Processo n.º 34/2022
(Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal do Exterior de Macau ― Reclamação para a conferência)
Data: 31/Março/2022
Reclamante:
- A (requerente)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, requerente nos autos acima cotados, inconformado com o despacho do relator que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, vem pedir que seja a questão submetida à conferência.
*
II) FUNDAMENTAÇÃO
No caso presente, o relator indeferiu liminarmente o requerimento inicial formulado pela requerente nos termos que a seguir se transcreve:
“Preceitua o n.º 1 do artigo 1199.º do CPC que as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.
Como observa Alberto dos Reis, “Desde que a sentença estrangeira verse sobre direitos privados, é susceptível de revisão e está a ela sujeita, qualquer que seja o conteúdo, ou melhor, a espécie da relação jurídica apreciada e declarada.”1
Sendo que a jurisprudência portuguesa aponta no mesmo sentido, nomeadamente, a título meramente exemplificativo e de direito comparado, o Acórdão da Relação de Évora, de 16.3.1989, onde se destaca o seguinte: “Simplesmente, é ainda necessário que tais decisões – sentenças, despachos ou até acórdãos – versem sobre direitos privados de carácter substancial e versem no sentido de constituírem elas próprias uma inovação, uma criação determinada pelo exercício do poder jurisdicional no domínio dos direitos privados e não um mero instrumento por versarem sobre e tão-só a relação jurídica processual.”
Ora bem, no caso vertente, pretende a recorrente ver reconhecida a decisão do Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em que este determina/ordena que a sociedade B Bank Limited apresente aos mandatários da requerente os documentos e informações que estejam na sua posse, custódia ou poder, e que estejam relacionados com as contas bancárias detidas junto das respectivas requeridas, e qualquer conta detida por qualquer titular junto das respectivas requeridas para a qual tenha sido transferido um montante superior a USD50.000,00, directa ou indirectamente, a partir das referidas contas.
Em boa verdade, não se vislumbra que a decisão revidenda versa sobre matéria de direito privado de carácter substancial, em vez disso, trata-se de uma ordem emitida pelas autoridades da RAEHK, com vista a obtenção de elementos probatórios.
Não se enquadrando o conteúdo da decisão revidenda em matéria de direito privado, o pedido da requerente não pode deixar de improceder.
Ademais, é bom de ver que a confirmação dessa decisão é contrária à ordem pública da RAEM, uma vez que, segundo o nosso regime jurídico, compete aos órgãos judiciais da Região autorizar a quebra do sigilo bancário imposto às instituições financeiras aqui constituídas. Daí que, se fosse revista e confirmada aquela decisão, proferida por tribunais do exterior da RAEM, cremos que estaria a conferir o poder de decisão sobre um direito relevante a tribunais estrangeiros, o qual constitui uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Por preenchidas não estarem as condições necessárias ao reconhecimento e confirmação da decisão revidenda, nomeadamente por o conteúdo daquela decisão poder conduzir a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (artigo 1200.º, n.º 1, alínea f) do CPC), o pedido da requerente continua a ser improcedente.
Isto posto, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 394.º do CPC, indefiro liminarmente o requerimento inicial.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 5 U.C.
Notifique.”
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Atentos os fundamentos invocados pela requerente, e confrontando com o teor do despacho proferido pelo relator, por nenhuma censura merecer a decisão reclamanda, não vemos razão para a alterar.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação, mantendo a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça fixada em 3 U.C.
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RAEM, 31 de Março de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, página 156
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Reclamação para a conferência (Proc. n.º 34/2022) Página 4