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Processo nº 40/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)

Data do Acórdão: 31 de Março de 2022

ASSUNTO:
- Reclamação necessária
- Extemporaneidade
- Recurso contencioso

SUMÁRIO:
- Pronunciando-se a entidade recorrida pelo indeferimento da reclamação necessária por ser extemporânea, o recurso contencioso interposto dessa decisão apenas pode versar sobre a extemporaneidade fundamento da decisão;
- Interposto recurso contencioso da decisão de rejeição da reclamação necessária por ser extemporânea, invocando-se vícios de violação de lei da decisão de que se reclamou sem atacar a decisão da extemporaneidade, o recurso apenas pode claudicar uma vez que já não é possível sindicar a decisão inicial e objecto da reclamação.

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Rui Pereira Ribeiro


Processo nº 40/2022
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Fiscal)

Data: 31 de Março de 2022
Recorrente: Consultadoria de Engenharia Civil XXX Limitada
Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
  
I. RELATÓRIO

  Consultadoria de Engenharia Civil XXX Limitada, com os demais sinais dos autos,
  veio interpor recurso contencioso da Deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos de 10 de Setembro de 2020 que indeferiu a reclamação da ora Recorrente contra a fixação do rendimento colectável do ano de 2016, contra
  Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças.
  Foi proferida sentença na qual foi julgado improcedente o recurso contencioso e mantido o acto recorrido.
  Não se conformando com a sentença proferida veio a Recorrente interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal Administrativo entendeu que a deliberação tomada pela Entidade Recorrida em 10 de Setembro de 2020 é apenas uma decisão que “rejeitou o recurso hierárquico”.
2. Assim sendo, o Tribunal Administrativo entendeu que a referida decisão administrativa é irrecorrível, pelo que, entendeu que todos os fundamentos do presente recurso contencioso são improcedentes.
3. A Recorrente entende que a deliberação tomada pela Entidade Recorrida é uma decisão administrativa final sobre a reclamação da Recorrente que foi proferida pelo órgão competente para dela conhecer.
4. A Recorrente entende que a Entidade Recorrida não rejeitou a reclamação.
5. A Entidade Recorrida já proferiu decisão administrativa final sobre a reclamação apresentada pela Recorrente: “Nestes termos, mantém o rendimento colectável já fixado em MOP$2.591.677,00”.
6. Mais ainda, na deliberação, a Entidade Recorrida referiu à Recorrente “Notifica-se que da deliberação da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso de anulação”.
7. Pelo que, da referida decisão administrativa pode interpor recurso contencioso.
  Admitido o recurso foi a entidade Recorrida notificada para os termos do mesmo, tendo silenciado.
  
  Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  Consultadoria de Engenharia Civil XXX Limitada, sociedade comercial melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (doravante, Comissão de Revisão), datada de 10 de Setembro de 2020 que decidiu que a reclamação apresentada pela Recorrente da fixação do rendimento colectável em imposto complementar respeitante ao ano de 2016 foi apresentada fora prazo e, por isso, sobre a mesma não se pronunciou.
  Por douta sentença que se encontra a fls. 51 a 55 dos presentes autos foi o recurso contencioso julgado.
  Inconformada com a dita sentença, veio a Recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional, pugnando pela respectiva revogação e pedindo o consequente reenvio do processo ao Tribunal Administrativo.
  A Comissão de Revisão não apresentou contra-alegações de recurso.
  2.
  Parece-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa e por isso não poderá o presente recurso deixar de claudicar.
  As razões deste nosso modesto entendimento, que coincidem com aquelas que serviram de fundamento à decisão a quo, enunciam-se em termos breves.
  (i)
  A Recorrente foi notificada do acto de fixação de rendimento colectável em sede de imposto complementar de rendimentos respeitante ao ano de 2016 no montante de 2591002,00 patacas.
  Na sequência dessa notificação, apresentou reclamação do referido acto de fixação, tendo a Comissão de Revisão deliberado, no dia 10 de Setembro de 2020, não se pronunciar sobre tal reclamação por considerar que a mesma não foi apresentada no prazo legal.
  Esta deliberação constituiu objecto do recurso contencioso
  Na petição inicial desse recurso, a Recorrente limitou-se a invocar os vícios de falta de fundamentação do acto recorrido e de erro nos pressupostos de facto, sem que tenha questionado a decisão administrativa que impugnou no que tange à questão da tempestividade da reclamação, uma vez que, quanto ela, não invocou qualquer invalidade
  Todavia, estamos em crer que a Recorrente fez assentar a sua pretensão impugnatória num pressuposto errado, qual seja o de que a Comissão de Revisão se pronunciou sobre a reclamação do acto de fixação do rendimento colectável por si apresentada quando, na verdade, tal não ocorreu.
  (ii)
  É certo que a Comissão de Revisão, na sua deliberação, de modo equívoco, concluiu pela manutenção do rendimento colectável fixado. No entanto, daí não se pode extrair que essa manutenção seja o resultado de um juízo substantivo ou de mérito, vamos dizer assim, sobre a reclamação apresentada pela Recorrente. Pelo contrário, aliás. O texto da deliberação da Comissão de Revisão não pode deixar de ser interpretado no sentido de que a mesma se não pronunciou sobre a reclamação do Recorrente em virtude da existência de um obstáculo a tal pronúncia, no caso a respectiva intempestividade. E embora saibamos bem que a interpretação do acto administrativo não se esgota no seu teor literal e que outros elementos devem ser considerados, a verdade é que, em concreto, não vemos que outro sentido se pode hermenêuticamente extrair da decisão administrativa impugnada contenciosamente que não seja aquele referimos.
  Deste modo, parece-nos evidente que, pretendendo a Recorrente obter a anulação da fixação da matéria colectável e estando o respectivo acto sujeito a reclamação necessária perante a Comissão de Revisão, de tal modo que só o acto desta é que é contenciosamente recorrível, estava a mesma obrigada, num primeiro momento, a obter a anulação do acto da dita Comissão que considerou intempestiva a reclamação apresentada e se absteve, com esse fundamento, de sobre a mesma se pronunciar, invocando as ilegalidades que, em seu entender, pudessem justificar tal anulação.
  Assim, tendo a Recorrente atacado o acto recorrido como se o mesmo tivesse conhecido do mérito reclamação que apresentou e a tivesse indeferido e, portanto, nesse equivocado pressuposto, não tendo invocado qualquer vício relevante, vis-à-vis aquilo que é o conteúdo decisório do acto e a respectiva fundamentação, é para nós claro que, como bem decidiu a sentença recorrida, o recurso contencioso não podia deixar de improceder.
  Sem dúvida que, como alega a Recorrente no recurso jurisdicional, a deliberação da Comissão de Revisão é um acto administrativo recorrível (cfr. as conclusões 3 e 7 das doutas alegações de recurso).
  Não é isso, no entanto o que está em causa. Como acima dissemos, a única decisão juridicamente conformadora contida nesse acto é a de abstenção quanto ao conhecimento da reclamação apresentada pela Recorrente em virtude da respectiva intempestividade e só nessa medida poderia o mesmo constituir objecto de recurso contencioso. A manutenção do rendimento colectável fixado que se refere na deliberação da Comissão de Revisão não consubstancia, em rigor, qualquer decisão em sentido técnico-jurídico, mas é apenas a verbalização contextual da consequência prática da verdadeira e única decisão tomada, a de não apreciação da reclamação, pelo que é errada, em nosso modesto entendimento, a conclusão 5 das doutas alegações do recurso.
  Demonstra-se, pois, estamos modestamente em crer e sem necessidade de maiores considerações, a nossa asserção inicial quanto ao acerto da douta sentença recorrida e à correspectiva falta de fundamento da impugnação que contra ela foi deduzida pela Recorrente.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida.».
  
  Foram colhidos os vistos legais.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

  Da sentença recorrida e dos elementos constantes dos autos, apurou-se a seguinte factualidade:
➢ Em 11 de Junho de 2020, o Director dos Serviços de Finanças emitiu a Notificação de Fixação de Rendimento do Imposto Complementar de Rendimentos M/5, notificando a Recorrente de que o rendimento colectável do Grupo A do Imposto Complementar de Rendimentos do ano de 2016 foi fixado em MOP$2.591.677,00, do qual resultou um imposto total de MOP$239.002,00 (cfr. fls. 16 do P.A.).
➢ Em 18 de Agosto de 2020, a Recorrente reclamou da decisão da fixação de rendimento acima referida para o Departamento de Auditoria, Inspecção e Justiça Tributária da Direcção dos Serviços de Finanças (cfr. fls. 26 a 27 do P.A.).
➢ Quanto à reclamação da Recorrente, a Entidade Recorrida deliberou, em 10 de Setembro de 2020, os seguintes:
“Analisando a reclamação apresentada pela dita contribuinte, a Comissão de Revisão deliberou não se pronunciar sobre a reclamação por a mesma não ter sido apresentada no prazo legal de 20 dias (em conjugação com o artigo 2.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 16/84/M, de 24 de Março e nos termos dos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto). Conforme consta dos elementos, a data de correio da Notificação de Fixação de Rendimento M/5 enviada pela Administração Fiscal à contribuinte foi no dia 1 de Julho de 2020 enquanto a data da apresentação da reclamação relativamente ao referido ano a estes Serviços foi no dia 18 de Agosto de 2020.
Nestes termos mantém o rendimento colectável já fixado em MOP$2.591.677,00.
Ao abrigo do artigo 68.º e s.s. do C.P.A., notifica-se que da deliberação da Comissão de Revisão cabe recurso contencioso de anulação – artigo 80.º n.º 2 do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
O recurso contencioso acima referido é interposto para o Tribunal Administrativo da Região Administrativa Especial de Macau – artigo 82.º do mesmo diploma legal.
O prazo para a interposição de recurso é de 45 dias a contar da data da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto.
Da presente deliberação ainda pode deduzir reclamação para a Comissão de Revisão nos termos do artigo 76.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, e ao abrigo do artigo 77.º do mesmo Regulamento, o prazo de reclamação é de 15 dias.” (cfr. fls. 23v do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
➢ Em 11 de Janeiro de 2021, da aludida decisão o mandatário judicial da Recorrente interpôs para este Tribunal o presente recurso contencioso em matéria fiscal.

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor a decisão recorrida:
  «Do texto da aludida deliberação ora recorrida resulta expressamente que a Entidade Recorrida não se pronunciou sobre os fundamentos da reclamação por a contribuinte ter apresentado a reclamação extemporaneamente e, em consequência, manteve o rendimento colectável já fixado constante da Notificação de Fixação de Rendimento do Imposto Complementar de Rendimentos M/5.
  Pode-se referir que, em rigor, as expressões contidas no acto recorrido não são logicamente consistentes e provocam inevitavelmente impugnação, pois, em sentido jurídico, a decisão que mantém ou confirma o acto objecto do recurso hierárquico deve ser tomada sob o pressuposto de que o órgão competente conheceu materialmente do recurso hierárquico (cfr. artigo 161.º n.º 1 do C.P.A.) e só o “acto que decida impugnação necessária” é, em sentido geral, susceptível de impugnação por recurso contencioso, isto é, acto administrativo verticalmente definitivo de segundo grau ou acto confirmativo (cfr. artigo 31.º n.º 2 do C.P.A.C.).
  Porém, caso haja qualquer circunstância que pode obstar ao conhecimento do recurso hierárquico, a Administração não pode apreciar quaisquer fundamentos do recurso hierárquico nem pode decidir a matéria impugnada nos termos do artigo 161.º n.º 1 do C.P.A. – mas sim apenas “rejeita o recurso hierárquico” (cfr. artigo 160.º do C.P.A.) e só isso.
  Assim sendo, obviamente, em qualquer recurso hierárquico, a Administração não pode por um lado invocar circunstância de excepção que obste ao conhecimento do recurso hierárquico e por outro lado decide a pretensão invocada no recurso hierárquico, mantendo expressamente o referido acto, isto não é adequado, pois, como já vimos, provocou mal-entendido à Recorrente, fazendo com que a Recorrente não pudesse interpretar com exactidão o sentido do acto que pretende impugnar.
  Porém, por outra banda, perante o acto administrativo que aparentemente existem interpretações diferentes, a própria Recorrente devia ter certa capacidade para o interpretar: Já que a Entidade Recorrida manifestou expressamente “não se pronunciar sobre isso” por a reclamação ter sido apresentada extemporaneamente, devia logicamente excluir que a Entidade Recorrida continuasse a conhecer dos fundamentos da reclamação, com a consequente possibilidade de manter o referido acto de fixação. Pelo que, o acto recorrido é, na realidade, um acto de rejeição da reclamação previsto no artigo 161.º n.º 1 do C.P.A. e a expressão contida na sua conclusão – mantém o rendimento colectável já fixado em MOP$2.591.677,00 – deve ser concretamente interpretada: dado que a reclamação foi rejeitada e não há impugnação do referido acto de fixação, o efeito de tal acto mantém-se necessariamente. De facto, podemos determinar o “sentido que deve ter” o referido acto sem necessidade de maiores explicações.
  Desde que entenda correctamente o sentido do acto recorrido, a Recorrente não perde o direito de acesso tempestivo à justiça – a Recorrente poderia arguir o fundamento com base no qual se provou a extemporaneidade da reclamação, pedindo a anulação do acto de rejeição da reclamação com fundamento na violação da lei, de forma a obrigar a Entidade Recorrida a conhecer concretamente do fundamento por si invocado, e por fim, da eventual decisão desfavorável a Recorrente poderia ainda interpor recurso contencioso de anulação.
  Porém, agora, como já vimos, in casu, a Recorrente não impugnou a questão da extemporaneidade da reclamação, focando o seu recurso contencioso a parte que a Administração não apreciou nem sobre a qual se pronunciou (quer expressa quer tacitamente) em sede de processo administrativo. Assim sendo, é difícil para o tribunal substituir o órgão administrativo competente para conhecer da reclamação em decidir directamente a referida invocação.».
  
  Concordamos integralmente com os fundamentos da decisão recorrida aos quais aderimos sem reserva - que por sua vez são também os mesmos que constam do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público -, para os quais se remete, impondo-se decidir em conformidade, negando provimento ao recurso.
   
III. DECISÃO

  Termos em que pelos fundamentos se nega provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 31 de Março de 2022

  (Relator)
  Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
  
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Lai Kin Hong
  
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  Fong Man Chong
  
  
  Mai Man Ieng

40/2022 FISCAL 40