pai, que tem nacionalidade portuguesa, é residente permanente da RAEM e a sua mãe, que tem nacionalidade chinesa, não é residente permanente da RAEM.
   Sendo estes os dados essenciais do problema, logo se constata, num primeiro e decisivo momento, a inviabilidade de enquadrar o Recorrente na alínea 3) do n.º 1 do artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 8/1999, porquanto, a sua mãe, sendo chinesa, não era residente permanente quando o mesmo nasceu. Falta um dos requisitos que a lei exige quanto ao progenitor, que é o de o mesmo ser residente permanente.
   Mais. O alargamento por via interpretativa o âmbito da alínea 6) no sentido propugnado pelo Recorrente de abranger uma situação que a alínea 3) do n.º do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 expressamente afasta, implicaria uma inaceitável antinomia intra-normativa cuja constatação deveria bastar para afastar, em definitivo, a pretensão do Recorrente.
   Sublinhe-se, aliás, que a nacionalidade chinesa do Recorrente assenta, exclusivamente, no vínculo de filiação com a mãe. O Recorrente é chinês porque a sua mãe é chinesa. Todavia, como qualquer outro cidadão chinês que tenha nascido fora da RAEM e seja filho de cidadãos chineses residentes não permanentes, o Recorrente não adquire a residência pelo facto do nascimento com base nesse vínculo de filiação.
   Não é possível, a nenhuma luz, estender a aplicação da norma da alínea 3) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, a situações em que o progenitor chinês nascido fora da RAEM não seja residente permanente.
   Por outro lado, sendo verdade que o pai do Recorrente é residente permanente, preenchendo, portanto, um dos requisitos que a lei exige no que ao progenitor concerne e que acima referimos, o certo é que não se mostra preenchido quanto a ele o outro indispensável requisito, qual seja, o da nacionalidade ou ascendência chinesa, pois que a sua ascendência é exclusivamente portuguesa.
   E também aqui não vemos o que distinga a situação do Recorrente da situação dos filhos dos residentes portugueses sem ascendência chinesa referidos nas alíneas 7) e 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 que tenham nascido fora da RAEM de modo a justificar que a ele lhe seja aplicado um tratamento diferenciado.
   Dir-se-á que a diferença está no facto de o Recorrente ter nacionalidade chinesa. Assim é. Porém, essa diferença é concretamente irrelevante para justificar um tratamento diferenciado num sentido mais favorável porquanto, como já dissemos, essa nacionalidade advém da circunstância de a sua mãe ser nacional chinesa sem que, no entanto, seja residente permanente. O vínculo da nacionalidade não coincide com o vínculo da residência permanente e aquele sem este é irrelevante, tal como resulta, sem nenhuma dúvida, do disposto a alínea 3) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
   Parece-nos evidente, com efeito, que os requisitos que a lei exige têm de se verificar em relação ao mesmo progenitor, o qual tem de ser residente permanente e ter nacionalidade ou ascendência chinesa. Não é possível combinar os requisitos que se verificam separadamente em relação aos dois progenitores. Dizendo de outro modo, não é legalmente possível cumular o estatuto de residente permanente do pai, que não tem nacionalidade nem ascendência chinesa com a nacionalidade chinesa da mãe, que não é residente permanente, para dessa forma se atribuir ao filho de ambos que nasceu fora de Macau o estatuto de residente permanente, em razão de uma espécie de combinação das normas das alíneas 3) e 8) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999.
   Portanto, a nosso ver, o Recorrente, cidadão chinês nascido fora de Macau, filho de mãe chinesa que não é residente permanente, cai, de pleno, na previsão da alínea 2) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, pelo que adquirirá o estatuto de residente permanente assim que completar sete anos consecutivos de residência habitual em Macau. Não pode ser de outro modo.
   (vi)
   Duas referências breves a terminar.
   A primeira quanto à questão a que o Recorrente dedica muito das suas alegações sobre a distinção entre um conceito restrito de macaenses que teria sido adoptado pela Administração e pela sentença recorrida e um conceito amplo de macaenses.
   De novo com todo o respeito, quer-nos parecer que se trata de um ponto que é juridicamente desinteressante tendo em vista a correcta decisão da causa.
   Embora concedamos que as previsões contidas nas alíneas 4), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 possa ter em vista os cidadãos chamados «macaenses», como bem assinalou a douta sentença recorrida, a verdade é que a lei não utiliza uma tal referência conceptual. O legislador em parte alguma da referida lei se lhes refere nesses termos. O critério da lei tem por mera referência a ascendência do residente permanente, sendo, por isso, puramente biológico, se assim podemos dizer, e não cultural. Ou, de outra forma, o critério eleito pelo legislador assenta num adquirido natural não num construído cultural.
   Nesta perspectiva, um residente permanente da RAEM de nacionalidade portuguesa sem ascendência chinesa não se enquadra na previsão da norma, ainda que, respeitavelmente, não o discutimos, se considere a si próprio um macaense.
   A segunda referência, prende-se com a questão, também trazida pelo Requerente, de uma alegada violação do princípio da igualdade previsto no artigo 25.º da Lei Básica em que teria incorrido a Administração ao indeferir a sua pretensão.
   Admitindo melhor juízo, cremos que o Recorrente não tem razão. Estamos, não merece grande controvérsia, no âmbito de uma actuação vinculada da Administração. O acto negativo que foi praticado por esta é um acto vinculado, não discricionário.
   Ora, constitui entendimento uniforme dos nossos tribunais o de que a violação dos princípios gerais da actividade administrativa, como é o princípio da igualdade só releva quando em causa está o exercício de poderes discricionários, pois que, quando não, a violação de tal princípio estará na própria.
   Mas também não nos parece que as normas das alíneas 4), 5) e 6) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, na interpretação que delas foi feita pela Administração e corroborada pelo Tribunal a quo, enferme de qualquer violação do princípio da igualdade, nomeadamente na dimensão da proibição do arbítrio, tanto mais que elas são a mera densificação ampliativa, não restritiva, da norma constitucional do artigo 24.º da Lei Básica (note-se: uma coisa é dizer-se que a Administração, no espaço discricionário, incorre em violação do princípio geral da actividade administrativa da igualdade; outra coisa, diferente, é dizer-se que a norma, na interpretação adoptada pela Administração ou pelo Juiz, é violadora do princípio constitucional da igualdade).
   Com efeito, em matéria de atribuição do estatuto de residência permanente da RAEM, é perfeitamente legítimo ao legislador estabelecer uma diferenciação de tratamento em função da nacionalidade e da ascendência.
   A lei não discrimina o Recorrente relativamente a quem se encontra na mesma situação que ele: o filho de um residente permanente de nacionalidade portuguesa e de ascendência não chinesa que nasça fora de Macau, tenha o filho a nacionalidade que tiver, não adquire, tal como o Recorrente, o estatuto de residente permanente da RAEM, pelo facto do nascimento; o filho de nacionalidade chinesa de um residente não permanente de nacionalidade chinesa que nasça fora de Macau não adquire, tal como o Recorrente, o estatuto de residente permanente pelo facto do nascimento. A nacionalidade chinesa do filho e do progenitor não são suficientes para atribuir a residência permanente a quem nasce fora de Macau.
   Tudo para concluirmos que, em nosso convicto entender, a douta sentença recorrida procedeu a uma impecável interpretação e aplicação da lei, não padecendo, por isso de qualquer erro de julgamento que justifique a sua revogação.
   3.
   Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.».
   
   Concordando integralmente com a fundamentação constante da sentença recorrida, bem como, com a do Douto Parecer supra reproduzido que vem em defesa daquela, aderindo aos fundamentos da decisão recorrida e aos do indicado Douto Parecer, nada mais se impõe acrescentar, improcedendo os fundamentos de recurso quanto aos vícios imputados à decisão recorrida, a qual se confirma e mantém.
   
   No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
   
III. DECISÃO
  
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.
   
   Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s.
   
   Registe e Notifique.
   
   RAEM, 3 de Março de 2022
   
   
   
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong



1 Embora na Matéria de facto considera que “o requerente tem ascendência chinesa e portuguesa”.
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1003/2021 ADM 1