Processo nº 190/2022
Data do Acórdão: 24MAR2022
Assuntos:
Acção de intimação para a passagem de certidões
Directo à informação
Sociedade por quotas
Legitimidade substantiva
SUMÁRIO
O sócio de uma sociedade comercial por quotas, enquanto tal, não pode obter junto da Administração da RAEM certidão dos elementos constantes do procedimento administrativo desenvolvido no âmbito da execução de um contrato de concessão de serviço público, de que é parte concessionária a sociedade, por carecer da legitimidade substantiva, dada a falta do direito subjectivo à informação que pretende fazer valer ao abrigo do artº 64º/2 do CPA, nas relações imediatas para com a Administração da RAEM.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 190/2022
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, instaurada pela Companhia de A Macau, Limitada (doravante simplesmente designada por A Macau), sócia da Companhia de Gestão de Participações e Energia B, Limitada (doravante simplesmente designada por B), contra o Director dos Serviços de Protecção Ambiental, e que correm os seus termos no Tribunal Administrativo sob o nº 469/22-PICPPC, foi o pedido liminarmente indeferido com fundamento na verificação da litispendência e na falta manifesta do interesse processual.
Notificada e inconformada com o indeferimento liminar, a requerente A Macau interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, mediante o requerimento motivado a fls. 361 a 366.
Ao recurso o Director dos Serviços de Protecção Ambiental não respondeu.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela procedência do recurso – vide as fls. 385 a 387.
Antes de mandar colher vistos legais aos Adjuntos do Colectivo, o Relator proferiu o despacho, suscitando ex oficio a questão da legitimidade da requerente A Macau para pedir a passagem de certidões nos termos requeridos e mandar assegurar o contraditório.
Notificados os sujeitos processuais e o Ministério Publico, veio a apenas a requerente A Macau, ora recorrente, pronunciar-se sobre a questão da legitimidade, insistindo na sua legitimidade para obter certidão dos elementos a que considera ter direito de aceder.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer,
II
Para fundamentar a legitimidade de exercer o invocado direito à informação sobre as vicissitudes ocorridas no âmbito da execução do Contrato de Concessão do Serviço Público de Importação e Transporte de A, celebrado entre a RAEM e a Companhia de Gestão de Participação e Energia B, Lda., a requerente, ora recorrente, invocou a sua qualidade de sócio dessa mesma sociedade comercial por quotas.
Foi pela questionabilidade da legitimidade da requerente A Macau, ora recorrente, para a consulta dos elementos constantes do procedimento administrativo onde se documentou o que se tem passado na execução daquele Contrato de Concessão do Serviço Público, que o Relator do processo mandou cumprir o contraditório.
Questionável a sua legitimidade porque a requerente não é a sociedade comercial concessionária, parte do contrato, mas sim um dos sócios da concessionária.
Não obstante a sua legitimidade activa, no plano processual, para reagir judicialmente contra uma decisão administrativa que lhe negou a pretensão de obter determinados elementos constante de um procedimento administrativo, o certo é que nem por isso a acção por ela intentada pode proceder, pois conforme se vê infra, a requerente A Macau carece sempre, a montante, da legitimidade “procedimental” para exercer o direito à informação previsto nos artºs 63º e s.s. do CPA.
In casu, os elementos que a requerente pretende ter acesso encontram-se documentados no procedimento relativo à execução do Contrato de Concessão do Serviço Público de Importação e Transporte de A, celebrado entre a RAEM e a B,
A B, de que é sócio a requerente A Macau, é uma sociedade comercial por quotas.
O direito à informação sobre a vida da sociedade por parte dos sócios de uma sociedade comercial por quotas encontra-se consagrado em termos gerais no artº 209º do C. Comercial e, na parte especial do código, norma alguma existe que dispõe quanto ao direito à informação por parte dos sócios de uma sociedade por quotas.
In casu, pretende a requerente ser informada sobre o que se tem passado entre a B, de que é sócio, e a Administração da RAEM, no âmbito de execução do contrato de concessão celebrado entre estes últimos.
As tais informações sobre as actividades desenvolvidas na vida da sociedade são perfeitamente integráveis na informação a que se refere o artº 209º/1-g) do C. Comercial, que reza que todo o sócio tem direito a requerer, por escrito, à administração, informação escrita sobre a gestão da sociedade, nomeadamente sobre qualquer operação social em particular.
É verdade que o artº 209º do C. Comercial que consagra do direito à informação por parte dos sócios.
Todavia, o tal direito está inserido no contexto das relações entre os sócios e a sociedade, reguladas pelos artºs 194º e s.s. do mesmo código.
Tendo em conta o contexto em que está inserido o artº 209º/1-g), que consagra o direito à informação por parte dos sócios, é de concluir que ao reconhecer o direito à informação aos sócios mediante o requerimento dirigido à administração da sociedade, o legislador quis circunscrever o exercício do direito às relações internas entre os sócios e a sociedade e que não teve a intenção de estender o direito de forma que os sócios possam contornar a administração da sociedade para se dirigir directamente aos terceiros com os quais a sociedade tem negócios jurídicos celebrados, mesmo que estes negócios possam ter reflexos na esfera jurídica dos sócios, nomeadamente aquando da participação nas eventuais perdas do exercício da sociedade.
Aliás, o legislador já teve o especial cuidado de assegurar a efectividade do direito à informação que reconhece aos sócios, o que é bem demonstrado pelo preceituado no artº 209º/4 do C. Comercial, à luz do qual em caso de recusa da informação solicitada, o sócio pode requerer ao tribunal que ordene que esta lhe seja prestada, fundamentando o pedido. …... se o pedido for deferido, os administradores responsáveis pela recusa devem indemnizar o sócio pelos prejuízos causados e reembolsá-lo das despesas que fundadamente tenha realizado.
Assim sendo, no caso em apreço, não obstante dotada de legitimidade processual activa para reagir judicialmente contra a decisão administrativa reputada por negatória da sua pretensão de obter certidão de determinados elementos constantes de um procedimento administrativo, a requerente A Macau carece sempre de legitimidade substantiva por não ser titular do direito à informação que pretende fazer valer contra a Administração da RAEM ao abrigo do artº 64º/2 do CPA.
Faltando à requerente A Macau a legitimidade substantiva que respeita à efectividade do direito à informação que pretende fazer valer contra a Administração da RAEM, não pode deixar de improceder o pedido da intimação da Administração da RAEM para a passagem de certidão, fundado na invocada insatisfação da pretensão formulada ao abrigo do artº 64º/2 do CPA.
Resumindo e concluindo:
O sócio de uma sociedade comercial por quotas, enquanto tal, não pode obter junto da Administração da RAEM certidão dos elementos constantes do procedimento administrativo desenvolvido no âmbito da execução de um contrato de concessão de serviço público, de que é parte concessionária a sociedade, por carecer da legitimidade substantiva, dada a falta do direito subjectivo à informação que pretende fazer valer ao abrigo do artº 64º/2 do CPA, nas relações imediatas para com a Administração da RAEM.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, diversos dos vertidos na sentença ora recorrida, acordam em conferência em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, indeferindo o pedido de intimação para passagem de certidões nos termos requeridos e absolvendo do pedido o Director dos Serviços de Protecção Ambiental.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, com taxa de justiça fixada em 8UC.
Registe e notifique.
RAEM, 24MAR2022
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
Proc. 190/2022-1