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Processo n.º 46/2022
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 17 de Março de 2022

ASSUNTOS:

- Acção de sub-rogação no caso de acidente de trabalho e de viação

SUMÁRIO:

I – Tratando-se dum acidente de trabalho e viação, o facto de a sinistrada do acidente ter ressarcido dos danos sofridos não é razão bastante para se declarar extintas todas as acções em que uma das seguradoras pretende valer o seu direito, já que o artigo 58º/1 do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, estipula que a seguradora do contrato de acidente de trabalho, uma vez que pagou as indemnizações, fica sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação.
II – A acção de sub-rogação intentada nos termos do artigo acima citado visa apurar, em última análise, quem será o responsável efectivo pelas indemnizações causadas pelo respectivo acidente.
O Relator,

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Fong Man Chong
Processo nº 46/2022
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 17 de Março de 2022

Recorrente : - A, S.A. (A有限公司) (Autora)

Recorridos : - B, S.A. (B有限公司) (Ré)
- C (Interveniente)
- D, S.A. (D有限公司) (Interveniente)

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, S.A. (A有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 05/07/2021, dele veio, em 05/10/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 598 a 604, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. O objecto do presente recurso é o despacho de fls. 584 a 585 dos autos proferido em 7 de Julho de 2021, em que julga totalmente improcedente o pedido da Autora, conforme os fundamentos apresentados no referido despacho, que se dá por totalmente reproduzidos, o qual a ora Recorrente não concorda e vem interpor o presente recurso.
     2. O despacho recorrido enferma de erros na interpretação e aplicação das normas jurídicas que regulam a matéria relativamente à declaração assinada pela sinistrada em que o Tribunal a quo entende que já se encontram ressarcidos todos os créditos dos danos provocados pelo acidente subjudice.
     3. Segundo o Tribunal a quo a sinistrada C ao receber o montante acordado e feito a referida quitação, não pode agora a ora Recorrente sub-rogar-se nos direitos da sinistrada, pela inexistência de um direito na esfera jurídica da Autora, por o mesmo já ter sido extinto por cumprimentos ou renúncia, que vai precludir na sua sub-rogação.
     4. Está a Autora em crer que ao contrário do invocado, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo pois por força do tratamento mais favorável ao trabalhador, um dos pilares do Direito de Trabalho, toma as suas normas imperativas.
     5. Nomeadamente, sobressai a norma do o art.º 60, n.º 2 do DL n.º 2 do DL n.º 40/95/M de 14 de Agosto que estipula: "2. São igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma."
     6. O que consagra aqui "... um dos grandes princípios do direito infortunístico, o da disponibilidade dos direitos e garantias conferidos pela lei que regula os acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Essa indisponibilidade acarreta a nulidade de todo e qualquer acto ... ou contrato ... que contrarie o que a lei dispõe" (cfr. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2ª Edição, pag. 162, anotação ao art.º 34° da Lei 100/97, de 13 de Setembro, que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais e donde consta idêntica norma).
     7. Parece-nos que não resta dúvida, que o referido acto de renúncia ou de se encontrar totalmente ressarcida (declaração assinada pela ofendida no processo crime), seja nula nos termos do art.º 60, n.º 2 do DL n.º 40/95/M de 14 de Agosto, e consequentemente deve ser fixada a indemnização devida nos termos legalmente previstos.
     8. Também não se percebe como o Tribunal a quo julga improcedente totalmente o pedido da ora Recorrente, uma vez que, no processo judicial contra a seguradora do veículo causador do acidente de viação, existe o dever da ora Recorrente ser chamada à Demanda, nos termos do art.° 58, n.º 3 do DL n.º 40/95/M de 14 de Agosto.
     9. A Ré tinha mesmo essa obrigação, uma vez, que a Ré no dia 12 de Julho de 2017 recebeu da ora Recorrente, uma carta a informar que a A pretendia usar o seu direito de reclamar os montantes pagos no processo laboral nos termos do art.º 58 do DL n.º 40/95/M, referente ao acidente em causa, cfr. documento que se encontra nos autos junto com a Réplica, como documento 1.
     10. Nos termos do artigo 58° do Decreto Lei n.º 40/95/M, compete à seguradora, para qual foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, efectuar a reparação devida, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação, tal sub-rogação da seguradora laboral (ora Recorrente) só existe pelas importâncias pagas em virtude da sua obrigação contratual.
     11. No presente caso, o valor das prestações a que tinha direito a trabalhadora lesada foi fixada nos termos previstos na lei e a, ora Recorrente, já liquidou o montante relativamente a essas prestações, assim a Autora/ora Recorrente tem o direito a ser reembolsada da quantis, já por si paga, no valor de MOP$439,100.70 (quatrocentas e trinta e nove mil e cem patacas e setenta avos), reembolso esse a ser efectuado pela Ré, na qualidade de seguradora do veiculo causador do acidente de viação.
     12. Tal como se pode verificar na Jurisprudência deste Tribunal da Segunda Instância no Processo n.º 210/2009 de 21 de Janeiro de 2010: "Se num acidente de viação e ao mesmo tempo acidente de trabalho, mesmo que a lesada se tenha declarado ressarcida perante ao Seguradora do ramo automóvel, se a Seguradora laboral satisfez aquela em montantes superiores, na decorrência da aplicação da lei laboral e por se ter até judicialmente considerado que se estava perante matéria indisponível, não pode aquela seguradora opor a tal excepção."
     13. Bem como também se pode verificar na Jurisprudência deste Tribunal da Segunda Instância no Processo n.º 120/2003 de 4 de Março de 2004: "1. O direito à indemnização no acidente de trabalho é um direito indisponível, não cabendo, por isso, ao trabalhador sinistrado decidir do seu destino. 2. A norma do n.º 1 do art.º 58.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime jurídico da reparação dos danos mormente emergentes de acidentes de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veiculo causador do acidente de viação, tem por finslidade assegurar o rápido e efectivo pagamento de indemnização ao trabalhador sinistrado. 3. Apesar do seu caracter imperativo, a disposição do art.º 60.º do mesmo decreto-Lei n.º 40/95/M, tem que ser intrepartada em conjugação com o principuio do tratamento mais favorável ao trabalhador, no sentido de que é ainda admissível qualquer acordo ou convenção desde que isso se mostre, em concreto, mais favorável aos direitos e às garantias conferidas nesse diploma legal ao trabalhador.
     14. Parece-nos a nós que o entendimento da Jurisprudência nos Tribunais Superiores da RAEM é unânime, que nos casos em que existe um acidente viação e ao mesmo tempo acidente de trabalho, mesmo que a sinistrada declarar que se encontra totalmente ressarcida e uma vez que da decorrência da aplicação da lei laboral ser considerado judicialmente como matéria indisponível a seguradora do acidente de viação não se pode opor ao pagamento efectuado no processo laboral.
     15. Pelo exposto, salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal a quo incorreu num erro de aplicação das normas jurídicas ao julgar improcedente totalmente o pedido da Autora/ora Recorrente.
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    B, S.A. (B有限公司), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 612 a 615, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Vem a Autora, ora Recorrente, revoltar-se contra o despacho saneador sentença que julgou totalmente improcedente o pedido da Recorrente, "uma vez que a credora mediante a remissão declarada em 09/03/2018 que já tinha ressarcido toda a indemnização quer dos danos patrimoniais quer dos não patrimoniais, já não há mais créditos a ressarcir, pois já se encontram todos considerados como ressarcidos. Ou seja, a partir dessa data, a sinistrada deixou de ter mais crédito quanto ao ressarcimento dos danos provocados com o acidente sub judice. Não havendo mais crédito, não pode a A. [ora Recorrente] subrrogar nos direitos da sinistrada para pedir o reembolso do montante pago, uma vez que a obrigação da indemnização da sinistrada já se encontra extinta com a remissão dada mediante a assinatura da aludida concordata."
     2. Para o efeito, a Recorrente argumenta, em síntese, a nulidade da renúncia em virtude do disposto no art. 60.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
     3. Como seguidamente se demonstrará, ressalvado o devido respeito por opinião diversa, a argumentação avançada pela Recorrente não poderá singrar, nem a decisão recorrida não padece de qualquer vício, não merecendo qualquer reparo.
     Ora vejamos:
     4. O n.º 2 do art. 60.º do DL 40/95/M prescreve que são "nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no presente diploma." Isto é, o direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (cfr. art. 2.º n.º 1 DL 40/95/M).
     5. O DL 40/95/M considera como acidente de trabalho, "o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho" (cfr. art. 3.º al. a) do DL 40/95/M).
     6. Com relevância para o circunstancialismo sub judice, o referido normativo legal considera ainda como acidente de trabalho os ocorridos "[n]o percurso de ida e volta entre a residência e o local de trabalho, quando o trabalhador, com a autorização expressa ou tácita do empregador, se desloque como passageiro de qualquer meio de transporte que, no momento da ocorrência do acidente: (i) Seja conduzido pelo empregador ou por outrem, em nome deste, ou conforme acordo estabelecido com o empregador; e (ii) Não se integre na rede de transportes públicos". Bem como os ocorridos "[n]o percurso de ida e volta entre a residência e o local de trabalho, quando o trabalhador seja o condutor de qualquer meio de transporte providenciado ou proporcionado pelo empregador, ou por outrem, em nome deste, ou conforme acordo estabelecido com o empregador, nas seguintes situações: (i) Se desloque para o local de trabalho, para efeitos de e em relação com a actividade profissional; ou (ii) Se desloque para a residência, após o termo do tempo de trabalho" (cfr. art. 3.º al. a) subs. 5) e 6) do DL 40/95/M).
     7. É mister, para a prevalência da argumentação da Recorrente, que esta almeje qualificar o acidente sub judice como acidente de trabalho ao abrigo das disposições acima citadas.
     8. A Recorrente, em sede de petição inicial - mormente no seu art. 19.º - descreve que o sinistro em causa ocorreu quando C - o sinistrado - estava a conduzir o seu motociclo para se deslocar para o seu local de trabalho.
     9. O facto de o sinistrado não se encontrar como condutor (ou passageiro) de um meio de transporte fornecido pelo empregador afasta a qualificação do sinistro sub judice como um acidente de trabalho.
     10. Este é o entendimento deste Tribunal de Segunda Instância, consagrado no seu Acórdão de 19 de Maio de 2011 (Proc. n.º 217/2011) ao julgar que "[o]s acidentes ocorridos na ida para o local de trabalho ou no regresso deste como acidente de trabalho, só são considerados como acidente de trabalho quando for utilizado meio de transporte fornecido pelo empregador” (neste sentido atente-se igualmente ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15 de Setembro de 2016, proc. n.º 553/2016).
     11. Mais, é a citada jurisprudência que oblitera a argumentação da Recorrente ao considerar o seguinte: "No entanto, a entidade patronal pode, nos termos do art. 13.º da Portaria n.º 236/95/M e mediante prémio extra, incluir no seguro de acidente de trabalho a cobertura dos acidentes que possam ocorrer durante o trajecto para o local de trabalho ou no regresso deste, independentemente do meio de transporte utilizado. Neste caso, o direito de indemnização do sinistrado não resulta das normas do DL nº 40/95/M, mas sim da cláusula especial do contrato de seguro de acidente de trabalho." (cfr. Ac. do TSI de 19/05/2011, proc. n.º 217/2011, ênfase de nossa responsabilidade).
     12. Deste modo, não resultando o direito à indemnização, alegadamente sub-rogado, das disposições do DL 40/95/M, não há lugar à aplicação do disposto no art. 60.º n.º 2 do DL 40/95/M, encontra-se tal direito na plena disponibilidade do sinistrado, sendo-lhe, assim, permitido proceder à sua renúncia, os termos em que efectivamente o veio a fazer, como melhor descrito na alínea E) dos factos assentes constantes do despacho recorrido.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     A. A Autora é uma empresa que se dedica à actividade seguradora, devidamente legalizada e autorizada a celebrar contratos de seguro em todos os ramos, com os seus segurados, conforme certidão do Registo Comercial.
     B. A Ré é uma empresa que se dedica igualmente à actividade seguradora.
     C. No âmbito da sua actividade, a Ré celebrou um contrato de seguro do Ramo Automóvel com E, titulado pela apólice n.º 0041XXXXXX55.
     D. Através do aludido contrato de seguro, foi transferida para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação do motociclo com a matrícula MO-XX-X4.
     E. Em 16 de Abril de 2018, a Ré, B, S.A. e a sinistrada C, chegaram a um acordo, segundo o qual, a sinistrada C declarou que no pagamento de um montante de indemnização à sinistrada para que esta com quitação do pagamento, se considera ressarcida de todos os dados, patrimoniais e não patrimoniais, por si sofridos em consequência do acidente.
     F. Ocorreu um acidente no dia 17/09/2016 na ponte de amizade junto ao posto de iluminação 706C03, em que envolve o veículo MO-XX-X4 e MK-XX-X7.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
Nos presentes autos, vem a A. pedir que a Ré seja condenada a pagar à Autora, em sub-rogação nos direitos da sinistrada em relação à mesma Ré, a quantia de MOP$439,100.70, com fundamento de que no caso sub judice se trata de um caso em que é simultaneamente de acidente de viação e de trabalho e que no âmbito de seguro de trabalho tinha pago à sinistrada a referida quantia a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Citada a R. e os intervenientes, entidade patronal e a sinistrada, todos ofereceram a contestação nos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr fls. 334 a 341, fls. 541 a 544, fls. 556 e 556v).
Na contestação da Ré, esta para além de deduzir a impugnação, vem também alegar a ilegitimidade passiva, a qual foi objecto de decisão exarada a fls. 364 e verso.
Mandada a A. para aperfeiçoar a p.i. no que toca às datas dos pagamentos, vem esta oferecer o articulado aperfeiçoado a fls. 367 a 377.
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Dos elementos carreados nos autos, são dados como provados os seguintes factos, por não terem sido impugnados:
(...)
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Com os factos acima expostos, entende o Tribunal que nos termos do artigo 429.° n.° 1 b) do CPC, já reúne condições para conhecer imediatamente do mérito da causa sem necessidade de mais provas.
Põe-se a questão de saber qual é o valor da declaração assinada pela sinistrada C.
Do teor da declaração a fls. 343 consta que a sinistrada manifestou por livre vontade e declarou que a ora Ré, B, S.A., já lhe tinha pago todas as indemnizações patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente em causa.
A nosso ver, trata-se de uma concordata em que o credor (neste caso a sinistrada) vem declarar que com o pagamento do montante aceite, libera do devedor (neste caso a Ré) do crédito das indemnizações resultantes do acidente em causa e não se trata de uma renúncia de direito como alega a A, na réplica.
A sinistrada manifestou na declaração que ia receber o montante em causa a título de indeminização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, por isso, está ela a exercer o seu direito de crédito, aceitando o montante acordado, e não a renunciar do seu direito.
Concordata essa que se afigura como uma remissão, mediante a condição da aceitação do pagamento do montante de MOP$260,000.00, a qual é uma das formas de extinção das obrigações para além do cumprimento e que se encontra plasmada nos termos dos artigos 854.° e ss do Código Civil.
Assim sendo, uma vez que a credora mediante a remissão declarada em 09-03/2018 que já tinha ressarcido toda a indemnização quer dos danos patrimoniais, quer dos não patrimoniais, já não há mais créditos a ressarcir, pois já se encontram todos considerados como ressarcidos.
Ou seja, a partir dessa data, a sinistrada deixou de ter mais crédito quanto ao ressarcimento dos danos provocados com a acidente subjudice.
Não havendo mais crédito, não pode a A. subrrogar nos direitos da sinistrada para pedir o reembolso do montante pago, uma vez que a obrigação da indemnização da sinistrada já se encontra extinta com a remissão dada mediante a assinatura da aludida concordata.
Termos em que, julgo totalmente improcedente o pedido da A.
Custas pela A.
Notifique e Registe.
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    Quid Juris?

    Ora, conforme os elementos documentados nos autos, a Autora é uma seguradora que celebrou um contrato de seguro de acidente de trabalho com a D, S.A., titulado pela apólice nºCIM/EGI/2016/003292 (documento nº 2 junto com a PI) e, na sequência dum acidente laboral e de viação ocorrido em 17/09/2016, pelas 23H30, na qualidade de seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho nos termos da referida apólice, a Autora procedeu ao pagamento da quantia global de MOP$439,100.70 nos termos prescritos no DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto.
    Nestes termos, no entender da Autora, ela fica assim sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação, quanto aos referiso montantes.
    Mas, o Tribunal a quo entendeu que uma vez que a sinistrada C já recebeu o montante acordado e foi feita a referida quitação, não pode agora a Seguradora do contrato de acidentes de trabalho sub-rogar-se nos direitos da sinistrada, pela inexistência de um direito na esfera jurídica da Autora, por o mesmo já ter sido extinto por cumprimentos ou renúncia, que vai precludir na sua sub-rogação. Por esta razão o Tribunal a quo julgou, mediante despacho proferido na fase de saneamento, improcedentes todos os pedidos da Autora/Recorrente.
    Procederá este raciocínio?
    Tratando-se de um caso de acidente simultâneo de trabalho e viação, o legislador estatuiu um regime especial constante do artigo 58º do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, que consagra:
    
(Acidentes de viação e de trabalho)
1. Quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, a reparação é efectuada pela seguradora para quem foi transferida a responsabilidade pelo acidente de trabalho, nos termos deste diploma, ficando esta sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação.
2. No caso de haver responsabilidade da seguradora do veículo causador do acidente de viação, pode esta notificar a seguradora do acidente de trabalho para que exerça o direito previsto no número anterior, no prazo de sessenta dias, ficando com a faculdade de liquidar directamente ao sinistrado a indemnização devida, uma vez decorrido aquele prazo.
3. Na acção judicial contra a seguradora do veículo causador do acidente de viação devem intervir o sinistrado, o empregador e a seguradora do acidente de trabalho, sendo estes, para o efeito, oficiosamente citados pelo tribunal competente.
4. O sinistrado que, injustificadamente, prejudicar o exercício do direito de sub-rogação referido no n.º 1 responde perante a seguradora do acidente de trabalho pelo acréscimo de despesas decorrentes desse comportamento.
5. Na falta de seguro, o disposto nos números anteriores para a seguradora do acidente de trabalho e para a seguradora do acidente de viação aplica-se, respectivamente, à entidade patronal do sinistrado e à entidade responsável pelo acidente de viação.
     Ora, conforme o teor do auto de conciliação de fls. 429 dos autos, a Seguradora/Autora aceitou que tal acidente ocorreu a caminho para o local de trabalho, então assumiu a responsabilidade de pagar as despesas daí decorrentes (indemnizações) e, agora, pretende vir discutir a responsabilidade com a Seguradora do veículo causador do acidente em causa, o que é legalmente permissível nos termos do artigo 58º/1 do DL acima citado.
    Aliás, mediante esta acção procura-se saber a responsabilidade civil emergente do acidente deve ser suportada pela Autora(seguradora do contrato de acidentes de trabalho) ou pela Ré (seguradora do veículo causador do acidente de viação)? Ou por ambas?
    Nesta óptica, não podemos acompanhar o raciocínio do Tribunal a quo, quando este afirmou que:
    “(…)
     A sinistrada manifestou na declaração que ia receber o montante em causa a título de indeminização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, por isso, está ela a exercer o seu direito de crédito, aceitando o montante acordado, e não a renunciar do seu direito.
Concordata essa que se afigura como uma remissão, mediante a condição da aceitação do pagamento do montante de MOP$260,000.00, a qual é uma das formas de extinção das obrigações para além do cumprimento e que se encontra plasmada nos termos dos artigos 854.° e ss do Código Civil.
Assim sendo, uma vez que a credora mediante a remissão declarada em 09-03/2018 que já tinha ressarcido toda a indemnização quer dos danos patrimoniais, quer dos não patrimoniais, já não há mais créditos a ressarcir, pois já se encontram todos considerados como ressarcidos.
Ou seja, a partir dessa data, a sinistrada deixou de ter mais crédito quanto ao ressarcimento dos danos provocados com a acidente subjudice.
Não havendo mais crédito, não pode a A. subrrogar nos direitos da sinistrada para pedir o reembolso do montante pago, uma vez que a obrigação da indemnização da sinistrada já se encontra extinta com a remissão dada mediante a assinatura da aludida concordata.
Termos em que, julgo totalmente improcedente o pedido da A.”
    
    Não é porque a sinistrada já recebeu as indemnizações então a Autora/Seguradora ficou sem direito, uma coisa não exclui outra. Bem observou a Ré na contestação quando afirmou que a questão nuclear em discussão reside em saber se o acidente é também um acidente de trabalho?
    Para tal carece-se de provas a produzir-se de sede própria, uma vez que na fase de articulados não se encontram reunidos todos os elementos necessários.
    Aliás, as causas de pedir são diferentes nas duas acções: na acção de ressarciamento de danos sofridos pela sinistrada em que esta interveio e na acção de sub-rogação intentada pela seguradora do contrato de acidentes de trabalho contra seguradora do veículo causador de acidente, não é porque a sinistrada já recebeu indemnizações, então a 2ª acção não se possa intentar! São diferentes também os pedidos e são também distintos os sujeitos da relação processual.
    
    Pelo que, é de julgar procedente o recurso interposto pela Autora/Seguradora e revogar a decisão recorrida por violar o artigo 58º do citado DL, ordenando-se a baixa do autos ao Tribunal de primeira instância para prosseguir as tramitações processuais ulteriores nos termos legalmente prescritos, caso não exista outro obstáculo legal.
    
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    Síntese conclusiva:
    I – Tratando-se dum acidente de trabalho e viação, o facto de a sinistrada do acidente ter ressarcido dos danos sofridos não é razão bastante para se declarar extintas todas as acções em que uma das seguradoras pretende valer o seu direito, já que o artigo 58º/1 do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, estipula que a seguradora do contrato de acidente de trabalho, uma vez que pagou as indemnizações, fica sub-rogada nos direitos do sinistrado em relação à seguradora do veículo causador do acidente de viação.
    II – A acção de sub-rogação intentada nos termos do artigo acima citado visa apurar, em última análise, quem será o responsável efectivo pelas indemnizações causadas pelo respectivo acidente.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, ordenando-se a baixa do autos ao Tribunal de primeira instância para prosseguir as tramitações processuais ulteriores nos termos legalmente prescritos, caso não exista outro obstáculo legal.
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    Custas pela Recorrida a conta final.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 17 de Março de 2022.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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Tong Hio Fong





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