Proc. nº 883/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 10 de Março de 2022
ASSUNTOS:
- Director das Finanças
- Comissão de Revisão
- Falta de fundamentação
- Isenção do Imposto Complementar de Rendimentos
SUMÁRIO:
- O Director das Finanças e a Comissão de Revisão são duas entidades administrativas diferentes e sem qualquer relação de dependência hierárquica entre uma e outra.
- Não sendo o Director das Finanças parte do processo, nem superior hierárquico da Comissão de Revisão (entidade recorrida), não interessa saber a sua posição sobre o assunto discutido nos autos.
- A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
- A isenção do pagamento do imposto prevista no nº 2 do artº 28º da Lei nº 16/2001 é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder a isenção.
- Não sendo a Recorrente concessionária para exploração do jogo e azar, nunca pode beneficiar ou obter a isenção supra referida.
O Relator,
Proc. nº 883/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)
Data: 10 de Março de 2022
Recorrente: A Limited
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (Entidade Recorrida)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 23/06/2021, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou improcedente o recurso apresentado pela Recorrente A Limited.
Dessa decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A Recorrente aceitou para efeitos de confissão da entidade recorrida que foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual "foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços."
2. A sentença recorrida violou as disposições conjugadas do artigo 76º do CPAC e 562º/3 do CPC por não ter especificado nos factos provados, aqueles que ficaram provados por documentos e que resultaram de confissão reduzida a escrito.
3. No mínimo, deveria ter ficado consignado na sentença recorrida que em casos semelhantes, anteriormente, a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente, através da confissão que:
a. as remunerações não devem ser tributadas em qualquer sede de imposto;
b. Com base na fundamentação: "foram colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços."
c. Os serviços da Recorrida tratam os casos dos contribuintes de maneira diferente - ou seja, existe alguma margem de discricionaridade.
4. Estes factos são essenciais para a procedência dos argumentos avançados pela Recorrente, nomeadamente de que a invocação do princípio da legalidade esconde alguma margem de discricionaridade ou de interpretação que a Recorrida exerce em relação a outros contribuintes.
5. Os artigos 76º do CPAC e 562º/3 do CPC devem ser interpretados no sentido de que na sentença devem ser mencionados todos os factos com interesse para a causa que que tenham sido admitidos por acordo das partes, provados por documentos, por confissão reduzida a escrito e os restantes factos tribunal deu como provados.
6. Nas suas alegações facultativas, a Recorrente alegou "factos supervenientes" em virtude dos factos alegados pela própria Recorria nas suas contra-alegações e da junção por esta de um documento.
7. Nessas alegações facultativas, a Recorrida acrescentou, entre outras, as Conclusões H) e N).
8. Ora, desde o início do processo instrutor, a entidade recorrida defendeu o entendimento que não tem margem de discricionaridade, bem como que a decisão de não tributação dos rendimentos provenientes do contrato de serviços com a concessionária de jogo B não foi sua.
9. Porém, o que se verifica é que existe um Despacho do Director da Recorrida a corroborar a posição defendida pela Recorrente mas que esse despacho não se encontra no Processo Administrativo.
10. Após proferido o acto administrativo, não pode a Administração modificar, alterar ou corrigir a sua fundamentação, muito menos já em sede de contra-alegações do recurso contencioso.
11. A fundamentação do acto administrativo deverá ser bastante para que se compreendam todos os fundamentos de facto e de direito do acto.
12. As quatro funções do dever de fundamentar os actos adminsitrativos são: (1) a Defesa do particular; (2) o Controlo da Administração; (3) a Pacificação das relações entre a Administração e os particulares - posto que estes últimos tendem a aceitar melhor as decisões que lhes sejam desfavoráveis se as correspondentes razões lhes forem comunicadas de forma completa, clara e coerente; e (4) a Clarificação e prova dos factos sobre os quais assenta a decisão.
13. O objectivo essencial e imediato da fundamentação é, portanto, esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo que levou à adoção de um ato com determinado conteúdo.
14. Donde decorre que a douta sentença recorrida não deveria aceitar a "nova fundamentação" do acto, por se ter esgotado essa opção. A legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela Administração Tributária e que não são contemporâneos do acto.
15. A douta sentença recorrida deveria ter conhecido este vício invocado pela Recorrente nas suas alegações facultativas, aceitando-as como supervenientes.
16. Durante o procedimento, designadamente desde a fase da instrução, a Recorrente sempre pediu que fosse atendida a sua situação especial face à existência de casos decididos anteriormente pela Administração que concederam isenção fiscal de Imposto Complementar à Recorrente (até ao ano 2008) e a sociedades concorrentes da Recorrente (até ao presente).
17. Invocou, entre outros argumentos, que a situação jurídica se manteve, que houve violação do princípio da igualdade, que a decisão não estava fundamentada.
18. Só com a sua Contestação, a Recorrida não só veio confessar ter decidido casos semelhantes da forma que a Recorrente pretende, como vem confessar que a decisão partiu do próprio Director da Recorrente, e não do Exmo. Senhor Chefe do Executivo.
19. Os documentos juntos com a sua Contestação vieram revelar que na verdade, a questão já teria sido resolvida anteriormente, de forma que seria favorável à Recorrente.
20. O acto recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, por não ter decidido sobre a matéria da reclamação com base na hipotética não discricionaridade do acto e sua vinculação ao princípio da legalidade,
21. O que veio a ser contraditado pela junção de novo documento, no qual a Recorrida confessa poder decidir de outra forma, que seria mais favorável à Recorrente.
22. A douta sentença recorrida deveria ter aceite a matéria como superveniente, bem como deveria ter-se pronunciado sobre esta questão.
23. Os pressupostos mencionados na decisão recorrida e que foram absorvidos pela sentença - designadamente os parágrafos 1, 2, 3, 4 e 15 do acto recorrido - não sofreram qualquer alteração entre 29 de Julho de 2019 (data da apresentação da declaração do Imposto de Complementar de Rendimentos) e 2 de Abril de 2020 (data da nova fixação de rendimento colectável pela Recorrida),
24. E esses parágrafos não explicam minimamente quais foram as operações matemáticas, financeiras ou outras que levaram à alteração do montante do lucro tributável de MOP11,937,198.00 declarado pela Recorrente para MOP$135,602,317.00 fixado pela Recorrida
25. Além disso, o parágrafo 15 do acto recorrido é meramente conclusivo e despido de conteúdo quando desacompanhado dos parágrafos precedentes.
26. O segmento decisório: "É certo que a Administração Fiscal não se limitou a dizer o que é essencial, fazendo apelo a outras considerações na sua resposta negativa à reclamação - nos artigos 7, 8, 9 e 10. Todavia, ainda que se considerasse que em relação a esses fundamentos a administração fiscal não justificou de forma suficiente e esclarecida, nem por isso a consequência seria a anulação do acto pelo vício da falta de fundamentação", aceita parcialmente os fundamentos do acto recorrido,
27. Mas fá-lo através da escolha cirúrgica de parte da fundamentação, eliminando outros pontos da mesma, ficando o parágrafo 15 órfão de conteúdo.
28. O que determina que seja esvaziado o conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu ao acto recorrido.
29. No caso dos autos, o vício apontado à fundamentação do acto era que esta é contraditória.
30. Quando a fundamentação é contraditória não pode ser o Tribunal a escolher quais os termos da fundamentação que acha preferíveis para salvar o acto - A fundamentação do acto deveria ser bastante para resolver este conflito.
31. A correcção à base de tributação efectuada pela Recorrida tem subjacente determinada fundamentação, que conduziu à qualificação da operação tributária para efeitos de Imposto Complementar de Rendimentos, e com base na qual, a ora Recorrente exerceu a sua defesa, e que alicerçaram a delimitação do acervo probatório que despoletou a decisão judicial, subjazendo, pois à decisão recorrida a imposição de fundamentação dos actos plasmada no art. 114º e 115º do Código do Procedimento Administrativo e no artigo 41º/1 do RICR, princípio da vinculação temática e o direito à prova.
32. Se não é lícito à Recorrida, em momento posterior, tentar colmatar um lapso, erro de procedimento, ou erro de interpretação, alterando a conclusão a que chegou e cuja decisão já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa - por maioria de razão também ao tribunal será vedado corrigir as deficiências do acto.
33. Decorre inequivocamente da fundamentação do acto tributário em sindicância que a A.T. qualifica o contrato celebrado entre a Recorrente e a B "como situações diferentes" da de outros contribuintes, mais ali se dizendo que o acto é vinculado, pese embora haver nos autos prova de que a decisão da A.T. é diferente para outros casos.
34. Praticado um acto com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação.
35. Os factos e fundamentos de direito enunciados no na Deliberação da Comissão de Revisão são contraditórios entre si e não cabe ao Tribunal escolher ou optar pelo fundamento que mais lhe convém. Esse papel pertence inevitavelmente ao autor do acto. É a ele e apenas a ele quem cabe apresentar todos os fundamentos que subjazem à prática do acto.
36. Os fundamentos de facto e de direito invocados pela A.T. não apontam de forma congruente no sentido de que a decisão constitui uma decisão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação.
37. O artigo 21º do CICR quando dispõe que «Consideram-se custos ou perdas imputáveis ao exercício os que tiverem de ser suportados para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos e para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: [...] f) Encargos fiscais e parafiscais a que estiver sujeito o contribuinte, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 29.º.», é um afloramento do princípio da proibição da dupla tributação, aplicável à Recorrente.
38. A questão que se coloca nos autos é que a Recorrente não pagou, por si, o Imposto Especial sobre o Jogo, quem o fez foi a sua parceira de negócios - a B.
39. Ora, no âmbito do contrato de prestação de serviços e de cedência de espaços, a retribuição da Recorrente seria uma percentagem calculada sobre o rendimento líquido anual proveniente de actividades de jogo.
40. Ou seja, do rendimento do jogo obtido pela B uma parcela é entregue directamente à RAEM a título de imposto sobre o jogo, o remanescente é dividido entre B e Recorrente.
41. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
42. Mas pelo facto de a Recorrida desenvolver esta actividade em colaboração com a Concessionária em regime de sua associada - a sociedade Reclamante terá um prejuízo patrimonial correspondente a um esforço fiscal injusto, injustificado e inesperado para a Administração Fiscal - pois conforme se disse, caso a B não recorresse a prestadores de serviços externos e desenvolvesse a actividade por si própria estaria isenta do imposto complementar.
43. A invocação do princípio da legalidade tem apenas por função esconder que na realidade a fundamentação por trás do acto praticado foi que a Recorrente tem mesmo um tratamento diferente do prestado pela Recorrida às empresas suas concorrentes.
44. Através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 333/2007, foi concedida à B a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, "relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino" .
45. A Direcção de Serviços de Finanças reconhece a outras sociedades nas mesmas circunstâncias da Recorrente que o seu rendimento "relacionado com o jogo não está sujeito a imposto complementar durante o termo efectivo do Contrato de Serviços, dado que os honorários recebidos no âmbito do Contrato de Serviços derivam do rendimento do jogo da B, que se encontra isento nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 28º da Lei 16/2001 e da isenção concedida pelo despacho no 30/2004 de 23 de Fevereiro de 2004 e depois pelo despacho no 378/2011."
46. Além disso, a Direcção dos Serviços de Finanças confirmaram que "o rendimento relacionado com o jogo a respeito de salas VIP não está sujeito a imposto complementar dado que os impostos são pagos directamente pela B. A B paga imposto especial sobre o jogo, taxas especiais e prémios sobre o jogo ao Governo de Macau através da sua parte do rendimento bruto gerado pelos Casinos."
47. Desde que a recorrente iniciou a sua actividade nos termos do contrato com a B não houve qualquer alteração legislativa no âmbito do imposto complementar de rendimentos aprovado pela Lei n.º 21/78/M, e cuja última alteração data de 1 de Outubro de 2003 (Lei nº 12/2003)
48. O regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino tem como objectivos, em especial, assegurar que o interesse da Região Administrativa Especial de Macau na percepção de impostos resultantes do funcionamento dos casinos é devidamente protegido.
49. Supondo que a actividade que a Recorrente desenvolve fosse executada só e directamente pela Concessionária, a mesma actividade estaria sem qualquer dúvida isenta do pagamento de imposto complementar.
50. O acto em crise é ilegal porque obriga a Recorrente a repercutir as perdas com o Imposto Complementar na sua cliente Concessionária - nos termos do contrato de prestação de serviços - o que vai contra o espírito da isenção concedida por S. Exa. Chefe do Executivo.
51. Tem sido prática corrente e entendimento pacífico ao longo dos anos que a totalidade dos rendimentos (sobre as receitas brutas) sobre os quais é calculado o honorário da Reclamante foram já sujeitos a tributação (especial sobre o jogo).
52. O acto em crise viola o artigo 28º da Lei 16/2001, o Despacho do Chefe do Executivo 333/2001, os Princípios da Igualdade, da Proporcionalidade, da Justiça e da Imparcialidade, bem como os artigos 2º e 3º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
53. O acto recorrido viola ainda os princípios da justiça tributária e da proporcionalidade, bem como os princípios da legalidade, da equidade e da boa-fé.
54. Quando o mesmo facto tributário é base de incidência de tributos diferentes, existe dupla tributação.
55. Diz-se que o imposto especial sobre o jogo incide sobre as receitas brutas de exploração de jogo e que o imposto complementar incide sobre o rendimento global auferido.
56. O rendimento global das pessoas colectivas é o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial e calculado nos termos deste regulamento e no caso de o rendimento de uma pessoa colectiva resultar da exploração do jogo, pode dizer-se que esse rendimento são as "receitas brutas da exploração do jogo"
57. A adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes que não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à falta de fundamentação.
58. O acto é anulável por vício de forma por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.
59. O acto em crise padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e igualdade tributária e da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade e das normas dos artigos 2º, 3º, 19º da Lei no. 21/78/M e artigo 27º da Lei 16/2001.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 288 a 304 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
“…
Nas alegações de fls.259 a 285 dos autos, a ora recorrente solicitou a revogação da sentença em questão e a substituição da mesma por aresto que vá julgar procedente o recurso contencioso e anular a deliberação tomada em 02/04/2020 pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos (doc. de fls.27 a 28 dos autos, que se dá aqui por reproduzido na sua íntegra).
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1. Da arguição da violação da lei processual
À douta sentença em escrutínio, a recorrente assacou, em primeiro lugar, a violação dos preceitos nos arts.76º do CPAC e n.º3 do art.562º do CPC, argumentando que nos “factos provados” não elencou o documento de fls.112 dos autos, e também que “no cumprimento das disposições supracitadas, deveria ter ficado consignado que em situações anteriores a Recorrida teve um entendimento em relação à matéria em causa nos presentes autos que é favorável à pretensão da Recorrente.”
Ora, a indevida desconsideração ou ignorância dum facto fecunda o erro de julgamento em vez da nulidade, por isso distingue-se da não especificação de facto que, de acordo com a alínea b) do n.º1 do art.571º do CPC, só é relevante quando chegar a gerar a nulidade da sentença.
Proclama a jurisprudência mais autorizada que a nulidade a que se refere a alínea b) do n.º1 do art.571.º do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, e que só a falta em absoluto da menção de factos provados ou da fundamentação gera a nulidade da sentença prevista no art.º571.º, n.º1, al. b) do CPC (cfr. Acórdão do TUI nos Processos n.º21/2004 e n.º24/2006).
Em esteira, e dado que a sentença em crise contém a especificação de factos provados, inclinamos a entender que a omissão nos “factos provados” do documento de fls.112 dos autos é insignificante, não podendo provocar a nulidade da supramencionada sentença.
*
2. Do argumento relativo à “admissibilidade de novos fundamentos”
Nas conclusões das alegações do recurso jurisdicional em apreciação, a recorrente insistiu em serem admissíveis os fundamentos alegados apenas nas suas alegações facultativas e vieram ser desatendidos pelo MMº Juiz a quo na sentença em questão.
2.1. Ora, é a fundamentação dum determinado acto administrativo em si mesma que constitui o parâmetro para efeitos de avaliar se a qual for clara, congruente e suficiente; por natureza das coisas, um documento que venha ser apresentado pelo órgão recorrido na pendência do recurso contencioso e não tenha haver com o acto administrativo em causa não pode, a posteriori, acarretar contradição à tal fundamentação. Pois, reza a jurisprudência mais autorizada (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º37/2015): Os vícios do acto administrativo, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores.
Nestes termos, parece-nos que é sem sombra de dúvida que basta a leitura da própria deliberação contenciosamente impugnada para indagar se a mesma enfermar da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, visto que tal deliberação incide tão-só e simplesmente sobre a Reclamação deduzida pela ora recorrente (doc. de fls.10 a 12 do P.A.).
Daí decorre incontestavelmente que não é legítimo que a recorrente arrogou facto superveniente para abonar a sua arguição da contradição da fundamentação ou da omissão de pronúncia, portanto, a decisão do MMº Juiz a quo traduzida em não atender tais duas arguições é sã e inatacável.
2.2. Na nossa óptica, a douta sentença recorrida no que diz respeito à assacada “omissão de pronúncia” está em perfeita consonância com a determinação no art.100.º do CPA que impõe tão-só o dever de “resolver as questões” ao órgão administrativo, sem exigir a análise e ponderação de todos os fundamentos invocados por interessado.
De outro lado, vale a pena assinalar que as disposições nos n.º2 do art.11.º e n.º2 do art.148.º do CPA torna certo que a existir, a omissão de pronúncia não germina o vício de forma nem invalida o correlativo acto administrativo, dá luz apenas a subsistência do dever de decisão.
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3. Da assacada “violação da lei substantiva”
Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, violação que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição insanável entre os pontos 7 a 10 e, de outro lado, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencionadas no ponto 8 dessa deliberação.
Do art.115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642). Pois, o n.º2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que preconiza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls.33 a 43 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e compreender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricionário do Chefe do Executivo, e os pontos 9 e 10 referem-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia irrefutavelmente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
Note-se que na sua Reclamação, a recorrente peticionou tão-só que lhe seria aplicada a isenção prescrita no Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo, sem pedir a isenção prevista no art.9.º do RICM, alegando ser parceira de exploração da «B, S.A.».
Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art.9.º do RICM, não ficava obrigada a precisar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação, portanto não se verifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação.
Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
3.2. Bem, o art.28.º da Lei n.º16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
Repare-se que o n.º1 do Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, S.A., a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º378/2011 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, incluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º378/2011.
Ora, o que a recorrente recebeu da B tem, sem mínima sombra de dúvida, a natureza jurídica de rendimento que fica sujeito ao imposto complementar de rendimentos (art.2.º do RICR). Sendo assim, o imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada e assume uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º324/2020). Tudo isto evidencia que não enferma da dupla tributação a deliberação impugnada no recurso contencioso culminante com a prolação da sentença em escrutínio, por isso é infundada a arguição da dupla tributação.
3.3. De outro lado, é de frisar que na sua Reclamação, a recorrente arrogou só a aplicação a si da isenção prescrita no Despacho n.º378/2011 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º1 do art.9º do RICR. Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento auferido no exercício do ano 2016. Daí flui que a dita deliberação não ofende os princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007)
Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º1 do art.9º do RICR não dota o Fisco de qualquer poder discricionário ou margem de livre apreciação, e a qualificação do sobredito rendimento da recorrente no lucro tributável consignado no referido n.º1 não comporta o exercício de poder discricionário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
➢ A Recorrente é uma sociedade que se dedica à exploração do Hotel C, na Rua de XX, n.ºs XX, XX, XX e XX, Edif. “Hotel C”, em Macau (conforme consta de fls. 78 a 85 dos autos).
➢ A Recorrente celebrou sucessivamente os dois contratos de prestação de serviços e cedência de espaço com a B, S.A. (conforme consta de fls. 35 a 47 e 86 dos autos e cujo teor se considera reproduzido).
➢ Em 24/07/2017, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2016 (conforme consta de fls. 80 a 104 do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve lucro tributável no valor de MOP11,937,198.00 (ibid).
➢ Em 16/01/2020, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP135,602,317.00, e em 18/2/2020, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 62 e 77 e v do P.A.).
➢ Em 18/02/2020, foi efectuada a liquidação do imposto de rendimentos pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 09/07/2020 (conforme consta de fls. 2 e 63 do P.A.).
➢ Em 23/03/2020, a Recorrente reclamou contra a fixação da matéria colectável junto da Recorrida (conforme consta de fls. 10 a 12 do P.A.).
➢ Em 02/04/2020, a Recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2016 o rendimento colectável de MOP135,602,317.00, com o teor da fundamentação que se transcreve no seguinte:
“…Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, deliberou a Comissão de Revisão:
1. Nos termos do disposto no artigo 2.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, doravante abreviadamente RICR, este imposto incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território.
2. Constituindo o rendimento global das pessoas colectivas, o lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial, calculado nos termos do RICR.
3. A Administração Fiscal deliberou fixar o rendimento colectável em MOP 135,602,317.00 em relação ao exercício de 2016 - em virtude de rendimentos obtidos por prestação de serviços da contribuinte A Limited à B.
4. A contribuinte, ora reclamante, pertence ao grupo A, sendo tributada com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com o RICR.
5. Entende a Administração Fiscal que a contribuinte reclamante não se enquadra nem preenche qualquer das normas de isenção legalmente previstas no Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, designadamente no artigo 9.º do RICR.
6. Nem tão pouco, por não ser concessionária, se enquadra previsto no n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 16/2001.
7. Esta previsão legal estabelece que só a concessionária pode ser isenta, excepcionalmente, do pagamento do imposto complementar de rendimentos, tendo o legislador concedido ao Chefe do Executivo um poder discricionário para o efeito.
8. Assim, comparando a situação da reclamante com as situações de outros contribuintes, designadamente cujo contrato celebrado com B tenha sido autorizado, estamos perante situações diferentes, e em consequência, não há violação do princípio de igualdade, nem tal pode ser aferido nesta sede.
9. Quanto à alegada violação dos princípios da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade, é pacífico o entendimento na doutrina, como na jurisprudência, que esses só assumem relevância autónoma quando a administração actua no exercício de poderes discricionários.
10. No caso em apreciação a lei não deixa à entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimentos, pelo que, não pode haver ofensa a esses princípios.
11. De igual modo não existe a acumulação de cargas tributárias na reclamante relativas aos mesmos rendimentos, ou seja, não estamos perante a identidade da matéria colectável.
12. A B, na qualidade de concessionária, é tributada no imposto especial de jogos por incidir sobre o rendimento bruto da exploração do jogo enquanto a reclamante aufere o rendimento derivado da transacção efectuada com a B, como contrapartida monetária pela prestação de serviço a esta, então, a reclamante deve ser considerada como contribuinte do ICR.
13. Contudo, de qualquer maneira, só a B pode ter a qualidade de beneficiário da referida isenção.
14. Importa reafirmar que a Lei não deixa á entidade tributária uma margem de discricionariedade aquando da fixação ou não do rendimento colectável do imposto complementar de rendimento.
15. Verificada a incidência objectiva e subjectiva do imposto complementar de rendimentos, na medida em que, a Sociedade é uma contribuinte normal, e não investida de alguma qualidade que permita a exclusão da integração do seu rendimento na matéria colectável – cfr. artigos 2.º, 4.º, 9.º, 10.º, 19.º do RICR – a Administração Tributária, no exercício de uma competência vinculada, sujeita ao princípio da legalidade – cfr. artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplica à Sociedade A Limited as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impõem perante a ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do RICR.
16. A CRIC considera na apreciação dos contratos celebrados pela A Limited com a B, que não importa o nomen juris para a definição da natureza jurídica dos mesmos, deve resultar sim do respectivo clausulado, que de resto se auto-definem como Contratos de Prestação de Serviços e de Ocupação e Uso do Espaço, onde funciona o Casino explorado pela B.
17. Resulta claro que a contribuinte não está investida na qualidade de sujeito tributário que determine tratamento especial ou excepcional junto à Administração Tributária.
18. Não estando reunidos os critérios que atribuem a isenção, pelo que, os rendimentos estão sujeitos à tributação do imposto complementar de rendimentos e ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes.
Pelo exposto, a Comissão deliberou negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2016 o rendimento colectável de MOP$ 135,602,317.00.
Ao abrigo do artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.01% sobre a colecta de MOP$ 14,839,815.00.
Nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação – n.º 2 do artigo 80.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo – artigo 82.º do mesmo diploma.
O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto.
Desta deliberação cabe ainda reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.º do mesmo Regulamento...” (conforme consta de fls. 8 a 9 do P.A. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 29/06/2020, a Recorrente interpôs o recurso contencioso fiscal.
*
III – Fundamentação
1. Da violação da lei processual:
Para a Recorrente, o Tribunal a quo violou o dever de especificação dos factos provados previsto no artº 76º do CPAC ao não fixar na matéria fáctica provada o facto de que “foi proferido um despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças através do qual foi sancionado o entendimento mediante o qual as remunerações [...] não deverão ser tributadas em qualquer sede de imposto da RAEM, porquanto terão as mesmas sido colectadas a montante do acto de pagamento pela prestação de serviços e ocupação e uso de espaços.”
Adiantamos desde já que não lhe assiste a razão.
Tanto no processo civil como no contencioso administrativo, o Tribunal só seleciona factos relevantes com interesse à boa decisão da causa.
No caso em apreço, a Entidade Recorrida é a Comissão de Revisão, daí que não tem interesse saber o que tinha decidido o Director das Finanças, uma vez que são duas entidades administrativas diferentes e sem qualquer relação de dependência hierárquica entre uma e outra.
Improcede assim este argumento do recurso jurisdicional.
2. Da admissibilidade de novos fundamentos do recurso:
Segundo a Recorrente, face ao conhecimento superveniente do facto supra em referência, é legalmente admissível alegar novos fundamentos para o recurso contencioso nos termos do nº 3 do artº 68º do CPAC e o Tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, violou o citado preceito legal.
Quid iuris?
Como supra decidimos que o facto em causa não tem qualquer interesse para a boa decisão do mérito da presente causa, em virtude de que o Director das Finanças não é parte dos presentes autos, nem superior hierárquico da Comissão de Revisão, daí que a sua posição sobre o assunto não forma caso decidido, tal como é pretendido pela Recorrente.
Nesta conformidade, é de manter a decisão a quo em não atender aos alegados “novos fundamentos” do recurso contencioso com fundamentos algos diversos.
3. Da violação da lei substantiva:
Sobre esta parte do recurso jurisdicional, o Dignº Magistrado do Ministério Público junto deste TSI emitiu o seguinte parecer:
“…
3. Da assacada “violação da lei substantiva”
Além de arrogar a violação de lei processual, a recorrente assacou ainda a violação de lei substantiva à sentença do MMº Juiz a quo, violação que, de acordo com o processo argumentativo dela, se consubstancia nos erros de julgamento atinentes aos vícios invocados na petição.
3.1. À deliberação impugnada no recurso contencioso, a recorrente imputou a falta de fundamentação, argumentando que havia contradição insanável entre os pontos 7 a 10 e, de outro lado, a Comissão de Revisão não explicou minimamente quais fossem “situações diferentes” mencionadas no ponto 8 dessa deliberação.
Do art.115º do CPA podem-se extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a)- a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b)- a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c)- a clareza; d)- a congruência e, e)- a suficiência (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.637 a 642). Pois, o n.º2 deste normativo prevê peremptoriamente que a obscuridade, contradição ou insuficiência equivale à falta de fundamentação.
Bem, sufragamos a jurisprudência autorizada e iluminativa que preconiza (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999 no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente. (sublinhas nossas)
Nestes termos, e tomando em consideração a Reclamação deduzida pela recorrente (doc. de fls.33 a 43 do P.A.), inclinamos a entender que a referida deliberação assegura à recorrente toda a possibilidade de conhecer e compreender cabalmente o itinerário cognoscitivo da Comissão de Revisão do imposto complementar, sem contradição ou insuficiência.
Com efeito, o ponto 7 da dita deliberação alude a poder discricionário do Chefe do Executivo, e os pontos 9 e 10 referem-se à competência da Comissão de Revisão. O que, só por si, evidencia irrefutavelmente que não há contradição assacada, por isso, a arguição da contração não pode deixar de ser manifestamente inconsistente e despropositada.
Note-se que na sua Reclamação, a recorrente peticionou tão-só que lhe seria aplicada a isenção prescrita no Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo, sem pedir a isenção prevista no art.9.º do RICM, alegando ser parceira de exploração da «B, S.A.».
Devido ao pedido e aos correspondentes fundamentos configurados na Reclamação pela recorrente, a Comissão de Revisão não necessitava de especificar as razões determinantes da não aplicação ao caso sub judice do art.9.º do RICM, não ficava obrigada a precisar as “situações diferentes” referidas no ponto 8 da supramencionada deliberação, portanto não se verifica in casu a lacuna ou insuficiência da fundamentação.
Por cautela, a frase “designadamente cujo contrato celebrado com a B tenha sido autorizado” no sobredito ponto 8 constitui diferenciador bastante para esclarecer a inexistência in casu da violação do princípio da igualdade, na medida em que a recorrente nunca provou que o contrato celebrado entre si e a B tivesse sei autorizado pela Administração.
3.2. Bem, o art.28.º da Lei n.º16/2001 dispõe: 1. Independentemente da sujeição ao pagamento do imposto especial sobre o jogo, as concessionárias ficam obrigadas ao pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos estabelecidos na lei. 2. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar, temporária e excepcionalmente, total ou parcialmente, as concessionárias do pagamento do imposto complementar de rendimentos.
Ora, este comando legal patenteia concludentemente que não há qualquer isenção ipso jure e, tanto a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar como o pagamento do imposto especial sobre o jogo não são dotados da virtualidade de isentar o pagamento dos impostos, contribuições, taxas ou emolumentos prescritos na lei, a isenção é excepcional e só tem lugar quando o motivo do interesse público a justifique, sendo poder discricionário do Chefe do Executivo para conceder isenção.
Repare-se que o n.º1 do Despacho n.º378/2011 do Chefe do Executivo determina propositada e categoricamente: É concedida à B, S.A., a título excepcional, a isenção do pagamento do imposto complementar de rendimentos, relativamente aos lucros gerados pela exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino.
Salvo merecido e elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que a locução “a título excepcional” implica que a isenção fixada nesse Despacho n.º378/2011 e angulada no motivo de interesse público aproveita apenas à B que é a única beneficiária desta isenção fiscal e a B não pode estendê-la ou transferi-la a quem quer que seja. O interesse público impõe a verificação e decisão casuísticas, daí nenhum outrem, incluindo nomeadamente as filiais, subsidiárias ou parceiras da B, pode exigir a “boleia” ou comparticipação extensiva desta isenção. Tudo isto torna indiscutível que a recorrente não tinha nem tem legitimidade para arrogar a isenção estabelecida no dito Despacho n.º378/2011.
Ora, o que a recorrente recebeu da B tem, sem mínima sombra de dúvida, a natureza jurídica de rendimento que fica sujeito ao imposto complementar de rendimentos (art.2.º do RICR). Sendo assim, o imposto pago pelo B no âmbito do artigo 28º da Lei nº16/2001, não tem nada a ver com a ora Recorrente, porque tal imposto é um imposto especial, que incide sobre as concessionárias de exploração de jogos de fortuna e azar nos termos da lei citada e assume uma espécie de retenção na fonte sui generis, ex lege e automática (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º324/2020). Tudo isto evidencia que não enferma da dupla tributação a deliberação impugnada no recurso contencioso culminante com a prolação da sentença em escrutínio, por isso é infundada a arguição da dupla tributação.
3.3. De outro lado, é de frisar que na sua Reclamação, a recorrente arrogou só a aplicação a si da isenção prescrita no Despacho n.º378/2011 supra referido, sem alegar qualquer facto que pudesse ser enquadrado na previsão do n.º1 do art.9º do RICR. Nestes termos, não há margem para dúvida de que a recorrente não adquiriu direito à pretendida isenção do imposto complementar incidente no rendimento auferido no exercício do ano 2016. Daí flui que a dita deliberação não ofende os princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
Ora, importa também ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau se encontram irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de imparcialidade se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título meramente exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência predominante do TSI vem andando no mesmo sentido). E seja como for, a ofensa do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º7/2007)
Na nossa óptica, é irrefutável que o n.º1 do art.9º do RICR não dota o Fisco de qualquer poder discricionário ou margem de livre apreciação, e a qualificação do sobredito rendimento da recorrente no lucro tributável consignado no referido n.º1 não comporta o exercício de poder discricionário ou a interpretação do conceito indeterminado prognóstico.
De tudo isto decorre que a deliberação contenciosamente recorrida tem a índole de acto vinculado, nesta medida e por natureza das coisas, é impossível que a mesma infrinja princípios da igualdade tributária, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade.
…”
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, em nome da economia processual, fazemos, com a devia vénia, como nossos fundamentos para julgar improvido o recurso jurisdicional nesta parte.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 10UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 10 de Março de 2022.
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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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883/2021