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Processo n.º 726/2019
(Autos de recurso cível)

Data: 31/Março/2022

Recorrente:
- A

Recorrida:
- B Limited


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, sociedade comercial com sede nos Estados Unidos da América (doravante designada por “recorrente”), melhor identificada nos autos, inconformada com o despacho proferido pela Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual do então Serviços de Economia que concedeu o registo da marca N/XXX41 a favor da B Limited, sociedade comercial com sede na Austrália (doravante designada por “recorrida”), interpôs recurso judicial junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso.
Inconformada, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Através do presente recurso jurisdicional pretende-se impugnar a douta sentença de 30 de Janeiro de 2019 que, mantendo o despacho proferido em 28 de Abril de 2016, pela Exma. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, concedeu à aqui Parte Contrária/Recorrida a marca N/XXX41, para a classe 36ª, que tem como elemento nominativo as expressões em inglês e em chinês C CLUB e C會 (que romaniza C).
2. A marca concedida foi aferida pelas marcas da ora Recorrente que consistem, respectivamente, em (i) , (ii) e (iii) , as últimas romanizando D, todos para assinalar serviços da classe 36ª e que se encontram registadas prioritariamente em Macau.
3. A douta Sentença recorrida considerou que não está preenchido o conceito de imitação de marca, uma vez que falha o 3º requisito previsto na lei (alínea c) do art.º 215º do RJPI) e, consequentemente, afastou os fundamentos de recusa invocados pela ora Recorrente, quais sejam, o fundamento com base na protecção de marca registada prioritariamente, previsto no art.º 214º, n.º 2, alínea b) e o fundamento que A obstar a prática de actos de concorrência desleal previsto no art.º 9º, n.º 1, alínea c), aplicável por força do disposto no art.º 214º, n.º 1, alínea a).
4. A douta Sentença em impugnação considerou que as marcas da Recorrente já se encontravam registadas em Macau quando a Requerente, ora Recorrida, apresentou o pedido da sua marca mista e deu como certo que esta marca e as marcas registadas da Recorrente assinalam serviços idênticos e afins mas afastou a possibilidade de recusar a marca mista, cujos elementos nominativos são C CLUB e C會 (que romaniza C), porque esta marca não se confunde com as marcas, E, E卡 e E卡, uma vez que o único sinal em comum entre as marcas em confronto é o carácter chinês F que romaniza F e corresponde à palavra inglesa F.
5. Acrescenta-se, na fundamentação da douta Sentença recorrida, que o sinal F que romaniza F e corresponde à palavra inglesa F não tem eficácia distintiva suficiente, antes sendo um sinal que não pode ser apreendido em exclusividade por um interessado em registar uma marca.
6. Mais foi entendido pelo douto Tribunal a quo que o facto de estarem em confronto marcas compostas por sinais fracos (a marca da Requerente/Recorrida e as marcas da Recorrente), a apresentação gráfica da marca concedida é um elemento diferenciador das nominativas prioritariamente registadas; no caso, não há sequer uma especial representação gráfica.
7. Se se entender que a palavra F não tem eficácia distintiva e não pode ser apreendida por um só interessado – como o faz o douto Tribunal a quo -, então, ter-se-á que entender que a marca registanda não pode ser registada porque é exclusivamente constituída por sinais que se tornaram usuais na linguagem corrente, uma vez que “CLUB” é um sinal genérico.
8. A palavra CLUBE (do inglês club) significa um grupo de indivíduos livremente associados que têm em comum os seus gostos e opiniões artísticas, literárias, políticas, filantrópicas, desportivas, ou, simplesmente, uma pretensão de relação social, sendo que os fins e actividades dos clubes são muito diversos e dependem do motivo pelo qual os indivíduos se associam: realização de actividades desportivas, troca de ideias, debates culturais, podendo, ainda, realizar actividades próprias de acordo com os seus fins, que podem ser consideradas como empresariais, sempre e quando o benefício de tais actividades seja aplicado à continuidade do clube.
9. Se se considera que, na marca da ora Recorrente que consiste em E – pela qual foi aferida a marca C CLUB -, apenas, o sinal A é que tem eficácia distintiva, não se poderá sustentar que, na marca C CLUB, apenas, CLUB é que tem eficácia distintiva.
10. Não pode a Recorrente conformar-se com a decisão de concessão da marca que consiste em C CLUB, porque, efectivamente, nesta marca, o sinal que lhe imprime eficácia distintiva é a palavra F, que tem um conceito muito amplo e pode integrar uma marca.
11. Acredita-se que a palavra F, sem estar associada a uma outra com bastante eficácia distintiva, seja considerada uma marca muito fraca, conceptualmente falando, mas não se trata de um sinal que se tenha tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
12. A palavra F tem sido utilizada para criar variantes de marcas afamadas, como o caso da marca da Recorrente E (para serviços da classe 36ª); F by G (para produtos da classe 25ª), H F (para assinalar produtos da classe 12ª – máquinas de lavar); I F e J F (para produtos da classe 3ª – cosmética) CLASSIC F K (para produtos da classe 14ª – relógios e jóias femininas) e L F (para produtos da classe 33ª – vinhos) mas não se pode considerar que se tenha tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
13. A marca principal da Recorrente é A, uma marca muito conhecida em qualquer parte do mundo, uma vez que a sua história é inseparável de uma das mais significantes inovações na forma de pagamento do século XX: o cartão de pagamento ou de crédito. Com o desenvolvimento desta ferramenta, a marca A não somente facilitou a vida das pessoas, como está presente em qualquer lugar do planeta.
14. Durante 35 anos, a marca A construiu um cenário global de pagamentos, dedicado a servir consumidores; estabelecimentos comerciais; instituições financeiras e economias em todo o mundo e, actualmente, a empresa oferece soluções numa época na qual a indústria global de pagamentos reconhece o potencial das novas tecnologias, operando num um mundo cada vez mais conectado e desenvolvendo um papel-chave na infraestrutura de mercados emergentes, sendo que o portador de um cartão A tem a possibilidade de escolher de que forma quer pagar – usando crédito (“pague depois”), débito (“pague agora”) e pré-pago (“pague antes”). Além disso, a empresa possui plataformas de produtos que atendem segmentos específicos de clientes e situações específicas de determinadas regiões.
15. Foram sendo criadas várias marcas variantes da conhecidíssima marca A, surgindo, entre outras: “A Net”; A Gold; A Infinite e, designadamente, E.
16. A Recorrente entende, porém, que a palavra F tem eficácia distintiva e, para serviços da classe 36ª, trata-se de um sinal da titularidade da Recorrente, pois apresentou em primeiro lugar o pedido de registo em Macau, mantendo, por isso, a sua posição no sentido de que a marca em apreciação deve ser recusada por se verificarem os dois fundamentos de recusa por si alegados, quer em sede administrativa, quer em sede judicial.
17. As marcas constituem o sinal distintivo e individualizador dos produtos e dos serviços de maior relevo na actividade económica empresarial em geral, susceptível de ser constituído por um elemento ou conjunto de elementos nominativos, incidindo a averiguação da novidade sobre o seu elemento ou elementos preponderantes, ou seja, os que se revelam mais idóneos a perdurar na memória do público, desvalorizando-se os de função acessória ou de mero pormenor e, assim, a novidade de uma marca depende de o seu núcleo essencial se não confundir com o de uma marca registada, interessando mais as semelhanças do que as dissemelhanças, no confronto abstracto com a natureza dos produtos ou serviços por ela assinalados.
18. No presente caso, estamos, por um lado, perante uma marca registada consistente numa expressão inglesa e duas marcas registadas em caracteres chineses tradicionais e simplificados respectivamente, e , que romanizam D, todos elas marcas notórias em Macau, da titularidade da Recorrente, com as quais esta assinala serviços da classe 36ª e, por outro lado, face a uma marca registanda mista, que consiste em , destinando-a a Requerente, aqui Parte Contrária/Recorrida, a serviços igualmente integrados na classe 36ª.
19. No que se refere ao 3º requisito – semelhança nominativa, fonética e gráfica entre as marcas em apreciação -, tem-se em consideração, que a marca registanda integra o sinal “F” assim como o carácter chinês F (que romaniza F e que pode ser traduzida como selo/assinatura) e, portanto, existe semelhança gráfica, conceptual e nominativa – a qual não é afastada pelo facto da marca registanda integrar a expressão CLUB – que não tem capacidade distintiva nem pode ser apropriada por uma entidade -, pelo que não poderá deixar de se considerar que esta constitui uma reprodução ou imitação (ainda que parcial) da(s) marca(s) da Recorrente, destinando-se a marca registanda a assinalar serviços idênticos e afins dos que são oferecidos pela Recorrente com as marcas , e , sendo que tal semelhança induzirá facilmente o consumidor em erro ou confusão, de forma a que o mesmo não deixará de associar a marca registanda à Recorrente.
20. Ocorrem, no caso, os pressupostos de imitação pela Requerente da marca registanda, e em consequência o fundamento de recusa a que alude a alínea b) do n.º 2 do art.º 214º, com referência ao art.º 215º, ambos do RJPI.
21. O reconhecimento de que o requerente do registo de uma marca pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção pode ser fundamento de recusa do registo (art.º 9, n.º 1, alínea c), aplicável por força do disposto no art.º 214º, n.º 1, alínea a), ambos do RJPI).
22. Trata-se de prevenir a atribuição de um direito privativo a um concorrente que, de modo intencional ou não, se comporta de modo a criar actos de concorrência no mercado onde se opera e, do que se deixou exposto, encaminha para a solução de não poder ser, de qualquer modo, concedido o registo da marca aqui em apreciação, pois, é possível a prática de actos de concorrência desleal por parte da Requerente, ora Recorrida.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, o presente recurso jurisdicional deve ser considerado procedente por se apurar que:
(i) entre as marcas de que é titular a Recorrente, já registadas em Macau, e a marca concedida, há uma forte semelhança gráfica, nominativa e conceptual, pelo que não poderá deixar de se considerar que esta constitui uma reprodução ou imitação (ainda que parcial) das marcas da Recorrente, destinando-se a marca registanda a assinalar serviços idênticos e afins dos que são oferecidos pela Recorrente com as marcas , e , sendo que tal semelhança induzirá facilmente, o consumidor em erro ou confusão, de forma a que o mesmo não deixará de associar a marca registanda à ora Recorrente.
(ii) a forma como foi composta a marca concedida leva a pensar que a Requerente do registo de uma marca pretende fazer concorrência desleal (ou que esta é possível independentemente da sua intenção).
Ou
Caso venha a ser acolhido por esse Venerando Tribunal ad quem o entendimento do Tribunal a quo, constante da fundamentação, no sentido de que o sinal F é desprovido de eficácia distintiva, então, deve considerar-se a marca - composta pela expressão inglesa C CLUB e a correspondente expressão chinese C會 – insusceptível de protecção por integrar um sinal desprovido de eficácia distintiva (F) e por um sinal que não pode ficar de utilização exclusiva da Requerente (CLUB), sendo que a simples apresentação gráfica, por si só, não lhe confere eficácia distintiva.
De qualquer forma, requer-se seja revogada a douta Sentença de 30 de Janeiro de 2019 e substituída por uma decisão que recuse o pedido de registo da marca mista que consiste em e tomou o n.º N/XXX41, para assinalar serviços incluídos na classe 36ª.
Assim procedendo, será feita uma sã JUSTIÇA!”
*
Notificada, respondeu a recorrida ao recurso tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“a. Através do Recurso apresentado pela Recorrente, titular das marcas N/XXX70, N/XXX08 e N/XXX09 solicitar a revogação do despacho da DSE que concedeu o registo da Marca N/XXX41.
b. O oferecimento por parte da Requerida das presentes contra-alegações é tempestivo.
c. Contudo, conforme ficou amplamente demonstrado, nenhum dos argumentos aduzidos pela Recorrente poderá ser acolhido, devendo o Recurso interposto ser julgado improcedente por ausência de fundamento.
d. Não se encontram preenchidos os requisitos necessários para que se verifique a reprodução ou imitação de marca, nomeadamente o requisito de indução do consumidor em confusão, quer através do risco de associação com a marca Recorrente quer através da semelhança entre os sinais.
e. Contudo, não é verdade que as marcas em litígio sejam de tal forma semelhantes que façam com que o consumidor não tenha capacidade de distinção e associe erroneamente as mesmas, sendo induzido a acreditar que ambas têm a mesma origem, somente pelo facto da Marca Registanda e as marcas da Recorrente partilharem o sinal “F” ou o caracter “F”.
f. Do confronto das marcas, verifica-se uma clara distinção a nível gráfico, visual, fonético, conceptual, nominativo e figurativo.
g. As marcas da Recorrente são marcas nominativas, ao passo que a Marca Registanda é uma marca mista, composta simultaneamente por elementos nominativos e figurativos, pelo que facilmente se conclui que a Marca Registanda apresenta um aspecto de conjunto perfeitamente distinto do das marcas da Recorrente, quer do ponto de vista gráfico e visual, quer do ponto de vista fonético.
h. Analisando a ordem e a dimensão dos elementos que compõe as marcas ora em apreço, verifica-se que as enquanto as marcas da Recorrente são exclusivamente nominativas, em que as suas letras e caracteres, respectivamente, estão em maiúsculas e têm a mesma dimensão, a Marca Registanda, por sua vez, é composta por elementos nominativos com dimensões diferentes e com palavras diferentes, apenas coincidindo, gráfica e foneticamente, no sinal “F” ou “F”.
i. Por outro lado, a Marca Registanda incorpora ainda um elemento figurativo, inexistente nas marcas da Recorrente, inexistindo assim a menor possibilidade de os consumidores virem a confundir ou associar as marcas em litígio, pelo que nada impede a coexistências das marcas em causa.
j. Assim, o conjunto dos elementos que compõem a Marca Registanda não oferece um grau de semelhança significativo com os sinais utilizados pela Recorrente.
k. Resulta óbvio do confronto das marcas em apreço que não existe entre aquelas, quando analisadas e confrontadas no seu conjunto, qualquer possibilidade de confusão, sendo de concluir pela inexistência absoluta de reprodução ou imitação de marca e, em particular, qualquer risco de confusão entre as marcas.
l. A doutrina e a jurisprudência entendem maioritariamente que a comparação entre as marcas deve ser feita por intuição sintética e não por dissecação analítica, por referência à imagem de conjunto.
m. No entender da DSE “Não cremos, pois, que exista risco de associação, ou seja, que o consumidor estabeleça uma qualquer relação entre as entidades a que respeitam as marcas, muito menos o risco de confusão, em que existe a susceptibilidade de o consumidor adquirir um serviço de determinada entidade, julgando que esse serviço tem uma origem empresarial”.
n. Ao contrário do que sugere a Recorrente, o que tem carácter distintivo, e até notório é o sinal “A”, mas jamais o sinal “F”, que, por si, não tem qualquer capacidade distintiva, tal como por si reconhecido pela Recorrente ao afirmar que o vocábulo “F”, por si só não tem capacidade distintiva, mas que, conjuntamente com marcas de renome, e, como tal, providas de distintividade, são usadas para criar novas variantes de marcas.
o. Tal como defende a doutrina e a jurisprudência maioritárias, não é pelo facto de um dos elementos que compõe a marca registanda ser coincidente com um dos elementos que fazem parte das marcas da Recorrente que esta pode concluir, ipso facto, pela existência de semelhança entre as marcas em confronto e, a final, pela existência de risco de induzir o consumidor em erro ou confusão.
p. O sinal “F” em si não dispõe de capacidade distintiva, mas, englobado com outros elementos nominativos e figurativos é susceptível de, no seu todo, configurar um sinal dotado de eficácia distintiva, independente de um tal “sinal” constar de outros sinais registados.
q. Acresce que existe mais de meia centena de marcas registadas que incluem na sua composição o sinal “F”, algumas delas dentro da classe 36, o que comprova o sobredito.
r. A Recorrente não pode pretender que as marcas cujos pedidos de registo são posteriores às suas, mantenham em relação a estas uma maior distância do que os registos de marcas da Recorrida observaram relativamente a marcas que lhes eram anteriores, nomeadamente as marcas registadas da Recorrida.
s. Resulta daqui que a semelhança em um dos sinais das marcas em confronto – “F”, é despicienda, não advindo daí qualquer confusão para o consumidor, dado que é uma situação comum no âmbito do mercado relevante em causa.
t. Para que se considere que exista semelhança entre ambas as marcas que possa induzir o consumidor em erro ou confusão, será necessário que se considerem as marcas em apreço absolutamente idênticas, o que não sucede, de todo, no caso sub judice.
u. Não existe qualquer possibilidade de indução do consumidor em erro, por via de risco de confusão ou associação, dado que o elemento que detém capacidade distintiva forte nas marcas da Recorrente é o sinal “A”, ao passo que a sinal “F”, de per si, é um sinal com fraca eficácia distintiva.
v. Os consumidores, ao depararem-se com as marcas em confronto não vão ser induzidos em erro simplesmente porque há coincidência no elemento com capacidade distintiva fraca, ao invés do que sucederia se a Marca Registanda incluísse na sua composição o elemento forte das marcas da Recorrente, mas tal não é o caso.
w. Sendo a identidade entre os sinais conditio sine qua non para a confundibilidade, e não estando esta aqui verificada, é insustentável a tese da Recorrente de que, neste caso existe um risco de confusão e/ou associação entre as marcas em confronto.
x. Não existe qualquer acto de concorrência desleal no caso vertente, pelo que também não está preenchido o art. 214º, 1º, a) RJPI.
y. Com efeito, a verificação da fatispecie deste artigo pressuporia a procedência da argumentação anteriormente expendida pela Recorrente, o que, como ficou mais uma vez claro nas presentes conclusões, não tem cabimento.
z. Acresce que não basta uma vaga e incerta possibilidade futura de existência de concorrência desleal, tendo de ser séria e actual, o que não se verifica nesta situação, razão pela qual deve também este ponto das alegações de recurso ser julgado improcedente, por não se encontrar substanciado ou provado.
Termos em que deve o Recurso interposto pela ora Recorrente ser julgado IMPROCEDENTE, por não provado, sendo, consequentemente, dever ser mantida a douta decisão do tribunal a quo que manteve o despacho da DSE que concedeu o registo da Marca N/XXX41 à ora Recorrida.”
*
Enquanto a entidade administrativa ofereceu o merecimento dos autos.
*
Subidos os autos a este TSI, as partes formularam em conjunto o pedido de suspensão da instância recursal, alegando estarem convencidas de obter uma resolução extrajudicial e amigável do presente litígio, o qual foi autorizado.
Não obstante, não lograram as partes chegarem a acordo.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Ficou assente a seguinte factualidade pertinente para a decisão da causa:
於2014年10月10日,對立當事人B Limited 向經濟局申請編號N/XXX41的商標,該商標的樣式為,提供第36類別的產品/服務,詳見行政卷宗第1頁。
上述申請於2015年1月7日在第1期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
透過2016年4月28日知識產權廳廳長作出的批示,上述商標申請獲批准。
上述的批示於2016年5月18日在第20期第2組的澳門特別行政區公報內刊登。
上訴人為商標註冊編號N/XXX70、N/XXX08及N/XXX09的持有人,該商標的樣式為、及,提供第36類別的產品/服務,詳見行政卷宗第59頁。
*
Vem alegar a recorrente que a marca N/XXX41 da recorrida constitui uma reprodução ou imitação das marcas da recorrente, pedindo que seja revogado o despacho que concedeu o registo daquela marca a favor da recorrida e substituído por outro que recuse o pedido de registo daquela marca.
Feita a análise e apreciação do caso, o tribunal a quo entende que verificado não está o pressuposto consignado na alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, por não haver semelhança relevante ou manifesta entre as marcas da recorrente e da recorrida.
A nosso ver, nenhum reparo merece a sentença recorrida.
Preceitua a alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que o pedido de registo é recusado sempre que a marca ou algum dos seus elementos contenha reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Por sua vez, dispõe-se ainda no n.º 1 do artigo 215.º do mesmo diploma legal que “A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins, e tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.
Conforme decidido na sentença recorrida, não se levantam dúvidas quanto à verificação dos primeiros dois pressupostos, resta apenas saber se existe semelhança entre as duas marcas, da recorrente e da recorrida, que não permita a destrinça, isto é, que seja susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com as marcas anteriormente registadas pela recorrente.
Segundo Carlos Olavo, “a imitação deve, pois ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem as marcas em cotejo, e não pelas diferenças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolados ou separadamente. Por isso, é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas”1.
Isto é, para averiguar se há reprodução ou imitação, em princípio devem ser analisadas as marcas no seu todo, no conjunto dos elementos que as compõem, e não dissecada ou isoladamente.
No nosso caso, as marcas postas em confronto são as seguintes:
Marcas registadas da recorrente
- E (N/XXX70)
E卡 (N/XXX08)
E卡 (N/XXX09)

Marca registanda da recorrida
(N/XXX41)

Será esta última uma imitação das marcas da recorrente?
Vejamos.
Diz Pupo Correia2 que “Imitação é a adopção de uma marca confundível com outra. Por conseguinte, a imitação não é identidade, antes supõe a existência de elementos comuns e outros diferentes.”
Ainda segundo o mesmo autor3: “Deste modo, se a semelhança de conjunto, entre a marca anterior protegida e a mais recente, sem consideração dos pormenores diferenciadores, gerar a possibilidade de confusão, pela fácil indução em erro do consumidor, haverá imitação da primeira pela segunda.”
A recorrente é titular das marcas “E”, “E卡” e “E卡”.
A recorrida pede o registo da marca , e foi deferido o pedido.
Em primeiro lugar, ao contrário do defendido pela recorrente, atenta a própria composição da marca registanda da recorrida, que é constituída por elementos nominativos e figurativos, dúvidas de maior não restam de que está dotada de capacidade distintiva.
Quanto à questão de saber se existe semelhança entre as marcas em confronto, há que realçar que a comparação deve fazer-se através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, sabendo que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo, não procedendo a uma análise das suas diferentes particularidades.
Ora bem, feita a análise das marcas em confronto, é bom de ver que a marca registanda é uma marca mista, composta por elementos com dimensões diferentes e com palavras diferentes, apenas coincidindo nas palavras “F” e “F”.
A palavra “F” não teria grande significado se fosse usada isoladamente, ou seja, o consumidor médio apreende os produtos ou serviços da recorrente através do elemento nominativo “A”, sendo que, sem esse elemento essencial, a palavra “F” não tem, de per si, valor distintivo.
E quanto à palavra chinesa “F”, este tem o significado de “carimbo do Imperador”, daí que igualmente se trata de um elemento genérico sem eficácia distintiva se for usada isoladamente.
Analisadas as marcas das duas partes, registadas e registanda, não obstante existir alguma semelhança quanto às palavras “F” e “F”, a verdade é que, conforme explicado acima, aqueles elementos são irrelevantes, daí que, mostrando-se a marca registanda ter uma representação gráfica diferente após comparação das marcas em confronto, através de uma impressão de conjunto, há razão para crer que entre as duas marcas não existe semelhança que seja susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda qualquer risco de associação com as marcas registadas da recorrente.
   
No tocante à questão de o registo da marca registanda poder configurar um acto de concorrência desleal, julgamos igualmente não assistir razão à recorrente.
Dispõe o artigo 158.º do Código Comercial de Macau que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência que objectivamente se revele contrário às normas e aos usos honestos da actividade económica”.
Um acto de concorrência desleal pressupõe três requisitos: existência de um acto de concorrência, que este seja contrário às normas e usos honestos e que podendo surgir em qualquer ramo de actividade económica.
Segundo o artigo 159.º do mesmo Código, “considera-se desleal todo o acto que seja idóneo a criar confusão com a empresa, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes”; e “o risco de associação por parte dos consumidores relativo à origem do produto ou do serviço é suficiente para fundamentar a deslealdade de uma prática”.
Como observa Luís M. Couto Gonçalves4:
“Esta situação suscita, inevitavelmente, o problema das relações entre as normas da concorrência desleal e as normas da propriedade industrial.

Admitamos um acto de confusão com um produto identificado com uma marca registada.
É preciso distinguir os dois planos: uma coisa é a confusão entre as marcas dos dois produtos e a relevância da propriedade industrial; outra é a confusão entre os dois produtos e a repressão da concorrência desleal.
No primeiro caso, a apreciação limita-se ao quadro legal do direito de marcas e à verificação dos requisitos, e só esses, previstos no artigo 245.º, nº 1 (prioridade da marca registada; identidade ou afinidade dos produtos; semelhança entre os sinais). Nada mais.
No segundo caso, a apreciação tem de ser mais ampla: para haver um acto desleal de confusão entre os produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário ainda que à usurpação de marca registada (o que implica um uso típico dos sinais) se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal).”
No vertente caso, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que apenas estamos no âmbito dos direitos da propriedade industrial, pois não resulta da parca matéria de facto constante dos autos que a recorrida pretende com o registo da marca registanda praticar actos de concorrência, muito menos se pode qualificar como desleal.
Em boa verdade, a concorrência pressupõe conquista da clientela de um determinado mercado, quer em termos de serviços ou produtos colocados em circulação quer em termos da existência de um espaço físico onde se situa o respectivo mercado, ou seja, para poder afirmar a existência da concorrência desleal, é necessário que haja num determinado espaço físico serviços ou produtos em concurso.
Sendo assim, não basta a verificação de semelhança gráfica, fonética e/ou de estrutura silábica entre as marcas para se concluir que haja concorrência desleal, dado que a protecção da propriedade de marcas e a repressão da concorrência desleal são institutos diferentes e autónomos, conforme defendido pelo mesmo autor.
Explicitadas as apontadas razões, nega-se provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 31 de Março de 2022
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
_________________________
Lai Kin Hong
1 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Volume I, 2ª edição, pág. 102
2 Miguel Pupo Correia, in Direito Comercial, 7.ª edição, pág. 341
3 Obra citada, pág. 343
4 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2005, pág. 350 e 351
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Recurso cível 726/2019 Página 1