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Processo nº 324/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 7 de Abril de 2022

ASSUNTO:
- Responsabilidade administrativa
- Sanção contratual

SUMÁRIO:
- De acordo com o estabelecido no artigo 6.º, n.º 1 do Contrato, ao abrigo do qual foi praticado o acto recorrido, «a concessionária é responsável por erros ou omissões imputáveis à própria, aos seus trabalhadores, ou às entidades por ela subcontratadas, por negligência ou inaptidão profissional»;
- Como resulta da cláusula contratual em referência, a concessionária responderá quando os seus trabalhadores incorram em erros ou omissões, abrangendo-se aqui, em primeira linha, as situações de violação das regras de execução do contrato, que lhes sejam imputáveis a título de negligência ou de inaptidão profissional;
- Ainda que se possa admitir que o trabalhador da Recorrente não observou as suas instruções quanto ao modo de execução do contrato, nem por isso, a mesma deverá ser isentada da responsabilidade perante a Região, não se podendo dizer, por isso, que a infracção do contrato se ficou a dever a razões que lhe não são imputáveis. Vale aqui, reitera-se, a regra segundo a qual se projecta no devedor o comportamento da pessoa que ele utilize no cumprimento da obrigação como se fosse acto seu.


________________
Rui Pereira Ribeiro



















Processo nº 324/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 7 de Abril de 2022
Recorrente: A S.A.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A S.A., com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 11.12.2020 que aplicou à Recorrente a multa de MOP10.000,00 por incumprimento contratual, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
(i) Acto administrativo ora recorrido
A. O presente recurso contencioso é interposto do despacho proferido em 11 de Dezembro de 2020 pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas da RAEM na Informação n.º 3560/DGT/ F.C/2020, que decidiu aplicar à recorrente uma multa de MOP$10.000 (dez mil patacas), assim, a respectiva informação também faz parte do acto recorrido.
B. De acordo com o conteúdo do acto recorrido, o acto praticado em 16 de Agosto de 2018 pelo empregado da recorrente, B (sic.), tinha violado o art.º 19.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, conjugado com o art.º 7.º, n.º 2 do Anexo 3, razão pela qual foi aplicada a decisão sancionatória nos termos do disposto nos art.º 6.º, n.º 1, e art.º 30.º, n.º 1, al. 10) da escritura pública do contrato.
(ii) Fundamento errado para a aplicação da sanção – aplicação errada do art.º 6.º, n.º 1 da “escritura pública do contrato”
C. O artigo 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato dispõe:
“Artigo 6.º
Responsabilidade da concessionária
1. A concessionária é responsável por erros ou omissões imputáveis à própria, aos seus trabalhadores, ou às entidades por ela subcontratadas, por negligência ou inaptidão profissional.
(…)”
(negrito e sublinhado nosso)
D. Caso for determinado que a conduta do condutor em causa constitui uma violação da escritura pública do contrato, a entidade recorrida ainda deve verificar que a conduta do condutor em causa pertence aos “erros ou omissões por negligência ou inaptidão profissional” previstos no art.º 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, o que se encontra preenchido o pressuposto da aplicação do art.º 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato para decidir a aplicação de multa.
E. Quanto ao condutor de táxi, ou seja, o empregado da recorrente, a sua atribuição profissional é a prestação de habilidade de conduzir veículo e de serviços de transporte, para garantir a segurança de condução e a eficiência dos serviços de transporte.
F. a recorrente entende que, as palavras “profissional” e “aptidão profissional” estão incluídas no art.º 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, pela razão de que tem intenção de fazer com que este artigo não seja aplicável à concessionária de serviços públicos quando o acto é apenas imputável aos seus trabalhadores ou às entidades por ela subcontratadas e não tem nada a ver com a natureza de serviços, nomeadamente o acto praticado pelos trabalhadores ou entidades por ela subcontratadas em violação das ordens expressas ou instruções dadas pela concessionária de serviços públicos. Caso contrário, a concessionária de serviços públicos (ou seja, a recorrente) será punida pela autoridade, por acto ou juízo que ele não pode controlar de forma alguma.
G. No caso vertente, o condutor em causa aguardou e tomou passageiros como o táxi geral (esta expressão é meramente hipotética), constituiu uma violação da escritura pública do contrato, mas, o que nada tem a ver com a sua aptidão profissional ou não. Para além disso, esta conduta não foi instruída ou autorizada pela recorrente.
H. Portanto, é evidente que os factos da presente causa não se enquadram no âmbito do art.º 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, ou seja, o acto recorrido padece da interpretação errada do disposto no art.º 6.º, n.º 1 da escritura pública do contrato e, em consequência, enferma do vício do fundamento errado para a aplicação da sanção, pelo que o acto recorrido deve ser anulado nos termos do disposto no art.º 124.º do CPA.
Caso o Mm.º Juiz não concorde com o entendimento acima indicado, deve ainda atender a:
(iii) Violação do princípio da proporcionalidade - a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
I. No ponto 4.4 da informação n.º 2236 (sic.)/DGT/F.C/2020, são as seguintes circunstâncias consideradas pela entidade recorrida, pelas quais não tomou uma decisão da isenção da punição prevista no art.º 30.º, n.º 1 da escritura pública do contrato:
“4.4 … Relativamente ao pedido da concessionária da isenção da punição, nos termos do disposto no art.º 30.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, esta isenção depende dos casos apenas resultantes de força maior ou por motivos que não sejam imputáveis à concessionária, devidamente comprovados pela mesma e aceites pela DSAT. Quanto ao pedido da concessionária da isenção da punição, importa salientar que, dispõe-se no artigo 8.º, al. 6) (sic.) da escritura pública do contrato: “a concessionária deve prestar aos condutores de táxis especiais formação antes do seu início de funções e formação anual. Cada acção de formação deverá ter um mínimo de duas horas e ter como conteúdo de aprendizagem línguas estrangeiras, legislação relacionada, qualidade de serviços, entre outros.” e, dispõe-se no artigo 18.º, al. 2) (sic.) da mesma: “a concessionária deve fornecer aos seus trabalhadores formação periódica, a fim de os dotar de conhecimentos e informações correctas sobre segurança.”, pelo que todos os tipos de formação fornecidos pela concessionária aos condutores visam cumprir as obrigações contratuais, bem como as informações constantes da contestação demonstram que a concessionária só prestou ao condutor em causa uma formação antes do seu início de funções, e não prestou as necessárias formações anuais e periódicas; mais, mesmo que a concessionária tenha declarado que, através do contrato de trabalho celebrado com o condutor em causa, da explicação ao mesmo do “Manuel de trabalho do condutor” a observar, entre outros, requereu que tal condutor deveria cumprir as leis e os regulamentos da indústria e as disposições da escritura pública do contrato, mas, de acordo com tais informações, demonstra-se que a concessionária só lembrou o condutor na formação antes do seu início de funções de que os rádios táxis são proibidos entrar ou permanecer na equipa de táxis pretos, sita nos hotéis, casinos e postos fronteiriços (praças de táxis), mas, nas medidas de punição para os seus trabalhadores (os condutores) pela violação dos regulamentos e regime não foi enunciada a penalidade correspondente a tal acto, o que mostra que o custo da violação não tem a dissuasão suficiente. Daí, não se pode ver que a concessionária fez o seu melhor para cumprir todas as obrigações de gestão dos seus trabalhadores. Uma vez que não há provas que comprovem a existência dos motivos não imputáveis à concessionária, a mesma não possui os requisitos da isenção de multa.”
J. A entidade recorrida entende que a recorrente não fez o seu melhor para cumprir todas as obrigações de gestão dos seus trabalhadores, pelo que não se encontrava preenchido o art.º 30.º, n.º 1 da escritura pública do contrato, cujos fundamentos se resumem a seguir: (1) Sendo que a recorrente, na formação antes do início de funções de condutores, já referiu a proibição de aguardar pelos clientes nas praças de táxis, mas, a prestação de vários tipos de formação pela recorrente aos condutores visava apenas cumprir as obrigações contratuais; e, (2) No regime da violação dos regulamentos, a recorrente não enunciou uma penalidade correspondente ao acto de aguardar e tomar passageiros nas praças de táxis, pelo que a dissuasão não é suficiente.
K. A recorrente não se conforma com o entendimento acima referido. Em primeiro lugar, a recorrente prestou ao condutor em causa a formação antes do seu início de funções, e foi exibido na formação um “lembrete importante” com tamanho da fonte maior, expressando definitivamente que “o rádio táxi é proibido entrar ou permanecer nas seguintes áreas: 1. É proibido entrar ou permanecer na equipa de táxis pretos, sita nos hotéis, casinos e postos fronteiriços (praças de táxis)”.
L. Há que salientar que, a recorrente já deu ordens e instruções expressas ao condutor em causa: é proibido entrar ou permanecer na equipa de táxis pretos, sita nos hotéis (praças de táxis), e na audiência do condutor em causa, o mesmo disse ficar ciente desta restrição.
M. A escritura pública do contrato contem as obrigações de exigir que a recorrente tenha de prestar as formações aos condutores, mas por isso, não deve ser considerado que a recorrente não fez o seu melhor para gerir os condutores.
N. Mais, a recorrente alertava sempre o condutor em causa para cumprir a lei, os regulamentos e as disposições da escritura pública do contrato, mas, o mesmo não cumpriu as exigências da recorrente e o regime estatutário, sendo obviamente que não se trata de acto praticado por ordem da recorrente ou permitido pela mesma, tratando-se de acto pessoal do condutor em causa na desobediência às instruções dadas pela recorrente.
O. Quanto ao ponto (2) dos fundamentos, a recorrente entende que a entidade recorrida interpretou erradamente o conteúdo do manual de trabalho do condutor, entendendo erradamente que não haja penalidade correspondente ao acto de os condutores aguardar e tomar passageiros nas praças de táxis.
P. No “Manual de trabalho do condutor” apresentado pela recorrente na audiência escrita, a recorrente tem o direito de rescindir o contrato de trabalho, e tem as competências para não emitir os prémios, suspender o trabalho e prestar novamente a formação.
Q. Quando a recorrente recebeu a 1.ª notificação da DSAT em 20 de Novembro de 2020 e teve conhecimento do incidente, de imediato, veio saber o incidente junto do condutor em causa, emitiu-lhe uma advertência por escrito e, por causa disso, despediu o condutor em causa no dia 28 de Novembro. A recorrente, como a empregadora, já tomou as medidas mais severas que poderia tomar.
R. Uma boa cultura da empresa deve estabelecer um mecanismo de prémios e punições, reconhecido pelos trabalhadores e executável, com base na proporcionalidade e equidade, e determinar o meio punitivo conforme as circunstâncias concretas do caso e a perversidade do acto. O efeito do mecanismo de prémios e punições não pode ser simplesmente julgado pela severidade da punição.
S. Como refere a recorrente na sua contestação escrita, no caso da falta de condutores no mercado local de Macau, desde o seu início de funcionamento até 2020, a companhia já dissuadiu a demissão dos 380 condutores e demitiu imediatamente 81 condutores que cometeram as infracções e não atingiram os padrões, bem como 15 condutores não passaram o período experimental. Daí pode-se saber que a recorrente presta muito atenção aos condutores na sua disciplina e no cumprimento da lei.
T. No caso vertente, de acordo com a contestação da recorrente, basta verificar-se que a recorrente administrou a conduta do condutor em causa.
U. As provas objectivas também demonstram que a recorrente tomou múltiplos mecanismos de gestão: a formação antes do início de funções (na qual salienta-se que o acto em causa não pode ser praticado), a gestão e lembrança frequente, a publicação do “Manual de Trabalho de Condutor”, o despedimento do condutor em causa logo após a descoberta do incidente. Faca a tal, a recorrente já fez o seu melhor para gerir. Na norma objectiva, a recorrente já cumpriu todas as obrigações de gestão para com os trabalhadores no âmbito da sua competência.
V. Pelo exposto, uma vez que a entidade recorrida reconheceu erradamente os factos constantes dos autos, existem o erro e a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, pelo que o acto da entidade recorrida violou o princípio da proporcionalidade e, nos termos do disposto nos art.º 20. º e art.º 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC e art.º 124.º do CPA, o acto recorrido deve ser anulado.
Caso o Mm.º Juiz não concorde com o entendimento acima indicado, deve ainda atender a:
(iv) Violação do princípio do inquisitório
W. O órgão administrativo deve procurar adoptar as medidas que são consideradas convenientes para a justa e rápida decisão; e, a entidade que exerce a competência punitiva deve averiguar todos os factos importantes para a decisão nos termos do disposto nos art.º 85.º e art.º 86.º do CPA.
X. Então, antes de a entidade que exerce a competência punitiva tomar uma decisão, o interessado do processo não tem qualquer infracção administrativa. A entidade que exerce a competência punitiva não pode presumir ou supor que o interessado do processo já cometeu infracções contratuais e pode ser imputável.
Y. A sanção é aplicada à recorrente quando, através das provas produzidas, verifica-se que a interessada tem as alegadas infracções administrativas e, que as alegadas infracções administrativas da recorrente têm culpas e são imputáveis.
Z. Importa salientar que, analisando todos os elementos e provas constantes dos autos, excepto uma fotografia, as demais provas constantes do processo administrativo (incluindo os respectivos dados e informações constantes do sistema da análise estatística dos dados operacionais dos rádios táxis de Macau e do sistema inteligente de gestão de chamadas de Macau) não podem conduzir à conclusão de que “a recorrente permitiu dolosamente / culpadamente o condutor em causa para prestar ao passageiro os serviços de chamada de táxis especiais fora do centro dos serviços de táxis ou instruiu o condutor a entrar em uma área que é proibido entrar”.
AA. No processo administrativo, a entidade recorrida não realizou outras diligências probatórias, nomeadamente a realização de audiência do queixoso, da testemunha, do passageiro e condutor em causa.
BB. Nestes termos, o acto recorrido deve ser anulado nos termos do disposto nos art.º 20.º e art.º 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC e art.º 124.º do CPA.
Pelo exposto, requer ao Mm.º Juiz que se digne julgar o presente recurso contencioso procedente:
- Por o acto recorrido padecer do vício do erro na interpretação da lei, e em consequência, anular o acto recorrido;
- Caso o Mm.º Juiz não concorde com o entendimento acima indicado, requer que se digne anular o acto recorrido, por o mesmo padecer dos vícios da violação do princípio da proporcionalidade e da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
- Caso o Mm.º Juiz não concorde com o entendimento acima indicado, requer que se digne anular o acto recorrido, por o mesmo padecer do vício da violação do princípio do inquisitório.
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas contestar com os fundamentos constantes de fls. 211 a 217, defendendo-se por excepção – ilegitimidade do Recorrente por ter pago a multa sem ter feito qualquer reserva – e por impugnação.
  
  A Recorrente respondeu à matéria da excepção invocada pugnando pela sua improcedência.
  
  Pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade invocada.
  
  Relegada para final a apreciação da excepção, as partes foram notificadas para apresentarem alegações facultativas o que fizeram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
  
  Invoca a Entidade Recorrida a ilegitimidade da Recorrente para interpor recurso porquanto a mesma procedeu ao pagamento da multa sem reserva.
  Relativamente a esta questão pelo ilustre magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «Visto.
  No presente recurso vem impugnado o acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que aplicou à Recorrente, A S.A., uma multa contratual no valor de MOP$10.000,00.
  A Entidade Recorrida, na sua douta contestação, invocou a excepção dilatória da aceitação tácita do acto recorrido por parte da Recorrente dado que esta, no dia 31 de Março de 2021, procedeu ao pagamento voluntário da referida quantia.
  A Recorrente respondeu à matéria exceptiva da contestação no sentido de que o dito pagamento não pode valer como aceitação tácita do acto.
  Vejamos.
  De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 34.º do CPAC, «não pode recorrer que, sem reserva, total ou parcial, tenha aceitado, expressa ou tacitamente, o acto, depois de praticado», esclarecendo o n.º 2 do referido artigo que «a aceitação tácita é a que deriva da prática espontânea de facto incompatível com a vontade de recorrer».
  A aceitação do acto, como assinala a doutrina, é um pressuposto processual negativo autónomo do recurso contencioso cuja ocorrência impede o conhecimento pelo juiz do mérito da causa (assim, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 907 e, no mesmo sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Aceitação da nomeação versus aceitação do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, Janeiro/Fevereiro 2003, p. 45. Em sentido não coincidente, reconduzindo a aceitação do acto ao pressuposto processual geral do interesse em agir, VASCO PEREIRA DA SILVA, Do Velho se Fez Novo: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos, in Temas e Problemas de Processo Administrativo, e-book, 2.ª edição, 2011, p. 95).
  Ainda de acordo com o mesmo Autor, «a figura da aceitação compõe-se de um (mero) acto jurídico voluntário, que exprime a conformação do particular com os efeitos da decisão, e de um efeito preclusivo legalmente determinado, que torna a impugnação impossível para o aceitante» (cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação…, p. 933).
  No que à aceitação tácita concerne, parece-nos correcto considerar que, estando em causa matéria atinente à garantia de acesso aos Tribunais Administrativos consagrada com carácter fundamental no artigo 36.º da Lei Básica, o respectivo conceito legal deve ser objecto de interpretação restritiva, de modo que «só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção», importando que a conduta levada a cabo «tenha um significado unívoco, de modo que dele se depreenda, sem margem para dúvidas o propósito de não recorrer pelo acatamento da determinação contida no acto administrativo» (assim, na jurisprudência portuguesa, o acórdão do STA de 23.11.2010, processo n.º 985/09, disponível em www.dgsi.pt).
  Ora, nos casos em que o acto administrativo determinou o pagamento de uma quantia em dinheiro e em que a conduta susceptível de consubstanciar uma aceitação tácita é o pagamento dessa quantia, não podem, parece-nos, deixar de ser ponderadas as concretas circunstâncias em que esse pagamento ocorreu.
  Em nosso modesto entender, em princípio, o pagamento voluntário de uma quantia por parte do particular na sequência de um acto administrativo que ordenou esse pagamento não consubstancia uma conformação com os efeitos do acto que retira razão de ser à respectiva impugnação. É que, não podemos perder de vista, os actos administrativos são executórios logo que eficazes [artigo 136.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] e o cumprimento das obrigações que derivam de um acto administrativo pode ser imposto coercivamente pela administração sem recurso prévio aos tribunais (artigo 136.º, n.º 2 do CPA). Por isso, o incumprimento voluntário de uma acto administrativo que imponha obrigações, nomeadamente de natureza pecuniária, é susceptível de implicar consequências desfavoráveis para o particular, sujeitando-o a uma execução coerciva que ele pode querer, legitimamente, evitar pelo pagamento, sem que daí se possa extrair que o mesmo se conformou com o acto impositivo, de uma forma irremediavelmente incompatível com a possibilidade de o submeter à sindicância judicial.
  Também nós entendemos, assim, que «se a aceitação dos efeitos desfavoráveis do acto e, em especial, o cumprimento das suas determinações pode resultar de um receio (que se considera normal) das consequências do não cumprimento, designadamente de actos com força executória, o juiz não considera verificada a hipótese legal de aceitação» (nestes termos, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação…, p. 924).
  No caso em apreço, afigura-se-nos razoável, salvo o devido respeito pela opinião contrária, considerar que a Recorrente terá procedido ao pagamento voluntário da quantia da multa aplicada pela Entidade Recorrida para evitar as consequências desfavoráveis associadas a uma eventual mora, em especial, a execução por parte da Administração da caução prestada, nos termos que, aliás, resultavam da própria notificação do acto. Por isso, cremos que não deve atribuir-se a tal pagamento o carácter de aceitação tácita do acto administrativo recorrido.
  Parece-nos, pois, que não se verifica a excepção dilatória da aceitação do acto invocada pela Entidade Recorrida pelo que promovo, face ao exposto, a notificação das partes para alegações facultativas.».
  Neste sentido veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, pág. 261: «7 – Deve acrescentar-se que, Segundo alguma jurisprudência, não produzem efeito preclusivo do recurso as aceitações ditadas por situações de necessidade ou de premência, como, por exemplo, acontece quando estão em causa custos adicionais que o pagamento imediato consegue evitar (juros de mora, custas processuais em execução fiscal, etc.). Neste sentido, por exemplo, na RAEM, ver o Ac. TSI, de 28/02/2013, P. 172/2012, 15/05/2014, Proc. nº 101/2012; de 29/05/2014, Proc. nº 298/2013; em Portugal, o Ac. do STA/Pleno, de 5/05/2005, P. 01002/02
  Nós pensamos, efectivamente, que nesse caso haverá que dar oportunidade à parte de poder invocar e provar em tribunal que a sua atitude se deveu a uma causa concreta que não pode ser interpretada como vontade livre de aceitar o acto.».
  Igualmente relevante se mostra também a anotação nº 5 ao artº 34º no Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado de Viriato Lima e Álvaro Dantas: «Nos termos que resultam da própria letra do preceito contido no n.º1 do artigo sob anotação, a aceitação pode ser expressa ou tácita, sendo que esta última é a que deriva da prática espontânea e sem reserva de facto incompatível com a vontade de recorrer. Uma vez que está em causa matéria atinente à garantia de acesso à Justiça Administrativa que encontra acolhimento no artigo 36.º da Lei Básica, importa interpretar restritivamente o preceito em análise de modo que “só uma aceitação livre, incondicionada e sem reservas poderá ser entendida como impeditiva do direito de acção”. Estando em causa a aceitação tácita, importa referir que “a incompatibilidade com a vontade de recorrer decorre da qualificação jurídica que se efectue a partir de um facto ou conjunto de factos dos quais se possa depreender uma declaração tácita de aceitação do acto”. Constitui, por isso, uma questão de direito.».
  Destarte, acompanhando o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público não se pode ver no pagamento da multa, um comportamento livre e unívoco que sem margens para dúvidas nos permita concluir ter tacitamente aceite o acto.
  Assim sendo, impõe-se concluir que não houve aceitação do acto e consequentemente serem as partes legítimas, improcedendo a invocada excepção.
  
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos factos

a) Em 22.09.2016 entre a RAEM e a Recorrente foi celebrada a escritura pública de Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais cujo extracto foi publicado na II série do BO nº 42 de 19.10.2016 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Trafego notificou a ora Recorrente nos termos que constam de fls. 51 a 52 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais no sentido de que em 18 de Novembro de 2018 o trabalhador da Concessionária, C, aguardou por clientes nas paragens de táxis no Edifício do Posto Fronteiriço de Macau da Ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau, era suspeito de ter violado o disposto no artº 7º nº 2 do Anexo III do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais – cf. traduzido a fls. 295 a 297 -;
c) A ora Recorrente apresentou contestação àquela notificação – cf. 53 a 54 traduzido a fls. 299 a 302 -;
d) Pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego foi lavrada a proposta nº 3560/DGT/F.C/2020 a qual consta de fls. 95 a 98 e respectivos anexos (traduzida a fls. 357 a 363) e cujo teor é:
06211/GSTOP/EN/2020
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego
Parecer:

Exm.º Secretário:
Concordo com a análise e sugiro a aplicação da multa à concessionária, submeto à autorização do Exm.º Secretário.

Ass.: vide o original
Aos 10 de Dezembro de 2020

Exm.º Director:
Visto. Concordo com a análise, sugiro o indeferimento da respectiva defesa por escrito e a aplicação da multa à concessionária.
Submeto à consideração superior.

O sub-director
Ass.: vide o original
Aos 9 de Dezembro de 2020
Despacho:

Concordo.

Aos 11 de Dezembro de 2020
Ass.: vide o original

AO SDL
Ass.: vide o original
Aos 11 de Dezembro de 2020

AO DDGT
Ass.: vide o original
Aos 14 de Dezembro de 2020

À DSAT
Ass.: vide o original
Aos 15 de Dezembro de 2020

Assunto: Aplicação de multas à A Macau, S.A. relativa a permanência de táxi especial em paragens destinadas a táxis normais
Informação n.º: 3560/DGT/F.C/2020
Data: 27/10/2020

1. Quanto ao assunto de um táxi especial aguardar por clientes nas paragens de táxis no Edifício do Posto Fronteiriço de Macau da Ponte Hong Kong - Zhuhai - Macau (perto da sala de chegadas sita no R/C) (vide o Anexo I), depois da verificação das informações do sistema de análise dos dados de operação de táxis especiais de Macau e do sistema de gestão de chamadas inteligentes de Macau (cfr. o Anexo II), o condutor de táxi envolvido no caso (de matrícula MW-XX-XX) é C (C) (titular do cartão de identificação de condutor de táxi n.º XXXXX), era suspeito da prática dos actos supracitados em 18 de Novembro de 2018, por volta das 01h15, e da violação do art.º 19.º n.º 1 do «Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e A Macau, S.A.» em 2016 (adiante designado por “Contrato”), segundo o qual, a Concessionária só pode prestar o serviço de táxis especiais, imediato ou por marcação, por telefone e através da Central, prestando ao mesmo tempo o serviço, imediato ou por marcação, de táxis acessíveis, entre outros serviços relativos ao presente Contrato. E nos termos do art.º 7.º n.º 2 do seu Anexo III, os táxis especiais não poderão permanecer em paragens destinadas a táxis normais (cfr. o Anexo III).
2. Ao abrigo do despacho proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 16 de Janeiro de 2020, na Informação desta Direcção n.º 0919/DGT/F.C/2020 (cfr. o Anexo IV), esta Direcção instaurou o processo de multa, no valor de MOP$10.000,00, à A Macau, S.A. (adiantes designada por “Concessionária”), em 4 de Março de 2020, através do ofício n.º 2002174/00972/DGT/F.C/2020 (cfr. o Anexo V) nos termos do art.º 6.º n.º 1 e do art.º 30.º n.º 1 al. 10) do Contrato, e notificou a Concessionária para que esta apresente a sua defesa por escrito escrita no prazo de 10 dias ao abrigo do art.º 30.º n.º 2 do Contrato.
3. Tendo recebido a Concessionária a referida notificação da instauração do processo de sanção em 24 de Março de 2020, esta Direcção recebeu duas defesas idênticas por escrito entregues pela Concessionária em 2 de Abril de 2020 dentro do prazo (entradas n.ºs 2000060729 e 2000017658) (cfr. os Anexos VI e VII), com os seguintes fundamentos de defesa:
3.1. A Concessionária declarou que não estava ciente após a ocorrência do caso e começou a investigação logo depois do recebimento da notificação desta Direcção.
3.2. Através do contrato de trabalho celebrado com este condutor de táxi (n.º DD/8HR/1805/MT)), a Concessionária explicou-lhe que ele deve obedecer ao manual de trabalho de condutores e forneceu aos condutores a formação antes do início de funções, obrigando os condutores o cumprimento dos regulamentos e leis do sector e das cláusulas do contrato, sob pena da redução de prémio. E na respectiva formação antes do início de funções, a Concessionária ressaltou que os táxis especiais não estão autorizados a entrar ou permanecer nas paragens de táxis pretas nos hotéis, casinos ou postos transfronteiriços de saída. Além disso, a Concessionária forneceu ainda a formação em grupos aos condutores em serviço para fortalecer a consciência do cumprimento da lei.
3.3. In casu, o acto de infracção desde condutor de táxi era acto individual, sem instrução ou mandato da Concessionária, e a Concessionária, por sua vez, aplicou-lhe a sanção interna (carta de advertência) e em 28 de Novembro de 2018 despediu este condutor de táxi (vide o Anexo VIII).
(… …)
4. (…) conhecimentos e informações sobre a segurança. Portanto, a Concessionária, ao fornecer várias formações, apenas estava a cumprir a sua obrigação contratual, o que não pode ser considerado como motivo de inimputabilidade. Além disso, de acordo com os dados da defesa, a Concessionária apenas forneceu a formação antes do início de funções ao condutor de táxi, sem nenhuma formação anual ou regular necessária; e não obstante a Concessionária alegou que tinha explicado ao condutor de táxi, no momento da celebração do contrato de trabalho, que devia cumprir os regulamentos e as leis do sector e as cláusulas do contrato, sob pena da redução de prémio. E na respectiva formação antes do início de funções, a Concessionária ressaltou que os táxis especiais não estão autorizados a entrar ou permanecer nas paragens de táxis pretas nos hotéis, casinos ou postos transfronteiriços de saída, no entanto, nas sanções estipuladas pela violação do regime regulamentar não se indica a sanção correspondente ao acto de infracção em causa, o que mostra que o custo da infracção não tem força intimadora, pelo que não se verifica que a Concessionária fez o seu melhor para cumprir a obrigação de gestão dos trabalhadores dentro do escopo da sua capacidade. Nem se verifica a prova da existência do motivo não imputável à Concessionária, pelo que a Concessionária não satisfaz o requisito da isenção da multa.
5. Caso o superior concorde com a análise supracitada, sugere-se ao Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas que autorize:
Dado que há provas suficientes de que o trabalhador da Concessionária violou o art.º 19.º n.º 1 do Contrato, conjugado com o art.º 7.º n.º 1 do Anexo III e os fundamentos da defesa apresentados pela Concessionária não podem ilidir a respectiva acusação que lhe foi deduzida, sugere-se a aplicação da multa à Concessionária, no valor de MOP$10.000,00, nos termos do art.º 6.º n.º 1 e do art.º 30.º n.º 1 al. 10) do Contrato.
Caso seja autorizada a referida sugestão, notifique a Concessionária nos termos legais.

   O chefe do Departamento
   Ass.: vide o original
   XXX
   09 de Dezembro de 2020

   O chefe da Divisão
   Ass.: vide o original
   XXX
   07 de Dezembro de 2020

   O chefe funcional
   Ass.: vide o original
   XXX
   27 de Outubro de 2020

   O técnico superior
   Ass.: vide o original
   XXX

Anexo I: Captura de tela fornecida pelo cidadão;
Anexo II: Informações do sistema de análise dos dados de operação de táxis especiais de Macau e do sistema de gestão de chamadas inteligentes de Macau
Anexo III: cópia das respectivas cláusulas do Contrato;
Anexo IV: cópia da Informação n.º 0919/DGT/F.C/2020;
Anexo V: cópia do Ofício n.º 2002174/00972/DFT/F.C/2020;
Anexo VI: defesa por escrito (entrada n.º 2000060729) e a sua cópia em anexo;
Anexo VII: defesa por escrito (entrada n.º 2000017658) e a sua cópia em anexo;
Anexo VIII: cópia da notificação da cessação do contrato de trabalho;
Anexo IX: explicação da Concessionária (registo de e-mail);
Anexo X: referência à minuta revisada pela Divisão de Apoio Jurídico.
SPU
Proposta n.º3560/DGT/F.C/2020 - Sumário
Assunto : Aplicação de multas à A Macau, S.A. relativa a permanência de táxi especial em paragens destinadas a táxis normais
Foi recebida uma queixa de um cidadão relativa à espera de passageiros por parte de um táxi especial na praça destinada a táxis normais junto ao Edifício do Posto Fronteiriço de Macau da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau (Sala de Chegadas no r/c). Após uma investigação conduzida por esta Divisão, verificou-se que o motorista da A de Macau (concessionária) em causa, depois de transportar os passageiros do Hotel Parisian para a Ponte Hong Kong - Zhuhai - Macau, dirigiu-se à praça de táxis para esperar por novos passageiros. Já na praça, o motorista ajudou os novos passageiros a pedir o serviço de táxi especial, para o destino Rua de Francisco Xavier Pereira. Durante todo o tempo o táxi especial em causa encontrou-se em estado de exploração “A transportar passageiros”, comprovado pela própria cobrança. A concessionária e o motorista em causa admitiram a prática de acto acima referido. Uma vez que a concessionária não cumpriu as obrigações de gestão dos seus trabalhadores dentro do âmbito de capacidades e sem fundamentos não imputáveis à concessionária, concluiu-se que a mesma não reuniu requisitos para a isenção da aplicação de sanções.
Face ao exposto, o trabalhador da concessionária violou o disposto previsto no n.º do artigo 19.º da “Escritura Pública do Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e A Macau, S.A.” em 22 de Setembro de 2016 (escritura pública) que determina que a “Concessionária só pode prestar o serviço de táxis especiais, imediato ou por marcação, por telefone e através da Central, prestando ao mesmo tempo o serviço, imediato ou por marcação, de táxis acessíveis, entre outros serviços relativos ao presente Contrato.” Em conjugação com o disposto previsto no n.º 2 do artigo 7.º do Anexo III, “os táxis especiais não poderão permanecer em paragens destinadas a táxis normais.” Os fundamentos da defesa apresentados pela concessionária não conseguiram ilidir as acusações feitas contra ela.
Propõe-se ao Senhor Secretário para os Transporte e Obras Públicas que seja autorizada a aplicação de multa à concessionária no valor de $10 000,00 (dez mil patacas), nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da escritura pública, “a Concessionária é responsável por erros ou omissões imputáveis à própria, aos seus trabalhadores, ou às entidades por ela subcontratadas, por negligência ou inaptidão profissional” e da alínea 10) do n.º 1 do artigo 30.º “Por outras infracções ao presente Contrato, no valor de $ 10 000,00 (dez mil patacas)”.
e) Com base no conteúdo da proposta referida na alínea anterior pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obres Públicas foi aplicada à ora Recorrente a multa de MOP10.000,00 – cf. fls. 95 -.

2. Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «(…)
  (i)
  Começa a Recorrente por alegar que o acto que nos presentes autos impugna enferma de erro nos pressupostos de direito em virtude de a Entidade Recorrida ter aplicado indevidamente o artigo 6.º, n.º 1 do «Contrato da Exploração da Indústria de Transportes de Passageiros em Táxis Especiais» (doravante, Contrato).
  Parece-nos que não tem razão. Procuraremos demonstrar porquê.
  De acordo com o estabelecido no artigo 6.º, n.º 1 do Contrato, ao abrigo do qual foi praticado o acto recorrido, «a concessionária é responsável por erros ou omissões imputáveis à própria, aos seus trabalhadores, ou às entidades por ela subcontratadas, por negligência ou inaptidão profissional».
  Compreende-se que a responsabilidade da concessionária perante a Região se não circunscreva às suas próprias condutas, mas, além disso, abranja também as dos seus trabalhadores. Uma tal previsão contratual não é senão a expressão daquilo que, em geral, está previsto no nosso ordenamento jurídico em matéria de responsabilidade contratual das entidades patronais por actos dos seus trabalhadores.
  Como se sabe, em geral, a actuação dos trabalhadores do devedor, mesmo quando seja ilícita, constitui um risco da própria empresa, representando algo com que o empregador tem de contar. O devedor utiliza como meio de cumprimento da obrigação os seus trabalhadores e por isso o risco associado a tais meios corre por sua conta, responsabilizando-o (neste sentido, veja-se, por exemplo, CLÁUDIA ALEXANDRE DOS SANTOS MADALENO, A Responsabilidade Obrigacional Objectiva por Facto de Outrem, Dissertação de Doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2014, disponível online, p. 492).
  O devedor que se aproveita de auxiliares no cumprimento da obrigação, como são os seus trabalhadores, «fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas um instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização destes» (assim, VAZ SERRA, citado em PIRES DE LIMA – ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª edição, reimpressão, pp. 55-56).
  Aliás, de acordo com o n.º 1 do artigo 789.º do Código Civil, que, como norma geral, há-de servir de referência também na aferição da responsabilidade pelo incumprimento dos contratos administrativos, «o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor». Projecta-se, pois, no devedor o comportamento da pessoa que ele utilize no cumprimento da obrigação como se fosse acto seu: «the servant´s act is the master’s act» (neste sentido, apontando o facto de a norma do Código Civil Português correspondente ao artigo 789.º do nosso Código consagrar uma ficção jurídica, uma vez que ficciona que o comportamento dos auxiliares ou dos representantes legais é um comportamento do devedor, ficando este colocado em situação idêntica à que estaria se fosse ele próprio, pessoalmente, a cumprir a obrigação, veja-se MARIA DA GRAÇA TRIGO/RODRIGO MOREIRA, in Comentário ao Código Civil, Lisboa, 2018, p. 1114).
  Como resulta da cláusula contratual em referência, a concessionária responderá quando os seus trabalhadores incorram em erros ou omissões, abrangendo-se aqui, em primeira linha, as situações de violação das regras de execução do contrato, que lhes sejam imputáveis a título de negligência ou de inaptidão profissional.
  A este último propósito importa salientar que a boa doutrina aponta no sentido de que a aferição da culpa dos auxiliares do devedor é feita como se fosse a culpa do devedor e, portanto, o seu critério deve assentar na diligência e aptidões exigíveis ao devedor, não podendo este desculpar-se, por isso, com circunstâncias pessoais do auxiliar que a ele não aproveitem (assim, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Reimpressão, Coimbra, 2003, p. 261).
  Parece-nos que, deste modo, fica demonstrado o equívoco em que a Recorrente fez assentar a sua construção argumentativa, no que concerne ao campo de aplicação do artigo 6.º, n.º 1 do Contrato e, mais concretamente, quanto ao âmbito e pressupostos da sua responsabilização por actos dos seus trabalhadores.
  No caso, a Entidade Recorrida aplicou à Recorrente a multa contratual de 10 000,00 patacas em virtude de o condutor do táxi especial de matrícula MW-XX-XX, C, ter aguardado por clientes nas paragens de táxis do Edifício do Posto Transfronteiriço de Macau da Ponte Hong Kong- Zhuhai-Macau, contrariando o disposto no artigo 7.º, n.º 2 do Anexo III do Contrato.
  Tratou-se, como é bom de ver, de uma violação, por parte de um trabalhador da Recorrente, das disposições acordadas entre esta e a Região quanto ao modo de execução do Contrato, sendo, por isso, de qualificar como um erro para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º desse mesmo Contrato. Acresce que, tal violação se ficou a dever, no mínimo, a evidente negligência do trabalhador da Recorrente, pelo que, face ao que acima referimos, se nos afiguram plenamente verificados os pressupostos indispensáveis à aplicação à Recorrente da multa a que se refere a alínea 10) do n.º 1 do artigo 30.º do Contrato.
  (ii)
  Subsidiariamente, alegou a Recorrente que o acto recorrido enferma do vício de total irrazoabilidade no exercício de um poder discricionário.
  Em nosso modesto entendimento, esta alegação não colhe.
  Decorre do n.º 1 do artigo 30.º do Contrato que as violações contratuais aí elencadas darão lugar à aplicação de multas salvo casos resultantes de força maior ou por motivos que não sejam imputáveis à concessionária.
  A Recorrente considera que, no caso, os motivos da infracção não lhe são imputáveis uma vez que ela instruiu expressamente o seu trabalhador no sentido da observância por parte desta das regras de execução do contrato, nomeadamente da prevista no n.º 2 do respectivo artigo 7.º.
  Não é, porém, assim.
  Está em causa o incumprimento de um contrato administrativo por parte do contratante particular uma vez que foi em consequência desse incumprimento que a Entidade Recorrida aplicou a multa contratual contenciosamente impugnada.
  Como se sabe, o não cumprimento das obrigações emergentes de um contrato, incluindo, naturalmente, de um contrato administrativo, faz incorrer o incumpridor em responsabilidade contratual, podendo esta definir-se como «o dever jurídico que recai sobre alguém que outorgou um contrato e que consiste em ter de responder pelo incumprimento definitivo, pelo cumprimento defeituoso ou tardio das obrigações contratuais» (nestes termos, PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, Coimbra, 2015, pp. 585-586).
  Em Direito Administrativo, dentro da responsabilidade contratual é possível distinguir entre a responsabilidade civil e a responsabilidade administrativa. Aquela implica um dever de indemnizar um dano; esta pressupondo também um incumprimento contratual, consubstancia-se na aplica-se de sanções contratuais (cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito …, p. 586).
  No caso em apreço está em causa, como é bom de ver, a chamada responsabilidade administrativa contratual pois do que aqui se cuida é da impugnação de um acto administrativo de aplicação de multa contratual à Recorrente com fundamento no seu cumprimento defeituoso de determinadas obrigações emergentes do «Contrato».
  Como vimos no ponto (i) deste parecer, a Recorrente, no cumprimento da sua obrigação, utiliza auxiliares, no caso, trabalhadores seus, respondendo pelas suas falhas como se elas fossem suas. Daí que, ainda que, sem conceder, se possa admitir que o trabalhador da Recorrente não observou as suas instruções quanto ao modo de execução do contrato, nem por isso, a mesma deverá ser isentada da responsabilidade perante a Região, não se podendo dizer, por isso, que a infracção do contrato se ficou a dever a razões que lhe não são imputáveis. Vale aqui, reitera-se, a regra segundo a qual se projecta no devedor o comportamento da pessoa que ele utilize no cumprimento da obrigação como se fosse acto seu.
  Portanto, também neste nos parece que a pretensão impugnatória deduzida não poderá deixar de soçobrar.
  (iii)
  Finalmente, a Recorrente alegou que o acto recorrido padece de violação do princípio do inquisitório a que se refere o artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo.
  Com todo o respeito, cremos que também aqui a Recorrente labora em manifesto erro.
  Na verdade, parece-nos evidente, face a tudo quanto referimos e à natureza da responsabilidade da Recorrente perante a Região em virtude de acto praticados pelos seus trabalhadores, que a prática do acto agora impugnado foi o culminar de uma actividade procedimental no decurso da qual foi feita a recolha de todos os elementos probatórios tendentes a uma adequada fixação dos pressupostos de facto relevantes tendo em vista o preenchimento da previsão contratual habilitante da actuação administrativa agora sindicada. De resto, a Recorrente, em rigor, não impugnou tais pressupostos.
  Sem necessidade de ociosos considerandos, não ocorreu, a nosso humilde ver, qualquer violação do princípio do inquisitório geradora da invalidade do acto recorrido que lhe foi assacada pela Recorrente
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  Concordando, novamente, com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que improcedem os fundamentos de recurso quanto aos vícios imputados ao acto impugnado, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 7 de Abril de 2022
   Rui Carlos dos Santo P. Ribeiro
   Lai Kin Hong
   Fong Man Chong
M°P°
Álvaro António Mangas Abreu Dantas



324/2021 REC CONT 1