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Processo nº 204/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 31 de Março de 2022

ASSUNTO:
- Responsabilidade administrativa
- Sanção contratual

SUMÁRIO:
- Resulta do contrato que os táxis se consideram em serviço ou em operação, em três situações: (1) a transportar passageiros; (2) em serviço de marcação: significa que o táxi está a dirigir-se ao local para tomada de passageiros; (3) em espera: significa que o táxi está em espera da chamada ou marcação. Não cabendo em nenhuma daquelas as situações em que o motorista se encontra a descansar, pelo que nos intervalos de tempo em que tal aconteça, não pode considerar-se que o táxi se encontre em operação;
- Em Direito Administrativo, dentro da responsabilidade contratual é possível distinguir entre a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa. Aquela implica um dever de indemnizar um dano; esta pressupondo também um incumprimento contratual, consubstancia-se na aplicação de sanções contratuais com fundamento no cumprimento defeituoso de determinadas obrigações emergentes do «Contrato»;
- O caso fortuito e o caso de força maior são funcionalmente equivalentes, produzindo ambos a exoneração da responsabilidade do devedor, reconduzindo-se a eventos imprevisíveis cujos efeitos não podem ser evitados;
- A escassez de recursos humanos de forma alguma se enquadra no conceito de caso fortuito ou de força maior, uma vez que a Recorrente tinha a obrigação de estruturar a sua organização empresarial e de a municiar com os recursos humanos necessários para, por um lado, cumprir pontualmente as obrigações contratuais que assumiu com a Região e, por outro lado, observar as obrigações para com os seus trabalhadores que emergem da legislação laboral.


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 204/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 31 de Março de 2022
Recorrente: A S.A.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A S.A., com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 16.11.2020 que aplicou à Recorrente a multa de MOP50.000,00 por incumprimento contratual, formulando as seguintes conclusões:
A. O acto administrativo ora recorrido tem por objecto o despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas na Proposta n.º 2635/DGT/F.C/2020 em 16 de Novembro de 2020 que aplicou à recorrente uma multa de MOP$50.000, uma vez que a recorrente violou o disposto no art.º 28.º n.ºs n.ºs 1 a 3 do «Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais» celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e a A S.A. em 22 de Setembro de 2016, por conseguinte, à recorrente foi aplicada a multa nos termos do art.º 30.º n.º 1 al. 6) deste «Contrato».
B. Primeiro, entende a recorrente que o acto ora recorrido enfermou do vício do erro no reconhecimento de factos – os táxis especiais em serviço da recorrente em Novembro de 2019 não satisfazem as exigências previstas no art.º 28.º n.ºs 1 a 3 do «Contrato», uma vez que os táxis especiais “em espera e descanso” devem também ser calculados no cômputo do número de táxis “em serviço”.
C. De acordo com a estatística das informações da operação apresentados pela recorrente, a entidade recorrida entende que a recorrente não satisfaz o número mínimo de veículos em operação nos 13 dias (2, 7, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 25, 26, 29 e 30 de Novembro de 2019), por 4 horas ou mais respectivamente, mas, a entidade recorrida, no cômputo de número mínimo de veículos em operação, não calculou os táxis especiais “em espera e descanso” no número de táxis “em serviço”.
D. O estado “em espera e descanso” significa que os taxistas têm pausas pequenas durante os serviços, como o taxista e o táxi especial têm uma relação indissociável, cada táxi especial é conduzido por apenas um taxista durante o mesmo período. Em cada turno, o taxista tem, sem dúvida, uma pausa pequena, principalmente, para ir à casa de banho, beber água, tomar refeições e gozar descanso nos termos do art.º 33.º da Lei n.º 7/2008, ora Lei das Relações de Trabalho, mas esses tempos não são muito longos.
E. Por exemplo, numa sociedade em geral, já foi contratado o pessoal do quadro e o titular também estava em serviço, isto é, o pessoal não estava em férias, no período de prestação de serviços é necessário ter descanso, incluindo o tempo para ir à casa de balho, beber água ou tomar refeições, apesar disso, não se considera a ausência ao serviço de trabalhador ou fora de funcionamento da sociedade por causa disso.
F. É impossível que o recorrente não permitisse aos taxistas o tempo de descanso, ao mesmo tempo, dadas as características do tipo de trabalho, nestas pausas de poucos minutos, é impossível arranjar outros taxistas de substituição para cada táxi que se encontravam em vários locais de Macau.
G. Portanto, a recorrente criou o estado de “em espera e descanso”, o taxista e o táxi especial ambos estão em serviço, sendo uma das categorias de “táxi em esfera para chamada ou marcação”.
H. De acordo com os dados apresentados pela recorrente na contestação escrita, se sejam incluídos os dados dos táxis especiais “em espera e descanso” nos dados da recorrente, o número de táxis em serviço da recorrente atinge o número mínimo de veículos em operação estipulado no art.º 28.º n.ºs 1 a 3 do «Contrato».
I. Entretanto, de acordo com o resumo de número de partidas apresentado pela recorrente na contestação escrita, o horário de turnos e os dados de táxis especiais destacados em cada horário de cada dia em Novembro de 2019 também mostram que o número de táxis especiais em serviço é superior ao número mínimo de veículos em operação estipulado no «Contrato».
J. O acto recorrido deve ser anulado por ter enfermado do erro nos pressupostos de facto nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
K. Caso os Exm.ºs Juízes não concordem com a opinião supracitada, entende a recorrente que o acto recorrido enfermou de outro vício do erro nos pressupostos de facto e do vício do exercício irrazoável do poder discricionário – face ao problema de escassez de recursos humanos de taxistas, a recorrente contratou constantemente os taxistas e destacou o número inteiro de taxistas para trabalho, apesar disso, ainda não satisfaz a taxa de on-line estipulado no art.º 28.º do «Contrato», sendo a situação prevista no art.º 30.º n.º 1 do «Contrato».
L. A recorrente continuou a contratar taxistas de diversos canais, incluindo através da publicação de publicidades para recrutamento dos trabalhadores. Só que o mês Novembro de 2019 indicado no acto recorrido era um dos meses com menor contratação de taxistas no ano 2019 e o número de trabalhadores caiu de 226 para 186. E em Outubro e Novembro, o número de contratação era de 0, enquanto o número de saídas nunca parou. Assim, as 186 taxistas devem conduzir 100 táxis especiais em 24 horas, o que deu causa à carência de recursos humanos.
M. Dada a carência de recursos humanos e a exigência da concessão de turnos e tempo de descano aos empregados por força da Lei n.º 7/2008, ora Lei das Relações de Trabalho, caso não entendam que os táxis especiais “em espera e descanso” não podem ser incluídos no estado de “operação”, a recorrente, por sua vez, não conseguiu distribuir mais tempo de trabalho aos taxistas para atingir as exigências do «Contrato».
N. Daí, podemos ver que a recorrente violou, de forma não dolosa, os padrões de serviços previstos no art.º 28.º do «Contrato», mas sim a situação objectiva não lhe permite, fora controlo da recorrente.
O. Entende a recorrente que a carência de recursos humanos de taxistas é uma situação fora controlo da recorrente e traduz-se num caso de força maior, assim, preenche ao caso de força maior previsto no art.º 30.º n.º 1 do «Contrato».
P. O acto recorrido deve ser anulado por ter enfermado do erro nos pressupostos de facto nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Q. Por fim, caso os Exm.ºs Juízes não concordem com a opinião supracitada, entende a recorrente que o acto recorrido enfermou também do vício do erro na interpretação e na aplicação das cláusulas do «Contrato» – os equipamentos bem visíveis a partir do exterior previstos no art.º 1.º n.º 6 do Anexo I do «Contrato» não devem ser aplicados no presente caso, designadamente, não devem ser utilizados para interpretar o número mínimo de veículos em operação estipulado no art.º 28.º do «Contrato».
R. O art.º 1.º n.º 6 do Anexo I do «Contrato» define “em serviço” em três estados de veículos, incluindo “a transportar passageiros”, “em serviço de marcação” e “em espera”, no entanto, esta norma prevê os equipamentos de hardware de táxis especiais, e o n.º 6 também prevê que devem indicar claramente o estado do táxi bem visível a partir do exterior, mas esta norma não visa analisar se o veículo estava em serviço ou não.
S. Por outras palavras, entende a recorrente que no cálculo do número de táxis em serviço nos termos do art.º 28.º n.ºs 1 a 3 do «Contrato», a entidade recorrida incorreu no erro na aplicação e no modo de cálculo, uma vez que o número de táxis em serviço estipulado nesta norma e a categoria de estado indicado ao exterior previsto no art.º 1.º n.º 6 do Anexo I do «Contrato» são essencialmente conceitos distintos e as finalidades destas normas também não são iguais.
T. Além disso, mesmo que seja necessário fazer classificação do estado de “em espera e serviço”, devem colocar este estado no estado de “em espera”, ou seja, no estado de “em serviço”.
U. O acto recorrido deve ser anulado nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo por ter incorrido no erro na interpretação e na aplicação da cláusula da “Contrato».
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar com os fundamentos constantes de fls. 515 a 522, defendendo-se por excepção – ilegitimidade do Recorrente por ter pago a multa sem ter feito qualquer reserva – e por impugnação.
  
  A Recorrente respondeu à matéria da excepção invocada pugnando pela sua improcedência.
  
  Pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade invocada.
  
  Relegada para final a apreciação da excepção, as partes foram notificadas para apresentarem alegações facultativas o que fizeram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
  
  Invoca a entidade Recorrida a ilegitimidade da Recorrente para interpor recurso porquanto a mesma procedeu ao pagamento da multa sem reserva.
  Relativamente a esta questão pelo ilustre magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «Visto.
  No presente recurso vem impugnado o acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que aplicou à Recorrente, A S.A., uma multa contratual no valor de MOP$50.000,00.
  A Entidade Recorrida, na sua douta contestação, invocou a excepção dilatória da aceitação tácita do acto recorrido por parte da Recorrente dado que esta, no dia 10 de Fevereiro de 2021, procedeu ao pagamento voluntário da referida quantia.
  A recorrente respondeu à matéria exceptiva da contestação no sentido de que o dito pagamento não pode ser valer como aceitação tácita do acto.
  Vejamos.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 34.º do CPAC, «não pode recorrer que, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado», esclarecendo o n.º 2 do referido artigo que «a aceitação tácita é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer».
  A aceitação do acto, como assinala a doutrina, é um pressuposto processual negativo autónomo do recurso contencioso cuja ocorrência impede o conhecimento pelo juiz do mérito da causa (assim, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 907 e, no mesmo sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Aceitação da nomeação versus aceitação do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, Janeiro/Fevereiro 2003, p. 45. Em sentido não coincidente, reconduzindo a aceitação do acto ao pressuposto processual geral do interesse em agir, VASCO PEREIRA DA SILVA, Do Velho se Fez Novo: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos, in Temas e Problemas de Processo Administrativo, e-book, 2.ª edição, 2011, p. 95).
  Ainda de acordo com o mesmo Autor, «a figura da aceitação compõe-se de um (mero) acto jurídico voluntário, que exprime a conformação do particular com os efeitos da decisão, e de um efeito preclusivo legalmente determinado, que torna a impugnação impossível para o aceitante» [cfr. José CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação ..., p. 933).
  No que à aceitação tácita concerne, parece-nos correcto considerar que, estando em causa matéria atinente à garantia de acesso aos Tribunais Administrativos consagrada com carácter fundamental no artigo 36.º da Lei Básica, o respectivo conceito legal deve ser objecto de interpretação restritiva, de modo que «só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção», importando que a conduta levada a cabo «tenha um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo» (assim, na jurisprudência portuguesa, o acórdão do STA de 23.11.2010, processo n.º 985/09, disponível em www.dgsi.pt).
  Ora, nos casos em que o acto administrativo determinou o pagamento de uma quantia em dinheiro e conduta susceptível de consubstanciar uma aceitação tácita é o pagamento dessa quantia, não podem deixar de ser ponderadas as concretas circunstâncias em que esse pagamento ocorreu.
  Em nosso modesto entender, o pagamento voluntário de uma quantia por parte do particular na sequência de um acto administrativo que ordenou esse pagamento não consubstancia uma conformação com os efeitos do acto que retira razão de ser à respectiva impugnação. É que, não podemos perder de vista, os actos administrativos são executórios logo que eficazes [artigo 136.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] e o cumprimento das obrigações que derivam de um acto administrativo pode ser imposto coercivamente pela administração sem recurso prévio aos tribunais (artigo 136.º, n.º 2 do CPA). Por isso, o incumprimento voluntário de um acto administrativo que imponha obrigações, nomeadamente de natureza pecuniária, é susceptível de implicar consequências desfavoráveis para o particular, sujeitando-o a uma execução coerciva que ele pode querer, legitimamente, evitar pelo pagamento, sem que, portanto, daí se possa extrair que o mesmo se conformou com o acto impositivo, de uma forma irremediavelmente incompatível com a possibilidade de o submeter à sindicância judicial.
  Também nós entendemos, assim, que «se a aceitação dos efeitos desfavoráveis do acto e, em especial, o cumprimento das suas determinações pode resultar de um receio (que se considera normal) das consequências do não cumprimento, designadamente de actos com força executória, o juiz não considera verificada a hipótese legal de aceitação» (nestes termos, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação ..., p. 924).
  No caso em apreço, afigura-se-nos razoável, salvo o devido respeito pela opinião contrária, considerar que a Recorrente terá procedido ao pagamento voluntário da quantia da multa aplicada pela Entidade Recorrida para evitar as consequências desfavoráveis associadas a uma eventual mora, em especial, a execução por parte da Administração da caução prestada, nos termos que, aliás, resultavam da própria notificação do acto. Por isso, cremos que não deve atribuir­se a tal pagamento o carácter de aceitação tácita do acto administrativo recorrido.
  Parece-nos, pois, que não se verifica a excepção dilatória da aceitação do acto invocada pela Entidade Recorrida pelo que promovo, face ao exposto, a notificação das partes para alegações facultativas.».
  Neste sentido veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, pág. 261: «7 – Deve acrescentar-se que, Segundo alguma jurisprudência, não produzem efeito preclusivo do recurso as aceitações ditadas por situações de necessidade ou de premência, como, por exemplo, acontece quando estão em causa custos adicionais que o pagamento imediato consegue evitar (juros de mora, custas processuais em execução fiscal, etc.). Neste sentido, por exemplo, na RAEM, ver o Ac. TSI, de 28/02/2013, P. 172/2012, 15/05/2014, Proc. nº 101/2012; de 29/05/2014, Proc. nº 298/2013; em Portugal, o Ac. do STA/Pleno, de 5/05/2005, P. 01002/02
  Nós pensamos, efectivamente, que nesse caso haverá que dar oportunidade à parte de poder invocar e provar em tribunal que a sua atitude se deveu a uma causa concreta que não pode ser interpretada como vontade livre de aceitar o acto.».
  Igualmente relevante se mostra também a anotação nº 5 ao artº 34º no Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado de Viriato Lima e Álvaro Dantas: «Nos termos que resultam da própria letra do preceito contido no n.º1 do artigo sob anotação, a aceitação pode ser expressa ou tácita, sendo que esta última é a que deriva da prática espontânea e sem reserva de facto incompatível com a vontade de recorrer. Uma vez que está em causa matéria atinente à garantia de acesso à Justiça Administrativa que encontra acolhimento no artigo 36.º da Lei Básica, importa interpretar restritivamente o preceito em análise de modo que “só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção”. Estando em causa a aceitação tácita, importa referir que “a incompatibilidade com a vontade de recorrer decorre da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de factos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto”. Constitui, por isso, uma questão de direito.».
  Destarte, acompanhando o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público não se pode ver no pagamento da multa, um comportamento livre e unívoco que sem margens para dúvidas nos permita concluir ter tacitamente aceite o acto.
  Assim sendo, impõe-se concluir que não houve aceitação do acto e consequentemente serem as partes legítimas, improcedendo a invocada excepção.
  
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos factos

a) Em 22.09.2016 entre a RAEM e a Recorrente foi celebrada a escritura pública de Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais cujo extracto foi publicado na II série do BO nº 42 de 19.10.2016 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Trafego notificou a ora Recorrente nos termos que constam de fls. 59 a 66 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais no sentido de que em 13 dias do mês de Novembro de 2019 a Recorrente não satisfez o número mínimo de veículos em operação – cf. traduzido a fls. 160 a 175 -;
c) A ora Recorrente apresentou contestação àquela notificação – cf. 67 -;
d) Pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego foi lavrada a proposta nº 2635/DGT/F.C/2020 a qual consta de fls. 184 a 187 e respectivos anexos (traduzida a fls. 307 a 321) e cujo teor é:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego
Parecer:

Exmo. Secretário:
Concordo com a respectiva análise, proponho impor multa à concessionária. À vossa consideração.
Director substituto
Ass. vide o original
2020-11-13

Exmo. Director:
 Concordo com a proposta de aplicação de multa.
À vossa consideração.
Subdirector
Ass. vide o original
2020.11.12
Despacho:

Concordo.
16/11/20
Ass. vide o original

Ao Sr. Director XX.
Ass. vide o original
16. Nov.2020

Ao DDGT
Ass. vide o original
17. Nov. 2020

XXX
18. Nov. 2020

(ilegível)
Ass. vide o original
17. Nov. 2020
Assunto: Aplicação de multa à A. S.A por não cumprimento do critério do número de veículos em operação durante um mês civil
Proposta n.º XXX/DGT/F.C/2020
Data: 07/11/2020

1. Ao abrigo do art.º 28.º n.º 1 da Escritura Pública relativa ao Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais entre a Região Administrativa Especial de Macau e A, S.A., lavrada no ano 2016, (adiante designada por “escritura pública do contrato”) (vide o anexo 1), “O número de táxis em operação nunca deve ser inferior ao «número mínimo de veículos em operação», que é calculado com base na seguinte fórmula: Número mínimo de veículos em operação = total de táxis × rácio de operação.” Quanto ao rácio de operação, ao abrigo do n.º 2 deste artigo, “1) Das 8:00 às 12:00, o rácio de operação é de 80%; 2) Das 12:00 às 20:00, o rácio de operação é de 70%; 3) Das 20:00 às 08:00, o rácio de operação é de 40%.” Além disso, ao abrigo do n.º 3, “3. O número de táxis em operação é actualizado a cada 10 minutos. Caso não se atinja o número mínimo de veículos em operação por três vezes durante uma hora, será considerado que nessa hora não se cumpriu o critério do número de veículos em operação; caso se registe a mesma situação durante quatro horas num dia, será considerado que nesse dia não se cumpriu o critério do número de veículos em operação e caso se registe a mesma situação durante cinco dias num mês, será considerado que nesse mês não se cumpriu o critério do número de veículos em operação.”
2. Entretanto, segundo os dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) apresentados pela A, S.A (adiante designada por “concessionária”), após a organização e análise pelo nosso Departamento, verificou-se que, em 2, 7, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 24, 25, 26, 29 e 30 de Novembro de 2019, não foi atingido o número mínimo de veículos em operação durante quatro ou mais horas por dia, por isso, ao abrigo do art.º 28.º n.º 3 da escritura pública do contrato, considera-se que não se cumpriu o critério naqueles dias, e, uma vez que em mais de 5 dias de Novembro de 2019 não se cumpriu o critério, considera-se que nesse mês não se cumpriu o critério (vide o anexo 2 – só se encontram extractados os dias e as horas em que não se cumpriu o critério), isto é, a concessionária não cumpriu o critério do número mínimo de veículos em operação nesse mês, previsto pelo art.º 28.º n.º 1 a 3.º da estritura pública do contrato.
3. Por despacho de 16 de Março de 2020 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (vide o anexo 3), proferido na proposta n.º 1075/DGT/F.C/2020, a nossa Direcção, por carta n.º XXXX/02293/DGT/F.C/2020 de 7 de Abril de 2020 (vide o anexo 4), instaurou à concessionária o procedimento de aplicação da multa no valor de MOP$50.000,00, ao abrigo do art.º 30.º n.º 1 alínea 56) da escritura pública do contrato, e notificou a concessionária de que poderia apresentar uma contestação escrita dentro de 10 dias contados da recepção da notificação, ao abrigo do art.º 30.º n.º 2 da escritura pública do contrato
4. Em 14 de Abril de 2020, a concessionária recebeu a referida notificação de instauração do procedimento de aplicação da multa, em 24 de Abril de 2020 a nossa Direcção recebeu a contestação escrita da concessionária dentro do prazo (n.º XXXXX) (vide o anexo 5), que replicou da forma seguinte:
4.1 A concessionária alega que, foi disponibilizado número suficiente de motoristas para estarem on-line durante os dias referidos em que não se cumpriu o critério, a diferença entre o número de veículos em operação on-line nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) e o número na tabela de veículos expedidos é originada por motivo seguinte.
4.2 Ao abrigo do art.º 1.º n.º 6 do anexo 1 da escritura pública do contrato, é obrigatório indicar ao exterior que o táxi está em serviço (incluindo: a transportar passageiros, em serviço de marcação, em espera) ou em estado não operacional.
4.2.1 A concessionária alega que, quanto aos veículos em operação, existe internamente na Companhia uma classificação especial de “em descaso de espera”, correspondendo ao “descaso temporário do motorista durante o trabalho”, esse motorista está de facto em espera da chamada, pelo que, o referido estado pode ser considerado como em espera.
4.2.2 A concessionária fundamenta ainda que, os dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) apresentados não demonstram particularmente o estado de táxis “em descaso de espera”, cujo número não é adicionado ao número dos táxis “em espera” nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários). Caso os dados dos táxis “em descaso de espera” sejam adicionados aos “em espera”, conseguirá atingir a taxa de on-line exigida; a concessionária considera que a acusação resultou de desentendimentos das partes envolvidas quanto ao contrato.
4.2.3 A concessionária acrescenta que, é impossível fixar a hora e a regra para os motoristas tomar refeição ou ir a casa de banho, se não sejam adicionados os dados dos táxis “em descaso de espera” aos “em espera”, terá de adicionar 10 veículos ou mais, de modo a alcançar o critério, mas em Novembro só havia 100 veículos efectivamente em operação, portanto, considera que é impossível cumprir o critério.
4.3 Alega que, tem efectuado continuadamente o trabalho de recrutamento de motoristas, esperando contratar motoristas suficientes para satisfazer o número mínimo de veículos em operação, porém, em face de carência de recursos humanos e necessidade de garantir a qualidade e o serviço dos motoristas, não deixa de ser extremamente difícil empregar motoristas suficientes para satisfazer o número mínimo de veículos em operação, pelo que, solicita que seja isenta a sanção.
5. Análise sobre a contestação escrita da concessionária:
5.1 Quanto ao teor do art.º 4.1, a concessionária alega que foi disponibilizado número suficiente de motoristas para estarem on-line durante os dias referidos em que não se cumpriu o critério; no entanto, segundo a tabela do número de veículos expedidos apresentada pela concessionária e os dados estatísticos de operação (dos relatórios diários), os veículos dos motoristas on-line não estavam necessariamente “em serviço”, o presente processo de aplicação de multa é instaurado com base em que em mais de 5 dias de Novembro de 2019 não se cumpriu o critério do número mínimo de veículos em operação, ou seja, está em causa o não cumprimento do número de veículos em operação, mas não o número de motoristas on-line, não se notando uma relação directa entre um suficiente número de motoristas on-line disposto pela concessionária e a acusação de não ter atingido o número mínimo de veículos em operação, não sendo capaz de ilidir a acusação.
5.2 Quanto ao teor do art.º 4.2, a concessionária alega que, quanto aos veículos em operação, existe internamente na Companhia uma classificação especial de “em descaso de espera”, correspondendo ao “descaso temporário do motorista durante o trabalho”; cumpre destacar que, dispõe o art.º 1.º n.º 6 alínea 1) subalínea 3) do anexo 1 da escritura pública do contrato que, “Em espera: significa que o táxi está em espera da chamada ou marcação.” Os motoristas em espera devem estar sempre disponível para receber encomendas e prestar serviços de táxis especiais, porém, o estado do táxi “em descanso de espera”, classificado pela concessionária própria, corresponde ao “descanso temporário do motorista durante o trabalho”, os 2 estados são obviamente incompatíveis, pelo que, não se pode considerar os veículos “em descanso de espera” como “em espera”, mas sim como “não operacional”.
5.3 Quanto ao teor do art.º 4.2.2, a concessionária alega que, caso os dados dos táxis “em descanso de espera” sejam adicionados aos “em espera”, conseguirá atingir a taxa de on-line exigida pela escritura pública do contrato; no primeiro, cumpre sublinhar que, nos termos do art.º 1.º n.º 6 do anexo 1 da escritura pública do contrato, só se pode dividir os táxis “em serviço” em “estar a transportar passageiros”, “estar em serviço de marcação” e “estar em espera”, portanto, a escritura pública do contrato não permite a definição de “em descanso de espera” relativo ao estado do táxi, e como acime disse no art.º 5.2, não se pode considerar os veículos “em descanso de espera” como “em espera”, pelo que, não se constitui fundamento para o adicionamento, com ligeireza, dos veículos “em descanso de espera” nos que estavam “em espera”. De resto, se a concessionária considerasse por erro, no momento de prática da infracção, que deveria classificar os veículos “em descanso de espera” como “em espera”, devia já exigir aos motoristas, segundo a análise lógica, configurar o estado do veículo como “em descanso de espera” e, ao mesmo tempo, indicar por letreiro o estado do veículo como “em espera”. Isto é, nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) apresentados, na verdade, a concessionária já adicionou o número dos veículos “em descaso de espera” ao dos “em espera”, o que faz sobressair que o número dos veículos que estavam "em espera" conforme estipulado na escritura pública do contrato no mês em causa foi de facto muito inferior ao que foi indicado nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários). Pode-se ver que, é obviamente irreal a alegação da concessionária de que “cujo número não é adicionado ao número dos táxis “em espera” nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários)”.
5.4 Quanto ao teor do art.º 4.2.3, a concessionária alega que, se não sejam adicionados os dados dos táxis “em descaso de espera” aos “em espera”, terá de adicionar 10 veículos ou mais, de modo a alcançar o critério; nos termos do art.º 28.º n.º 2 da escritura pública do contrato, o rácio de operação correspondendo aos diferentes horários devem ser de 80%, 70% e 40%, em Novembro de 2019 foi concedida à concessionária a licença de 100 táxis especiais, portanto, o número mínimo dos táxis em operação em horários diferentes devem ser de 80, 70 e 40, isto é, a concessionária só necessitava de 80 táxis especiais em operação para responder ao número mínimo exigido na hora de maior tráfego; e segundo os dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) apresentados, nos horários diferentes dos respectivos dias, só menos de 20 táxis estavam “em descanso de espera”, com base nisso, os 100 táxis especiais que a concessionária tinha a autorização de operar na altura deviam ser perfeitamente capazes de responder à exigência, não necessitando de mais veículos.
5.5 Quanto ao teor do art.º 4.3, a concessionária pede isentar a sanção. Nos termos do art.º 30.º n.º 1 da escritura pública do contrato, a isenção depende de existência dos casos resultantes de força maior ou por motivos que não sejam imputáveis à concessionária, devidamente comprovados pela mesma e aceites pela entidade fiscalizadora. A concessionária indica na contestação que, tem efectuado continuadamente o trabalho de recrutamento de motoristas, porém, não deixa de ser extremamente difícil empregar motoristas suficientes para satisfazer o número mínimo de veículos em operação, imputando à carência de motoristas a acusação de não satisfação do número mínimo de veículos em operação.
5.5.1 Antes de mais, cumpre apontar que, conforme os números mínimos de veículos em operação correspondentes aos horário diferentes, previstos pelo art.º 28.º n.º 2 da escritura pública do contrato, mesmo na hora de maior tráfego (das 8H00 ao meio dia), fixa-se o número de táxis especiais em operação em 80;
5.5.2 Na contestação escrita da concessionária, há imensas propagandas de recrutamento publicadas como “recrutamos motoristas (em regime de tempo inteiro ou parcial), trabalhando 8 horas por dia (turnos do dia ou da noite optáveis)”, a concessionária já indicou que só havia 2 turnos por dia, mesmo para satisfazer o número mínimo de veículos em operação, necessitava de 80 veículos * 2 pessoas/veículo = 160 pessoas;
5.5.3 A concessionária já indicou nas propagandas de recrutamento que era de 8 horas por turno, no entanto, na contestação escrita, na 2ª parte – dados sobre a oferta de emprego – da cópia do impresso de oferta de emprego, indica-se “8 horas/turno”, não há qualquer informação sobre o tempo de descanso, portanto, a concessionária não contou o tempo de descanso dos motoristas em “8 horas/turno”; e mais, a concessionária tem publicado o recrutamento de motoristas em regime de tempo inteiro ou parcial, é fundamentadamente acreditável que um dos motivos de recrutamento de motoristas em regime parcial consiste em suprir a necessidade do número de veículos em operação na hora de maior tráfego;
5.5.4 Ao contrário, se calcular o número de motoristas necessários com o número mínimo de veículos em operação na hora de maior tráfego e a duração de 8 horas/turno (alterando 2 turnos/dia em 3 turnos/dia), haverá excesso de motoristas nomeadamente durante o período das 20H00 às 8H00, no qual é de 40 táxis especiais o número mínimo de veículos em operação;
5.5.5 Conforme o “relatório de operação de táxis” de Novembro de 2019 (vide o anexo 6) apresentado pela concessionária, consta do art.º 10 “resumo de trabalho” que “há 186 efectivos de pessoal (motoristas)” e do art.º 12.º “avaliação geral” que “resumo de operação de Novembro – caíram os dados de operação global, mantiveram-se estáveis a qualidade de serviços, o número de motoristas, a frequência de serviços e a taxa de pessoas on-line, etc.”, e mais, no art.º 1.º (resumo de operação de Novembro” indica que, “o número dos veículos da cor azul sob a exploração de outra entidade foi acrescentado para 26 veículos, tudo manteve-se estável.” Segundo a análise nos art.º 5.5.2 e 5.5.4, o número dos efectivos de pessoal (motoristas) no mês em causa já podia satisfazer o número mínimo de veículos em operação, a concessionária até atribuiu 26 táxis especiais à outra entidade para exploração1; isso revela que no mês em causa não havia insuficiência de motoristas, o que a concessionária nem informou no relatório, a concessionária não deve imputar a inadequação de organização à insuficiência de motoristas, tendo em conta que não foi provado um motivo inimputável à concessionária, conclui-se que não são aceites os fundamentos da contestação da concessionária.
6. Se o superior concordar com a análise, propõe-se ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas autorizar:
Uma vez que existem provas suficientes que em mais de 5 dias de Novembro de 2019 não se cumpriu o critério do número mínimo de táxis em operação, a concessionária não cumpriu o estipulado nos n.ºs 1 a 3 do artigo 28.º da escritura pública do contrato, e os fundamentos apresentados na contestação não conseguiram ilidir a acusação à qual está sujeita, propõe-se ao Senhor Secretário que seja autorizada a aplicação da multa, no valor de $50.000,00 (cinquenta mil patacas), à A, S,A por esta Direcção de Serviços, nos termos do art.º 30.º n.º 1 alínea 6) da escritura pública do contrato.
Se for deferida a proposta, será notificada a concessionária por carta.

Chefe do Departamento
Ass. vide o original
XXX
12.Nov.2020
Chefe da Divisão
Ass. vide o original
XXX
11.Nov.2020
Chefe funcional
Ass. vide o original
XXX
09.Nov.2020
Técnico superior
Ass. vide o original
XXX

Anexo 1: cláusulas da escritura pública do contrato;
Anexo 2: dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) – só se encontram extractados os dias e as horas em que não se cumpriu o critério;
Anexo 3: cópia da proposta n.º XXX/DGT/F.C/2020;
Anexo 4: cópia da carta n.º XXXXX/02293/DGT/F.C/2020;
Anexo 5: cópia da contestação escrita (n.º de recepção XXXXX)
Anexo 6: relatório de operação de táxis de Novembro de 2019

SI 09S/DGT/F.C/2020
Sumário da proposta n.º XXX/DGT/F.C./2020
Assunto: Aplicação de multa à A, S.A por não cumprimento do critério do número de veículos em operação durante um mês civil
  De acordo com os dados estatísticos de operação (dos relatórios diários) apresentados pela A, S.A (adiante design ada por "Concessionária"), após a organização e análise pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, verificou-se que não foi atingido o «número mínimo de veículos em operação», durante quatro horas por dia, em mais de 5 dias do mês de Maio de 2019, não correspondendo ao disposto nos n, os 1 a 3 do artigo 28.º da Escritura Pública relativa ao Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais entre a Região Administrativa Especial de Macau e A, S.A. (adiante designada. por "Escritura Pública do Contrato"), lavrada em 22 de Setembro de 2016.
  Em defesa escrita apresentada, a Concessionária alega que foi disponibilizado número suficiente de motoristas para estarem on-line durante os dias acima referidos, esclarecendo que relativamente aos veículos em operação, existe internamente uma classificação especial de "em descanso de espera", correspondendo ao «descanso temporário do motorista durante o trabalho", A concessionária fundamenta ainda que caso os dados dos táxis « em descanso de espera" sejam adicionados aos "em espera", conseguirá atingir a taxa de on-line exigida, caso contrário terá de adicionar 10 veículos, ou mais, de modo a alcançar o critério. A concessionária considera que a acusação resultou de desentendimentos das partes envolvidas quanto ao contrato, pelo que solicita que seja isenta a sanção.
  Após a análise, concluiu-se o seguinte: No processo em apreço, está em causa o não cumprimento do «número de veículos em operação», e não o «número de motoristas on-line», não se notando uma relação directa entre um suficiente número de motoristas on-line disposto pela Concessionária e a acusação de não ter atingido o número mínimo de veículos em operação, não sendo capaz de anular a acusação; Ademais, visto que a Escritura Pública não permite a definição de "em descanso de espera" relativo ao estado do táxi, não se constitui fundamento para o adicionamento, co m ligeireza, dos veículos «em descanso de espera" nos que estavam "em espera", o que faz sobressair que o número dos veículos que estavam "em espera" conforme estipulado na Escritura Pública do contrato no mês em causa foi de facto muito inferior ao que foi indicado nos dados estatísticos de operação (dos relatórios diários); Nos termos da Escritura Pública do Contrato, os números de táxis em operação correspondendo aos diferentes horários do Contrato devem ser 80, 70 e 40. Os: 100 táxis especiais que a Concessionária. tinha a autorização de operar na altura deviam ser perfeitamente capazes de responder ao número exigido, não necessitando de mais veículos. Tendo em conta que não foi provado um motivo inimputável à Concessionária, concluiu-se que não foi reunido o requisito para isentar a sanção.
  Uma vez que existem provas suficientes que a Concessionária não cumpriu o estipulado nos n.º 1 a 3 do artigo 28.º da Escritura Pública do Contrato em Novembro de 2019 e os fundamentos apresentados na defesa não conseguiram anular a acusação à qual está sujeita, propõe-se ao Senhor Secretário que seja autorizada a aplicação da multa, no valor de $50 000,00 (cinquenta mil patacas), à A, S,A por esta Direcção de Serviços, nos. termos da alínea 6) do n.º 1 do artigo 30.º da Escritura Pública do Contrato.».
e) Com base no conteúdo da proposta referida na alínea anterior pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obres Públicas foi aplicada à ora Recorrente a multa de MOP50.000,00 – cf. fls. 184 -.

2. Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «(…)
  (i)
  Começa a Recorrente por alegar que o acto que nos presentes autos impugna enferma de erro nos pressupostos de facto em virtude de a Entidade Recorrida não ter considerado como estando em serviço os táxis que estavam em «espera e descanso».
  Cremos que sem razão.
  De acordo com o n.º 3 do artigo 28.º do «Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais» (doravante, «Contrato»), o número de táxis em operação é actualizado a cada 10 minutos. Caso não se atinja o número mínimo de veículos em operação por três vezes durante uma hora, será considerado que nessa hora não se cumpriu o critério do número de veículos em operação; caso se registe a mesma situação durante quatro horas num dia, será considerado que nesse dia não se cumpriu o critério do número de veículos em operação e caso se registe a mesma situação durante cinco dias num mês, será considerado que nesse mês não se cumpriu o critério do número de veículos em operação.
  Por sua vez, de acordo com a alínea 6) do n.º 1 do artigo 30.º do «Contrato», à concessionária será aplicada multa de 50 000,00 patacas por cada caso se o número dos seus táxis em operação não corresponder, durante um mês civil, ao disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 28.º.
  O ponto em que a Recorrente diverge da Entidade Recorrida reside na interpretação do que deva considerar-se táxis em serviço ou em operação. Em seu entender, a Entidade Recorrida errou ao não contabilizar o tempo em que os táxis se encontram naquilo que designa como sendo em «espera e descanso», ou seja, os intervalos de descanso dos taxistas, e que devia ser contabilizado no cálculo do número de táxis em operação para os efeitos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 28.º do «Contrato».
  Não nos parece que assim seja.
  Resulta do disposto na alínea 1) do n.º 6 do artigo 1.º do Anexo I ao «Contrato», que os táxis se consideram em serviço ou em operação, em três situações: (1) a transportar passageiros: significa que o táxi especial está a transportar passageiros; (2) em serviço de marcação: significa que o táxi está a dirigir-se ao local para tomada de passageiros; (3) em espera: significa que o táxi está em espera da chamada ou marcação.
  Como facilmente se constata, a referida previsão contratual não abrange as situações em que o motorista se encontra a descansar, pelo que nos intervalos de tempo em que tal aconteça, não pode considerar-se que o táxi se encontre em operação.
  Aliás, se bem vemos, existe mesmo uma contradição entre considerar que o táxi pode, simultaneamente, estar em espera, é dizer, operacional, e em descanso, é dizer, indisponível ou não operacional.
  Sem necessidade de maiores considerações, cremos justificada a nossa asserção inicial no sentido da falta de razão da Recorrente quanto a este ponto.
  (ii)
  O segundo vício do acto recorrido que foi alegado consiste num exercício irrazoável do poder discricionário.
  Embora não seja fácil alcançar o sentido da alegação da Recorrente, parece que a mesma considera que no caso se verificaria um caso de força maior que não lhe seria imputável e que a deveria ter isentado do pagamento da multa, uma vez que, segundo diz, por um lado não poderia deixar de garantir um intervalo de descanso aos motoristas e, por outro lado, não lhe era possível destacar outros taxistas para substituição dos que entrassem em período de descanso.
  Em nosso modesto entendimento, esta alegação não colhe.
  Está em causa o incumprimento do contrato por parte do contratante particular uma vez que foi em consequência desse incumprimento que a Entidade Recorrida aplicou a multa contratual contenciosamente impugnada.
  Como se sabe, o não cumprimento das obrigações emergentes de um contrato, incluindo, naturalmente, de um contrato administrativo, faz incorrer o incumpridor em responsabilidade contratual, podendo esta definir-se como «o dever jurídico que recai sobre alguém que outorgou um contrato e que consiste em ter de responder pelo incumprimento definitivo, pelo cumprimento defeituoso ou tardio das obrigações contratuais» (nestes termos, PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, Coimbra, 2015, pp. 585-586).
  Em Direito Administrativo, dentro da responsabilidade contratual é possível distinguir entre a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa. Aquela implica um dever de indemnizar um dano; esta pressupondo também um incumprimento contratual, consubstancia-se na aplica-se de sanções contratuais (cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito …, p. 586).
  No caso em apreço está em causa, como é bom de ver, a chamada responsabilidade administrativa contratual pois do que aqui se cuida é da impugnação de um acto administrativo de aplicação de multa contratual à Recorrente com fundamento no seu cumprimento defeituoso de determinadas obrigações emergentes do «Contrato».
  Alega a Recorrente que ocorre caso de força maior que exclui a sua responsabilidade. Não se vê como.
  Em geral, a doutrina civilista considera que a responsabilidade do devedor pelo incumprimento deve ter-se por excluída quando o mesmo não lhe seja imputável, o que ocorre, entre outras situações que agora não relevam, quando exista caso fortuito ou de força maior.
  Sobre o que deva entender-se por caso fortuito e caso de força maior, colhe-se na lição de um importante Autor português, que «o caso fortuito patenteia o desenvolvimento de forças naturais a que se mantém estranha a acção do homem (inundações, incêndio, a morte, etc.). Ao lado dele, o caso de força maior consiste num facto de terceiro, pelo qual o devedor não é responsável (a guerra, a prisão, o roubo, uma ordem de autoridade, etc.)» (cfr. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Coimbra, 2004, p. 1001. Itálicos no original).
  Apesar da apontada distinção, deve notar-se que existe um certo consenso doutrinário no sentido de que o caso fortuito e o caso de força maior são funcionalmente equivalentes, produzindo ambos a exoneração da responsabilidade do devedor, reconduzindo-se a eventos imprevisíveis cujos efeitos não podem ser evitados (veja-se, neste sentido, JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, in Comentário ao Código Civil, Lisboa, 2018, p. 1084. No sentido de que o caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade e de que o caso fortuito assenta na ideia de imprevisibilidade, pode ver-se MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito…, p. 1001).
  Como é bom de ver, a alegada, e em todo o caso não demonstrada, escassez de recursos humanos de forma alguma se enquadra no conceito de caso fortuito ou de força maior que possa ter qualquer efeito no sentido de desresponsabilizar a Recorrente.
  Parece-nos evidente que a Recorrente e só a Recorrente tinha a obrigação de estruturar a sua organização empresarial e de a municiar com os recursos humanos necessários para, por um lado, cumprir pontualmente as obrigações contratuais que assumiu com a Região e, por outro lado, observar as obrigações para com os seus trabalhadores que emergem da legislação laboral.
  Também, neste ponto, portanto, nos parece que a pretensão impugnatória deduzida não poderá deixar de soçobrar.
  (iii)
  Finalmente, a Recorrente alegou que o acto recorrido padece de erro na interpretação e aplicação das cláusulas contratuais contidas no artigo 1.º do Anexo I ao «Contrato» e no artigo 28.º do «Contrato».
  Com todo o respeito, também aqui a Recorrente labora num equívoco que consiste em considerar que os tempos de «espera e descanso» devem ser contabilizados para efeitos do cálculo do número de táxis em operação a que se refere a cláusula contida no artigo 28.º, n.ºs 1 a 3 do «Contrato». E a verdade é que, como já vimos, tal não acontece.
  Um táxi que não se encontre numa das três situações definidas na alínea 1) do n.º 6 do artigo 1.º do Anixo I ao «Contrato» não pode considerar-se um táxi em serviço ou em operação, nomeadamente, quando o seu motorista esteja a descansar e, portanto, por definição, não operacional.
  Não ocorre, pois, a nosso humilde ver, a invalidade do acto recorrido que lhe foi assacada pela Recorrente
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  Concordando, novamente, com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que improcedem os fundamentos de recurso quanto aos vícios imputados ao acto impugnado, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 31 de Março de 2022
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  *
  Mai Man Ieng



1 Nos termos do disposto no art. 28.º n.º 1 (sic.) da Escritura Pública: “1. Os alvarás emitidos podem ser explorados pela entidade não titular, não sendo, porém, permitida a transacção desses alvarás durante o prazo da concessão.”
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204/2021 REC CONT 1