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Processo n.º 308/2021 Data do acórdão: 2022-4-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
No caso, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que não pode ter havido erro notório, por parte desse tribunal, na apreciação da prova, como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 308/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 247 a 259v do Processo Comum Singular n.o CR5-20-0107-PCS do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, pela prática, em autoria material, de um crime consumado de difamação, p. e p. pelo art.o 174.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de 210 dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total, pois, de MOP21.000,00 de multa, convertível em 140 dias de prisão, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, para além de ficar condenado em pagar MOP30.000,00 de indemnização de danos morais a favor da ofendida assistente, com juros legais desde a data da própria sentença até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando à decisão recorrida, na motivação apresentada a fls. 271 a 282 dos presentes autos correspondentes, o vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), no tangente aos factos com pertinência à verificação do dolo dele na prática do crime, para pedir, com esse fundamento do recurso, a sua absolvição.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 284 a 288 dos presentes autos, no sentido de não provimento do mesmo.
Respondeu também a ofendida assistente a fls. 291 a 294v, a defender a manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 305 a 306v, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora impugnada pelo arguido recorrente com fundamento na alegada verificação do vício de erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos com pertinência à verificação do seu dolo na prática do crime de difamação por que vinha condenado ficou proferida a fls. 247 a 259v, cujo teor integral (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente assacou, materialmente, à decisão condenatória dele o vício de erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
A propósito da temática do julgamento de factos, é sempre útil relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo (na parte ora sindicada pelo arguido recorrente), o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador.
Com efeito, o Tribunal recorrido já explicou congruentemente as razões por que julgou provados os factos tendentes à afirmação cabal do dolo do arguido na prática do crime de difamação em causa (cfr. sobretudo as considerações tecidas no último parágrafo da página 18, no terceiro parágrafo da página 19 e no primeiro parágrafo da página 20, todas do mesmo texto decisório, a fls. 255v a 256v dos autos).
Assim, perante a matéria de facto já razoavelmente julgada pela Primeira Instância sem erro notório na apreciação da prova, fica precludido o pedido de absolvição do arguido com alegada tese de falta de verificação do dolo na prática do crime de difamação.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 28 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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