Processo n.º 233/2021 Data do acórdão: 2022-4-21
Assuntos:
– condução perigosa de veículo rodoviário
– art.o 279.o, n.o 1, do Código Penal
– condução de veículo sob efeito de álcool
– descontrolo do veículo na manobra do seu estacionamento
– perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado
– concretização do perigo em estrago efectivo de bem patrimonial
alheio de valor elevado
– presunção judicial
– art.os 342.o e 344.o do Código Civil
S U M Á R I O
1. No caso dos autos, em sintonia com a matéria de facto provada: o arguido estava a conduzir sob efeito de álcool; não conseguiu controlar o veículo ao estacioná-lo num lugar de estacionamento, muito largo, de uma via pública, e foi por isso que o veículo por ele conduzido embateu violentamente numa viatura automóvel estacionada no lugar ao lado, causando ao dono desta o prejuízo patrimonial de cinquenta e cinco mil patacas, como despesas de reparação.
2. Segundo o art.o 279.o, n.o 1, do Código Penal, com a epígrafe de Condução perigosa de veículo rodoviário, quem conduzir veículo em via pública, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de álcool, e criar deste modo perigo para a vida, perigo grave para a integridade física de outrem ou perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido.
3. Perante aquele circunstancialismo fáctico provado em primeira instância, o perigo concreto para bens patrimoniais alheios de valor elevado até já se concretizou no caso, tendo deixado de ser um “perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado” para passar a ser um estrago efectivo de um bem patrimonial alheio de valor elevado.
4. Do grau grave do estrago provocado na viatura do ofendido pelo embate violento causado pela conduta de condução do arguido que, na altura, não conseguiu controlar o veículo na manobra de estacionamento, resulta, aliás, judicialmente presumido sob aval dos art.os 342.o e 344.o do Código Civil que o próprio arguido, nessa altura, por influência do álcool, já não estava em condições de conduzir o veículo com segurança.
5. Daí que deve ser condenado o arguido no crime de condução perigosa de veículo rodoviário descrito na norma do art.o 279.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 233/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrido: Arguido A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 265 a 270 do Processo Comum Singular n.o CR2-20-0350-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou absolvido o arguido A da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.o 279.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Código Penal (CP), e também pelo art.o 94.o, alínea 1), da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR).
Inconformado, veio recorrer o Digno Procurador-Adjunto junto desse Tribunal para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, na motivação apresentada a fls. 276 a 280 dos presentes autos correspondentes, o seguinte, para pedir o reenvio do processo para novo julgamento ou a condenação directa do arguido no dito crime de condução perigosa:
– a decisão absolutória penal ora recorrida padece do vício de contradição insanável da fundamentação, gerador do reenvio do processo para novo julgamento, porquanto segundo os factos provados o arguido ingeriu bebidas alcoólicas tendo sido punido contravencionalmente e conduzia sob excesso de velocidade, e não parou perante comando da operação “STOP”, antes fugiu e acabou por embater numa outra viatura causando prejuízo patrimonial de valor elevado, assim em circunstâncias da provada já efectivação ou concretização do perigo, e, apesar disso, o Tribunal recorrido tomou a decisão absolutória do crime de condução perigosa, por entender não ter ficado provado o perigo;
– e ficando preenchidos, no caso, todos os requisitos do crime de condução perigosa, inclusivamente, do perigo, deveria ser revogada a sentença, com consequente condenação directa do arguido nesse crime.
Respondeu o arguido a fls. 283 a 293 dos presentes autos, a preconizar a manifesta improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 301 a 302v, opinando pela procedência do recurso, com devida condenação do arguido no crime em causa.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora impugnada pelo Ministério Público ficou proferida a fls. 265 a 270.
2. De acordo com a matéria de facto aí dada por provada:
– (em conformidade com o facto provado 1:) na noite de 2 de Julho de 2018, o arguido tomou refeição em casa de pessoa amiga, com ingestão de bebida alcoólica, e cerca das 22:00 horas dessa noite, foi conduzir o veículo automóvel ligeiro n.o ME-XX-X6;
– (em conformidade com os factos provados 2 e 3:) ao passar, cerca das 22:15 horas, por um troço da Avenida XX na altura sob uma operação policial de fiscalização da velocidade rodoviária e de “STOP”, foi detectado pela Polícia que estava a conduzir com excesso da velocidade;
– (em conformidade com o facto provado 4:) na sequência disso, o guarda policial n.o 28XXX1, ficando de pé na faixa de rodagem do meio, e com o guarda policial n.o 34XXX1 de pé no seu lado traseiro para efeitos de prestar apoio a qualquer momento, levantou a mão direita para fazer o gesto de comando de “STOP” em relação ao arguido, e usou o tubo fluorescente de comando da mão esquerda para indicar ao arguido a necessidade de entrada na faixa de rodagem do lado esquerdo para se sujeitar à inspecção;
– (em conformidade com o facto provado 5:) o arguido viu de modo claro a indicação policial, e reduziu a velocidade, e ao passar pelo lado do corpo do guarda policial n.o 28XXX1, olhou para o guarda policial n.o 34XXX1, e após disso acelerou, de repente, a velocidade do veículo, tendo o guarda n.o 34XXX1, em face do sucedido, ido perseguir o arguido, através da condução do veículo da Polícia;
– (em conformidade com o facto provado 6:) depois de conduzir para frente por cerca de 200 a 300 metros de distância, o arguido estacionou o veículo no lugar, muito largo, de estacionamento n.o 1328-3, mas ele, ao entrar nesse lugar de estacionamento, não conseguiu, de maneira alguma, controlar o veículo ME-XX-X6, o que fez com que o lado direito da cabeça desse veículo tenha embatido violentamente no veículo automóvel ligeiro n.o MT-XX-X2 estacionado no lugar de estacionamento n.o 1328-4, tendo causado a esta viatura estrago grave no lado traseiro esquerdo;
– (em conformidade com o facto provado 7:) depois de estacionar o veículo, o arguido abadonou-o de imediato e fugiu a pé do local, e acabou por ser inteceptado pelo guarda policial n.o 34XXX1;
– (em conformidade com o facto provado 8:) como o arguido foi descoberto policialmente que o seu corpo estava com cheiro de álcool, foi exigida policialmente a sujeição a teste de taxa de alcoolemia por método de sopro, o que foi recusado pelo arguido com fundamento na má disposição do seu corpo;
– (em conformidade com o facto provado 9:) levado depois ao Centro Hospitalar Conde de São Januário, o arguido submeteu-se ao teste da taxa de alcoolemia às 23:05 horas, do qual resultou descoberta a taxa de 1,07 gramas de álcool por litro de sangue;
– (em conformidade com o facto provado 10:) no dia seguinte, a mulher do arguido pagou cinquenta e cinco mil patacas de indemnização ao dono do veículo MT-XX-X2, a título de reparação do estrago causado pela conduta do arguido;
– (em conformidade com a matéria descrita no facto provado 11:) o arguido agiu livre e voluntariamente, com intuito de praticar a conduta acima referida, sabendo que ele próprio estava a conduzir veículo automóvel com alta velocidade em via pública sob influência de produto alcoólico; para evitar que a sua condução sob efeito de álcool fosse descoberta policialmente, não obedeceu à ordem de paragem do veículo dada expressamente pelo polícia, e na altura em que devia ser sujeito à inspecção, acelerou de repente a velocidade do veículo para fugir, infringido grosseiramente regra de trânsito rodoviário; apesar de na altura não existirem muitos veículos a circular-se na altura em via pública, havia ainda veículos estacionados em lugar de estacionamento de via pública, e havia diversos polícias a ficarem de pé em via pública para execução de funções; de facto, foi por causa de não ter conseguido controlar o veículo é que o arguido embateu em veículo de outrem, tendo causado dano patrimoinial de valor elevado;
– (em conformidade com o facto provado 12:) o arguido sabia claramente da ilegalidade da sua conduta e da punibilidade legal da mesma;
– o arguido não tem antecedentes criminais em Macau;
– o arguido declarou na audiência de julgamento que possui mestrado como habilitações académicas, que aufere trinta mil patacas por mês como vice-presidente de um grupo empresarial, e que tinha a seu cargo, em conjunto com a sua mulher, três filhos.
3. O Tribunal recorrido decidiu em absolver o arguido da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por entender, no essencial, que:
– este crime é um crime de perigo concreto;
– da matéria de facto provada, não consta outra descrição fáctica sobre a situação de condução do veículo para além das circunstâncias provadas de ter o argudo acelerado de repente a velocidade do veículo e de não ter conseguido controlar o veículo por ele conduzido, pelo que não se pode dar por verificado o perigo concreto ou efectivo resultante da conduta de condução dele;
– por faltar este elemento integrador do tipo-de-ilícito penal objectivo em questão, não há crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No caso dos autos, da leitura da fundamentação fáctica e jurídica da decisão absolutória penal ora recorrida pelo Ministério Público, vê-se que o Tribunal recorrido, em sede de subsunção dos factos provados ao Direito, julgou que os factos provados não bastavam ainda para se dar por verificado o perigo concreto exigido no tipo-de-ilícito objectivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
Em sintonia com a matéria de facto provada:
– o arguido estava a conduzir, na altura dos factos, sob efeito de álcool (cfr. os factos provados 1, 8, 9 e 11 (primeira parte));
– o arguido não conseguiu controlar o veículo por ele conduzido ao fazer o estacionamento do mesmo no lugar de estacionamento (muito largo) n.o 1328-3 de via pública, e foi por isso que o veículo por ele conduzido embateu violentamente na viatura n.o MT-XX-X2, causando ao dono desta o prejuízo patrimonial de cinquenta e cinco mil patacas, como despesas de reparação (cfr. os factos provados 6, 10 e 11).
O art.o 279.o, n.o 1, do CP, com a epígrafe de “Condução perigosa de veículo rodoviário”, prevê, inclusivamente, o seguinte:
– <
a) não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, por deficiência física ou psíquica ou por fadiga excessiva, ou
b) violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária, e criar deste modo perigo para a vida, perigo grave para a integridade física de outrem ou perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.>> (com sublinhado agora posto, para efeitos de ênfase).
Pois bem, perante todo o circunstancialismo fáctico provado em primeira instância, há que observar que o perigo concreto de que se fala na fundamentação jurídica da decisão absolutória penal ora recorrida já se concretizou no caso dos autos, tendo deixado de ser um “perigo para bens patrimoniais alheios de valor elevado”, para passar a ser um estrago efectivo de um bem patrimonial alheio de valor elevado (nota-se que só as despesas de reparação da viatura automóvel danificada pela conduta de condução do arguido já custavam cinquenta e cinco mil patacas). O estrago grave provocado à viatura do ofendido pela conduta de condução do arguido foi por causa de ele, aquando da condução após a ingestão de bebida alcoólica no decurso da tomada de refeição à noite, não ter conseguido controlar o veículo ao fazer o estacionamento num lugar, muito largo, de estacionamento ao lado de via pública. Do grau grave do estrago provocado na viatura do ofendido pelo embate violento causado pela conduta de condução do arguido que, na altura, não conseguiu controlar o veículo conduzido aquando da manobra de estacionamento, resulta, aliás, judicialmente presumido (sob aval dos art.os 342.o e 344.o do Código Civil) que o próprio arguido, nessa altura, por influência do álcool, já não estava em condições de conduzir o veículo com segurança.
Daí que devem ser considerados já cabalmente reunidos todos os elementos do tipo-de-ilícito objectivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário descrito na norma do art.o 279.o, n.o 1, alínea a), do CP. Quanto ao tipo-de-ilícito subjectivo deste delito penal, veja-se os factos provados 11 e 12, os quais sustentam bem a verificação do dolo por parte do arguido no cometimento do mesmo crime.
Assim, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada, procede o pedido de condenação directa do arguido neste crime.
Cabe agora decidir da medida da pena.
O crime em causa é punível com prisão até três anos ou com pena de multa. Consideradas as prementes necessidades da prevenção geral da conduta de condução perigosa de veículo rodoviário, não se pode optar pela pena de multa em detrimento da pena de prisão (cfr. o critério material plasmado no art.o 64.o do CP).
Dentro da moldura penal de um mês a três anos de prisão (cfr. as disposições conjugadas dos art.os 41.o, n.o 1, e 279.o, n.o 1, do CP), e vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundamentação fáctica da sentença recorrida, é de aplicar ao arguido um ano de prisão, aos critérios dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, pena principal esta que, ponderada mormente a falta de antecedentes criminais dele em Macau, pode ser suspensa, nos termos permitidos pelos art.os 48.o, n.os 1, 2 e 5, e 49.o, n.o 1, alínea c), do CP, pelo período de dois anos, sob condição da prestação, no prazo de três meses contados da data do trânsito em julgado do presente acórdão de recurso, de trinta mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Por comando do art.o 94.o, alínea 1), da LTR, é punido com inibição de condução pelo período de dois meses a três anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por qualquer crime cometido no exercício da condução. Portanto, é mister fixar, por se afigurar justo e equilibrado, em um ano de tempo a pena acessória de inibição de condução do arguido, por causa da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sanção acessória esta que não pode ser suspensa na sua execução em sede do art.o 109.o, n.o 1, da LTR, dado que na esteira da abundante jurisprudência deste TSI sobre o assunto, só se ponderará na hipótese de suspensão da execução da inibição de condução, quando o agente for condutor de profissão e depender simultaneamente a sua subsistência dessa profissão.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando, por conseguinte, a condenar directamente o arguido A como autor material de um crime consumado de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.o 279.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal, conjugado com o art.o 94.o, alínea 1), da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de um ano de prisão (suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de prestação, no prazo de três meses contado do trânsito em julgado da presente decisão, de trinta mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau), e na sanção acessória de inibição efectiva de condução por um ano.
Custas do processo em ambas as duas Instâncias pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça na Primeira Instância, e três UC de taxa de justiça nesta Segunda Instância.
Comunique a presente decisão (com cópia da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 21 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
(本人認為:卷宗之已證事實尚不符合《刑法典》第279條第1款a)項所規定及處罰的「危險駕駛道路上之車輛罪」,而是構成《刑法典》第312條第1款所規定及處罰的「違令罪」。
當駕駛員在警方查車行動中不遵守警員要求停車接受檢查之指示,意圖逃避檢查不停車反而加速駛離,依據是否存有符合暴力之事實,分別構成《刑法典》第311條規定及處罰的「抗拒罪」和同一法典第312條第1款規定及處罰的「違令罪」。本案,根據獲證事實,上訴人的行為至少應以《刑法典》第312條第1款所規定及處罰的「違令罪」論處。)
Processo n.º 233/2021 Pág. 11/11