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Processo nº 136/2020
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲) e B (乙), propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção ordinária (CV1-17-0007-CAO) contra, “C”, (“丙”), “D”, (“丁”) e “E”, (“戊”), (1ª, 2ª e 3ª) RR., todos, devidamente identificados nos autos, pedindo a condenação solidária das referidas RR. no pagamento a seu favor de HKD$60.000.000,00 (MOP$61.920.000,00) e HKD$20.000.000,00 (MOP$20.640.000,00) e juros legais, respectivamente; (cfr., fls. 2 a 12 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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O processo seguiu os seus termos, e oportunamente, por sentença de 31.05.2019, foi a acção julgada parcialmente procedente, decidindo-se absolver a 2ª Ré do pedido e condenando-se as (1ª e 3ª) RR. (“C” e “E”) a pagar aos (1° e 2ª) AA. (A e B) as quantias peticionadas de MOP$61.920.000,00 e MOP$20.640.000,00 e juros, respectivamente; (cfr., fls. 580 a 590-v).

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Do assim decidido, as referidas (1ª e 3ª) RR. (“C” e “E”), recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 02.04.2020, (Proc. n.° 1162/2019), negou provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 832 a 852).

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Ainda inconformadas, trazem as referidas (1ª e 3ª) RR. os presentes recursos.

Nas suas alegações, produz a (1ª) R. “C” as conclusões seguintes:

“1. O acórdão recorrido confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base no processo CVl-17-0007-CAO, condenando a 1.ª Ré e 3.ª Ré a pagar aos Autores as quantias de MOP 61,029,000.00 e MOP 20,640,000.00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, com o qual a ora Recorrente não se conforma.
2. Os fundamentos de facto e de direito da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância são que: (i) os Autores depositaram as quantias de MOP$61,029,000.00 e MOP20,640,000.00, respectivamente, inicialmente na 2.ª Ré; (ii) posteriormente, a 1.ª Ré passa a explorar a sala que antes era explorada pela 2.ª Ré e, por sua vez, as contas dos Autores transitaram para a sala explorada pela 1.ª Ré; (iii) através dos depósitos, tendo sido dada a coisa em depósito à 1.ª Ré e havendo acordo do depositante, aplica-se o artigo 1115.° do Código Civil.
3. A fundamentação constante do acórdão recorrido pouco distou da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, sendo o entendimento que, não era necessário cuidar de saber se existiria uma relação entre a Recorrente e 2.ª Ré, como a classificar e a que título tinham sido transferidos os montantes dos Autores.
4. Relatam-se os factos apurados e relevantes para o presente pleito: (i) A 1.ª Ré explora actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar e outros tipos de jogos, e é uma pessoa colectiva de Promotor de jogos de fortuna ou azar e titular da licença de Promotor de jogos de fortuna ou azar n.° EXXX (alínea A) dos factos assentes); (ii) Entre 21/09/2011 a 1/12/2013, a 2.ª Ré obteve a autorização para explorar actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar na 3.ª Ré. A partir daí, a 2.ª Ré abriu e explorou a "Sala Vip D" dentro do casino "E" (alínea A-1) dos factos assentes); (iii) A 2.ª Ré explora actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar e outros tipos de jogos. Anteriormente, a firma tinha a denominação de "D", pessoa colectiva de Promotor de jogos de fortuna ou azar n.° EXXX. (alínea B) dos factos assentes); (iv) Provado apenas que em data não apurada os Autores abriram contas na "Sala Vip D" da 2.ª Ré localizada no hotel E. (resposta ao quesito 5.° da base instrutória); (v) Provado apenas que os dois Autores concordaram que os depósitos da "Sala Vip D" fossem transferidos na sua totalidade para a "[Sala VIP(2)]" (resposta ao quesito 12.° da base instrutória); (vi) Até 14.04.2015, o 1.° A. chegou a depositar fichas em numerário na quantia de HKD60.000.000,00 equivalente a MOP61.920.000,00 na conta SSXXXX da "[Sala VIP(2)]" (resposta ao quesito 16.° da base instrutória); (vii) Até 14.04.2015, a 2.ª A. chegou a depositar fichas em numerário na quantia de HKD20.000.000,00 equivalente a MOP20.640.000,00 na conta SSXXXX da "[Sala VIP(2)]" (resposta ao quesito 17.° da base instrutória)
5. Como já referido, o acórdão recorrido entendeu que não se afigurava relevante cuidar da relação jurídica existente entre a Recorrente e 2.ª Ré, reduzindo a discussão a uma mera transferência simbólica das contas dos Autores, ora Recorridos, entre salas, passe-se a expressão, apoiando-se o acórdão no facto de que, a anterior sala VIP (sala VIP D) depois de mudar o nome para [Sala VIP(2)], passou a ser explorada pela 1.ª Ré e que, as fichas de jogo dos Autores depositadas inicialmente na sala VIP D fosse transferidas para a [Sala VIP(2)].
6. Relembre-se que a acção foi intentada e cristalizou-se com base na relação contratual estabelecida entre Autores e 2.ª Ré, e, que os Autores apresentaram um queixa-crime contra a 2.ª Ré e nunca contra a 1.ª Ré, ora Recorrente. Da qual foi a 2.ª Ré alvo de despacho de pronúncia na pessoa dos seus sócios.
7. Como referido no Parecer, a fls. 28, o tribunal demitiu-se de "indagar e aprofundar a razão jurídica das relações intercorrentes entre os vários intervenientes", parecer esse que se mantém perfeitamente actualizado, pois, o acórdão recorrido manteve a posição sufragrada pelo Tribunal Judicial de Base, deixando de responder a questões vitais e essenciais para conformar a condenação de uma forma sustentada.
8. Para que houvesse uma deslocação física dos montantes peticionados pelos Autores, seria necessário que a 2.ª Ré tivesse efectivamente entregue as verbas, e que essa transferência ou deslocação física fossem sustentadas por um negócio jurídico entre 2.ª Ré e 1.ª Ré.
9. Somente existe nos presentes autos uma trilogia de relações, entre 3.ª Ré e 1.ª Ré, 2.ª Ré e 3.ª Ré, que cessou em Dezembro de 2013 e entre os Autores e 2.ª Ré.
10. Diz o douto Parecer a pág. 29, que nunca foi reconhecido qualquer acordo entre 2.ª Ré e 1.ª Ré para transferência da posição da 2.ª Ré, continuando sempre a 2.ª Ré, a assumir-se como responsável pelos valores recebidos e pela [Sala VIP(2)], muito menos que que uma mera deslocação física da sala VIP D e mudança de nome da sala tenham os efeitos desejados pelo tribunal a qual ou seja, que tal justifique a transferência de depósitos.
11. Ao longos dos autos, vários são os elementos que nos remetem para uma relação de colaboração entre 2.ª Ré e 1.ª Ré, mas que não deve ser confundida com relação contratual, até porque tal não chegou a ser indagado e teria sido curial aferir que tipo de relação jurídica existia entre 2.ª Ré e 1.ª Ré.
12. Por que só assim se poderia determinar como se operou esta transferência dos valores peticionados, mas, mesmo que um acordo existisse, seria nulo, porque simulado, i.e., se fosse sem o conhecimento da 3.ª Ré, tudo nos termos e para ,os efeitos dos n.°s 1 e 2 do artigo 232.° do Código Civil e, do já referido n.° 1 artigo 20.° do Regulamento Administrativo 6/2002.
13. Entendemos, com o devido respeito, que o tribunal a quo ao não atender às relações jurídicas a montante existentes entre 1.ª e 2.ª Rés, que, a jusante justificariam a relação de depósito, padece dos vícios de fundamentação estar em contradição com a decisão e, aplicação errada da lei, o acórdão em crise deverá ser revogado nos termos e para os efeitos do artigo 639.° do Código de Processo Civil
14. Para além de um esclarecimento quanto à questão da natureza das relações jurídicas existentes entre 2.ª Ré e 1.ª Ré, também releva a entrega de montantes dos Autores à 2.ª Ré e, a que título foram feitos.
15. Desconhece-se o "quantum" depositado, se houve entregas de montantes, se tal valor oscilou face a levantamentos, se houve ganhos aos jogos, debruçando-se o Parecer a pág. 35 com mais detalhe.
16. Se por um lado, os Autores defendem um depósito de fichas de jogo, inicialmente depositadas junto da 2.ª Ré, a 2.ª Ré, por seu turno, refere que o referido "depósito" servia o propósito de "investimento", pagando uma taxa de juros mensal de 3%.
17. O acórdão recorrido confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, e já havia sido entendido que, relativamente à finalidade dos depósitos as versões não eram coincidentes, mas, mesmo assim, e caindo em contradição, foi aplicado o regime do contrato de depósito.
18. Não só não foram carreados para os autos elementos que preencham a hipótese do contrato de depósito, como não se tentou perceber outras explicações que poderia estar na base das relações entre Autores e 2.ª Ré, tais como, empréstimo, e associação em participação, poderiam estar na base das relações entre 2.ª Ré e 1.ª Ré. E assim, só nos resta a entrega de fundos!
19. Como referido, do douto Parecer a fls. 38, a distinção entre empréstimo e depósito acontece através de qual o interesse prosseguido com a entrega dos fundos, mas sem se saber quem beneficiava desta entrega de fundos, não se pode fazer uma qualificação segura.
20. No caso do depósito, o interesse prosseguido seria o da guarda de valores, e, caso não fosse gratuito, os Autores teriam que pagar pelo serviço prestado pela. 2.ª Ré, já no caso de empréstimo, ou de mútuo, haveria um financiamento da 2.ª Ré junto dos Autores, ora Recorridos, que receberiam o pagamento de uma taxa de juros mensal de 3%, sendo que, na primeira hipótese o negócio seria nulo nos termos do n.° 1 e n.° 2 do artigo 177.° do Código Comercial, por estar vedada a prática de actos gratuitos à 2.ª Ré; e, quanto à 2.ª hipótese, a taxa de juros ultrapassa a taxa de juros legal, prevista no artigo 1073.° do Código Civil, sendo tal negócio anulável, para os efeitos do artigo 275.° e do n.° 4 do artigo 1073.° ambos do Código Civil.
21. Também não é de afastar a possibilidade de associação em participação, porque existem elementos carreados nos autos para esse sentido. Sucede que, vai contra as regras de experiência comum que montantes tão elevados possam ficar "depositados", sem qualquer contrapartida, sendo de afastar também por esta via a qualificação de depósito, como veio a ser entendido.
22. Mais uma vez, o acórdão ora recorrido soçobra por não ter aplicado a lei correctamente, incorrendo assim, no vício de aplicação errada da lei, nos termos do artigo 639.° do Código de Processo Civil, devendo, assim, ser revogado.
23. Mesmo que aceite a entrega de fundos por parte dos Autores à 2.ª Ré como depósito, e que o mesmo não fosse nulo por falta de capacidade jurídica da 2.ª Ré para a prática de actos gratuitos, não se concede a aplicação do artigo 1115.° do Código Civil para justificar a transferência de depósitos para a [Sala VIP(2)] e, responsabilizar a ora Recorrente.
24. A autorização presente no artigo supra referido, contrariamente ao entendimento perfilhado, diz respeito, não ao depósito feitos pelos Autores, mas, pela 2.ª Ré junto de terceiro, i.e., 1.ª Ré.
25. Foi o entendimento do acórdão secundando o do Tribunal Judicial de Base que estávamos perante um depósito irregular, aplicando-se, assim, as regras do mútuo, contudo, nos termos do artigo 1071.° as coisas tornam-se propriedade do mutuário com a-entrega, referindo o Parecer as fls. 45, que mesmo que o depósito seja feito junto de terceiro, não consiste num depósito de coisa alheia.
26. Sendo a consequência inerente, que aos Autores apenas assistia o direito de reclamar pela devolução dos montantes junto da 2.ª Ré, e nunca junto da 1.ª Ré, ora Recorrente!
27. Na medida em que há uma aplicação errada do artigo 1115.° do Código Civil, deve o douto acórdão ser revogado.
28. O acórdão recorrido entende que o que releva é que a 1.ª Ré é o "explorador da sala VIP em causa" e que "… trata-se da mesma sala de VIP, mas simplesmente mudou de nome e o explorador, daí que a transferência das contas de depósito de contas do Autores é meramente simbólica",
29. Mesmo que se aceitasse que houve deslocação dos montantes da sala VIP D para a [Sala VIP(2)], tal só seria possível se, subjacente a esta deslocação estivesse uma deslocação jurídica da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, que poderia ocorrer, através da alienação da empresa comercial, nos termos do artigo 110.° do Código Comercial, ou porque houve uma sucessão a título particular nos contratos celebrados entre 2.ª Ré e 1.ª Ré, ou porque celebrou com a 2.ª Ré um contrato que lhe permitiu a detenção das fichas de jogo (mandato ou subdepósito), como defendido no Parecer a pág. 47.
30. Dos autos não resulta que houve lugar à aquisição da sala VIP por parte da 1.ª Ré (quesito 11.° do acórdão de matéria de facto), esclarecendo-se, desde já, que as salas VIP são espaços físicos pertencentes e exploradas pelas concessionárias, e utilizados pelos promotores de jogo mediante autorização daquelas.
31. O que estará sempre em causa será a empresa de promoção de jogos, ou seja, da aquisição do negócio (empresa) de promoção de jogos da 2.ª Ré pela 1.ª Ré, e não de salas VIP, a este respeito, debruça-se em mais detalhe o Parecer a pág. 48.
32. O tribunal entendeu que não houve lugar a "aquisição", não operando o artigo 110.° do Código Comercial, mas também não foi discutido nos autos, um acordo que, do ponto de vista jurídico justificasse a transferência de posição contratual da 2.ª Ré da sua relação contratual com os Autores para a 1.ª Ré.
33. Malgrado, parece que o tribunal entende que tal acordo existiu e aplicou o artigo 1115.° do Código Civil, para justificar esta transferência, contudo, e como já referido o preceito legal como utilizado não serve a pretensão ou pode sustentar o entendimento perfihado pelo tribunal, entendimento melhor explanados a págs. 49 e 50 do Parecer.
34. Ao não haver aquisição da empresa da 2.ª Ré pela 1.ª Ré também não se entende como os números das contas dos Autores se mantiveram inalterados, nos mesmos termos, o que só vem cimentar o facto de que, dos factos constantes dos autos e da narrativa produzida por todos os intervenientes, que a realidade formal da utilização da [Sala VIP(2)], não correspondia à utilização material, i.e., que continuava a ser utilizada pela 2.ª Ré. Facto que foi completamente obliterado pelo tribunal a quo.
35. Embora formalmente, seja a 1.ª Ré que utilizaria a [Sala VIP(2)], facto é que seria a 2.ª Ré a beneficiária material, e tal situação encontraria justificação num mandato, ou mandato sem representação, como referido no Parecer a págs. 51.
36. Relativamente à situação material, também se coloca o conhecimento dos Autores quanto a esta realidade, que não é afastada, pois, a 2.ª Ré assume que os Autores eram seus investidores e conheciam esta realidade, a despeito, do alegado pelos Autores, mas mister é a queixa-crime apresentada pelos Autores somente contra a 2.ª Ré.
37. A queixa-crime apresentada pelos Autores, nos termos em que foi realizada, e consequente desenrolar processual, com o despacho de pronúncia contra os sócios da 2.ª Ré, só vem consolidar o facto de que, era a 2.ª Ré, e não a 1.ª Ré, devedora perante os Autores, relegando para as considerações mais elaboradas tidas a este respeito a págs. 52 e 53 do Parecer.
38. Pois bem, tendo em conta que, não houve lugar a qualquer alienação da empresa comercial da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, ou qualquer acordo que justificasse a transferência da posição contratual da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, ou sucessão nos contratos a título particular, a transferência de depósitos fundada no artigo 1115.° do Código Civil, não se aplica ao caso em apreço.
39. À cautela e sem prescindir, no que concerne à responsabilização da 1.ª Ré nos termos da Lei 16/2001 e Regulamento Administrativo 6/2002, tal responsabilização só poderia ter provimento se os "depósitos" que já se demonstrou que não foram feitos junto da 1.ª Ré, nem sequer transferidos da 2.ª Ré para a 1.ª Ré, teriam que ter sido realizados para efeitos de jogo.
40. Conforme decorre da prova documental e testemunhal constante dos autos, há elementos suficientes que demonstram que os montantes peticionados não serviam o propósito de jogo, mas financiamento da 2.ª Ré.
41. Ora, depósitos ou entrega de montantes para efeitos de financiamento não cabem no âmbito de aplicação do Regulamento Administrativo 6/2002.
42. Conforme amplamente se discorreu ao longo das alegações de recurso e, na medida em que, os depósitos para efeitos de financiamento não encontram suporte na referida Lei 16/2001 e Regulamento Administrativo 6/2002, e também por não se aplicarem as normas civilísticas conforme decorre do supra exposto, a Recorrente não poderá ser responsabilizada pela realização de um depósito ou entrega de montante que, antes de mais, não lhe foi afecto, e, em segundo lugar, não foi realizado no âmbito e para os efeitos da actividade de promoção de jogos de fortuna e azar.
43. Pelo que, a responsabilidade assacada à 1.ª Ré, ora Recorrente, nos termos em que foi determinada pelo tribunal a quo, pela sentença deverá ser revogada e, consequentemente deverá ser a 1.ª Ré absolvida dos pedidos formulados pelos Autores”; (cfr., fls. 890 a 908, notando-se que, certamente por lapso, nas conclusões 1ª e 2ª, refere-se a recorrente à quantia “61,029,000.00”, quando o montante constante da decisão condenatória é de MOP$61.920.000,00).

Por sua vez, assim conclui a (3ª) R. “E”:

“(i) O Tribunal Judicial de Base condenou a C no pedido em sede de responsabilidade meramente contratual;
(ii) O Acórdão recorrido confirmou essa decisão sem reservas;
(iii) O Acórdão recorrido condenou a Recorrente com base no artigo 29.° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002 por entender que (a) este enuncia um princípio de responsabilidade das concessionárias de jogo perante terceiros por actos dos promotores de jogo; (b) os depósitos realizados pelos Recorridos na tesouraria da sala VIP da C subsumiam-se no segmento da previsão normativa do artigo 29.° que se refere à actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo; e (c) a omissão pela Recorrente do seu dever de fiscalização da actividade da C, consagrado no artigo 30.°, alínea 5), do dito Regulamento, é o factor que precipitou a sua responsabilização pelo incumprimento por banda da C dos contratos de depósito que celebrara com os Recorridos;
(iv) Todavia, o Regulamento Administrativo n.° 6/2002 é um regulamento complementar;
(v) O seu artigo 29.° regulamenta o n.° 3 do artigo 23.° da Lei n.° 16/2001 e consequentemente só trata da responsabilidade das concessionárias perante o Governo, por actos praticados por promotores de jogo com os quais tem relação;
(vi) A interpretação do referido artigo 29.° professada no Acórdão recorrido importa que as concessionárias respondam objectivamente perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores de jogo, por estes contraídas no exercício da própria empresa, como se aquelas fossem suas fiadoras ope legis;
(vii) Isso representaria um risco extremo e injustificado, não explicado por qualquer circunstância especial da relação que se estabelece entre concessionárias e promotores;
(viii) Os promotores de jogo são entidades autónomas, actuam em concorrência virtual com as concessionárias e estão sujeitos a licenciamento, exames à escrita e auditorias do regulador, corporizado na DICJ;
(ix) Os promotores de jogo podem celebrar directamente com os clientes que angariem contratos de depósito, sem que tal circunstância redunde na violação do artigo 17.°, n.° 9 da Lei n.° 16/2001, porquanto tais depósitos não são actos de jogo, mas antes um serviço prestado pelo promotor aos seus clientes para comodidade destes, que nem sequer é instrumental de um acto de jogo;
(x) Tendo decidido que o depósito dos A.A. junto da 2.ª R. viola o artigo 17.°, n.° 9 da Lei n.° 16/2001, o Acórdão recorrido fez errada interpretação da lei;
(xi) O artigo 29.° não responsabiliza as concessionárias perante terceiros por obrigações contratuais dos promotores, contraídas no exercício da própria empresa;
(xii) Se o legislador tivesse querido instilar-lhe esse sentido, tê-lo-ia expressado em termos inequívocos;
(xiii) O Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva ao interpretar o referido artigo 29.° e aplicá-lo na condenação da Recorrente, nos moldes supra descritos;
(xiv) Não há relação de causa - efeito entre a fiscalização pela concessionária ou subconcessionária da actividade do promotor de jogo e o cumprimento por este das suas obrigações contratuais; pode haver fiscalização, seguida de incumprimento, como pode haver falta de fiscalização seguida de cumprimento;
(xv) Daqui resulta que a omissão do dever da concessionária ou subconcessionária, estabelecido pelo artigo 30.°, alínea 5), do Regulamento, de fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais do seu promotor de jogo, não explica, justifica, legitima, confere fundamento ou precipita a responsabilização solidária da concessionária ou subconcessionária com o promotor pelo incumprimento das obrigações contratuais deste;
(xvi) Tendo decidido em contrário, o Acórdão recorrido violou e fez errada aplicação de lei substantiva, a saber, os referidos artigos 29.°. e 30.°, alínea 5), do Regulamento Administrativo n.° 6/2002”; (cfr., fls. 869 a 889).

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Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provada a factualidade seguinte:

“a) A 1ª R. explora actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar e outros tipos de jogos, é uma pessoa colectiva de Promotor de jogos de fortuna ou azar e titular da licença de Promotor de jogos de fortuna ou azar nº EXXX; (al. a) dos factos assentes)
b) Entre 21.09.2011 a 01.12.2013, a 2ª R. obteve a autorização para explorar actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar na 3ª R. A partir daí, a 2ª R. abriu e explorou a “Sala Vip D” dentro do casino “E”; (al. a-1) dos factos assentes)
c) A 2ª R. explora actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar e outros tipos de jogos. Anteriormente, a firma tinha a denominação de “D”, pessoa colectiva de Promotor de jogos de fortuna ou azar e titular da licença de Promotor de jogos de fortuna ou azar nº EXXX; (al. b) dos factos assentes)
d) A 3ª R. é Subconcessionária de jogos de fortuna ou azar, recebeu a subconcessão da F do Contrato de Concessão da exploração da actividade de jogos de fortuna ou azar e outros tipos de jogos da RAEM; (al. c) dos factos assentes)
e) A partir do dia 02.09.2011, a 1ª R. obteve a autorização de explorar actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar na 3ª R. e a partir de Dezembro de 2013 a 1ª Ré explorou actividades de promoção de jogos de fortuna ou azar na “[Sala VIP(2)]” dentro do casino “E”; (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória)
f) Em Dezembro de 2013 a “Sala VIP D” mudou o nome para “[Sala VIP(2)]”; (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
g) Em data não apurada os Autores abriram contas na “Sala VIP D” da 2ª R. localizada no Hotel “E”; (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
h) O 1º A. abriu a conta nº SSXXXX; (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
i) A 2ª A. abriu a conta nº SSXXX; (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
j) No momento da abertura da conta, o 1º A. manifestou claramente à 2ª R. - que as fichas depositadas na conta nº SSXXXX, podiam ser levantadas ou depositadas a qualquer momento, por si (1º A.) ou pela pessoa a quem este confiou poderes, ou seja a G, só que era necessário que o titular da conta ou o cônjuge exibisse os referidos documentos de identificação na Tesouraria para assim formular os pedidos; (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
k) No momento da abertura da conta, a 2ª A. manifestou claramente à 2ª R. - que as fichas depositadas na conta nº SSXXX, podiam ser levantadas ou depositadas a qualquer momento, por si (2ª A.), ou pela pessoa a quem confiou poderes, ou seja o “H” (辛), só que era necessário que o titular da conta ou o cônjuge exibisse os referidos documentos de identificação na Tesouraria para assim formular os pedidos; (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
l) A Sala VIP D mudou o nome para “[Sala VIP(2)] (E)” e que com este nome foi explorada pela 1ª Ré; (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
m) Os dois Autores concordaram que os depósitos da “Sala VIP D” fossem transferidos na sua totalidade para a “[Sala VIP(2)]”; (resposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
n) Todas as vezes que os AA. levantavam fichas nas contas, a “[Sala VIP(2)]” emitia um título de dívida em que no topo constava “[Sala VIP(2)]” / “[SALA VIP(2)] VIP CLUB” e no final “C1” (licença de Promotor nº EXXX) (conforme documentos a fls. 79 e 80 dos autos: cópia do título de dívida); (resposta ao quesito nº 14 da base instrutória)
o) Até 14.04.2015, o 1º A. chegou a depositar fichas em numerário na quantia de HKD60.000.000,00 equivalente a MOP61.920.000,00 na conta SSXXXX da “[Sala VIP(2)]”; (resposta ao quesito nº 16 da base instrutória)
p) Até 14.04.2015, a 2ª A. chegou a depositar fichas em numerário na quantia de HKD20.000.000,00 equivalente a MOP20.640.000,00 na conta SSXXX da “[Sala VIP(2)]”; (resposta ao quesito nº 17 da base instrutória)
q) Em Abril de 2015, o 1º A. quis levantar fichas em numerário na “[Sala VIP(2)]” e foi-lhe recusado; (resposta ao quesito nº 20 da base instrutória)
r) Os dois AA. supramencionados ao depositar as quantias, a entidade que os recebeu tinha a necessidade de elaborar os Relatórios de Operações de Valor Elevado à 3ª R.; (resposta ao quesito nº 21 da base instrutória)
s) O 1º A. deslocou-se por várias vezes à “[Sala VIP(2)]” exigindo o levantamento das fichas em numerário depositadas na conta SSXXXX, mas foi sempre recusado pela Sala VIP; (resposta ao quesito nº 22 da base instrutória)
t) A 2ª A. por várias vezes confiou ao “H” (辛) para ir à “[Sala VIP(2)]” exigir o levantamento de fichas em numerário da conta SSXXX, mas foi sempre recusado pela Sala VIP. (resposta ao quesito n° 23 da base instrutória)”; (cfr., fls. 582-v a 585).

Do direito

3. Inconformadas com o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, (que confirmou a sentença condenatória do Tribunal Judicial de Base), trazem agora as (1ª e 3ª) RR. os presentes recursos.

Verifica-se que ambas as recorrentes se limitam a imputar à decisão do Tribunal de Segunda Instância o vício de “errado enquadramento jurídico da matéria de facto dada como provada”, considerando padecer a dita decisão recorrida de “erro na aplicação do direito”, (notando-se, assim, que impugnada não vindo a “decisão da matéria de facto”, que pelo Tribunal de Segunda Instância foi também confirmada com o seu Acórdão, ter-se-á a mesma como definitivamente fixada).

Isto dito, e antes de mais, vale a pena, atentar nas “razões” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a confirmar a condenação das (1ª e 3ª) RR. ora recorrentes.

Pois bem, no que toca ao anterior recurso da (1ª) R. “C”, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“(…)
Para a 1ª Ré, não tendo apurado a relação jurídica existente entre ela e a 2ª Ré que justifica esta transferir o alegado depósito para aquela, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Além disso, existe ainda erro no julgamento na medida em que os Autores só podem reclamar a quantia peticionada à 2ª Ré, e não a ela, uma vez que fizerem o depósito das fichas de jogo na sala de VIP explorada pela 2ª Ré.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão”.

Seguidamente, após voltar a transcrever as respostas dadas aos quesitos 11°, 12°, 14°, 16°, 17°, 20°, 22° e 23° da base instrutória, (e que atrás, em sede da decisão da matéria de facto, se deixaram retratadas), consignou o seguinte:

“(…)
Ora, resulta de forma clara da factualidade apurada que a anterior sala de VIP D depois de mudar o nome para [Sala VIP(2)], fica a ser explorada pela 1ª Ré.
Por outro lado, também ficou provado que as fichas de jogo dos Autores depositadas inicialmente na sala de VIP D foram transferidas para a [Sala VIP(2)].
Além disso, os Autores chegaram a depositar e levantar fichas em numerário na [Sala VIP(2)], ou seja, já depois da mudança do nome da sala de VIP e do respectivo explorador.
Nesta conformidade, nada interessa saber qual é a relação jurídica existente entre a 1ª Ré e a 2ª Ré para aquela assumir a exploração da sala de VIP em causa.
O que interessa são os factos de que a 1ª Ré passou a ser explorador da sala de VIP em causa.
Em bom rigor, trata-se da mesma sala de VIP, mas simplesmente mudou o nome e o explorador, daí que a transferência das contas de depósitos de contas dos Autores é meramente simbólica.
Na realidade, segundo a factualidade apurada, a 1ª Ré chegou a gerir as contas dos Autores, pois, “todas as vezes que os Autores levantavam fichas nas contas, a “[Sala VIP(2)]” emitia um título de dívida em que no topo constava “[Sala VIP(2)]” / “[SALA VIP(2)] VIP CLUB” e no final “C1” (licença de Promotor nº EXXX)”.
Nesta conformidade, nada a censurar quanto ao mérito da sentença recorrida, a qual não padece das nulidades alegadas.
(…)”; (cfr., fls. 849-v a 851).

Que dizer do assim decidido?

Ora, cremos pois que em face do que se deixou transcrito, e tendo presente o que agora alega a recorrente, evidente se apresenta que não se lhe pode reconhecer qualquer razão.

Na verdade, inegável se nos mostra que o Tribunal de Segunda Instância explicitou, cabal e claramente, as “razões” que o levaram a confirmar a condenação da ora recorrente, não se podendo deixar de notar também que no presente recurso se limita a recorrente a repetir e reproduzir o que antes já tinha alegado em sede do seu anterior recurso da sentença do Tribunal Judicial de Base, insistindo, (também), em afirmações e juízos conclusivos unicamente assentes em “matéria de facto não provada”, e assim, para o caso, totalmente, inexistente – como sucede com o alegado “fim de financiamento dos depósitos efectuados”; cfr., concl. 39ª a 42ª – e que, como se apresenta (bastante) evidente, não pode proceder, ociosas sendo mais alongadas considerações para se concluir que a única solução possível para o presente recurso é o da sua total improcedência com a consequente confirmação da decisão de condenação da ora recorrente.

–– Relativamente à (3ª) R. “E”, vejamos.

Aqui, considerou (essencialmente) o Tribunal de Segunda Instância que como os “depósitos dos AA. foram feitos numa Sala VIP do casino desta (3ª) R.”, e devendo-se considerar a dita sala como um “prolongamento da actividade do casino da própria concessionária”, motivos não haviam para não ser a mesma “co-responsável”.

E, como se viu, imputa a ora recorrente ao assim decidido o vício de “erro na aplicação do direito”, batendo-se pela revogação da sua “condenação solidária”.

Sem prejuízo do muito respeito, também aqui não se nos mostra de alterar a decisão recorrida.

Com efeito, em recente Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 19.11.2021, já transitado em julgado, (e proferido no Proc. n.° 45/2019), tivemos oportunidade de reflectir e emitir pronúncia sobre (totalmente) idêntica “questão”; (exactamente no mesmo sentido, vd. também os Acs. de 12.01.2022, Procs. n°s 50/2020 e 76/2020 e de 19.01.2022, Proc. n.° 121/2020).

Assim, mostrando-se-nos de considerar que o entendimento por nós assumido no referido Acórdão de 19.11.2021 se mantém válido, apresentando-se, inteiramente adequado à situação dos presentes autos, mostra-se, pois, de aqui dar como integralmente reproduzido o que na dita decisão se deixou consignado, (e para a qual se remete), vista estando assim igualmente a solução para este recurso da (3ª) R. “E”.

Dest’arte, outra questão não havendo a apreciar, e constatando-se que censura não merece a decisão proferida com o Acórdão recorrido, resta decidir em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos interpostos.

Custas pelas recorrentes com a taxa de justiça individual que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique, (enviando-se cópia do Acórdão proferido nos Autos de Recurso n.° 45/2019).

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Janeiro de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 136/2020 Pág. 24

Proc. 136/2020 Pág. 25