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Processo n.º 1011/2020 Data do acórdão: 2022-4-21
Assuntos:
– crime de injúria
– art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– falta de fundamentação da decisão do julgamento dos factos
– dispensa da pena
– art.o 180.o, n.o 2, do Código Penal
S U M Á R I O
1. A não aceitação pela arguida recorrente do resultado do julgamento dos factos feito pelo tribunal sentenciador não é susceptível de acarretar a alegada existência, em sede do art.o 355.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, do vício de falta de fundamentação da decisão condenatória penal.
2. Da letra do n.o 2 do art.o 180.o do Código Penal, no qual se usa o verbo poder, vê-se que a dispensa da pena aí em causa não é uma decisão obrigatoriamente imposta pelo legislador penal ao tribunal de julgamento da conduta de injúria, mas sim uma decisão facultativa, mesmo na hipótese de a ofensa ter sido provocada por conduta ilícita ou repreensível do ofendido.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1011/2020
(Recurso em processo penal)
Recorrente (1.a arguida): A
Não recorrente (2.o arguido): B






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 474 a 488 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-19-0220-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram condenados:
– a 1.a arguida A, como autora material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física (contra o 2.o arguido B), p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de 90 (noventa) dias de multa, e de um crime de injúria (contra o 2.o arguido), p. e p. pelo art.o 175.o, n.o 1, do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à quantia diária de MOP300,00 (trezentas patacas), no total, pois, de MOP40.500,00 (quarenta mil e quinhentas patacas) de multa (convertível em 90 (noventa) dias de prisão, no caso de não pagamento nem substituição por trabalho), com obrigação de pagar MOP1.000,00 (mil patacas) de indemnização ao 2.o arguido, arbitrada oficiosamente, para efeitos de reparação de danos morais sofridos por este, com juros legais a contar da data do próprio acórdão até integral e efectivo pagamento;
– e o 2.o arguido B, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física (contra a 1.a arguida A), p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa, e de um crime de injúria (contra a mesma 1.a arguida), p. e p. pelo art.o 175.o, n.o 1, do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à quantia diária de MOP100,00 (cem patacas), no total, pois, de MOP13.500,00 (treze mil e quinhentas patacas) de multa (convertível em 90 (noventa) dias de prisão, no caso de não pagamento nem substituição por trabalho), com obrigação de pagar MOP2.000,00 (duas mil patacas) de indemnização à 1.a arguida, arbitrada oficiosamente, para efeitos de reparação de danos morais sofridos por esta, com juros legais a contar da data do próprio acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformada, veio a 1.a arguida A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no seu essencial, e peticionando o seguinte, na motivação apresentada a fls. 505 a 543 dos presentes autos correspondentes:
– o acórdão recorrido é nulo nos termos do art.o 360.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), por falta de feitura, ao arrepio do art.o 355.o, n.o 2, do CPP, de exame crítico da prova quanto à condenação do crime de ofensa à integridade física;
– no caso dos autos a própria recorrente negou ter agredido ao 2.o arguido assistente B, o qual se queixou de ter sido ela quem o tinha agredido com um dedo na face, versão fáctica esta que foi desafirmada pela testemunha chamada C, cujo depoimento, em abono da recorrente, não foi aceite pelo Tribunal recorrido; entretanto, do teor do acórdão, não se alcança o porquê de julgar, por exemplo, o ofendido (2.o arguido) e o seu filho credíveis, ou, aliás, mais credíveis do que a recorrente e as outras testemunhas;
– com a falta de suporte e apenas as declarações do ofendido e do seu filho sobre a agressão por dedo da recorrente, e assim mesmo se verificando os ferimentos leves no relatório médico respeitante ao ofendido, nunca é seguro dar por provado que eram originados pelo dedo da recorrente, uma vez que da cena resultou que a recorrente e o ofendido caíram no chão, com possível geração de ferimentos a ambos durante essa confusão; ora, a decisão recorrida não cumpriu tal normativo do art.o 355.o, n.o 2, do CPP, uma vez que o Tribunal recorrido se limitou a referir que tomou convicção por confiar nas declarações do ofendido e da testemunha filho deste; tendo as declarações das partes sido contraditórias, impunha-se saber a razão de valorar as declarações do ofendido e do filho deste, em prejuízo da recorrente;
– e no tangente ao crime de injúria, deve ser aplicada a dispensa da pena nos termos do art.o 180.o, n.o 2, do CP, considerando-se que a recorrente e o arguido proferiram reciprocamente expressões injuriosas, com a achega de que foi o arguido quem primeiro abordou a recorrente com uma postura violenta e tom de voz exaltado e agressivo, o qual contribuiu e participou de modo significativo para a ocorrência dos factos, revelando sempre uma postura de procura de confronto.
Respondeu o Ministério Público a fls. 552 a 554, no sentido de improcedência da argumentação recursória da 1.a arguida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 566 a 567v, pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar, e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 474 a 488, cujo teor integral (incluindo a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nestes parâmetros, conhecendo.
Desde já, da questão, suscitada primeiramente na motivação do recurso da arguida, de incumprimento do art.o 355.o, n.o 2, do CPP por parte do Tribunal recorrido aquando da fundamentação probatória da decisão condenatória dela por crime de ofensa à integridade física contra o arguido.
Entende esta recorrente, nomeadamente, que esse Tribunal não explicitou, perante as versões fácticas contraditórias declaradas na audiência de julgamento, as razões por que valorou as declarações do ofendido e do filho deste, em prejuízo dela.
Não assiste, porém, razão a esta recorrente, dado que da leitura atenta da fundamentação probatória da decisão condenatória penal da Primeira Instância, resulta nítido que esse Tribunal, depois de enumerar, na parte II do texto do seu acórdão, os factos provados inclusivamente incriminatórios da conduta delitual penal de ofensa à integridade física então acusada também à arguida ora recorrente, já indicou quais as provas que, mediante o também já simultaneamente feito exame crítico concreto das mesmas, serviram para formar a sua convicção sobre esses factos provados (e no respeitante às razões pelas quais esse Tribunal acreditou mais na versão fáctica dita na audiência de julgamento pelo arguido e pelo filho deste, cujo depoimento foi tido pelo mesmo Tribunal como de conteúdo mais completo, ao contrário do carácter incompleto ou algo omitente do conteúdo do depoimento prestado pela tia (chamada C) da arguida na audiência, pode referir-se às considerações expostas, aliás minuciosamente, pelo mesmo Tribunal em sede da fundamentação probatória, a partir do último parágrafo da página 17 até ao primeiro parágrafo da página 19, ambas do texto decisório recorrido, a fls. 482 a 483 dos autos).
Daí que o acórdão recorrido não pode ser declarado nulo por alegada violação ao art.o 355.o, n.o 2, do CPP, ao contrário do pretendido pela arguida recorrente. De notar que uma coisa é fundamentação fáctica e probatória da decisão nos termos exigidos pelo art.o 355.o, n.o 2, do CPP, e outra coisa, bem distinta, é o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido. A não aceitação deste resultado do julgamento dos factos não é susceptível de acarretar a existência do vício de falta de fundamentação da decisão condenatória penal recorrida.
E agora da questão, finalmente posta pela arguida na sua motivação de recurso, de pretendida dispensa da pena do seu crime de injúria:
Segundo o art.o 180.o, n.o 2, do CP, o tribunal pode dispensar de pena o agente do crime de injúria se a ofensa tiver sido provocada por um conduta ilícita ou repreensível do ofendido.
Da letra deste preceito no qual se usa o verbo poder, vê-se que a dispensa da pena aí em causa não é uma decisão obrigatoriamente imposta pelo legislador penal ao tribunal de julgamento da conduta de injúria, mas sim uma decisão facultativa, mesmo na hipótese de a ofensa ter sido provocada por conduta ilícita ou repreensível do ofendido.
No caso, em face de toda a matéria de facto já descrita como provada no texto decisório recorrido, é de louvar também o acórdão recorrido (cfr. o art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP), no respeitante ao juízo de valor de não dispensa da pena do crime de injúria inclusivamente da arguida, designadamente à luz do art.o 180.o, n.o 2, do CP (cfr. as razões da não dispensa da pena inclusivamente deste crime da arguida, expostas a partir do último parágrafo da página 21 até à primeira linha da página 22, do texto decisório recorrido, a fl. 484 a 484v).
Naufraga, pois, o recurso in totum, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso da 1.a arguida, com custas do recurso a seu cargo, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 21 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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