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Processo n.º 44/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 28/Abril/2022

Recorrente:
- A, Limitada (ré)

Recorrida:
- B (Macau) Limitada (autora)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, Limitada, ré no processo acima identificado, inconformada com a sentença que a condenou a pagar à autora B (Macau) Limitada, com sinais nos autos, o montante de MOP$9.646.314,94, acrescido de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Em conclusão o Acórdão Recorrido não esclarece a correlação do provado pelo quesito 38º com pagamentos a entidades terceiras que responsabilizem a Ré.
2. Não esclarece o diferencial do valor de obra concluído em 09.10.2015 pela Ré e o alegado valor pago pela Autora no montante de MOP$152.062.128,05, cujo somatório ultrapassa o valor do contrato Adjudicado à Ré (MOP$342.829.410,00) em MOP$53.591.613,00.
3. Houve alterações na execução da obra ou projecto, contratação de novos equipamentos, houve novos contratos??? como se explica esta diferença??? Que é de todo o interesse saber onde este dinheiro se encontra ou pelo menos obter uma explicação plausível senão para a Ré pelo menos para o tribunal.
4. Não se aceitando tal responsabilidade não existe mora ou dever de indemnizar a Autora.
5. Incorrendo desta forma a Sentença recorrida no vício previsto no artigo 571º al. d) do Código de Processo Civil.
Termos em que e nos mais de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências deverá dar-se provimento ao Recurso apresentado revogando-se a Decisão Recorrida e absolvendo-se a Recorrente do pedido.
Assim sendo farão Vossas Excelências a habitual e reiterada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso não respondeu a autora ora recorrida.
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Por Acórdão deste TSI proferido no âmbito do Processo n.º 955/2019, foi anulada parcialmente a sentença, tendo sido ordenado o aditamento de um novo quesito, bem como a nova apreciação dos quesitos 16º, 20º e 21º da base instrutória.
Realizado devidamente o julgamento, foi proferida nova sentença e julgada parcialmente procedente a acção.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado novo julgamento, ficou assente a seguinte factualidade:
A autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de realização de sondagens geológicas, consolidação de terrenos e fundações; construção e reparação de edifícios; trabalhos de engenharia civil; trabalhos de instalações que concorrem para a construção de edifícios; construções e obras públicas.
A ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto comercial a actividade de realização de obras de construção (建築工程).
Após a assinatura do Contrato de Empreitada com o dono da obra, a autora, decidiu subcontratar a ré para a realização dos trabalhos referidos no artigo 6° no âmbito do Contrato de Empreitada.
Assim a autora e a ré assinaram, em 7 de Maio de 2013, uma “Letter of Acceptance” / Carta de Aceitação, datada 30 de Abril de 2013.
Juntamente com a Carta de Aceitação, a autora entregou à ré - na pessoa do Sr. C, tendo esta tomado conhecimento e carimbado todas as folhas -, os seguintes anexos:
a) Anexo A - Carta da A, ora ré, datada de 15 de Abril de 2013;
b) Anexo B - Custos orçamentados para os trabalhos de “Fit-out and finishing Works package”;
c) Anexo C, Carta de aceitação datada de 26 de Novembro de 2012;
d) Anexo D, Apólices de seguros; e
e) Acordo de contrato de fornecimento de (barras) de ferro.
Durante as negociações do contrato de subempreitada a Ré fez-se representar junto da Autora por um dos directores, o Sr. C.
Nos termos do disposto na cláusula 15ª do contrato de subempreitada (site organization), o Sr. C era a pessoa que estava adstrita e seria responsável por trabalhar, a tempo inteiro, na gestão e execução do projecto, tal como a ré aceitou e se vinculou.
Por acordo de ambas as partes, o contrato de subempreitada foi adjudicado à ré pelo valor de MOP342.829.410,00, que exclui o preço para “Fit Out and Finishes Work’s packages” (al. h) dos factos assentes).
A data do início da execução das obras foi fixada em 3 de Maio de 2013, por “Aviso de Início dos Trabalhos” emitido pela companhia “D” para a autora e, subsequentemente, pela autora para a ré, em cumprimento do previsto na cláusula nº 3 do Contrato de subempreitada.
Através do contrato de subempreitada a ré obrigou-se, em cumprimento do previsto na cláusula nº 5, a prestar os seguintes trabalhos, nos prazos infra referidos: (alínea j) dos factos assentes)
a) 1ª Secção - 450 dias, desde a data do início dos trabalhos, para a construção das fundações com estrutura em cimento reforçado (cimento armado), trabalhos térreos, escavações e suportes laterais, drenagem subterrânea, instalação, paredes de suporte, placa e paredes de subsolo, paredes de tensão de corte, colunas, placas do piso térreo, terraço por cima do campo de basquete, instalação MEP (MEP installation, i.e., mechanical, electrical and plumbing installation), construção do auditório principal e da capela, reforço das estruturas, construção completa do edifício académico e sala para controlo dos quadros eléctricos incluindo as estruturas reforçadas, trabalhos de acabamento, instalação MEP, trabalhos paisagísticos e todos os trabalhos necessários;
b) 2ª Secção - 450 dias, desde a data do início dos trabalhos, para trabalhos paisagísticos nas áreas exteriores, incluindo estradas de acesso, portão, muros externos, praça, parque de estacionamento no piso térreo, jardins no piso térreo e no terraço por cima do campo de basquete, posto do guarda e todos os trabalhos necessários;
c) 3ª Secção - 630 dias, desde a data do início dos trabalhos, para trabalhos de acabamento, instalação MEP (MEP installation, i.e., mechanical, electrical and plumbing installation), trabalhos paisagísticos, entre outros trabalhos para finalizar a construção da cave, do auditório principal e da capela;
d) 4ª Secção - 720 dias, desde a data do início dos trabalhos, para a construção completa do dormitório, incluindo reforço das estruturas, construção completa do edifício académico e sala para controlo dos quadros eléctricos incluindo as estruturas reforçadas, trabalhos de acabamento, instalação MEP, trabalhos paisagísticos e todos os trabalhos necessários.
Os pagamentos são feitos com base em “back to back scheme”, isto é, efectuados pelo valor do trabalho efectivamente concluído e/ou realizado de acordo com as estipulações inseridas na “Bill of quantity” e nas quantidades acordadas com o Cliente (dono da obra) (al. k) dos factos assentes).
O dono da obra nomeou como medidor-orçamentista (quantity surveyor) a companhia E Ltd (doravante “quantity surveyor”). (alínea l) dos factos assentes)
A autora tinha também o seu próprio medidor-orçamentista (quantity surveyor) para puder efectuar os pagamentos à ré pelos trabalhos efectivamente concluídos e/ou realizados.
Em todos os pagamentos a serem efectuados seria retido pela autora uma percentagem, até um limite máximo de 10%, do valor do subcontrato de empreitada a título de reservas para contingências.
Concordaram também em providenciar, à custa da ré, com excepção dos salários do pessoal de gestão da HCCG, todas as provisões necessárias, incluindo mas não se limitando, os serviços temporários, instalações na obra, acesso e armazenamento, maquinarias e ferramentas, monitorização da obra, remoção de lixo, adequadas plataformas de trabalho e andaimes, equipamento e serviços de segurança, desobstrução de áreas ocupadas por ocupadas por ocupantes ilegais, incluindo a prestação de qualquer compensação financeira e custo associado, etc., de acordo com as cláusulas sob Bill 1 – Preliminares.
A autora enviou, em 14 de Julho de 2015, uma carta/aviso à ré, através da qual informou que a obra estava a registar atrasos significativos, apresentava defeitos e que a ré teria de acatar as ordens da autora (alínea p) dos factos assentes).
Devido ao desentendimento entre a autora e a ré, aquela informou à ré que o contrato de subempreitada se encontrava resolvido em 9 de Outubro de 2015. (alínea q) dos factos assentes)
De acordo com o cálculo efectuado pelo medidor-orçamentista (quantity surveyor) do dono da obra aos trabalhos efectuados até ao dia 25.02.2016, acrescidos de trabalhos de variação, materiais no estaleiro, depósito e uma retenção de 10%, o montante global foi de MOP266.605.798,21 (duzentos e sessenta e seis milhões seiscentas e cinco mil patacas setecentas e noventa e oito e 21 avos), - cfr. cartas enviadas à autora pelo medidor-orçamentista (quantity surveyor) do dono da obra e pela empresa responsável pela fiscalização da obra na RAEM, respectivamente datadas de 16 e de 26 de Outubro de 2015.
Autora efectuou pagamentos directos à ré de 24.01.2014 e até 10.08.2015, no montante de MOP72.989.730,84.
Durante a vigência da relação contratual entre a autora e a ré, esta estava contratualmente obrigada a proceder aos pagamentos a todas as entidades com quem lidava no âmbito da execução do contrato, incluindo os seus trabalhadores (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
O valor total dos trabalhos desenvolvidos pela ré até 09.10.2015, acrescido do valor dos trabalhos de variação e materiais no estaleiro, depósito e a retenção de 10% era de MOP244.358.895,38 (resposta ao quesito nº 2 da base instrutória).
O valor referido no item anterior teve por base o orçamento apresentado pelo medidor-orçamentista do dono da obra, considerando o trabalho efectivamente realizado e concluído pela ré tendo igualmente em consideração os valores que foram apresentados à autora pelo medidor orçamentista do dono da obra. (resposta ao quesito nº 3 da base instrutória)
A partir do final de 2014 a ré começou a apresentar dificuldades financeiras. (resposta ao quesito nº 4 da base instrutória)
A ré começou a faltar com os pagamentos aos seus subempreiteiros, seus fornecedores, seus prestadores de serviços, seguros, e seus trabalhadores. (resposta ao quesito nº 5 da base instrutória)
O que originou atrasos na obra. (resposta ao quesito nº 6 da base instrutória)
Além disso, os próprios fornecedores não procediam à entrega dos materiais enquanto os pagamentos não fossem efectuados. (resposta ao quesito nº 7 da base instrutória)
Nem os subempreiteiros da ré realizavam os seus trabalhos se os respectivos pagamentos não fossem efectuados. (resposta ao quesito nº 8 da base instrutória)
Perante esta situação, e para evitar sucessivos e prolongados atrasos na execução da obra, a autora foi forçada a efectuar esses pagamentos aos subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços, seguros, e trabalhadores da Ré. (resposta ao quesito nº 9 da base instrutória)
Pela execução dos trabalhos realizados no âmbito do contrato de subempreitada, a autora pagou à ré a quantia de MOP52.375.633,61. (resposta ao quesito nº 10 da base instrutória)
A autora entregou à ré o montante de MOP15.859.298,66, para pagar os salários aos seus trabalhadores. (resposta ao quesito nº 11 da base instrutória)
No total a ré recebeu directamente da autora, até 9 de Outubro de 2015, pagamentos no valor de MOP68.234.932,27. (resposta ao quesito nº 12 da base instrutória)
A autora pagou por conta da ré os seus seguros no montante de MOP3.421.897,30. (resposta ao quesito nº 14 da base instrutória)
A autora pagou ao fornecedor da ré F Limited, por conta desta, quando a obrigação de pagamento pertencia à ré, a quantia de MOP6.205.500,00. (resposta ao quesito nº 17 da base instrutória)
A autora pagou ao fornecedor da ré G Limited -, por conta da ré a quantia de MOP4.926.700,00. (resposta ao quesito nº 18 da base instrutória)
A autora, por conta da ré, pagou a entidades terceiras, nomeadamente subempreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e trabalhadores a quantia de MOP152.062.128,05 (MOP62.854.188,16 + MOP5.685.830,18 + (HKD25.130.458,06 + HKD34.379.048,76 + HKD21.579.920,08) x 1.03)), sem incluir as quantias referidas nos itens 17º e 18º (resposta aos quesitos nºs 16, 20 e 21 da base instrutória).
Nos termos do contrato foi acordado que o valor da retenção não podia ser superior a 10% do valor da subempreitada tendo sido retido o montante de MOP27.150.988,38. (resposta ao quesito nº 23 da base instrutória)
Por carta datada de 3 de Dezembro de 2015, a autora interpelou a ré para proceder ao pagamento da quantia em dívida no prazo de 20 dias. (resposta ao quesito nº 24 da base instrutória)
O certificado nº 11 emitido pela H indicava que o total do trabalho realizado era igual a MOP176.385.793,72. (resposta ao quesito nº 26 da base instrutória)
A ré em 25.11.2015 por meio de carta endereçada à autora interpelou esta para proceder ao pagamento do montante que entende estar em falta. (resposta ao quesito nº 28 da base instrutória)
A autora teve de proceder ao armazenamento dos andaimes que a ré deixou na obra. (resposta ao quesito nº 30 da base instrutória)
Pelo armazenamento do material referido no item anterior a autora pagou MOP108.150,00. (resposta ao quesito nº 31 da base instrutória)
De acordo com o contrato celebrado entre autora e ré a obra devia estar concluída em 22.04.2015. (resposta ao quesito nº 32 da base instrutória)
À data da resolução do contrato a ré havia construído aproximadamente 45,94% da obra. (resposta ao quesito nº 33 da base instrutória)
Atento o estado da obra à data da resolução, a data expectável para a conclusão dos trabalhos passou a ser de 2 de Novembro de 2016. (resposta ao quesito nº 35 da base instrutória)
Foi a ré que deu causa ao atraso da obra por 560 dias. (resposta ao quesito nº 36 da base instrutória)
O custo por cada dia de atraso é de MOP60.000,00. (resposta ao quesito nº 37 da base instrutória)
As partes acordaram que o contrato seria “back to back scheme” o que significa que relativamente aos trabalhos adjudicados à ré se aplicavam também as cláusulas do contrato celebrado entre a autora e o dono da obra. (resposta ao quesito nº 38 da base instrutória)
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Alega a recorrente que a sentença é nula por não ter esclarecido a correlação do provado pelo quesito 38º com pagamentos a entidades terceiras que responsabilizem a ré, nem ter esclarecido o diferencial do valor da obra concluído em 9.10.2015 pela ré e o alegado valor pago pela autora.
Estatui-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do Código do Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como observa Viriato de Lima1, “As nulidades da sentença da alínea d) – omissão e excesso de pronúncia – relacionam-se com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 563.º: o juiz tem de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e só se pode ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.”
Como se decidiu no Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo n.º 867/2010, “a nulidade prevista na referida disposição legal só se verifica quando o tribunal ignora pura e simplesmente qualquer questão que devesse ser apreciada por essencial ao resultado ou desfecho da causa, não já em relação a alguns dos fundamentos invocados pelas partes. (…) Por isso se diz que, mesmo sem abordar algum dos fundamentos alinhados por elas, não é nula a sentença se esta contiver todos os argumentos de facto e de direito que a sustentam, ainda que, porventura, em erro de julgamento…”
No vertente caso, não se vislumbra que o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, antes analisou o caso segundo o direito aplicável.
Em boa verdade, não obstante não se ter provado o teor integral do quesito 38º da base instrutória, mas salvo o devido respeito, somos a entender que a resposta dada pelo tribunal conduziria ao mesmo resultado, atento o facto de que o contrato celebrado pela autora e ré é um contrato “back to back scheme” no sentido de que relativamente aos trabalhos adjudicados à ré se aplicavam também as cláusulas do contrato celebrado entre a autora e o dono da obra.
Na medida em que, por decisão deste TSI que anulou parcialmente a sentença anterior, se concluiu que a autora tem direito a ser reembolsada dos pagamentos desde que se prove que aquela pagou por conta da ré, resta-nos apurar o valor das quantias pagas pela autora, para saber quanto terá a ré de restituir à autora.
No que respeita à quantia firmada na resposta dada aos quesitos 16º, 20º e 21º, no montante de MOP152.062.128,05, é bom de ver que o tribunal colectivo respondeu às respostas socorrendo-se dos documentos juntos aos autos, cuja decisão dependerá da livre valoração e apreciação do tribunal recorrido e que não se descortina qualquer erro manifesto e grosseiro na sua apreciação.
Nesta senda, por um lado, provado está que havia um saldo favorável à ré de MOP4.879.314,91, e por outro, ficou demonstrado que a autora pagou por conta da ré mais MOP$14.525.629,85 do que se havia provado no julgamento anterior, fazendo os cálculos, há-de concluir que a ré deve à autora o montante de MOP9.646.314,94, tal como foi decidido pelo tribunal recorrido.
Face às considerações acima tecidas, há-de negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente A Limitada, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 28 de Abril de 2022
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Manual de Direito Processual Civil, 3.ª edição, 2018, página 569
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