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Processo nº 121/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção ordinária – CV2-17-0028-CAO – contra, “D”, (“丁”), e “E”, (“戊”), (1ª e 2ª) RR., pedindo a sua condenação solidária no pagamento a seu favor de HKD$1.000.000,00 (MOP$1.030.000,00) e juros legais; (cfr., fls. 2 a 7 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por sentença de 04.04.2019, foi a acção julgada improcedente; (cfr., fls. 210 a 212-v).

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Do assim decidido, a A., (A) recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 16.01.2020, (Proc. n.° 997/2019), alterando a decisão da matéria de facto e invertendo a decisão de absolvição pelo Tribunal Judicial de Base proferida, concedeu provimento ao recurso, condenando (solidariamente) as ditas (1ª e 2ª) RR. (“D” e “E”) no pedido deduzido; (cfr., fls. 295 a 308-v).

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Vem agora as referidas (1ª e 2ª) RR. recorrer.

Nas suas alegações, produz a (1ª) R. “D” as conclusões seguintes:

“1) O acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, e do qual se recorre concedeu provimento ao recurso interposto pela ora Recorrida, revogando a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, decisão que a ora Recorrente não se conforma.
2) O Tribunal a quo entendeu ter havido erro na apreciação de prova, julgando provados os quesitos relativos aos três alegados depósitos realizados pela Recorrida junto da Recorrente.
3) A Autora, ora Recorrida, fez valer a sua pretensão junto dos autos através três talões de depósito, melhor dizendo, um duplicado de um recibo, fls. 54 e duas fotocópias de recibos, fls. 55 a 56.
4) Ora, se o Tribunal de Primeira Instância entendeu que não era crível que a Autora não apresentasse documentos originais para exigir o ressarcimento da quantia demandada nos autos, já o Tribunal a quo entendeu que tais documentos conjugados com as informações constantes de fls. 151 a 152 (certidão do processo de inquérito), demonstravam a existência desses depósitos.
5) Dizendo também o douto acórdão recorrido que a ora Recorrente não apresentou contra-prova ou provas contrárias para contrariar esse depósito.
6) Curiosamente, o acórdão recorrido refere que os dados, os constantes a fls. 151 a 152 "merecem credibilidade", dados esses que demonstram os depósitos alegadamente realizados pela Recorrida, bem como os levantamentos das quantias tituladas por esses depósitos.
7) Aliás, o próprio acórdão decide pela credibilidade mas decide em sentido inverso quando refere "aceitando-se a veracidade desses documentos, como estes demonstram que a Recorrente chegou efectivamente a depositar e levantar fichas junto das 1.ª e 2.ª Rés nos períodos a que se referem esses mesmos documentos, conforme a certidão passada pelo MP…", isto porque, só aceita parte da informação que lá consta, ou seja, os depósitos, mas não os levantamentos.
8) Com o devido respeito, o acórdão recorrido, não respeitou as regras da experiência, dos juízos correntes de probabilidade, dos princípios de lógica corrente e dos dados da intuição humana.
9) Há uma clara e notória inversão das regras da experiência, ao entender que, se pode aceitar documentos que não são os originais, para sustentar o seu depósito, mas já não se pode aceitar os documentos que suportam que tais alegados depósitos foram levantados, cfr. fls. 151 a 152.
10) Há que aproveitar a parte que não é favorável à Recorrida, neste caso, a parte dos levantamentos, isto se se conceder que tais depósitos efectivamente aconteceram.
11) Não se podendo, pois, aproveitar só o que de bom encerra o documento, sob pena de o tribunal inverter as regras da lógica, assim como o disposto no n.° 5 do artigo 437.° do Código de Processo Civil.
12) Relativamente à aplicação do artigo 370.° do Código Civil, socorrendo-nos de jurisprudência dos tribunais portugueses, em matéria congénere, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt. cujo sumário indica; "A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor.
Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mos, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa.
Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos".
13) Ora, não há lugar à prova plena conforme o tribunal a quo entende, ou seja, o facto de lá estar o timbre da Recorrente, alegadas assinaturas, em nada pode provar que os depósitos foram efectivamente realizados.
14) E, mesmo, indo contra as regras da experiência, e a aceitar que os referidos depósitos existiram, não nos podemos olvidar que existe prova no sentido do levantamento de tais quantias.
15) Pelo que, o douto acórdão recorrido deverá ser revogado, por padecer do vício de inversão das regras de experiência e lógica, e violação do disposto nos artigos 370.°, n.° 2 do Código Civil e 437.°, n.° 5 do Código de Processo Civil, devendo ser mantida na íntegra a decisão do tribunal de Primeira Instância.
16) À cautela e prescindir, estando em crise uma relação de depósito, titulada pelos alegados talões de depósito e regulada nos termos do artigo 1111.° do Código Civil e sss., tal relação gera na esfera do depositário uma obrigação de restituição ao depositante.
17) Entende agora o douto acórdão do qual recorremos, que houve uma entrega por parte da Recorrida à Recorrente, dizendo "ficou provado que a Autora depositou na sua conta a quanta no total de HKD$1,000,000.00 (um milhão de HK dólares). Portanto, é de reconhecer este crédito reclamado pela Autora."
18) Por meio de certidão do processo de inquérito com o n.° 10653/2015 junta ao processo pela Recorrida, já extensamente mencionada, a fls. 151 e 152, consta o extracto dos movimentos da conta em nome da Recorrida, com o n.° XXXXXXXX, em que se pode verificar o depósito das quantias peticionadas, assim como, o levantamento das mesmas.
19) A admitir a relação de depósito que se funda em talões de depósito, e, estando esses depósitos documentados num registo informático interno da ora Recorrente, inversamente, há também que aceitar os levantamentos ali registados.
20) Entendemos, pois, que a questão da desoneração da Recorrente é de sobeja importância para o presente pleito e se opera através daquele documento a fls. 151 e 152 dos autos, e dos movimentos ali contidos.
21) A alguma vez ter estado em poder da quantia peticionada pela Autora, não é menos verdade que, também não pode devolver aquilo que não está consigo e é demonstrada documentalmente.
22) Salvo o devido respeito, entendemos que o facto de constar de um documento, devidamente assinaladas as transacções de depósito de quantias reclamadas nos presentes autos, e, o mesmo documento titular o levantamento das quantias peticionadas, que tal constitui uma razão de desoneração da Recorrente perante o Recorrido.
23) E tal, nos termos e para os efeitos dos artigos 335.° do Código Civil e 437.° do Código de Processo Civil, é um facto extintivo da obrigação que impende sobre a Recorrente.
24) Acresce que, na medida em que, face ao supra exposto, a ora Recorrente se encontra desonerada da obrigação de restituição, também não poderão ser devidos quaisquer montantes a título de juros”; (cfr., fls. 329 a 333-v).

Por sua vez, assim conclui a (2ª) R. “E”:

“(i) O Acórdão recorrido é nulo, nos termos conjugados dos artigos 633.° e 571.°, n.° 1, alínea b), ambos do CPC, pois não identifica os fundamentos de direito que caracterizam a relação contratual entre D e Recorrida e que impõem à D a devolução dos depósitos da Recorrida;
(ii) O Acórdão recorrido é também nulo, atentas as mesmas normas de direito adjectivo, porque não indicou os fundamentos de direito da condenação da Recorrente solidariamente com a D;
(iii) O Acórdão recorrido é ainda nulo, conjugados os artigos 633.° e 571.°, n.° 1, alínea d), ambos do CPC, porquanto fundamenta a condenação da Recorrente no seu dever de fiscalizar a D, quando inexiste nos autos matéria que permita aferir do cumprimento ou não de tal dever pela Recorrente;
(iv) Citando um quesito da base instrutória que não existe e mencionando uma confissão feita por quem não tinha poderes, a Recorrente está convencida de que o Tribunal a quo extraiu esses elementos de um outro aresto que o levou a decidir sobre questões que não podia conhecer.
Sem prejuízo das nulidades arguidas, conclui-se ainda:
(v) O Acórdão recorrido condenou a D no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(vi) O Acórdão recorrido condenou a Recorrente com base no artigo 29.° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) o depósito realizado pela Recorrida junto da D subsumia-se no segmento da previsão normativa do artigo 29.° que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, e (c) a omissão pela Recorrente do seu dever de fiscalização da actividade da D, consagrado no artigo 30.°, alínea 5), do dito Regulamento, é o factor que precipitou a sua responsabilização pelo incumprimento por banda da D do contrato de depósito que celebrara com a Recorrida;
(vii) O Regulamento Administrativo n.° 6/2002 é um regulamento complementar;
(viii) O seu artigo 29.° regulamenta o n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(ix) A interpretação do referido artigo 29.° implicitamente professada no Acórdão recorrido importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(x) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(xi) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
(xii) Por conseguinte, o artigo 29.° não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(xiii) Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(xiv) O Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.° e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xv) Não há relação de causa/efeito entre a fiscalização pela concessionária ou subconcessionária da actividade do promotor de jogo e o cumprimento por este das suas obrigações contratuais; pode haver fiscalização, seguida de incumprimento, como pode haver falta de fiscalização seguida de cumprimento;
(xvi) Daqui resulta que a omissão do dever da concessionária ou subconcessionária, estabelecido pelo artigo 30.°, alínea 5), do Regulamento, de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais do seu promotor de jogo, não explica, justifica, legitima, confere fundamento ou precipita a responsabilização solidária da concessionária ou subconcessionária com o promotor pelo incumprimento das obrigações contratuais deste;
(xvii) Tendo decidido em contrário, o Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva, a saber, os referidos artigos 29.° e 30.°, alínea 5), do Regulamento Administrativo n.° 6/2002”; (cfr., fls. 337 a 359).

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Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provada a factualidade seguinte:

“- A 1ª Ré foi constituída em Macau no dia 12 de Julho de 2006, registada sob o n.º XXXXXSO na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau em 22 de Agosto de 2006 e dedica-se à promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino. (alínea A) dos factos assentes).
- A 2ª Ré foi constituída em Macau no dia 17 de Outubro de 2001, registada sob o nº XXXXXSO na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau em 17 de Outubro de 2001 e dedica-se à actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casinos. (alínea B) dos factos assentes)
- Em 28 de Junho de 2001, a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau, celebraram um “contrato de concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na RAEM” (alínea C) dos factos assentes)
- De acordo com o estipulado no artigo 106 do referido contrato, este produziu efeitos a partir de 27 de Junho de 2002. (alínea D) dos factos assentes)
- Desde 2005, a 1ª Ré é um promotor de jogo, sendo titular da licença de promotor de jogos sob o nº E089. (alínea E) dos factos assentes)
- Entre a 1ª Ré e a 2ª Ré foi celebrado um “contrato de promotor de jogo” e “Acordo de Concessão de Crédito” tendo a 1ª Ré sido autorizada pela 2ª Ré a exercer das actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar e de concessão de crédito em casino. (alínea F) dos factos assentes)
- A 1ª Ré criou a sala VIP “D” no casino da 2ª Ré. (alínea G) dos factos assentes)
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Base Instrutória:
- A Autora é uma cliente da sala VIP “D” explorada pela 1ª Ré. (quesito 1º da base instrutória)
- A Autora abriu uma conta com o n.º XXXXXXXX na sala VIP “D”, explorada pela 1ª Ré. (quesito 2º da base instrutória)
- A Autora chegou a conferir poderes a B (do sexo masculino, maior, portador do BIRM n.º XXXXXXX(X) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau) para movimentar a supracitada conta de jogo. (quesito 3º da base instrutória)”; (cfr., fls. 300 a 300-v).

Do direito

3. Dois são os recursos – pelas (1ª e 2ª) RR. – trazidos à apreciação desta Instância.

O primeiro, da (1ª) R. “D”, onde, (como resulta das suas conclusões de recurso), se ataca o segmento decisório do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que concedeu provimento ao recurso da A. na parte respeitante à sua impugnação da “decisão da matéria de facto” (proferida pelo Tribunal Judicial de Base), alterando-a.

O segundo, da (2ª) R. “E”, impugnando a “decisão de direito” do Tribunal de Segunda Instância (na parte que inverte a decisão da sua absolvição e a condena nos termos atrás já referidos).

Em face da “natureza” das questões pelas recorrentes colocadas, lógico é que se comece pela apreciação do recurso da (1ª) R. “D”.

Nesta conformidade, vejamos.

–– Para a decisão a que chegou – de procedência do recurso da A. quanto à “decisão da matéria de facto” do Tribunal Judicial de Base (e, consequente condenação solidária das 1ª e 2ª RR.) – assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão objecto do presente recurso:

“A Autora veio a impugnar a matéria de facto, ou seja, atacando as respostas dadas pelo Colectivo sobre as respostas dos quesitos 4º a 6º da BI.
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
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No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
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Os 3 quesitos em causa têm o seguinte teor:

Em 28 de Dezembro de 2014, a autora depositou uma quantia de quinhentos mil Dólares de Hong Kong em numerário (HK$500.000,00) na sala VIP “D” explorada pela 1ª. ré?

Em 17 de Fevereiro de 2015, a autora através do seu procurador, B, depositou duzentos e setenta mil Dólares de Hong Kong em numerário (HK$270.000,00) na sala VIP “D” explorada pela 1ª. ré?

Em 18 de Fevereiro de 2015, a autora, novamente através de seu procurador, depositou duzentos e trinta mil Dólares de Hong Kong em numerário (HK$230.000,00) na sala VIP “D” explorada pela 1ª. ré?
Ora, em matéria de utilização dos critérios para avaliar as provas, é do entendimento dominante que controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (cfr. 558º do CPC) que está deferido ao Tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.2
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.3
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 558º do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, o tribunal do recurso procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.4
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”. 5
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo tribunal ad quem, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.6
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré Recorrente, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos
No caso, importa realçar o seguinte:
1) – O documento nº 8 (fls. 54) é um duplicado do recibo de depósito, com timbre e firma da “D”, e número de série e assinaturas de tesoureiro, testemunha presencial e de depositante, que certifica o depósito de HK$500,000.00, em 28/12/2014;
2) – Os documentos nº 9 e 10 (fls. 55 a 56) são fotocópias do mesmo tipo de recibo, passado em nome da referida sociedade com os mesmos elementos acima indicados, sendo diferente o valor de depósito: fls. 55 certificou o depósito de HK$270,000.00, datado de 17/02/2015; fls. 56 certificou o depósito de HK$230,000.00, datado de 18/02/2015.
3) – Estes dados batem certos com os dados tirados do computador da referida sociedade, operação feita para o processo-crime, documentados mediante certidão passada pelo MP, constante de fls. 150 a 151!
4) – Tais dados merecem credibilidade! Porque não temos dados que digam o contrário.
5) – Sublinhe-se igualmente que não é único caso em que se discute a mesma questão e em que está envolvida a mesma sociedade! A 1ª Ré, chegou a apresentar provas contrárias ou contra provas para impugnar tais documentos? A resposta é negativa. Repare-se, os “recibos” foram passados em nome dela!
6) – A simples alegação de “sabia nem tinha obrigação de saber” feita pela 1ª Ré na contestação, não nos parece suficiente para concluir que tais depósitos nunca ocorreram!
7) – No caso, há lugar à aplicação do artigo 370º/2 (Força probatória) do CCM, que dispõe:
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Reparem, tais documentos, de escrituração mercantil, são elaborados em papéis timbrados da 1ª Ré com carimbo da mesma e assinatura de empregados seus.
Aceitando-se a veracidade desses documentos, como estes demonstram que a Recorrente chegou efectivamente a depositar e levantar fichas junto das 1.ª e 2ª Rés nos períodos a que se referem esses mesmos documentos, conforme a certidão passada pelo MP, verifica-se erro na apreciação da provas, é de proceder à sua correcção, passando os quesitos 4º a 6º ser considerados PROVADOS.
Julga-se procedente o recurso nesta parte.
(…)”; (cfr., fls. 300-v a 304).

Aqui chegados, e da reflexão que sobre o assim decidido nos foi possível efectuar, cabe dizer que evidente é a improcedência do recurso da (1ª) R. “D”, ora em apreciação, muito não sendo necessário aqui expender para o demonstrar.

Com efeito, importa ter presente que – na parte referente ao “Recurso para o Tribunal de Última Instância”, tratando de matéria do “Julgamento do recurso”, e sob a epígrafe “Âmbito do julgamento” – prescreve o art. 649° do C.P.C.M. que:

“1. Aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente.
2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Nesta conformidade, e verificada não estando qualquer das circunstâncias enunciadas no n.° 2 do transcrito comando legal, imperiosa é solução de improcedência do presente recurso da (1ª) R. “D”; (podendo-se, sobre a questão da “competência deste T.U.I. em sede de matéria de facto” ver também os Acs. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019, de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018, de 03.04.2020, Proc. n.° 19/2019, de 10.06.2020, Proc. n.° 48/2020, de 10.11.2021, Proc. n.° 131/2021, e, mais recentemente, e em que a ora recorrente também teve intervenção, de 12.01.2022, Procs. n°s 50/2020 e 76/2020).

–– Passemos agora para o recurso da (2ª) R. “E”.

Vejamos.

Para a prolação da sua “decisão de condenação” (de ambas as RR.) assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“(…)
Na sequência de alteração dos factos, a decisão há-de ser modificada.
Relativamente à responsabilidade das 1ª e 2ª Rés:
- Perante os factos assentes, sem dúvida que as 1ª e 2ª Rés são responsáveis perante a Autora.
Pois, o artigo 32º (Obrigações dos promotores de jogo) do Regulamento Administrativo Nº 6/2002, de 1 de Abril, dispõe:
Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações dos promotores de jogo:
1) Sujeitar-se à supervisão e fiscalização da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
2) Cumprir, na parte que lhes respeita, as disposições legais e regulamentares aplicáveis bem como as circulares e instruções emitidas pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos;
3) Sujeitar-se às auditorias da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e da Direcção dos Serviços de Finanças;
4) Manter à disposição da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e da Direcção dos Serviços de Finanças todos os livros e documentos da sua escrituração mercantil e facultar-lhes todos os elementos e informações que sejam solicitados;
5) Cumprir todas as obrigações contratuais assumidas, nomeadamente com jogadores;
6) Respeitar as instruções da concessionária que não ponham em causa a sua autonomia;
7) Cumprir as obrigações emergentes do contrato celebrado com a concessionária;
8) Entregar à concessionária os documentos referidos no n.º 2 do artigo 17.º

O artigo 31º (Responsabilidade dos promotores de jogo) do mesmo RA estipula:
Os promotores de jogo são responsáveis solidariamente com os seus empregados e com os seus colaboradores pela actividade desenvolvida nos casinos por estes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.
Os termos são tão claros como ar!
Uma vez que ficou provado que a Recorrente mantinha conta de depósito de fichas com as 1ª e 2ª Rés e nele havia saldo positivo, ela tem direito a pedir a sua restituição nos termos legais acima citados!
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Responsabilidade da 2ª Ré com a 1ª Ré:
Apesar de a 2ª Ré não ser parte no contrato de depósito que a Recorrente celebrou com a 1.ª Ré, a 2ª Ré/Recorrida não pode alegar não ter obrigação de o conhecer.
Com efeito, nos termos conjugados a Lei n.º 16/2001 e o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, designadamente os artigos 30.º e 32.º deste último diploma, impende sobre a 2ª Ré/Recorrida a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade da 1.ª Ré, promotora de jogo que a 2ª Ré/Recorrida contratou para exercer a sua actividade própria nos seus casinos (cfr. artigo 10.º da base instrutória, confessado pela Recorrente);
Nos termos do n.º 3 do artigo 410.º do CPC: “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento […].” A Recorrida tem a obrigação legal de conhecer os factos em causa, designadamente que foi celebrado contrato de depósito entre a Recorrente e a 1.ª Ré e se esta recebeu e não devolveu as quantias indicadas pela Recorrente, pelo que, a alegação de desconhecimento de tais factos equivale à respectiva confissão.
A matéria de facto em causa nos citados artigos da base instrutória está, ainda provada pelos documentos de fls. 150 a 151 (certidão judicial do processo-crime, inquérito n.º 10653-2015) juntos com a petição inicial, cuja genuinidade e veracidade não foram impugnadas pelas Rés.
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O artigo 30.º (Obrigações das concessionárias) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 Abril, dispõe:
Sem prejuízo de outras previstas no presente regulamento administrativo e em demais legislação complementar, constituem obrigações das concessionárias:
1) Enviar, até ao dia 10 de cada mês, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma relação discriminada relativa ao mês antecedente dos montantes das comissões ou outras remunerações por si pagas a cada promotor de jogo, bem como dos montantes de imposto retidos na fonte, acompanhada de toda a informação necessária à verificação dos respectivos cálculos;
2) Enviar, em cada ano civil, de 3 em 3 meses, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos a lista referida no n.º 3 do artigo 28.º;
3) Comunicar à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos qualquer facto que possa afectar a solvabilidade dos promotores de jogo;
4) Manter em dia a escrita comercial existente com os promotores de jogo;
5) Fiscalizar a actividade dos promotores de jogo, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas obrigações legais, regulamentares e contratuais;
6) Comunicar às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa, designadamente de branqueamento de capitais, por parte dos promotores de jogo;
7) Proporcionar um relacionamento são entre os promotores de jogo junto dela registados;
8) Pagar pontualmente as comissões ou outras remunerações acordadas com os promotores de jogo;
9) Cumprir pontualmente as suas obrigações fiscais.

Nesta matéria, Luís Pessanha, in "O Jogo de Fortuna e Azar e a Promoção do Investimento em Macau" (publicado na Revista de Administração, n.º 77, Vol. XX, 2007/3, 847-888, páginas 878 e 879), defende:
"Importa ainda referir que os promotores de jogo apenas podem desempenhar a sua actividade em associação com um casino, o qual promovem junto do público e para o qual procuram angariar apostadores endinheirados (designados no jargão do sector do jogo como os "premium players"), o que leva a que se tenha considerado que se deva exigir que após o licenciamento, o promotor de jogo se deva registrar, anualmente, perante, pelo menos, um determinado sub/concessionário (vd. artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002), formalizando-se por escrito a relação entre o promotor e o respectivo sub/concessionário e dando-se cópia de tal contrato (e de qualquer outro entre estas partes que tenha um valor económico de pelo menos 1 milhão de patacas), à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (vd. artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
[...]
Os sub/concessionário devem submeter anualmente, até 31 de Outubro do ano em curso, à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, uma lista nominativa dos promotores de jogo com os quais pretendam operar no ano seguinte (vd. artigo 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). O que implica também que os sub/concessionários tenham a obrigação de manter uma lista actualizada dos promotores de jogo, respectivos administradores, principais empregados e colaboradores, que estejam registados junto deles (vd. artigo 28.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 6/2002).
Este registo anual dos promotores de jogo junto do respectivo sub/concessionário não é uma mera formalidade, mas determina antes, uma verdadeira responsabilidade solidária dos sub/concessionários pela actividade desenvolvida nos casinos, pelos "seus" promotores de jogo, respectivos administradores e colaboradores (vd. artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002). Os sub/concessionários devem proceder a uma fiscalização activa e diligente da actividade dos promotores de jogo e assegurar que estes dão o devido cumprimento às suas obrigações legais, regulamentares e contratuais, comunicando às autoridades competentes qualquer facto que possa indiciar a prática de actividade criminosa (nomeadamente, branqueamento de capitais por parte dos promotores de jogo) e assegurar a necessária correcção e urbanidade de relacionamento entre os promotores de jogo registados no mesmo sub/concessionário [...]." (destaque nosso)7.
Neste contexto, a Recorrida C, na sua qualidade de concessionária, não pode alegar que desconhece, sem obrigação de conhecer, a actuação dos promotores de jogo que contratou, sobretudo, quando as promotoras cessaram a sua actividade sem liquidar devidamente as dívidas para com os seus clientes.
Mais, quando o que está em causa são actos praticados e contratos celebrados dentro dos casinos que explora - como é o caso dos autos.
Não só a Recorrida tem a obrigação legal de fiscalizar toda a actuação dos promotores de jogo nos seus casinos, como, doutro passo, tem a obrigação de, perante um litígio ou potencial litígio, aferir os termos em que um promotor de jogo actuou nos seus casinos, tendo ao seu dispor todos os mecanismos contratuais e legais (e práticos, como sejam os sistemas de vigilância e segurança) para o efeito.
O que a 2ª Ré/Recorrida nunca pode é, na qualidade de concessionária, alegar que desconhece sem obrigação de conhecer a actuação dos promotores de jogo que contrata, dentro dos seus casinos.
Ou seja, o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, que regula a actividade dos promotores de jogo, estabelece, de forma mais abrangente, que as concessionárias (e subconcessionárias) são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade destes nos casinos.
(…)”; (cfr., fls. 305 a 307-v).

Considerando o que pela ora recorrente vem alegado, vejamos.

Pois bem, (essencialmente), dois são os fundamentos do inconformismo da ora recorrente.

Com efeito, entende que o Acórdão recorrido padece de “nulidade” porque nele não se identificam os fundamentos da decisão da sua condenação solidária com a (1ª) R. “D”, sendo também de opinião que se fez uma “errada aplicação de direito”.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por diverso entendimento, também aqui outra é a nossa opinião, (necessário também não sendo uma abundante fundamentação para se explicitar este nosso ponto de vista).

Na verdade, e em relação à dita “nulidade”, cremos bastar uma mera leitura ao que do Acórdão recorrido se deixou transcrito para se captar e alcançar das “razões” – de facto e de direito – que levaram o Tribunal de Segunda Instância a considerar que justa e adequada era a “decisão condenatória” que proferiu.

E, como é óbvio, admite-se, (perfeitamente), que se possa não concordar (inteiramente) com o que no dito veredicto se expôs.

Porém, (e como cremos que também se apresenta isento de qualquer dúvida), tal “não concordância”, não constitui nem permite concluir que a decisão recorrida padeça do vício de “nulidade” que pela recorrente lhe é assacado.

Dest’arte, evidente é que, nesta parte, não pode o presente recurso obter provimento.

Quanto à também pela mesma recorrente imputada “errada aplicação de direito”, igualmente, muito não se mostra de dizer.

Com efeito, em recente Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 19.11.2021 proferido no Proc. n.° 45/2019 e já transitado em julgado, tivemos oportunidade de reflectir e emitir pronúncia sobre idêntica “questão”, (também pela ora recorrente aí igualmente suscitada).

Apresentando-se-nos que o entendimento assumido no referido aresto se mantém válido e apresentando-se inteiramente adequado à situação dos presentes autos, mostra-se, pois, de aqui dar como integralmente reproduzido o que na dita decisão se deixou consignado, (e para a qual se remete), vista estando também assim a solução para o presente recurso da (2ª) R. “E”.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos interpostos.

Custas pelas recorrentes com a taxa de justiça individual que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique, (enviando-se cópia do Acórdão proferido nos Autos de Recurso n.° 45/2019).

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 19 de Janeiro de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201.
3 Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
4 Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5 Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
6 Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt.
7 Em sentido próximo, pode ver-se o artigo de Alexandre Dias Pereira, in “Law, Regulation and Control Issues of tbe Asian Gaming Industry”, publicado pelo Institute for the Study of Commercial Gaming da Universidade de Macau, páginas 152 e 153.
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Proc. 121/2020 Pág. 24

Proc. 121/2020 Pág. 25