打印全文
Processo n.º 33/2022
Recurso jurisdicional em matéria cível
Recorrente: A
Recorrida: Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
Data da conferência: 8 de Abril de 2022
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Recusa da marca
- Capacidade distintiva
- “Slogan”
- “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS”

SUMÁRIO
1. Um “slogan” pode ser registado como “marca” desde que tenha capacidade distintiva.
2. A capacidade distintiva de uma marca há de ser analisada caso a caso, por referência a produtos ou serviços relativamente aos quais o registo da marca foi solicitado.
3. Tendo em consideração a marca registanda em causa e os produtos indicados pela recorrente que a marca visa distinguir, e reconhecendo que na apreciação da questão de capacidade distintiva intervém sempre algum subjectivismo, entende-se que a marca “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” tem capacidade distintiva, necessária para que mereça a protecção legal como marca.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso judicial do despacho da Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da então Direcção dos Serviços de Economia que recursou o pedido por si apresentado de registo da marca n.º N/XXXXXX para assinalar produtos da classe 32.ª.
Por sentença proferida nos autos n.º CV3-21-0003-CRJ, o Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Inconformada com a decisão, recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância (Processo n.º 572/2021), que decidiu julgar improcedente o recurso.
Desse acórdão vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando nas suas alegações as seguintes conclusões:
a. O Tribunal a quo manteve a decisão de recusa por entender que a marca registanda “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” não goza de capacidade distintiva e é constituída por um slogan que contém expressões que se tornaram usuais na linguagem corrente do comércio.
b. No entender da Recorrente, a marca registanda não é, no seu todo, uma marca descritiva.
c. Parecendo que apenas recusou a marca registanda por entender (erradamente) que se verificam tais fundamentos de recusa, sem oferecer qualquer justificação sólida do motivo porque entende que a marca não é distintiva.
d. Como é sabido, o registo de frases publicitárias, ou “slogans” como marca não é, assim, proibido por lei, devendo a sua aferição da distintividade ser feita nos mesmos termos exigidos para sinais.
e. Como é sabido, é um princípio comum em propriedade industrial que a distintividade de uma marca tem de ser aferida no contexto dos bens e serviços que visa distinguir.
f. A avaliação do carácter distintivo inerente do sinal e, neste caso, de um slogan, depende da marca em si e do contexto dos produtos e serviços que distingue.
g. Ora, o artigo 199.º, n.º 1, al. b) do RJPI apenas deverá ser aplicado quando o conteúdo descritivo da marca é imediato, claro e inconfundivelmente óbvio.
h. O registo apenas deverá ser recusado se a marca tiver um significado descritivo que seja imediatamente óbvio para o consumidor médio, sendo que marcas sugestivas ou alusivas são passíveis de registo.
i. Efectivamente, a marca só é efectivamente descritiva se, como referimos, for exclusiva e directamente descritiva.
j. Tal como refere o Tribunal de Segunda Instância de Macau “(...),é na marca, como um todo, que há-de afirmar-se ou negar-se o carácter distintivo ou a adequação para distinguir a origem comercial dos bens que se destina marcar.”
k. O fundamental é que a análise da distintividade da marca seja feita relativamente aos produtos que visa distinguir.
l. Verificando que a marca registanda IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” solicita registo para bebidas não alcoólicas e bebidas à base de plantas e outros produtos inseridos na classe 32, conclui-se que a marca registanda não é um sinal que descreva qualquer qualidade ou indicie estes produtos.
m. O significado da marca registanda (em português “É COMO LEITE, MAS FEITO PARA HUMANOS”) é ambíguo, está aberto a interpretação e apela à imaginação do consumidor.
n. Aqui, é extremamente relevante aferir quem é o público consumidor: tendo por referência os produtos da Recorrente, é evidente que o círculo de consumidores relevante é o público em geral que inclui um grupo de consumidores que evita o leite por motivos de saúde ou éticos.
o. Cuja percepção é crucial para a questão de como a marca registanda será recebida no mercado.
p. Ora, a marca / slogan “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” questiona a ideia geralmente aceite de que o leite é um elemento-chave da dieta humana.
q. Com tal dúvida instalada na mente do consumidor, a marca é assim capaz de desencadear um processo cognitivo, tornando-se um indicador de origem memorável, que confere carácter distintivo à marca registanda.
r. Assim, “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” não transmite qualquer informação sobre os produtos da Recorrente para ser considerada descritiva: perante a marca registanda os consumidores não dariam qualquer significado descritivo à marca.
s. Por outro lado, também não se pode concluir que a marca “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” pode ser considerada como um sinal usual na medida em que não se tornou um sinal para bebidas não alcoólicas e bebidas à base de plantas …
t. O fundamento de recusa previsto no artigo 199.º, n.º 1, al. c) do RJPI apenas deverá ser aplicado quando a marca é composta por vocábulos ou figuras comumente utilizados no mercado, como expressões como “bica”, “prego”, “galão”, “carioca”, “fino” e “imperial”.
u. O registo apenas deverá ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação.
v. A distintividade da marca deverá ser novamente realizada com referência aos produtos que a marca assinada.
w. Assim, não é verdade que “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” (que, relembre-se significa, em português, “É COMO LEITE MAS FEITO PARA HUMANOS”) é comummente utilizada no mercado de bebidas não alcoólicas.
x. Palavras comuns ou slogans serão suficientemente distintivos para funcionar como marca se estiverem a ser usada para bens ou serviços não relacionados.
y. Assim, e realçando novamente que o Tribunal a quo não mencionou qualquer exemplo, a questão será se “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” é comummente utilizada no mercado para distinguir bebidas não alcoólicas e bebidas à base de plantas.
z. Ora, a resposta é negativa.
aa. Questiona-se também o entendimento do Tribunal a quo de que “IT’S LIKE MILK” é comparável à marca “BEST FOODS” recusada pelo Tribunal de Segunda Instância no processo.
bb. “IT’S LIKE” (que significa “tal como”) é uma expressão comparativa, para demonstrar uma relação relativa. Não é uma palavra enaltecedora das qualidades de um produto como “BEST” (que significa “melhor”).
cc. As situações não podem ser comparadas, porque os parâmetros da análise não são semelhantes.
dd. Assim, é evidente que a marca registanda “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” é, no entendimento da Recorrente, distintiva, devendo ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os fundamentos de recusa previstos no art.º 199.º n.º 1 al. b) e c) do RJPI.

2. Os Factos
São os seguintes factos dados por assentes pelos Tribunais de primeira e segunda instâncias:
- Em 17 de Setembro de 2019, a recorrente A apresentou à DSE o pedido de registo da marca n.º N/XXXXXX, sendo exemplar de marca “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS”, destinada a assinalar os seguintes produtos/serviços da classe 32.ª: Ingredientes para preparação de bebidas; bebidas sem álcool; bebidas à base de arroz (alternativas sem lactose); bebidas à base de plantas; bebidas à base de soja; bebidas desportivas ricas em proteínas; bebidas principalmente à base de soja (alternativas sem lactose); bebidas energéticas; bebidas sem álcool para sumos; batidos de fruta; sumo de arando; refrigerantes com baixo teor calórico; bebidas sem álcool com sabor a café; bebidas desportivas com electrólitos; bebidas desportivas; concentrados de sumo para bebidas de fruta; preparações de refrigerantes Ingredientes; pós para Bebidas Espumantes; pós de Fruta; cerveja; concentrados de sumo de fruta sem álcool; bebidas de soro de leite; sumos de fruta; águas minerais (bebidas); água gasosa; smoothies de fruta (bebidas); refrigerantes; bebidas principalmente à base de aveia.
- O pedido supra mencionado foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º XX – II série, de XX de XX de 2019.
- Por despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual, de 30 de Outubro de 2020, cujo teor se consta no processo administrativo e se dá aqui como integralmente reproduzido, foi recusado o pedido de registo da marca apresentado pela recorrente.
- A referida decisão de recusa foi publicada no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º XX – II série, de XX de XX de 2020.

3. O Direito
No acórdão ora recorrido, e remetendo para os fundamentos invocados na sentença de 1.ª instância nos termos do n.º 5 do art.º 631.º do CPC, entende o Tribunal de Segunda Instância que a marca registanda é meramente um “slogan”, sem capacidade de distinguir produtos ou serviços, pelo que se deve recusar o pedido de registo de marca pretendido pela recorrente, ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI.
Para a recorrente, a marca registanda é distintiva, devendo ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os fundamentos de recusa previstos no art.º 199.º n.º 1 al. b) e c) do RJPI.
Vejamos.

Nos presentes autos, a marca pretendida pela recorrente é constituída apena por uma frase de língua inglesa “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS”, traduzido para a língua portuguesa por “é como leite mas feito para humanos”, desacompanhada de quaisquer outros elementos tais desenhos gráficos ou cores.
Constata-se no despacho da DSE que a recusa do pedido de registo da marca apresentado pela recorrente tem como fundamento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 214.º e na al. a) do n.º 1 do art.º 9.º, conjugadas com a al.s b) e c) do n.º 1 do art.º 199.º, todos do RJPI.
Esta tese foi sufragada pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância, que consideram que a marca registanda é constituída apenas por termos e palavras usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, enquadrando-se na previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI, pelo que não deve ser objecto de protecção da marca.
Salvo o muito respeito por opinião diferente, afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.

Como se sabe, a marca é um dos direitos de propriedade industrial, que confere ao respectivo titular a plena e exclusiva fruição, utilização e disposição das invenções, criações e sinais distintivos, dentro dos limites, condições e restrições fixados na lei – art.º 5.º do RJPI.
Nos termos do art.º 197.º do RJPI, que prevê o objecto da protecção da marca, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Daí que a marca deve ser adequada a distinguir produtos ou serviços, sendo ela “um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcada de outros idênticos ou semelhantes”1.
As normas invocadas para fundamentar a decisão de recusa de registo da marca dispõem o seguinte:
Artigo 214.º
(Fundamentos de recusa do registo de marca)
1. O registo de marca é recusado quando:
a) Se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9.º;
b) …;
c)….
2. ….
3. O facto de a marca ser constituída exclusivamente por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º não constitui fundamento de recusa se aquela tiver adquirido carácter distintivo.
4. ….
5. ….
Artigo 9.º
(Fundamentos gerais de recusa)
1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial:
a) O objecto não ser susceptível de protecção;
b) …;
c)…;
d) …;
e) …;
f) …;
g) ….
2. ….
3. ….
Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) …;
b) …;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) ….
2. ….
3. ….

No caso vertente, tanto a decisão da DSEDT como os arrestos judiciais anteriores consideram que a marca pretendida pela recorrente não tem capacidade distintiva, daí a sua insusceptibilidade de protecção.
Salvo o muito respeito, não podemos partilhar o mesmo entendimento.
Desde logo, é de lembrar que, no mais recente acórdão de 02 de Março de 2022, proferido no Processo n.º 3/2022, este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de pronunciar-se sobre a capacidade distintiva da mesma marca “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS”, cujo registo foi pedido também pela ora recorrente, para assinalar produtos da classe 25.ª, em que se incluem produtos de vestuário, sapatos (calçados nos pés), boné, chapéu, fato-macaco, camisa, camisa para mulheres, casaco (vestuário), roupa de banho, calças, banda de vestuário (roupas), calções, roupas de aquecimento, calças de desporto, camisa de manga comprida para desporto, jeans, terno, vestido de noite, vestido de noiva, casaco desportivo, vestido de malha, gravata, cachecol, xaile, meias, vestuário apertado, chapéu (na cabeça), casaco, casaco, colete, camisola de lã, vestido, saia, T-shirt, roupa para praia, capa de chuva, capa, colete sem mangas, colete para feminino, roupa para tênis, saia para tênis, sapatos para tênis, boné para golfe, calças para golfe, casaco para golfe, sapatos para golfe, vestuário para ciclismo, vestuário para corrida, sapatos desportivos, botas, chinelas, meias, luvas (vestuário), lingerie, pijama, calções, vestuário interior, roupa de banho, pijama de malha, vestuário interior para mulheres, calcinhas.
No referido acórdão, e após a apreciação do recurso interposto do acórdão do TSI que negou provimento ao recurso interposto da sentença de primeira instância, com a qual se confirmou o despacho da Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da então DSE que recursou o registo da marca, este TUI concluiu pela capacidade distintiva da marca em causa para os produtos da classe 25.ª.
Cremos que o mesmo entendimento também pode valer para os produtos da classe 32.ª indicados pela recorrente no seu pedido de registo da marca.
É verdade que, tal como alega a própria recorrente, a distintividade de uma marca tem de ser aferida no contexto dos bens e serviços que visa distinguir.
Por outras palavras, o reconhecimento da capacidade distintiva de uma marca para determinados produtos ou serviços não é válido para todos e quaisquer produtos ou serviços, sendo certo que a capacidade distintiva da marca há de ser analisada caso a caso, por referência aos produtos ou serviços relativamente aos quais o registo da marca foi solicitado.
No caso vertente, ao acolher os fundamentos da decisão de primeira instância, entendeu o TSI que a marca registanda é apenas um “slogan”, desprovida de capacidade distintiva, enquadrando-se na previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI, isto é, considerou que a marca registanda é constituída apenas por termos e palavras usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
Assim não vamos entrar na discussão sobre a questão colocada pela recorrente respeitante à recusa da marca com fundamento na al. b) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI, por ser desnecessária, já que os tribunais de duas instâncias julgaram improcedente o recuso não com fundamento nesta alínea, mas sim na al. c) do n.º 1 do art.º 199.º.
Ora, reafirmamos o nosso entendimento já exposto no acórdão n.º 3/2022, também reconhecido pelo Tribunal recorrido, no sentido de que a Lei não proíbe que um “slogan” seja registado como marca; o que importa é que, além da sua função publicitária, o “slogan” pode ser percepcionada de imediato pelo público relevante como uma indicação da origem comercial dos produtos e serviços em causa.
A al. c) do n.º 1 do art.º 199.º do RJPI refere-se aos “sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio”, que não são susceptíveis de protecção.
São os chamados sinais usuais.
Como se explica no Código da Propriedade Industrial Anotado: «Decorre que deve ser vedado o registo de sinais somente compostos por vocábulos ou figuras comummente utilizados no mercado, que, sendo elementos usuais na prática comercial, não só não podem ser retirados da livre disponibilidade de todos os que se dediquem a determinada actividade, como também não são aptos a permitir que o consumidor, através deles, distinga produtos ou serviços.
Nesta proibição enquadra-se qualquer termo ou representação figurativa que sirva usualmente para referenciar o produto ou serviços indicados no pedido de registo (ou as suas características). Exemplo disso são expressão como “bica”, em relação ao “café”, e “fino”, no que respeita a “cerveja”.
Deve excluir-se também, através desta alínea, o registo de todo um conjunto de expressões mediante as quais vulgarmente se publicita e promove bens ou prestações no mercado (“super”, “fantástico”, entre muitas outras).
Há que sublinhar, todavia, que o registo deve ser negado apenas quando os sinais ou indicações de que a marca for exclusivamente composta se tiverem efectivamente tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio em relação aos produtos ou aos serviços para que tiver sido requerido o registo da referida marca, podendo ser concedido se não existir essa relação ..., ou se a marca incluir outros elementos que lhe forneça suficiente capacidade distintiva».2
Relativamente aos sinais usuais, na doutrina distinguem-se três espécies:
“1ª Os sinais usuais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços;
2ª Os sinais usuais descritivos de um género ou de diferentes géneros de produtos ou serviços;
3ª Os sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço.
Estes últimos são os sinais que, …, alguma doutrina estrangeira considera como sinais descritivos. Quanto a nós, voltamos a repetir, são sinais que, pelo uso, perderam o seu originário significado descritivo.
Bem vistas as coisas não são sinais para “descrever” produtos ou serviços, mas para “promover” ou “publicitar” produtos ou serviços.”3
E são exemplos da primeira espécie de sinais usuais os casos da “Bica, Prego, Galão, Carioca, Fino, Imperial e, no caso de sinais figurativos, das figuras da lebre para artigos de caça, do peixe para artigos de pesca, da tesoura para artigos de barbearia, das flores para artigos de perfumaria, da vaca para produtos derivados do leite e da imagem de fogo para artigos de aquecimento.”
Da segunda espécie de sinais usuais a doutrina dá como exemplo as “marcas figurativas de origem dos produtos: Chaminé do Algarve e Galo de Barcelos.”
Na terceira espécie enquadram-se alguns exemplos considerados pela jurisprudência com tais as expressões Imperial em relação a marcas de vinho, Fino para marca de cerveja, por significar “o melhor”, o “ideal” e “excelente” e Ideal para marca de produtos das classes 9.ª, 16.ª e 28.ª. 4
E na mesma espécie integra-se também a marca alemã Mehr für Ihr Geld (“mais com o seu dinheiro”)5, considerando-se que a marca alemã era “desprovida de capacidade distintiva que, junto do público, seria apreendida mais como um slogan publicitário do que como uma marca”6.
De modo similar, foi decidido que “No que respeita à percepção do sintagma REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS pelo público relevante, cabe sublinhar que a Secção de Recurso apurou que o slôgane é composto de palavras comuns que são entendidas por esse público como uma simples fórmula promocional e não uma indicação da origem comercial dos serviços em causa”, sendo certo que tal sintagma, para além do seu significado promocional evidente, “não possui elementos que permitam ao público relevante memorizar fácil e imediatamente o sintagma enquanto marca distintiva para os serviços designados”. 7
Postas tais considerações, é de voltar ao nosso caso concreto.
Ora, não se perdendo de vista os produtos visados pela marca registanda reportada nos presentes autos e também a posição que já tomámos em relação à mesma marca, entendemos que não está em causa um sinal que, pura e simplesmente, se apresente como um mero “slogan” ou “mais como um slogan publicitário do que como uma marca”.
É de transcrever as seguintes considerações expostas no acórdão proferido no Processo n.º 3/2022, que são também válidas para o presente caso:
«… , afigura-se-nos que para melhor se aferir de tal “capacidade distintiva” se deve ponderar se o aludido sinal, (slogan):
- constitui um “jogo de palavras”; e/ou,
- introduz “elementos de intriga ou surpresa conceptual”, (com “duplo sentido”, para que possa ser considerado imaginativo, surpreendente ou inesperado); e/ou,
- tem uma “originalidade ou ressonância particular”; e/ou,
- desencadeia na mente do público relevante um “processo cognitivo”, suscitando a imaginação e exigindo um “esforço de interpretação”; e/ou,
- integra “estruturas ou combinações sintáticas originais/ invulgares”; e/ou,
- utiliza e recorre a “figuras de linguagem”, podendo integrar figuras de “semântica”, de “sintaxe” e de “som/fonética”, como v.g., sucede com o “paradoxo”, a “metáfora”, a “rima”, a “aliteração” e a “assonância”, (ou seja, repetição das mesmas letras ou sílabas numa frase, explorando o som das consoantes ou das vogais para gerar efeitos no texto), etc…; (neste sentido, cfr., v.g., entre outros, os Acs. do Tribunal de Justiça da União Europeia de 21.01.2010, Proc. n.º C-398/08P; de 12.07.2012, Proc. n.º C-311/11P; de 13.12.2018, Proc. n.º T-102/18; de 03.04.2019, Proc. n.º T-555/18 e o de 20.01.2021, Proc. n.º T-253/20, in “https://eur-lex.europa.eu”, todos eles tratando de pedidos de registo como marca de “slogans”).
Na verdade, se dúvidas não há que uma frase (descritiva), com características “promocionais”, e que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços não é passível de registo, (como foi o caso da atrás referida “Professional First”, ou, v.g., como podia eventualmente suceder com a expressão “Valores Seguros” para uma empresa de “serviços financeiros” ou de “segurança e transporte de valores”), o mesmo já não sucede com “frases” (ou expressões) que contenham as atrás aludidas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público.
Ora, em face do que até aqui se deixou exposto, e ponderando na “marca registanda” – “IT’S LIKE MILK BUT MADE FOR HUMANS” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que o “jogo de palavras” que a mesma encerra, com uma (não menos) “intrigante contradição” entre a sua primeira parte, (“IT’S LIKE MILK”, que se pode traduzir por “é como leite”), e a segunda, (“BUT MADE FOR HUMANS”, “mas feito para humanos”), não deixa de colocar em questão a secular e comummente aceite ideia de que o “leite” seja, (ou foi, desde sempre), um (dos) elemento(s) essencial(ais) da dieta humana, acabando por “instigar a reflexão”, desencadeando, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, e, sendo, por isso, de “fácil memorização”, o que a torna capaz de “distinguir os produtos a que dizem respeito dos produtos de empresas concorrentes”; (veja-se o atrás citado Ac. do Tribunal de Justiça da União Europeia de 20.01.2021, Proc. n.º T-253/20, com o qual se inverteram anteriores decisões, concedendo-se o registo da marca aqui em questão para os produtos das classes 29ª, 30ª e 32ª).
Nesta conformidade, mostra-se pois de considerar que a dita marca registanda, (também em relação aos produtos da classe 25ª), tem suficiente originalidade, desencadeando no público relevante um “processo cognitivo” e exigindo um “esforço de interpretação”, o que, por si, justifica a sua “capacidade distintiva”; (a este respeito, veja-se a concepção de Paul Mathély apud Américo da Silva Carvalho in, “Direito de Marcas”, Coimbra, pág. 211, e ainda, Pedro Sousa Silva in, “Direito Industrial – Noções Fundamentais”, pág. 152 a 154).»
Aqui chegados, e reconhecendo que na apreciação da questão ora em causa intervém sempre algum subjectivismo, achamos que se deve concluir pela capacidade distintiva da marca registanda relativamente aos produtos indicados pela recorrente no seu pedido de registo, uma vez que, no nosso entender, as expressões utilizadas, insusceptíveis de induzir em erro o público, não deixam de conter uma indicação da origem comercial dos serviços designados, para além da função promocional, não se podendo afirmar com certeza que, junto do público, tais expressões seriam apreendidas mais como um “slogan” publicitário do que como uma marca.
E há que atentar ao público ao qual se destinam os produtos indicados pela recorrente, cujos consumidores médios são aqueles com determinado nível cultural, que muito facilmente obtenham informação sobre os produtos em causa e que tenham bastante cuidado com produtos que vão consumir.
Assim sendo, tem a marca registanda a capacidade distintiva, necessária para que mereça a protecção legal como marca, pelo que se deve conceder provimento ao recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido.
Sem custas.

Macau, 8 de Abril de 2022
                 Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai
                 
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, Universidade de Coimbra, Volume I, 1973, p. 323.
2 Código da Propriedade Industrial Anotado, com coordenação geral de ANTÓNIO CAMPINOS e coordenação científica de LUÍS COUTO GONÇALVES, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2015, p. 399.
3 Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 8.ª Edição, pág.s 218 e 219.
4 Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 8.ª Edição, pág.s 218 e 219, notas 502, 503 e 504.
5 Ac. do Tribunal Justiça da União Europeia, de 30 de Junho de 2004, Proc. n.º T-281/02, disponível em https://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=408E8AA184C23D5EA05F15D9501823A8?text=&docid=49326&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=534216.
6 Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 8.ª Edição, pág. 219, nota 505.
7 Ac. do Tribunal Justiça da União Europeia, de 5 de Dezembro de 2002, Proc. n.º T-130/01, disponível em https://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=47570&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=567111.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




24
Processo n.º 33/2022