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Processo n.º 593/2021 Data do acórdão: 2022-4-21
Assuntos:
 – Instituto de Habitação
 – candidatura à aquisição de habitação económica
 – declaração escrita falsa sobre o património
 – crime de falsificação de documento
 – art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
Quem, na qualidade de candidato à aquisição da habitação económica, prestar declaração escrita, mas falsa, sobre o património no âmbito dessa candidatura dirigida ao Instituto de Habitação comete crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng


Processo n.º 593/2021
(Autos de recurso penal)
 Recorrente: Ministério Público
 Recorrido: 1.o Arguido A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 206 a 222v do Processo Comum Singular n.o CR4-20-0397-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficaram absolvidos o 1.o arguido A e a 2.a arguida B da prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), por que vinham inicialmente acusados pelo Ministério Público.
Inconformada somente com a decisão absolutória penal do 1.o arguido, veio recorrer a Digna Delegada do Procurador junto desse Tribunal para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, no essencial, e peticionando o seguinte, na motivação apresentada a fls. 234 a 239 dos presentes autos correspondentes: em face dos factos provados, o 1.o arguido deveria ser condenado pela prática de um crime consumado de falsificação de documento como vinha inicialmente acusado, dado que as declarações então feitas por este arguido sobre o património na declaração de património líquido, por ele entregue em 30 de Agosto de 2016 ao Instituto de Habitação (IH), para efeitos do pedido de aquisição de habitação económica, constituem, contrariamente ao entendido pelo Tribunal recorrido, documento para os efeitos a relevar do disposto no art.o 243.o, alínea a), do CP.
Respondeu o 1.o arguido a fls. 242 a 244 dos presentes autos, a defender a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 254 a 256v, opinando pela procedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora impugnada pelo Ministério Público na parte referente à absolvição do 1.o arguido do acusado crime de falsificação de documento ficou proferida a fls. 206 a 222v, cujo teor (incluindo a respectiva fundamentação fáctica) se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. O Tribunal recorrido decidiu em absolver o 1.o arguido da prática de um crime consumado de falsificação de documento por que vinha acusado pelo Ministério Público, por entender, no essencial, que:
– as declarações então feitas pelo arguido por via escrita sobre a situação do património, como não devem ser consideradas idóneas para provar a situação do património, não podem servir, aos olhos da comunidade social em geral e mesmo do IH, como prova adequada da situação do património, pois são, materialmente, alegação feita por ele próprio, e como tal devem ser consideradas como uma mera exposição apresentada por ele às Autoridades competentes; ademais, caso estas declarações feitas pela pessoa requerente de aquisição de habitação económica possam fazer crer que a mesma possua o património como tal declarado, então qual será a necessidade de fazer verificar o património delas junto de instituições bancárias? Na possibilidade de averiguação, junto de instituições bancárias, sobre o património do arguido, o Tribunal não acha que as declarações feitas pelo próprio arguido consigam fazer facilmente crer da sua situação do património;
– daí que por falta do carácter da idoneidade para provar o facto declarado, as declarações escritas do arguido não podem ser consideradas como documento na definição do art.o 243.o do CP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
No caso dos autos, da leitura da fundamentação fáctica e jurídica da decisão absolutória do 1.o arguido, vê-se que o Tribunal recorrido, em sede de subsunção dos factos provados ao Direito, julgou que as declarações escritas feitas pelo arguido sobre a situação do património e apresentadas em 30 de Agosto de 2016 ao IH para efeitos de pedido de aquisição de habitação ecónomica (outrora apresentado ao IH em 7 de Março de 2014) não devem ser consideradas como documento na acepção de “documento” constante do art.o 243.o do CP.
O art.o 243.o do CP faz a seguinte definição do que é “documento” para efeitos do disposto do próprio Código: Considera-se documento <<(1) A declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e (2) O sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta>> (com sublinhado aqui posto para efeitos de ênfase).
Entretanto, realiza o presente Tribunal de recurso que tais declarações prestadas por via escrita pelo arguido e apresentadas ao IH para efeitos do pedido de aquisição de habitação económica devem ser consideradas como integrando um documento no sentido inclusivamente definido no art.o 243.o do CP, por serem declarações corporizadas pelo próprio arguido (como emitente das declarações) em meio escrito (para serem apresentadas ao IH para tencionar provar a situação concreta do património para efeitos de aquisição de habitação económica), de conteúdo inteligível mesmo para a generalidade das pessoas, que, permitindo reconhecer o arguido como sendo o emitente das declarações em causa, são idóneas para provar facto juridicamente relevante (qual seja, a situação do património, relevante em Direito para a candidatura à aquisição da habitação económica).
De frisar que a relevância jurídica das declarações prestadas por via escrita (sobre a situação do património) pelo 1.o arguido como candidato à aquisição da habitação económica já foi atribuída pela Lei da Habitação Económica (cfr. quer a redacção originária do art.o 21.o, n.o 1, da Lei n.o 10/2011, quer a nova redacção dada a este artigo pela Lei n.o 11/2015 que veio introduzir alterações a alguns artigos daquela; cfr. também o disposto na redacção originária do art.o 18.o, n.os 1 e 2, da Lei n.o 10/2011; e cfr. também o disposto no art.o 23.o, alínea 5), da redacção originária da Lei n.o 10/2011, segundo o qual a candidatura à aquisição de habitação económica é excluída quando o candidato prestar declarações falsas … no âmbito da candidatura), sendo certo que a mesma Lei da Habitação Económica alerta que “As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal” (cfr. a redacção originária do art.o 50.o, n.o 1, da Lei n.o 10/2011, sob cuja alçada foi apresentado pelo arguido o pedido inicial de aquisição de habitação económica).
No fundo, face ao articulado da Lei da Habitação Económica, a declaração de património é um meio idóneo para se saber da situação do património do candidato à aquisição da habitação económica, e daí que é essa própria Lei que materialmente exija a veracidade do conteúdo da declaração prestada pelo candidato, sob pena da responsabilidade penal deste por causa das falsas declarações prestadas no âmbito da candidatura.
Portanto, a faculdade, conferida pela mesma Lei, de o IH ir confirmar a veracidade ou a exactidão das declarações prestadas nos termos exigidos pela própria Lei não afasta a relevância jurídica atribuída por esta Lei a tais declarações, nem isenta o candidato da sanção legal por falsas declarações prestadas.
Assim sendo, e sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, é de passar a condenar directamente, em face da matéria de facto dada por provada em primeira instância, o 1.o arguido pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo mesmo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do CP, isto precisamente porque tal factualidade provada integra já cabal e realmente, este tipo legal de crime.
Cabe agora decidir da medida da pena do arguido.
O crime de falsificação de documento em causa é punível com prisão até três anos ou com pena de multa.
Consideradas as prementes necessidades da prevenção geral deste tipo de conduta delitual penal, não se pode optar pela pena de multa em detrimento da pena de prisão (cfr. o critério material plasmado no art.o 64.o do CP).
Dentro da moldura penal de um mês a três anos de prisão (cfr. também o disposto no art.o 41.o, n.o 1, do CP), e vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundamentação fáctica da sentença recorrida, é de aplicar ao arguido um ano de prisão, aos critérios dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, pena esta que, ponderada mormente a falta de antecedentes criminais dele em Macau, pode ser suspensa, nos termos permitidos pelos art.os 48.o, n.os 1, 2 e 5, e 49.o, n.o 1, alínea c), do CP, pelo período de dois anos, sob condição da prestação, no prazo de dois meses contados da data do trânsito em julgado do presente acórdão de recurso, de vinte mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, passando, por conseguinte, a condenar o 1.o arguido A como autor material de um crime consumado de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de prestação, no prazo de dois meses contado do trânsito em julgado da presente decisão, de vinte mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
Custas do recurso pelo 1.o arguido, com duas UC de taxa de justiça e mil e trezentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso. Pagará também o 1.o arguido as custas do processo no Tribunal recorrido, com seis UC de taxa de justiça, sendo certo que a quantia de duas mil e quinhentas patacas de honorários aí fixada a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso pela defesa dele na Primeira Instância passa a ser suportada integralmente por ele.
Comunique o presente acórdão (com cópia da sentença recorrida) ao Instituto de Habitação.
Macau, 21 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(Vencida por entende que o documento em causa não tem idoneidade para fazer a prova de um facto juridicamente relevante, e não estamos perante um documento cuja falsificação seja penalmente relevante, e assim, deveria manter o já decidido pelo Tribunal a quo)



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