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Processo nº 39/2020 Data: 28.01.2022
(Autos de recurso civil e laboral)

Assuntos : Direito de preferência.
Comproprietários.
(Art. 1308° do C.C.M.).
Herdeiros.
Venda de imóvel.



SUMÁRIO

1. As “razões” da atribuição de um direito – legal – de preferência aos “comproprietários” identificam-se como sendo as seguintes:
- fomentar a propriedade plena, facilitando a exploração mais equilibrada e pacífica dos bens;
- (não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva), diminuir o número dos consortes; e,
- impedir o ingresso, na contitularidade do direito, de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer.

2. Porém, o art. 1308°, n.° 1 do C.C.M. não atribui um direito de preferência aos comproprietários na “venda judicial da coisa por inteiro”, (que tenha lugar na acção de divisão de coisa comum, assim como na venda ou dação em cumprimento da quota de coisa a outro(s) comproprietário(s)).

3. A “comunhão hereditária” não constitui uma “compropriedade” pois que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, sendo, apenas, titulares de um “direito à herança”, (ou seja, uma “universalidade de bens”), podendo estes ficar a pertencer tão só a um (ou uns), ficando, os outros, (restantes), compensados em “tornas”.

4. Aos herdeiros apenas assiste o “direito de preferência” sobre a venda de “quinhão hereditário” por algum interessado na partilha, e não, (como no caso), sobre “imóveis” cuja venda acordaram, (e em relação aos quais, se tivessem interesse, bastava não acordar na venda e aguardar a licitação de bens nos termos do art. 1001° do C.P.C.M.).

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 39/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), B (乙) e C (丙), respectivamente, cabeça de casal e interessados nos Autos de Inventário Facultativo n.° CV1-06-0079-CIV, vem recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28.11.2019, (Proc. n.° 462/2019), que confirmou decisão do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base datada de 09.05.2018, que lhes não reconheceu o direito de preferência que reclamam ter relativamente a duas fracções autónomas que integravam a herança indivisa em partilha nos ditos autos, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“A - Vem o presente recurso interposto da parte do Acórdão proferido nos presentes autos que indeferiu o exercício do direito de preferência aos Recorrentes, Interessados nos autos, na qualidade de viúva e filhos do Inventariado, entendendo os mesmos que o Tribunal a quo não procede a uma correcta interpretação do disposto no art. 1970°, em conjugação com o art. 1300° do Código Civil, bem como do disposto no art. 1308.° do Código Civil, em conjugação com o disposto 951°, n.° 2 do Código de Processo Civil.
B - Contrariamente ao que resulta do Acórdão ora recorrido, o direito de preferência exercido no âmbito do processo de inventário não contraria nenhuma das finalidades pelas quais a lei confere ao comproprietário igual direito.
C - Tal como na compropriedade, os bens pertencentes à herança encontram-se em regime de comunhão, sendo que é o próprio artigo 1300° do Código Civil que também manda aplicar as regras da compropriedade aos demais casos de comunhão, como acontece com o património integrante da herança indivisa.
D - Seguindo a mesma doutrina citada no Acórdão recorrido, todas as finalidades do direito de preferência atribuídas ao comproprietário se justificam, até por maioria de razão, no âmbito do processo de inventário em que, consabidamente, em causa está o património pertencente à família.
E - No Acórdão recorrido diz-se apenas - sem porém fundamentar - que "obviamente não está presente nenhum dos fins justificativos do reconhecimento aos co-titulares de um bem".
F - Dúvidas não existem de que, com os bens em regime de compropriedade, em acto subsequente à venda judicial, pode ser exercido o direito de preferência, nos termos do art. 1308.° do Código Civil, em conjugação com o disposto 951°, n.° 2 do Código de Processo Civil.
G - Ora se é permitido o exercício do direito de preferência no âmbito da compropriedade, por maioria de razão se impõe no processo de inventário, em que está em causa o património da família.
H - Também nesse caso, com o exercício do direito de preferência, pode ser fomentada a propriedade plena (em nome de um único interessado), sabendo que, no caso concreto, o intuito do exercício do direito de preferência é diminuir o número dos consortes, ficando as fracções autónomas objecto dos autos em regime de compropriedade em nome dos 3 preferentes, na proporção das respectivas quotas, não saindo o património da família.
I - Por outro lado, contrariamente ao que resulta do Acórdão recorrido, no caso não há que falar em autoridade de caso julgado em relação ao despacho que ordenou a venda judicial do imóvel, porquanto é sabido que, nos termos do disposto no art. 791° do Código de Processo Civil, o direito de preferência apenas é exercido em acto subsequente à aceitação de alguma proposta.
J - Com todo o respeito, no entender dos Recorrentes, considerando o direito como um todo, os fins que norteiam o direito civil e o direito processual civil, se o exercício do direito de preferência é permitido no âmbito da compropriedade e da acção especial de divisão de coisa comum, pela mesma - e até por maioria - de razão se justifica no processo de inventário facultativo, em que em causa estão interesses dos particulares e a protecção de interesses da família.
K - Estando todos os Interessados de acordo, não há qualquer razão para impedir o exercício do direito de preferência.
L - Nem se diga que em causa está a protecção dos interesses do comprador, porquanto quem quer que seja que apresente propostas no âmbito de venda judicial sabe que, em acto subsequente à venda, pode ser exercido direito de preferência e o direito de remição, nos termos do art. 791° e ss e 806° e ss do Código de Processo Civil.
M - Conforme resulta da acta da diligência de propostas em carta fechada que teve lugar no dia 12.09.2018, na sequência da abertura de propostas, os Recorrentes requereram ao Tribunal para exercer o direito de preferência, facto a que o Interessado E não se opôs, concordando, portanto, que os dois imóveis em causa nos presentes autos - verbas 11 e 12 do activo - fossem atribuídos aos Recorrentes.
N - Nesse sentido, estando todos os herdeiros de acordo e não prejudicando a decisão de preferência os interesses de quem quer que seja, não percebem os Recorrentes a razão por que o Tribunal a quo lhes negou tal direito - o exercício do direito de preferência (nesse sentido vide art. 235.°, n.° 2 do C.P.C. (Liberdade de desistência do pedido, confissão e transacção))
O - Contrariamente ao que resulta do Acórdão recorrido, não se trata de qualquer arrependimento por parte dos Recorrentes, mas antes do exercício do direito de preferência, nos termos legais em que é permitido.
P - Com efeito, se em acto subsequente à abertura de propostas em carta fechada, os herdeiros - no caso, a viúva e dois filhos do Inventariado, ora Recorrentes - chegaram à conclusão que conseguiam cobrir o preço da proposta mais alta apresentada para aquisição dos dois imóveis em apreço nos autos - se o outro herdeiro e também interessado nos autos não se opõe ao exercício do direito de preferência, não há razão para não ser permitido aos Recorrentes o exercício do direito de preferência que legalmente lhes assiste.
Q - Tal solução impõe-se também por razões de ordem moral e imperativo de justiça, pois além dos laços afectivos aos imóveis que constituem o património da família, são também os Recorrentes que cuidam dos imóveis e, nesse sentido, têm feito face a todas as despesas inerentes e devidas pela existência dos imóveis, como pagamentos de impostos, despesas de condomínio, entre outros.
R - Não é justo que, nestas circunstâncias, os dois imóveis que constituem o maior activo da herança deixem de pertencer à família.
S - Em causa estão os dois imóveis que compõem as verbas do activo e que, indubitavelmente, constituem as quotas de maior valor da herança.
T - Os Recorrentes exerceram, de facto, o direito de preferência que lhes assiste relativamente a uma quota parte ideal da herança, porquanto, o direito de preferência foi exercido antes do despacho de adjudicação das verbas em causa, permanecendo a herança indivisa.
U - Pelo que, salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido interpretou indevidamente o regime legal do exercício do direito de preferência - art. 1970.° do Código Civil, em conjugação em conjugação com o art. 1300° do Código Civil, bem como do disposto no art. 1308.° do Código Civil, em conjugação com o disposto 951°, n.° 2 do Código de Processo Civil, artigos que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de reconhecer que aos Recorrentes assiste o direito de preferência, em acordo com o outro Interessado e também herdeiro do Inventariado (nesse sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 08A1340 de 27.05.2008),
V - Pelas razões expostas, uma vez que o direito de preferência foi exercido em acto subsequente à abertura de propostas em carta fechada em que a herança permanecia indivisa e que os Recorrentes pretenderam e pretendem exercer conjuntamente o direito de preferência para aquisição dos imóveis na exacta proporção dos seus quinhões hereditários, concordando o outro herdeiro e interessado com a adjudicação dos imóveis - verbas 11 e 12 do activo - não se verifica nenhum obstáculo legal ao exercício do direito de preferência por parte dos Recorrentes.
W - Devendo, assim, ser revogado o Acórdão recorrido, de forma a permitir aos Recorrentes o exercício do direito de preferência que legalmente lhes assiste”;
(cfr., fls. 162 a 182 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Em causa está – apenas – saber se aos ora recorrentes (A, B e C) assiste o (pelos mesmos) invocado “direito de preferência” sobre 2 imóveis (identificados nos autos) que em conferência de interessados realizada no âmbito do inventário facultativo por falecimento de D, ou D1, (丁), acordaram vender; (cfr., fls. 58 a 59).

Apreciando e pronunciando-se sobre a assim identificada questão, considerou o Tribunal de Segunda Instância que negativa devia ser a resposta, ponderando, essencialmente, no seguinte:

“(…)
Pretenderam o cabeça-de-casal A e os interessados B e C exercer o direito de preferência a que se refere o artº 1970º do CC.
Pretensão essa que foi indeferida pelo Tribunal a quo por ter entendido que não tinham direito de preferência.
Vieram agora acusar o Tribunal a quo de ter violado o disposto no artº 1970º do CC e os princípios da iniciativa das partes e do dispositivo, previstos no artº 3º e 5º do CPC, e de não ter permitido as partes a alcançar acordo em qualquer altura do processo.
Ora, reza o artº 1970º do CC que quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.
É verdade que a lei confere aos co-herdeiros o direito de preferência nos termos idênticos aos do direito reconhecido aos comproprietários, quando está em causa a venda de um quinhão hereditário.
Ao invocarem o exercício do direito de preferência com fundamento no disposto nesse artº 1970º, os recorrentes equivocam-se com a venda de uma quota-parte de um bem e a venda da totalidade do bem.
Uma coisa é a venda de uma quota-parte de um bem, outra é a venda da totalidade do bem.
Conforme se vê na acta de conferência de interessados realizada em 09MAIO2018, a venda judicial, acordada por todos os interessados perante o Tribunal a quo tem por objecto as duas fracções autónomas por inteiro, e não uma mera quota-parte das mesmas fracções autónomas.
Ora, o artº 1970º do CC só confere o direito de preferência na aquisição de um quinhão hereditário dos co-herdeiros ou uma quota-parte de um bem integrado na herança indivisa, e não na aquisição da totalidade de um determinado bem integrado na mesma herança.
É verdade que, no que diz respeito ao direito de preferência, o citado artº 1970º do CC faz equiparar os co-herdeiros aos comproprietários.
Então urge apurar qual é a mens legislatoris subjacente ao direito de preferência reconhecido aos comproprietários.
Segundo o douto ensinamento dos Mestres Pires de Lima e Antunes Varela, o direito de preferência legalmente conferido ao comproprietário de um bem na aquisição das restantes quotas-partes do bem, se justifica pelos fins de:
a) Fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens;
b) Não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; e
c) Impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoa com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer. – vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, III, p. 367.
In casu, estamos no âmbito do inventário para a partilha de uma herança indivisa, em que na conferência de interessados, não houve acordo sobre a forma para partilhar entre os herdeiros as duas fracções autónomas integradas na herança (ou houve implicitamente acordo na partilha dos produtos pecuniários obtidos com a venda das mesmas fracções autónomas).
Foi consequentemente ordenada a venda judicial da totalidade de ambas as fracções autónomas, nos termos prescritos do disposto no artº 990º/1-c) do CPC.
Obviamente não está presente nenhum dos fins justificativos do reconhecimento aos co-titulares de um bem.
Portanto, bem andou o Tribunal a quo, ao indeferir como indeferiu, nos termos do despacho ora integralmente transcrito supra, a pretensão do exercício do direito de preferência por parte do cabeça-de-casal e dos dois dos interessados, na aquisição de ambas as fracções autónomas postas na venda judicial, já depois de abertas as propostas e apurados os preços mais elevados oferecidos, mediante o pagamento destes preços mais elevados oferecidos pelo proponente vencedor.
Inexistindo o direito de preferência, improcede esta parte do recurso.
Finalmente quanto ao não respeito, imputado ao Tribunal a quo, pelos princípios da iniciativa das partes e do dispositivo, previstos no artº 3º e 5º do CPC, de não ter permitido as partes a alcançar acordo em qualquer altura do processo, entendemos que também não têm razão os recorrentes.
A propósito dos assuntos a submeter na conferência de interessados no âmbito de um inventário para a partilha de uma herança indivisa, o artº 990º do CPC reza que:
1. Na conferência podem os interessados acordar, por unanimidade, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:
a) Designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada interessado e os valores por que devem ser adjudicados;
b) Indicando as verbas ou lotes e respectivos valores para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelo interessados;
c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.
2. Nos inventários obrigatórios o acordo carece de aprovação do conselho de família ou, se este não dever intervir, da concordância do Ministério Público.
3. A composição dos quinhões, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1, pode ser precedida de arbitramento, requerido pelos interessados ou oficiosamente determinado pelo juiz, destinado a possibilitar a repartição equitativa dos bens pelos vários interessados.
4. À conferência compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.
5. Na falta do acordo previsto nos n.os 1 e 2, incumbe ainda à conferência deliberar sobre:
a) As reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados;
b) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.
6. A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias contidas no número anterior, vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido devidamente notificados.
Nos termos da al. c) do nº 1 um dos assuntos possíveis tratados na conferência de interessados é obter o acordo quanto à venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.
Pela lógica das coisas, os interessados só acordam com a venda do bem se nenhum deles quiser ficar com o bem e simplesmente todos quiserem partilhar o produto pecuniário resultante da venda do bem.
Ao acordarem a venda judicial, não podem deixar de estar bem cientes da possibilidade ou da certeza de o bem ser transmitido a terceiro, consoante a participação ou não participação dos interessados na apresentação da proposta com vista à aquisição do bem na venda judicial.
No caso sub judice, na conferência de interessados realizada em 09MAIO2018, acordaram todos os interessados a venda judicial das duas fracções autónomas integradas na herança.
Foi justamente com base nesse acordo ordenada a venda judicial da totalidade de ambas as fracções autónomas, nos termos prescritos do disposto no artº 990º/1-c) do CPC.
Assim, se o assunto tiver sido decidido mediante acordo dos interessados, não se vê em que termos a iniciativa e a autonomia das partes na composição dos seus interesses possam ter sido desrespeitadas!
Por outro lado, transitado o despacho que ordenou a venda judicial, já não há lugar ao “arrependimento” por parte dos interessados.
De outra maneira, seria uma manifesta tentativa de atropelar a certeza e a segurança jurídica tuteladas pelo caso julgado formal e uma ridícula legitimação duma brincadeira consistente na instrumentalização dos eventuais proponentes apenas para fixar o preço a pagar pelo interessado arrependido para aquisição do bem, já colocado à venda judicial solenemente ordenada e processada!
(…)”; (cfr., fls. 140-v a 143).

Quid iuris?

Sem perder de vista o que pelos recorrentes vem alegado, (e reflectindo, igualmente, sobre os “motivos da decisão” pelo Tribunal de Segunda Instância proferida e agora recorrida), vejamos que solução adoptar.

Pois bem, (como já se deixou consignado) alegam os ora recorrentes que lhes assiste um “direito de preferência” sobre os referidos 2 imóveis.

Ora, como (é sabido e neste mesmo sentido) tivemos oportunidade de consignar no nosso Acórdão de 05.06.2020, Proc. n.° 138/2019:

“Os “direitos de preferência” podem ser “convencionais” – como os chamados “pactos de preferência”, (cfr., art. 408° do C.C.M.) – ou “legais”, (cfr., art°s 1308°, 1446° e 1970° do mesmo código), consoante tenham origem num acordo de vontade ou na lei”.

No caso dos autos, e em síntese que se nos mostra adequada, afirmam os ora recorrentes que “o Tribunal a quo não procede a uma correcta interpretação do disposto no art. 1970°, em conjugação com o art. 1300° do Código Civil, bem como do disposto no art. 1308.° do Código Civil, em conjugação com o disposto 951°, n.° 2 do Código de Processo Civil”; (cfr., concl. A).

Há assim que começar por atentar no estatuído nos referidos comandos legais.

Ora, nos termos do art. 1970° do C.C.M.:

“1. Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.
2. O prazo, porém, para o exercício do direito é de 2 meses a contar da comunicação para a preferência”.

Preceitua também o pelos ora recorrentes invocado art. 1300° do mesmo código que:

“As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”.

E, nos termos do igualmente invocado art. 1308° do mesmo C.C.M.:

“1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.
2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos artigos 410.º a 412.º
3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas”.

Por sua vez, em sede dos “processos especiais”, e relativamente à “divisão de coisa comum”, estatui o art. 951° do C.P.C.M. que:

“1. A conferência de interessados destina-se a:
a) Adjudicar os quinhões fixados pelos peritos aos interessados, nos casos em que a coisa comum seja divisível em substância;
b) Adjudicar a coisa comum a algum ou alguns dos interessados, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes, nos casos em que a coisa só seja divisível em valor.
2. Na falta de acordo entre os interessados presentes, é a adjudicação feita por sorteio, no caso da alínea a) do número anterior; no caso da alínea b), é a coisa comum vendida, podendo os comproprietários concorrer à venda.
3. Ao preenchimento das quotas em dinheiro aplica-se o disposto no artigo 1016.º, com as necessárias adaptações.
4. Se houver interessados incapazes, ausentes ou impossibilitados, o acordo tem de ser autorizado judicialmente, ouvido o Ministério Público.
5. É aplicável à representação e comparência dos interessados o disposto no artigo 989.º, com as necessárias adaptações”.

Aqui chegados, ponderando no sucedido em sede dos presentes autos, (ou seja, cabendo salientar, que em conferência de interessados os ora recorrentes “acordaram vendar os ditos imóveis por meio de propostas em carta fechada”; cfr., fls. 58 e 59), e tendo presente – a letra e ratio – do prescrito nos transcritos preceitos legais, cremos que (totalmente) acertada é a decisão ínsita no Acórdão recorrido que se limitou a efectuar uma boa e correcta aplicação do direito à dita “situação” relevante, nenhuma censura merecendo.

Com efeito, e como sobre o “direito legal de preferência” – que é o que em causa está – e em relação a idêntico preceito ao do nosso art. 1308° do C.C.M. já se teve oportunidade de escrever:

“(…)
O direito legal de preferência – a que também se chama de preempção, de prelação, tanteio ou opção – é hoje qualificado sem discrepância pela doutrina como um direito real de aquisição.
Os direitos legais de preferência «conferem ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições ("tanto por tanto"), ele se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação».
As suas raízes encontram-se no direito de avoenga e no direito de opção. O primeiro conferia aos parentes de vendedores de bens de raiz, herdados de tronco comum, a possibilidade de realizar a aquisição, pagando um «justo preço». O segundo visava não a concentração da propriedade – e daí a animosidade contra o primeiro, por isso e pela condição do «justo preço» –, mas a consolidação da propriedade dividida, aspecto sempre importante quer na propriedade urbana quer principalmente na propriedade rústica. (…)”; (cfr., Parecer da P.G.R. n.° 40/95, de 26-10-95: DR, II, de 22.02.1996, pág. 2608).

Nesta conformidade, (como igualmente se referiu no Acórdão recorrido), e, seja-nos permitida a expressão, totalmente certeira é a consideração por P. Lima e A. Varela tecida sobre as “razões” da atribuição de um direito – legal – de preferência aos “comproprietários”, e que identificam como sendo as seguintes:
a) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens;
b) não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número dos consortes; e,
c) impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer; (in “C.C. Anotado”, 2ª ed., Vol. III, pág. 367).

Aliás, em tratamento do tema, também já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de consignar que:

“O artigo 1308.º, n.º 1, do Código Civil, não concede direito de preferência aos comproprietários na venda judicial da coisa, por inteiro, que tenha lugar na acção de divisão de coisa comum”; e que, “O artigo 1308.º, n.º 1, do Código Civil, não concede direito de preferência aos comproprietários na venda ou dação em cumprimento da quota de coisa a outro(s) comproprietário(s)”; (cfr., v.g., o Ac. de 09.05.2012, Proc. n.° 14/2012, onde é feita referência a relevante doutrina e jurisprudência sobre a matéria, podendo-se, também, ver o Ac. de 11.07.2018, Proc. n.° 12/2018, onde, em “situação idêntica” à ora em questão nos presentes autos se decidiu que “No caso de venda judicial de todo o imóvel pertencente ao bem comum do casal, realizada no inventário para partilha dos bens do casal, não goza o ex-cônjuge o direito de preferência na compra de tal imóvel”).

Em face do exposto, pouco mais se mostra de acrescentar para se demonstrar do porque da solução que atrás se deixou adiantada.

Na verdade, e para além de se dever considerar a atitude processual pelos recorrentes assumida em total e frontal oposição ao que declararam na referida conferência de interessados – onde, inclusivé, declararam “não estar interessados na partilha dos imóveis”, acordando na sua venda e distribuição do produto da venda; cfr., art. 990°, n.° 1, al. c) do C.P.C.M. – imperativo é de se consignar que não lhes assiste razão.

Com efeito, não se pode olvidar que a “comunhão hereditária” não constitui uma “compropriedade”, pois os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, sendo, apenas, titulares de um “direito à herança”, (ou seja, uma “universalidade de bens”), podendo estes ficar a pertencer tão só a um (ou uns), ficando, os outros, (restantes), compensados em “tornas”.

Importa pois atentar que a “compropriedade” pressupõe um “direito de propriedade comum” sobre uma coisa (ou bem concreto e individualizado), e não, como na “herança”, sobre uma “universalidade de bens”, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará.

Por sua vez, mostra-se também oportuno aqui transcrever o que a respeito da mesma questão consideram João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso (in “Partilhas Judiciais”, Vol. II, 5ª ed., Almedina, pág. 157 e segs.):

“I. Importa neste parágrafo estudar o especial direito legal de preferência dimanante da alienação do quinhão hereditário, consagrado no art. 2130° CCiv., um dos muitos direitos legais de preferência que a nossa lei contempla.
E, note-se bem, dizemos da alienação de quinhão hereditário e não de alienação de bens compreendidos em herança indivisa, porque, é sabido, a de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição de coisa alheia (CCiv., analogicamente, art. 1408°-2 ex vi art. 892°) e, assim, ineficaz em relação aos demais co-herdeiros (res inter alios acta).
II. Na vigência da lei substantiva de 1867 houve quem exceptuasse da preferência a dação em cumprimento, critério, porém, que o art. 2130°-1 do que o substituiu repudiou ao reportar-se expressa e exclusivamente àquelas duas formas de alienação.
A outorga do direito de preferência restringe-se, pois, à alienação de quinhão em herança indivisa, mas não a toda e qualquer forma de alienação, antes tão-somente à venda ou dação em cumprimento desse quinhão.
(…)”.

Nesta conformidade, como resulta das disposições legais citadas, (e do que ensina Lopes Cardoso), aos herdeiros apenas assiste o “direito de preferência” sobre a venda de “quinhão hereditário” por algum interessado na partilha, e não, como no caso, sobre “imóveis” cuja venda acordaram, e em relação aos quais, se tivessem interesse bastava não acordar na venda e aguardar a licitação de bens nos termos do art. 1001° do C.P.C.M..

Decisão

3. Em face do expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Janeiro de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 39/2020 Pág. 10

Proc. 39/2020 Pág. 11