Processo nº 263/2022-A
Data do Acórdão: 21ABR2022
Assuntos:
Suspensão da eficácia de actos administrativos
Procedimento para a troca de informações em matéria fiscal
Prejuízos irreparáveis
Ónus de alegar e provar
SUMÁRIO
1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.
2. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 263/2022-A
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância
I – Relatório
A, liquidatária da B, Limitada, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s. do CPAC, requerer com fundamentos seguintes, a suspensão de eficácia do despacho, datado de 04JAN2022, do Chefe do Executivo da RAEM, que no âmbito de um procedimento para a troca de informações a pedido em matéria fiscal com uma outra jurisdição fiscal, regido pela Lei nº 5/2017, aceitou o pedido de troca de informações a pedido a ela apresentado:
A, casada, com domicílio na Avenida XX, n.ºs XX, Edifício XX, XX.º andar “XX”, Macau, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º 13XXXX1(2), tendo nesta data interposto recurso contencioso contra Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, pedindo a anulação do acto de aceitação do pedido de troca de informações a pedido que foi notificado à recorrente pela Direcção dos Serviços de Finanças (“DSF”) - notificação acima identificada, cuja cópia se junta como documento n.º 1 ( “DOC. 1”) e aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, vem apresentar
PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
do referido acto, o que faz, ao abrigo do art. 120.º e ss. do Código de Processo Administrativo Contencioso (“CPAC”), juntamente com a petição do recurso (art. 123.º, n.º 1, al. b), do CPAC), com os fundamentos seguintes:
1.º
A eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando estiverem preenchidos os requisitos dos arts. 120.º e 121.º do CPAC, podendo o pedido respectivo ser apresentado juntamente com a petição de recurso (art. 123.º/1-a) do CPAC).
2.º
A requerente foi notificada do acto, praticado pelo Senhor Chefe do Executivo, de aceitação do pedido de troca de informações fiscais, por ter sido liquidatária da sociedade designada pela firma “B LIMITADA”, em português, “B有限公司”, em chinês, e “B LIMITED”, em inglês (doravante abreviadamente designada por “B”) - cfr. DOC. 1;
3.º
A notificação da DSF refere que foi deferido pelo Senhor Chefe do Executivo um pedido de troca de informações, e ao abrigo do mesmo solicita-se à requerente, enquanto liquidatária da B, que preste as seguintes informações:
• Todas as facturas emitidas pela B em 2019, limitadas aos produtos adquiridos da C S.A. (“C”), listando separadamente as facturas relativas a produtos não adquiridos da C;
• As contas anuais “standard” da B (balanço, demonstração de resultados e relatório).
4.º
A requerente entende que o acto do Senhor Chefe do Executivo foi praticado com vício de violação de lei, devendo concomitantemente ser anulado, pois a lei não obriga a B - ou a sua anterior liquidatária, a ora requerente - a prestar a informação requerida, por várias razões, pelo que interpôs nesta data recurso contencioso a pedir a anulação do referido acto.
5.º
O art. 121.º, n.º 1, alíneas a) a c), do CPAC, dispõe que a suspensão de eficácia pode ser pedida e é concedida se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
6.º
Relativamente à alínea a), veja-se que, se o acto for executado - prestação das informações requeridas pela DSF em cumprimento do pedido aceite pelo Senhor Chefe do Executivo da RAEM -, fica esvaziado de conteúdo todo o recurso contencioso, pois o objecto e os fundamentos do mesmo são que, nos termos da lei, não há que prestar a informação.
7.º
Pelo que, a execução do acto causa, evidentemente, prejuízo irreparável para o requerente e para os interesses que este defende no recurso.
8.º
Relativamente à alínea b), veja-se que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto - não se consegue vislumbrar qual o interesse público que poderá ser lesado se a execução do acto for suspensa.
9.º
Relativamente à alínea c), a requerente, com o recurso, está apenas a contestar um acto que considera que ofende os seus direitos legalmente consagrados - não há qualquer ilegalidade do recurso.
10.º
Estão, assim, preenchidos todos os requisitos para que seja declarada a suspensão de eficácia do acto até à decisão definitiva do recurso contencioso.
Nestes termos, e nos mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, se requer que seja declarada a suspensão de eficácia do acto administrativo praticado por Sua Excelência, o Senhor Chefe do Executivo da RAEM de aceitação do pedido de troca de informação a pedido, até decisão definitiva do recurso contencioso que nesta data se interpôs.
Mais se requer que seja citado o Senhor Chefe do Executivo da RAEM para, querendo, contestar o presente pedido.
Citada, veio a entidade requerida contestar pugnando pelo indeferimento do pedido com fundamento na inverificação no caso sub judice do requisito exigido pelo artº 121º/1-a) do CPAC.
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer no qual opinou no sentido de indeferimento do pedido da suspensão de eficácia.
Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do presente procedimento cautelar.
De acordo com os elementos constantes doa autos, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
* A requerente é liquidatária da B, Limitada, que exerceu as actividades offshore, ao abrigo do Decreto-Lei nº 58/99/M, entretanto revogado pela Lei nº 16/2018;
* A B, Limitada, já extinta, cessou as suas actividades com o cancelamento da autorização em 30DEZ2020, conforme consta do Aviso nº 002/2021-AMCM, publicado no B.0. II série de 27JAN2021.
* Por despacho do Chefe do Executivo da RAEM que, no âmbito de um procedimento para a troca de informações a pedido em matéria fiscal com uma outra jurisdição fiscal, regido pela Lei nº 5/2017, aceitou o pedido de troca de informações a pedido a ela apresentado, e determinou à requerente a prestação das informações relativas às actividades exercidas pela B, Limitada;
* O despacho foi notificado à requerente, na qualidade da liquidatária da B, Limitada, mediante o ofício que lhe foi dirigido pela DSF – vide as fls. 6 dos p. autos; e
* Inconformada com este despacho, a ora requerente interpôs dele recurso contencioso de anulação para este TSI mediante o requerimento datado de 28MAR2022 e formulou na mesma data o presente pedido de suspensão de eficácia desse mesmo despacho.
Como se sabe, o instituto de suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa providência cautelar que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos de um acto administrativo a produzir imediatamente na esfera jurídica do destinatário do acto, por forma a proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações jurídicas já existentes.
Tratando-se in casu de um despacho que lhe determinou a prestação das informações relativamente às actividades de uma sociedade comercial que já cessou as suas actividades, estamos obviamente perante um acto de conteúdo positivo.
Verificado o pressuposto a que se alude o artº 120º do CPAC, passemos a averiguar se se verificam os requisitos para decretar a suspensão da eficácia do acto.
Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o não deferimento da suspensão.
Comecemos então pelo requisito exigido na alínea c).
Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a manifesta legitimidade da requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.
No que respeita ao requisito exigido na alínea b), não tendo sido invocada pela entidade requerida nem resultando dos autos a manifesta ou ostensiva grave lesão do interesse público se não for imediatamente executado o acto suspendendo, é de considerar a sua verificação face ao disposto no artº 129º/1 do CPAC.
Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.
Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, a requerente alega simplesmente que:
6.º
Relativamente à alínea a), veja-se que, se o acto for executado - prestação das informações requeridas pela DSF em cumprimento do pedido aceite pelo Senhor Chefe do Executivo da RAEM -, fica esvaziado de conteúdo todo o recurso contencioso, pois o objecto e os fundamentos do mesmo são que, nos termos da lei, não há que prestar a informação.
7.º
Pelo que, a execução do acto causa, evidentemente, prejuízo irreparável para o requerente e para os interesses que este defende no recurso.
Como se sabe, o instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.
Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.
In casu, a requerente limita-se a alegar que o cumprimento do determinado pelo Chefe do Executivo lhe causa o prejuízo irreparável, pois, na sua óptica, não tem que prestar a informação solicitada e a prestação torna esvaziado o conteúdo todo do recurso contencioso.
Para nós o cumprimento do determinado pelo Chefe do Executivo e o alegado esvaziamento do conteúdo do recurso contencioso não são em si prejuízos irreparáveis, pois, quanto muito, são apenas meios ou instrumentos susceptíveis de causar prejuízos.
Portanto, para convencer o Tribunal da verificação do requisito previsto na citada alínea a), é preciso que a requerente indique o bem jurídico em concreto, de que é titular, que será provavelmente lesado pelo cumprimento do determinado no despacho do Chefe do Executivo e pelo alegado esvaziamento do conteúdo do recurso contencioso, e que alegue e prove em que consiste o tal alegado prejuízo irreparável.
No entanto, nada disso foi dito pela requerente.
Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.
Em conclusão:
3. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.
4. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.
Resta decidir.
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do despacho do Chefe do Executivo da RAEM, datado de 04JAN2022, notificado à requerente mediante o ofício nº 0118/DIFT/DAIJ/2022/BV da DSF.
Custas pela requerente, com taxa de justiça fixada em 6UC.
Registe e notifique.
RAEM, 21ABR2022
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Lai Kin Hong Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
Susp.ef. 263/2022-A-1