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Processo n.º 117/2021 Data do acórdão: 2022-4-21
Assuntos:
– curso de formação sobre “as técnicas de obras de reparação”
– formadores vindos de Hong Kong para o curso em Macau
– crime de emprego
– art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004
– art.o 1.o, n.o 3, da Lei n.o 21/2009
– prestação de trabalho ocasional por não residente
– art.o 4.o, n.o 2, do Regulamento Administrativo n.o 17/2004
– limite para o tempo do exercício de actividades académicas em
Macau por não residente a convite de residente
S U M Á R I O
1. Sendo a actividade do curso de formação sobre “as técnicas de obras de reparação da casa” em causa no caso concreto dos autos – mesmo que se admitisse que se tratasse, aí, de autêntica relação de trabalho (por conta alheia) e não de prestação de serviço – subsumível à hipótese prevista no art.o 1.o, n.o 3, da Lei n.o 21/2009 (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) (em sintonia com a qual o disposto nessa Lei “não abrange o trabalho prestado na RAEM por não residentes [...] que se desloquem ocasionalmente à RAEM, a convite de uma entidade local, para participar em actividades [...] académicas [...]”), visto que, sobretudo, tal curso de formação não deixou de ser uma actividade académica, e foi o 2.o arguido, uma pessoa local em Macau, quem negociou com o 1.o arguido para organizar aqui um curso deste tipo, cabendo ao 1.o arguido arranjar formadores para Macau e ao 2.o arguido fornecer equipamentos e local para a realização do curso em Macau, não podem os 1.o e 2.o arguidos ser condenados pela prática, em sede do art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, do crime de emprego ilegal, em Macau, dos formadores vindos de Hong Kong para aquele curso.
2. A norma do n.o 2 do art.o 4.o do Regulamento Administrativo n.o 17/2004 (Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal) traça um limite máximo, inclusivamente, para o tempo do exercício, nos termos permitidos pela alínea 2) do n.o 1 deste próprio art.o 4.o, de actividades académicas em Macau por não residente de Macau a convite de pessoa singular ou colectiva sediada em Macau.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 117/2021
(Autos de recurso penal)
 Recorrente: Ministério Público
 Recorridos: 1.o arguido A
 2.o arguido B





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 241 a 250 do Processo Comum Singular n.o CR5-20-0276-PCS do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram absolvidos o 1.o arguido A e o 2.o arguido B da prática, em co-autoria material, na forma consumada, de três crimes de emprego ilegal, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto.
Inconformada, veio recorrer a Digna Delegada do Procurador para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na motivação apresentada a fls. 360 a 364 dos presentes autos correspondentes, o seguinte, para pedir a condenação dos dois arguidos nos ditos três crimes:
– a matéria de facto já dada por provada em primeira instância é suficiente para se julgar que os dois arguidos celebraram acordo no sentido de, por divisão de tarefas, recrutar três cidadãos de Hong Kong, não munidos de documentos legalmente exigidos para prestação de trabalho em Macau, para aqui trabalharem, não de modo esporádico;
– ademais, dos autos não há elementos a revelarem que os três cidadãos de Hong Kong em causa tenham chegado a pedir visto de entrada em Macau a Autoridades competentes de Macau, com fundamento na “participação de actividades religiosas, desportivas, académicas, culturais ou artísticas”, pelo que é de deduzir que esses três indivíduos entraram e permaneceram, na altura, em Macau, como turistas;
– assim sendo, ao caso deles três, não se pode aplicar o regime de excepção previsto no n.o 3 do art.o 1.o da Lei n.o 21/2009 (Lei da contratação de trabalhadores não residentes);
– devem, pois, os dois arguidos passar a ser condenados nos ditos três crimes de emprego.
Ao recurso, respondeu o 2.o arguido a fls. 370 a 380 dos presentes autos, a defender o julgado.
Respondeu também ao recurso o 1.o arguido a fls. 381 a 388 dos autos, no sentido de dever ser liminarmente rejeitado o recurso, ou, em qualquer caso, de dever ser negado provimento ao recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 399 a 400, opinando pela manutenção da decisão absolutória penal recorrida, por entender, no seu essencial, que: 1) de acordo com a matéria de facto provada, não havia “relação de trabalho” entre o 2.o arguido e os três cidadãos de Hong Kong em causa nos autos, e 2), quanto ao 1.o arguido, não constavam dos autos elementos probatórios bastantes para comprovar o recrutamento desses três indivíduos pelo 1.o arguido; e 3) a relação entre os arguidos, por um lado, e, por outro, e aqueles três indivíduos é compatível com a situação prevista na norma do n.o 3 do art.o 1.o da Lei n.o 21/2009, de ser o trabalho prestado em Macau por não residentes ao abrigo de um contrato de prestação de serviços ou na qualidade de trabalhadores de entidade não incluída no art.o 5.o da mesma Lei.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora impugnada pelo Ministério Público ficou proferida a fls. 241 a 250, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Segundo a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida:
– três cidadãos de Hong Kong foram encontrados pela Polícia de Macau a participarem, em 9 de Setembro de 2018, por arranjos do 1.o arguido, em acitividade respeitante à 6.a edição de um curso de formação sobre as “técnicas de obras de reparação da casa”, realizado no armazém, sito em Macau, de uma companhia de pinturas em Macau, cuja responsável é a mãe do 2.o arguido (sendo este portador do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, segundo os dados de identificação deste, constantes do intróito da sentença);
– foi o 2.o arguido quem negociou com o 1.o arguido (este, sendo um cidadão de Hong Kong, e na qualidade de responsável e formador de uma companhia de obras de reparação em Hong Kong) para organizar, em Macau, curso de formação sobre as técnicas de obras de reparação da casa, cabendo ao 1.o arguido recrutar formandos, arranjar formadores, e definir o conteúdo e horário do curso, e ao 2.o arguido fornecer equipamentos e local para a realização do curso em Macau;
– em Junho de 2018, ficou organizado tal curso no dito armazém, curso este que era dividido em partes teórica e prática;
– em 9 de Junho e 14 de Julho desse ano, o 1.o arguido entrou em Macau, para desempenhar as funções de formador no referido curso;
– em Agosto do mesmo ano, o 1.o arguido arranjou um cidadão de Hong Kong para vir para Macau para desempenhar funções de formador para o referido curso; nessa altura, o 1.o arguido negociou com um outro cidadão de Hong Kong para este vir para Macau para ser formador do referido curso;
– em 4 de Agosto do mesmo ano, o 1.o arguido levou esses dois indivíduos para entrarem em Macau, tendo estes dois desempenhado as funções de formador das partes teórica e prática do referido curso;
– em 5 de Agosto do mesmo ano, o 1.o arguido levou esses dois indivíduos a saírem de Macau;
– em 24 de Agosto, o 1.o arguido entrou em Macau, para desempenhar as funções de formador do referido curso;
– em 8 de Setembro do mesmo ano, o 1.o arguido arranjou um outro cidadão de Hong Kong para vir para Macau, para trabalhar no referido curso, no processamento de textos, na verificação de identidade de formandos e no registo de presença de formandos, etc.;
– em 8 de Setembro do mesmo ano, o 1.o arguido levou esse outro cidadão de Hong Kong e um daqueles cidadãos de Hong Kong acima referidos para entrarem em Macau; em 9 de Setembro do mesmo ano, um outro daqueles cidadãos de Hong Kong entrou em Macau; esses três indivíduos e o 1.o arguido chegaram ao local do curso no mesmo dia 9 de Setembro, às doze horas, para dar início, sob arranjos do 1.o arguido, à 6.a edição do curso em causa;
– os 1.o e 2.o arguidos não chegaram a tratar, para a própria pessoa do 1.o arguido e para esses outros três cidadãos de Hong Kong, de documentos de identificação exigidos legalmente para prestação de trabalho em Macau.
3. O Tribunal recorrido decidiu aí em absolver os dois arguidos da prática, em co-autoria material, na forma consumada, de três crimes de emprego ilegal, p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, por entender, no essencial, que:
– a relação entre o 2.o arguido e os três cidadãos de Hong Kong em causa nos autos não é relação contratual do trabalho prevista no art.o 1079.o do Código Civil;
– e quanto ao 1.o arguido, não se pode dar por provado que tenha sido ele o estabelecedor directo da relação de trabalho com aqueles três indivíduos;
– nem se pode dar por provado o carácter frequente ou permanente do curso de formação em causa nos autos;
– por fim, os mesmos três indivíduos devem estar abrangidos pela excepção prevista no n.o 3 do art.o 1.o da Lei n.o 21/2009.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, a Digna Delegada do Procurador ora recorrente assacou à decisão absolutória penal da Primeira Instância erro de aplicação do direito, para pedir a condenação dos dois arguidos nos três crimes de emprego p. e p. pelo art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004.
Entretanto, realiza o presente Tribunal de recurso que vista a matéria de facto dada por provada em primeira instância, é de subsumir a actividade do curso de formação em questão nos presentes autos – mesmo que se admitisse que se tratasse, no caso concreto dos autos, de autêntica relação de trabalho (por conta alheia) e não de prestação de serviço – à hipótese prevista na norma do n.o 3 do art.o 1.o da Lei n.o 21/2009 (Lei da contratação de trabalhadores não residentes), em sintonia com a qual o disposto nessa Lei “não abrange o trabalho prestado na RAEM por não residentes [...] que se desloquem ocasionalmente à RAEM, a convite de uma entidade local, para participar em actividades [...] académicas [...]”.
Isto porque: o curso de formação em questão nos autos sobre “as técnicas de obras de reparação da casa” não deixou de ser uma actividade académica, e foi o 2.o arguido, uma pessoa local em Macau, quem negociou com o 1.o arguido para organizar em Macau um curso deste tipo, cabendo ao 1.o arguido arranjar formadores para Macau; e atentas as já provadas datas de entrada e saída em/de Macau da própria pessoa do 1.o arguido e dos outros três cidadãos de Hong Kong, não seria provável terem todos esses quatro indivíduos (incluindo o próprio 1.o arguido) ficado em Macau a participarem, quer isolada quer conjuntamente, em qualquer das seis edições do mesmo curso de formação em questão, por tempo excedente, no total, para cada um deles, do limite máximo de “quarenta e cinco dias por cada período de seis meses, consecutivos ou interpolados”, de que se fala na norma do n.o 2 do art.o 4.o do Regulamento Administrativo n.o 17/2004 (Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal), norma esta que, como se sabe, traça um limite máximo, inclusivamente, para o tempo do exercício, nos termos permitidos pela alínea 2) do n.o 1 deste próprio art.o 4.o, de actividades académicas em Macau por não residente de Macau a convite de pessoa singular ou colectiva sediada em Macau.
Assim sendo, e sem mais indagação por desnecessária, os dois arguidos dos presentes autos não podem ser condenados em sede do tipo de ilícito penal de emprego do art.o 16.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas no recurso, atenta a isenção legal do Ministério Público das custas.
Macau, 21 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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