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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------------------------
--- Data: 07/04/2022 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng ------------------------------------------------------------------------------------------


Processo n.º 208/2022
(Autos de recurso penal)
  Recorrente (2.a arguida): A




DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 541 a 547v do Processo Comum Colectivo n.o CR1-21-0085-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a 2.a arguida A, aí já melhor identificada, pela prática, em autoria material, de um crime consumado de emprego, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, na pena de cinco meses de prisão, substituída por cento e cinquenta dias de multa, à quantia diária de cinquenta patacas, no total, pois, de sete mil e quinhentas patacas de multa.
Inconformada, veio esta arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na motivação apresentada a fls. 561 a 572 dos presentes autos correspondentes, o seguinte, para pedir a sua absolvição:
– para ela poder ser condenada no crime de emprego, há que provar que ela sabia que a 1.a arguida não possuía o estatuto de trabalhador legal em Macau;
– e mesmo que ela tenha sabido de que a 1.a arguida não podia ser empregada na sua casa, o acto dela de estabelecer relação de trabalho com a 1.a arguida só violaria o disposto na alínea 1) do n.o 1 do art.o 32.o da Lei de contratação de trabalhadores não-residentes;
– daí que a decisão condenatória penal ora recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP);
– e no caso de assim não se entender, a mesma decisão condenatória não deixa de enfermar do vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do mesmo art.o 400.o, com violação do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.o 114.o do mesmo Código.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 170 a 172 dos presentes autos, no sentido de não provimento do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fl. 182 a 183, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre rejeitar o recurso, dada a sua manifesta improcedência, nos termos permitidos pelos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do CPP.
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A arguida ora recorrente ficou pronunciada pelo Juízo de Instrução Criminal pela prática de um crime de emprego do art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, por factos descritos no correspondente despacho de pronúncia, exarado a fls. 400v a 403.
Na contestação então apresentada em nome da arguida ora recorrente a fl. 472, não se invocou quaisquer factos em defesa dessa arguida.
O acórdão ora impugnado pela arguida recorrente ficou proferido a fls. 541 a 547v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
Segundo a fundamentação do acórdão recorrido:
– a 2.a arguida ora recorrente sabia claramente que a 1.a arguida era da nacionalidade filipina e não possuía qualificação para ser contratada para trabalhar na sua casa (cfr. o terceiro parágrafo da matéria de facto provada sob o n.o 1, descrita na página 5 do acórdão recorrido, a fl. 543);
– a 2.a arguida sabia claramente que só os indivíduos possuidores de determinados documentos legais é que poderiam ser contratados para trabalharem na Região Administrativa Especial de Macau, e estabeleceu, na mesma, relação de trabalho com pessoa não possuídora desse tipo de documentos (cfr. a matéria fáctica provada descrita sob o ponto 7, na página 6 do mesmo texto, a fl. 543v);
– a 2.a arguida sabia claramente que a sua conduta não era permitida por lei, e era susceptível de ser punida por lei (cfr. a matéria descrita sob o ponto 8, na mesma página 6 do acórdão recorrido).
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A norma incriminatória do emprego ilegal no art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, pela qual vinha condenada a 2.a arguida ora recorrente, tem a seguinte redacção: <>.
Na sua motivação, a recorrente começou por assacar à decisão condenatória penal dela o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Entrentato, os argumentos concretamente tecidos por ela para sustentar a existência deste vício já não têm nada a ver com este vício (sobre o sentido e alcance próprios deste vício, cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos deste TSI, de 22 de Julho de 2010, do Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018, do Processo n.o 817/2014) (ademais, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de observar que da leitura da fundamentação fáctica do aresto ora recorrido, resulta nítido que o Tribunal recorrido já investigou, sem omissão alguma, todo o tema probando do crime de emprego pelo qual ficava pronunciada a ora recorrente, pelo que não foi possível ao mesmo Tribunal cometer o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), mas sim com a questão de subsunção de factos ao Direito, questão esta que é do foro da matéria de direito.
Daí que é de tratar primeiro da questão, subsidiariamente posta na motivação do recurso, de imputado vício de erro notório na apreciação da prova.
Pois bem, a propósito da temática do julgamento de factos, é sempre útil relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, na parte sindicada pela 2.a arguida recorrente, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador.
Aliás, o Tribunal recorrido já explicou bem convincentemente (nas linhas 6 a 20 da página 9 do texto decisório recorrido, a fl. 545 dos autos) as razões por que não acreditou na versão fáctica da 2.a arguida dita na audiência de julgamento.
Assim, perante toda a matéria fáctica provada em relação à arguida recorrente, fica precludida a tese de absolvição defendida no recurso.
Com efeito, estando já provado em primeira instância, sem qualquer erro notório na apreciação da prova, que a ora recorrente sabia claramente que a 1.a arguida era da nacionalidade filipina e não possuía qualificação para ser contratada para trabalhar na sua casa, e que ela sabia claramente que só os indivíduos possuidores de determinados documentos legais é que poderiam ser contratados para trabalharem na Região Administrativa Especial de Macau, e estabeleceu, na mesma, relação de trabalho com pessoa não possuídora desse tipo de documentos (matéria de facto provada toda essa que equivale ao já conhecimento, por ela, de que a 1.a arguida não possuía o estatuto de trabalhador legal na sua casa), a decisão condenatória penal no ponto concreto ora sob sindicância por ela tem já o suporte fáctico também na parte respeitante ao elemento intelectual do dolo dela na prática do crime de emprego.
Andou bem o Tribunal recorrido em condenar a recorrente no crime de emprego, o que prejudica a tese de aplicabilidade do disposto na alínea 1) do n.o 1 do art.o 32.o da Lei de contratação de trabalhadores não-residentes (Lei n.o 21/2009).
É, pois, de rejeitar mesmo o recurso, dada a sua manifesta improcedência, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, com custas do recurso pela arguida recorrente, com duas UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Comunique esta decisão (com cópia do acórdão recorrido) à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 7 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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