Processo n.º 248/2022
(Autos de suspensão da eficácia)
Data : 28 de Abril de 2022
Requerente : A
Entidade Requerida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Requerente, devidamente identificada nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 14/03/2022, que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que determinou o cancelamento da autorização de permanência na RAEM, veio em 24/03/2022 junto deste TSI pedir a suspensão da eficácia do referido despacho, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 25, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Perdurando a executoriedade imediata do despacho suspendendo - com a inerente impossibilidade legal de trabalhar -, estará em causa para a requerente uma privação drástica e abrupta de meios financeiros para o respectivo sustento e para a satisfação em condições minimamente dignas das respectivas necessidades alimentares mais básicas e elementares de comer, de beber e de dormir sob um tecto.
2. A requerente auferia cerca de MOP$3.500,00 de salário mensal sendo que desse valor salarial - entretanto interrompido -, a requerente deve pagar MOP$750,00 de renda por uma cama num quarto para 4 pessoas e contar para a satisfação de todas as suas necessidades de subsistência pessoal.
3. O trabalho é a única fonte de sustento da requerente, não podendo contar com quaisquer rendimentos provenientes de quem quer que seja, não sendo titular de qualquer património, senão dos seus pertences pessoais como roupas e utensílios para uso doméstico - tudo bens modestos e de irrelevante valor pecuniário -, nem sendo titular de qualquer património imobiliário nem tendo poupanças, senão o valor que ainda lhe resta de 880,00 patacas, à data de 24.03.2022.
4. Segundo o Tribunal de Última Instância, será de difícil reparação o prejuízo «(...) consistente na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares (...)» - cfr. Acórdão do T.U.I. de 25 ABR 2001 e de 10 JUL 2013, nos processos n.º 6/2001 e n.º 37/2013.
5. Com a manutenção do cancelamento do blue card e da proibição legal de trabalhar, a consequente e imediata perda de meios financeiros para subsistência da requerente mostra-se um prejuízo de tipo não meramente quantitativo mas verdadeiramente de cariz qualitativo.
6. Na presente data (24 MAR 2022) o pecúlio pecuniário da requerente reduz-se à singela quantia de (MOP$880,00) e é a partir dessa paupérrima e magra soma que, a cada dia que passar de ora em diante, a requerente irá necessariamente ter de se alimentar e manter.
7. Tudo isto sem qualquer possibilidade de a requerente trabalhar em Macau devido à revogação do seu blue card e também sequer sem a mínima possibilidade de sair de Macau devido à pandemia do Covid19 e à inerente e quase total paralisação da aviação, que se manterá ao menos até finais de 2022.
8. A requerente vive - e crescentemente, dia a dia, viverá - em condições crescentemente degradantes e atentatórias da sua dignidade pois, tendo hoje e na presente data a fortuna de 880 patacas, tem de pagar 750 patacas de renda por uma cama num quarto colectivo para 4 pessoas, não pode legalmente trabalhar, não pode sair de Macau e tem de, dia a dia - ser humano que, ainda assim, se recusa a deixar de ser! - de comer e beber diariamente e de dormir sob um tecto.
9. É patente que é uma situação que viola a dignidade humana, a ordem pública e os bons costumes da R.A.E.M. - cfr. artigos 30.° e 43.° da Lei Básica e art. 273.°, n.º 2, do Código Civil.
10. Todos os factos supra descritos deverão ser julgados indiciados atenta tanto a via da prova por inferência como a via dos factos notórios.
11. É sabido e consabido - e não se pode alegar séria e lealmente o eu desconhecimento - que os salários de empregadas domésticas em Macau são muito baixos e que os "não-residentes" vivem em situações que envergonhariam e ofenderiam o pudor e o sentimento de dignidade do comum dos "residentes", sendo este precisamente o quadro de vida da aqui requerente.
12. A não sustação do despacho suspendendo causará à requerente prejuízos de séria, extrema e nula reparabilidade - cfr. art. 121.°, n.º 1, alínea a) do C.P.A.C.
13. Não se afiguram face ao caso vertente nem no acto suspendendo a Administração - senão de forma genérica e tabelar - invoca razões de fundo que tanto colidam como mesmo prevaleçam face ao interesse da requerente em poder continuar a poder viver e trabalhar em Macau, enquanto não se vier a encontrar decidido o recurso contencioso.
14. Um dos efeitos da imediata execução do acto administrativo que determinou o cancelamento do blue card é a impossibilidade de a requerente trabalhar e, inerentemente, a perda absoluta de todos os seus rendimentos, que, hoje, se reduzem a 880,00 patacas.
15. Com a perda total e absoluta de rendimentos advêm fortes, sensíveis e irreparáveis prejuízos a si pois o salário da requerente é a sua única e exclusiva fonte de obtenção de meios para, com a mínima dignidade, satisfazer as suas necessidades mais basilares de comer, beber e dormir.
16. O direito ao trabalho é um direito fundamental básico e, como tal, só deverá ser restringido em último caso, ou seja, quando com a sua ablação total, ou com a sua simples restrição, se vise salvaguardar um interesse com ele colidente e que se lhe sobreponha e, ainda assim, essa ablação ou restrição sempre terá de ser proporcional e adequada.
17. Em face desse interesse primordial e prevalecente da requerente, nada na situação de facto mostra que a sustação do acto pelo tempo por que durar o recurso contencioso será de molde a perigar ou trazer qualquer lesão ao interesse público e, logo, nenhum interesse público imediato e premente, grave ou não, se verifica in casu que milite a favor da imediata executoriedade do despacho suspendendo e nada autoriza, assim, que uma tal eventual aplicação efectiva não deva ser sustada até que haja uma eventual pronúncia final nesse sentido em sede de recurso contencioso administrativo.
18. Está verificada a exigência do art. 121.°, al. b), do C.P.A.C. porque no presente caso não se vislumbra que a suspensão de eficácia possa acarretar grave lesão ao interesse público sendo que, fosse como fosse, face ao n.º 4 do art. 121.° do C.P.A.C., sempre o balanceamento de interesses/prejuízos públicos e privados penderá manifestamente a favor da posição da aqui requerente.
19. A requerente irá invocar em sede de recurso contencioso que se encontra inocente das imputações que lhe foram feitas pelo Ministério Público com base numa mera presunção e que foi ela quem, aliás, foi vítima de uma actuação desonesta e desleal do seu então namorado, B, que sempre lhe omitiu e escondeu a realidade do seu estatuto ilegal em Macau.
20. É patente que o acto suspendendo enferma de um notório vício da falta de fundamentação, tal qual se imporia face aos artigos 114.° e 115.° do C.P.A. pois o "perigo" a que alude o art. 11.°, n.º 1, al. 3), da Lei 6/2004 é um perigo efectivo - em tudo semelhante àquele a que se refere o art. 12.°, n.º 3 da mesma Lei -, não podendo - nem, sobretudo, devendo - a Administração retirar essa conclusão de perigosidade sem qualquer fundamento legal ou fáctico, mesmo - ou, aliás, sobretudo - quando o faça apenas em termos meramente preventivos e antecipatórios.
21. A "prática de crimes, ou a sua preparação, na R.A.E.M" é apenas uma das formas possíveis da demonstração do "perigo para a ordem e segurança públicas", enquanto exemplo-padrão previsto pelo legislador tal qual ficou vertido no douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 26 ABR 2018 tirado no processo n.º 125/2017.
22. Tal formulação de um concreto juízo de perigosidade tem de ser sempre suficientemente fundamentado mediante uma análise efectiva e perscrutante dos factos concretos e objectivos para que, só assim, o órgão competente, no uso do seu poder-dever de tipo discricionário, possa concluir pela eventualidade de um quadro de perigosidade para a segurança e ordem públicas.
23. Não basta remeter ou repetir as "palavras da lei" para fundamentar que existe perigo por parte da requerente para a segurança ou ordem públicas da R.A.E.M. num futuro próximo ou distante, tal qual foi decidido pelo T.S.I. em 8 FEV 2018 no processo n.º 183/2017.
24. Perante este conceito indeterminado, a Administração deveria ter fundamentado o preenchimento do mesmo mediante factos concretos e objectivos aptos a explicitar por que motivo sustenta que a requerente possa porventura colocar futuramente em perigo a ordem e a segurança pública da R.A.E.M.
25. O acto suspendendo ofende ainda de forma manifesta o princípio de proporcionalidade acolhido no art. 5.°, n.º 2, do C.P.A. uma vez que a aventada e hipotética lesão dos interesses públicos alegadamente subjacentes ao acto suspendendo mostra-se desproporcional - isto é, inferior e secundária – face aos interesses primordiais imediatamente sacrificados pelo acto suspendendo, que são, sem mais, a perda de toda e qualquer fonte de rendimento para sustento da requerente.
26. Seja como for, atentas a legitimidade quer material quer adjectiva da aqui requerente para impugnar contenciosamente a decisão suspendenda, esta tem um legítimo direito à hetero-definição judicial da situação controvertida e, assim, atenta a al. c) do art. 121.° do C.P.A.C., deve ser tido por verificado o requisito da legalidade do recurso, donde advém à requerente a sua legitimidade e interesse processual, enquanto titular directo do direito pelo qual pugna.
27. Estão, pois, verificados todos os requisitos legalmente necessários para o decretamento da requerida providência de suspensão de eficácia do acto.
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Citado, veio o senhor Secretário para a Segurança contestar nos seguintes termos (fls.55 a 68):
1. Como preliminar do recurso contencioso que irá interpor, pretende a Requerente, por via do presente processo, a suspensão de eficácia do despacho datado de 14.03.2022, pelo qual foi novamente mantida a decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, proferida em 07.10.2020, que revogou a autorização de permanência, na qualidade de trabalhadora não residente, que lhe havia sido concedida.
2. Para tanto alega a Requerente, no que respeita à alínea a) do nº1 do art.121º Código do Processo Administrativo Contencioso (doravante, “CPAC”), que a manutenção do cancelamento do "blue card" e da proibição legal de trabalhar e a consequente e imediata perda do seu salário mensal de cerca de MOP3.500,00, essencial para a sua subsistência, causará um prejuízo sério, irreparável e de cariz verdadeiramente qualitativo, pois tendo actualmente apenas MOP880,00, e "sem a mínima possibilidade de sair de Macau devido à pandemia do Covid19 e à inerente e quase total paralisação da aviação, que se manterá ao menos até finais de 2022", tem de pagar MOP750,00 de renda por uma cama num quarto colectivo para 4 pessoas, para além de ter de satisfazer as suas necessidades basilares de comer e beber.
3. Por outro lado, considera estar verificada a exigência prevista na alínea b) do nº1 do art.121º do CPAC por não se vislumbrar que a suspensão de eficácia possa acarretar grave lesão ao interesse público, sendo que, no seu entender, o balanceamento de interesses/prejuízos públicos e privados sempre penderá a favor da posição da Requerente.
4. Por fim, reclama ter um "legítimo direito à hetero-definição judicial da situação controvertida" e, assim, atenta a alínea c) do nº1 do art.121º do CPAC, deve ser tido por verificado o requisito da legalidade do recurso, donde advém a sua legitimidade e interesse processual, enquanto titular directo do direito pelo qual pugna.
5. Ora, a questão que se coloca no presente recurso é, desde logo, a de saber se estão ou não reunidos os requisitos substantivos e, por regra, cumulativos previstos no art.121º, nº1 do CPAC.
6. Cremos, adiante-se, que, no presente caso, a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa. Vejamos porquê.
7. De acordo com o disposto no art.120º do CPAC "a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente".
8. Por sua vez, o CPAC no seu art.121º, sob a epígrafe "Legitimidade e requisitos", consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
"1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do nº1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do nº1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente~.
5. Verificados os requisitos previstos no nº1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
9. Tal significa que, segundo o disposto no nº1 do artigo 121º do CPAC, a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo - ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva - é concedida, em suma, quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
10. Tais requisitos de procedência da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, dos desvios previstos nos nºs 2,3 e 4 do citado artigo 121.° do CPAC - cfr., entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância (TUI), de 04.10.2019 (Proc. nº90/2019).
11. É consabido que, por razões que se prendem com a necessidade de evitar o entorpecimento da actividade administrativa, a mera interposição do recurso contencioso, face ao estatuído no artigo 22º do CPAC, não tem efeito suspensivo da eficácia do acto em crise.
12. Contudo, a previsão da suspensão da eficácia do acto quando da execução deste possa resultar para o particular prejuízo de difícil reparação constitui justamente uma excepção a tal regra.
13. A este propósito, cumpre recordar os doutos ensinamentos do Tribunal de Última Instância (TUI), no acórdão de 14.11.2009 (Proc. nº33/2009) quando afirma que "não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação".
14. Tal requisito de que trata a alínea a) do nº1 do art.121º do CPAC visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele ampara.
15. Sobre o que deve entender-se por "prejuízo de difícil reparação", importa ter presente a posição assumida pelo TUI no referido aresto: "mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto".
16. Por outro lado, é incontestável que o conceito indeterminado de "prejuízo de difícil reparação" tem que ser concretizado por factos que o requerente não poderá deixar de carrear para os autos, devendo para tal ser explícito e específico, não sendo lícito socorrer-se de expressões vagas, genéricas e conclusivas.
17. In casu, após o périplo pela enunciação das condições legais de procedência dum pedido desta natureza, importa, desde logo, aferir se a execução do acto suspendendo origina previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a Requerente.
18. Recorde-se que o acto em crise consubstancia a revogação da autorização de permanência da Requerente em Macau, na qualidade de trabalhadora não residente.
19. Argumenta a Requerente que a execução desse acto lhe causa prejuízos irreparáveis, uma vez que irá proibi-la de trabalhar como empregada doméstica e de auferir o respectivo salário, a sua única fonte de sustento, tendo actualmente apenas MOP880,00 e ter de pagar MOP750,00 de renda por uma cama num quarto colectivo para 4 pessoas, para além de ter de satisfazer as suas necessidades basilares de comer e beber.
20. Para além de não poder continuar a trabalhar a Requerente invoca, ainda, que não tem “a mínima possibilidade de sair de Macau devido à pandemia do Covid19 e à inerente e quase total paralisação da aviação, que se manterá ao menos até finais de 2022".
21. Todavia, não é feita nos autos qualquer prova que demonstre, ainda que sumariamente, aquilo que vem alegado pela Requerente, sendo certo que, como vimos, é sobre a mesma que recaí o ónus probatório dos factos que consubstanciam a existência de um prejuízo de difícil reparação.
22. Com efeito, nenhum dos elementos que juntou aos autos - designadamente as 3 fotografias (Docs. 3 a 5) - é demonstrador de nenhuma das circunstâncias que vêm alegadas.
23. Atendendo a padrões de mera razoabilidade - já para não falar das exigências legais no que respeita aos factos para cuja prova a lei exige formalidade especial ou só possam ser provados por documentos -, diremos apenas que certamente não é através de fotos de um beliche e de uma foto com 8 notas que, num processo judicial, se possa pretender, com sensatez, alcançar a prova dos danos invocados, desde logo, a privação drástica do sustento da Requerente.
24. Nem, por outro lado, que actualmente tem apenas MOP880,00;
25. Nem tão pouco que tem de pagar MOP750,00 de renda por uma cama num quarto colectivo;
26. E nem sequer que o único meio de subsistência da Requerente advém do seu trabalho ...
27. Como bem esclarece esse Tribunal no acórdão de 29/10/2020 (Proc.896/2020) "(C)abe ao requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado no art° 121º/1-a) do CPAC, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação".
28. Tal aresto ainda clarifica que "(N)ão fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente, não obstante a instrução do requerimento inicial com os vários documentos, pretensamente demonstrativos da situação económico-financeira do requerente, o certo é que o carácter vago e conclusivo da alegada fraca situação económico-financeira nem sequer é suprível pela simples junção desses documentos, quando não acompanhados da alegação dos factos concretos que os tais documentos têm a pontencialidade de demonstrar."
29. O que se observa, de forma inquestionável, e que a documentação (“a prova") apresentada pela Requerente, pese embora admissível, é manifestamente inidónea, irrelevante e desprovida de conteúdo e valor probatório,
30. falecendo, portanto, os fundamentos fácticos que escoravam a alegação de prejuízo de difícil reparação.
31. Não obstante não haver propriamente na suspensão de eficácia uma "fase de produção de prova" tal como a conhecemos em outras espécie processuais, o certo é que há a imposição à Requerente de juntar logo no requerimento inicial os documentos instrutórios que revelem os factos que preencham os requisitos da procedibilidade plasmados no art.121º, nº1 do CPAC.
32. Não se desconhece que, dada a sua natureza urgente e cautelar, este tipo de processo se contenta com a prova indiciária e aparente do direito.
33. Mas tal não exclui o ónus que recai sobre a Requerente de alegar e demonstrar, ainda que indiciariamente, os factos que hão-de convencer o tribunal de que a execução do acto em causa provocará prejuízos de difícil reparação para os seus interesses.
34. Assim, por não se encontrarem demonstrados, sequer sumariamente, os prejuízos irreparáveis que a Requerente alegou, resta considerar que não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
35. Recorde-se que o sentido proeminente deste tipo de providência é o de acautelar a ocorrência de uma situação danosa, prevenindo-a prontamente ou neutralizando-a.
36. Ora, mesmo que os interesses invocados pela Requerente pudessem considerar-se ameaçados - o que, reitere-se, não se encontra demonstrado - tais danos estão longe de ser imediatos.
37. Pois que, os prejuízos alegados não resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter.
38. Na verdade, ao contrário do que a Requerente alega, actualmente existem várias soluções para regressar às Filipinas, país de onde é natural.
39. Com efeito, os cidadãos de nacionalidade filipina dispõe, presentemente, de vários meios para regressarem ao seu país.
40. Desde logo através da viagem organizada pelo Consulado das Filipinas em Macau onde, mensalmente, em média, é agendado um voo, estando previsto o próximo para o dia 21 de Abril.
41. Além disso, os cidadãos filipinos podem ainda optar por viajar num voo comercial (Scoot) que parte de Macau, via Singapura, para Manila (Filipinas), às segundas, quartas e sábados.
42. Com efeito, nesta actual conjuntura, os alegados prejuízos da Requerente não resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter, já que poderá regressar, a todo o momento, às Filipinas e retomar lá a sua actividade profissional.
43. Em todo o caso, convém recordar que sempre teria de existir um nexo de causa e efeito entre a execução do acto e os prejuízos a sofrer pela Requerente, pois, só relevam os prejuízos que resultem directa, imediata e necessariamente do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados os prejuízos conjunturais ou eventuais.
44. E, assim sendo, no caso presente é notório que o acto suspendendo não é gerador de prejuízos de difícil reparação para a Requerente pois esta, ao contrário do que alega, não está impedida de regressar ao seu país e aí prosseguir a sua actividade profissional assegurando o seu sustento.
45. Por outro lado, no que respeita ao requisito da alínea b) do nº1 o art.121º do CPAC, sempre se dirá que, in casu, a suspensão do acto determina grave lesão para o interesse público.
46. Com efeito, as circunstâncias do caso revelam que a suspensão agride a segurança e ordem públicas já que a Requerente, ao permanecer no território, poderá continuar a adoptar a conduta criminosa pela qual já foi condenada pelos Tribunais de Macau.
47. Convém não esquecer que a Requerente foi condenada, por sentença proferida, em 22.10.2020, pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base em quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, pela prática de um crime consumado de acolhimento, tendo o recurso por si interposto para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) sido julgado improcedente por acórdão de 10.03.2022 - cfr. Docs. 1 e 2.
48. Recorde-se que durante o ano de 2020 a Requerente terá cedido um quarto na casa arrendada pela sua mãe (onde também vive num outro quarto) ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.500MOP, sem que cuidasse de averiguar em que condições este se encontrava em Macau.
49. Efectivamente, a permanência da Recorrente em Macau representa um perigo para a segurança ou ordem públicas, já que um juízo de prognose não permite afastar a hipótese de ela continuar a auxiliar a permanência, de forma ilegal, de sujeitos no território, até porque a disponibilidade de quartos para subarrendar na casa da sua mãe constitui uma situação potenciadora para que tal venha a suceder.
50. Destarte, sem prejuízo dos disposto nos nºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121º do CPAC - os quais não se aplicam no caso sub judice -, uma vez que são de verificação cumulativa os requisitos previstos no nº1, à míngua do das alíneas a) e b), restará ao Tribunal indeferir o presente pedido de suspensão de eficácia.
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O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer de fls. 85 a 87, pugnando pelo deferimento do pedido.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do pedido, conforme os elementos juntos no processo:
- A requerente é cidadã filipina, a quem foi concedida a autorização de permanência em Macau, enquanto trabalhadora não residente;
- Da investigação levada a cabo pela PSP, esta considera que existem fortes indícios de que a Recorrente, em Fevereiro de 2020, cedeu um quarto na casa arrendada pela sua mãe ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda de MOP$1.500,00, sem que tenha cuidado de averiguar em que condições o mesmo se encontrava em Macau;
- Por despacho do Senhor Comandante da PSP, foi-lhe revogada a autorização de permanência, por ter sido considerada autora dos factos que consubstanciam a prática de um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;
- E pelos mesmos factos foi acusada pelo Ministério Público de ter praticado um crime de acolhimento p. e p. pelo artº 15º/1 da Lei nº 6/2004;
- Inconformada com este despacho, a requerente interpôs dele recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;
- Por despacho datado de 16NOV2020, o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o recurso hierárquico, tendo mantido a decisão da revogação da autorização de permanência;
- Notificada em 30NOV2020 e de novo inconformada, a requerente formulou o presente requerimento, que deu entrada neste TSI em 23DEZ2020, pedindo a suspensão de eficácia desse acto do Senhor Secretário para a Segurança, que lhe determinou a revogação da autorização de permanência na RAEM, na qualidade de trabalhador; e
- Dele interpôs recurso contencioso de anulação mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 04JAN2021 (segundo informações ex oficio obtidas junto da Secretaria do TSI).
DESPACHO
ASSUNTO: Execução do acórdão do TSI (16.09.2021) // Decisão Sumária do TUI (27.01.2022)
RECORRENTE: A
Na sequência do recurso contencioso de anulação interposto por A do despacho que em sede de recurso hierárquico necessário decidiu, em 16.11.2020, confirmar o acto praticado pelo CPSP que lhe revogou a autorização de permanência na qualidade de trabalhadora não residente, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) proferiu, em 16.09.2021, acórdão julgando procedente o recurso e, com base na verificação do vicio de falta de fundamentação, anulou o despacho impugnado.
Uma vez que, em 27.01.2022, por decisão sumária do Tribunal de Última Instância (TUI) foi negado provimento ao recurso jurisdicional interposto daquele aresto, cumpre, agora, executar o julgado com a prolação de novo acto (substitutivo), expurgado da violação detectada, o que se faz, nos seguintes termos:
Da análise do processo instrutor, resulta existirem fortes indícios de que a Recorrente A, em Fevereiro de 2020, terá cedido um quarto na casa arrendada pela sua mãe (onde também vive num outro quarto) ao seu suposto namorado, de nacionalidade indiana, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.500MOP, sem que cuidasse de averiguar em que condições este se encontrava em Macau.
Ademais, em 05.06.2020, após ter sido interceptado pela polícia, constatou-se que aquele indivíduo terá entrado no território em Março de 2019, munido de um passaporte indiano, e permanecido para lá do período legal de estadia, bem sabendo a Recorrente que tal período é muito curto e, ainda assim, permitiu que ele se instalasse na referida casa, aceitando o facto de possivelmente estar em situação de imigração ilegal conduta que, segundo a acusação (fls.45 e verso) deduzida, em 29.06.2020, pelo Ministério Público consubstancia a prática do crime de acolhimento, previsto no art.15º, nº1 da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto.
A conduta criminosa da Recorrente ficou demonstrada na sentença proferida, em 22.10.2020, pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, onde foi condenada em quatro meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, pela prática de um crime consumado de acolhimento, tendo o recurso por si interposto para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) sido julgado improcedente por acórdão de 10.03.2022.
Ponderando tal factualidade, cabe dizer que, além de ser autora material daquela actividade criminosa, a Recorrente ainda obteve vantagem patrimonial e benefício material para terceiro - no caso a sua mãe - como recompensa pela prática daquele crime, na medida em que esta recebia uma renda mensal pela cedência do referido quarto a esse imigrante ilegal.
Perante as referidas decisões judiciais e a condenação da Recorrente pela prática do crime de acolhimento, previsto e punido pelo art.15º da Lei nº6/2004, deixou de ser possível o necessário juízo de prognose favorável que constituiu o pressuposto da (anterior) autorização da sua permanência na RAEM (cfr., art.24º, nº 1 do Regulamento Administrativo nº5/2003 e art.9º, n.° 2, alínea 1) da Lei n° 4/2003).
A personalidade da Recorrente, a sua situação pessoal e as suas condições de vida, o seu anterior comportamento, o contexto fáctico que cerceou a atitude criminosa de que era suspeita e pela qual foi efectivamente condenada pelos tribunais permitem concluir pela existência de perigo para a segurança ou ordem públicas na RAEM.
Efectivamente, a permanência da Recorrente em Macau representa um perigo para a segurança ou ordem públicas, já que um juízo de prognose não permite afastar a hipótese de ela continuar a auxiliar a permanência, de forma ilegal, de sujeitos no território, até porque a disponibilidade de quartos para subarrendar na casa da sua mãe constitui uma situação potenciadora para que tal venha a suceder.
Encontra-se, hoje, confirmada a responsabilidade criminal da Recorrente e, por sua vez, as suspeitas do comportamento criminoso que estiveram na génese do acto do CPSP de 07.10.2020 e que criaram na Entidade Recorrida a convicção de que a conduta da Recorrente era passível de colocar em risco a segurança e a ordem públicas, situação enquadrável na alínea 3) do nº1 do art.11º da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto aplicável ex vi do art.15º, nº1 do Regulamento Administrativo nº8/2010, de 19 de Abril.
Por conseguinte, se já na altura da interposição do presente recurso hierárquico, a alegada violação do princípio da presunção da inocência carecia de sentido - quer por estar em causa uma situação de fortes indícios e não de meros indícios, quer por estarmos no âmbito de um procedimento administrativo, de carácter securitário (não sancionatório) com o desígnio de garantir a segurança e estabilidade da sociedade e onde não releva a efectiva punição em sede de processo-crime - por maioria de razão, perante as referidas condenações judiciais, toda a argumentação respeitante à verificação deste vício ruiu.
Por outro lado, limitando-se a Recorrente a afirmar que não representa perigo algum para a segurança e ordem públicas, o que evidencia, desde logo, a manifesta a falta de consubstanciação do alegado vício de errada interpretação e aplicação da alínea 3) do nº1 do art.11º da Lei nº6/2004, de 2 de Agosto, convém não olvidar a dificuldade de um controlo efectivo da actividade da Recorrente, sendo certo que, a avaliação da sua personalidade e um juízo de prognose, permitem concluir que a sua permanência na RAEM constitui uma efectiva ameaça aos valores que a lei visa preservar, na medida em que o risco de continuar a adoptar o mesmo comportamento não se encontra afastado.
Assim sendo, decido, ao abrigo do disposto no nº1 do art.161° do CPA, confirmar o acto recorrido e negar provimento ao recurso hierárquico necessário apresentado em 28.10.2020.
Macau, aos 14 de Março de 2022.
O Secretario para a segurança,
XXX
* * *
IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança em 14 de Março de 2022 que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto da decisão do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública que determinou o cancelamento da autorização de permanência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pelo indeferimento do pedido.
2.
2.1.
Decorre do disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
2.2.
(i)
No caso sujeito, verifica-se que a Requerente pretende a suspensão de eficácia de um acto positivo, de cancelamento da autorização de permanência na RAEM de que beneficiava.
(ii)
Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v. g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito.
Mostra-se, assim, verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
(iii)
Por outro lado, apesar da alegação em contrário da Entidade Requerida e salvo o devido respeito, parece-nos evidente que a suspensão de eficácia do acto, a ser decretada, não é susceptível de causar grave lesão do interesse público, pelo que se deve ter por verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
(iv)
Resta, pois, a questão que é, aliás, a única que, em bom rigor, é controvertida nos presentes autos e que é a de saber se a execução do acto é susceptível de, previsivelmente, causar à Requerente um prejuízo de difícil reparação.
Parece-nos que sim.
O Tribunal de Segunda Instância, por douto acórdão de 21 de Janeiro de 2021, já teve oportunidade de se pronunciar, bem, a nosso modesto ver, sobre um anterior pedido de suspensão de eficácia, que correu termos sob o n.º 1176/2020, também formulado pela Requerente tendo por objecto o acto de cancelamento da autorização da sua permanência na RAEM e, entretanto, anulado por vício de falta de fundamentação (a suspensão agora pretendida tem por objecto o acto administrativo que, na sequência da anulação daquele outro acto, foi praticado pela Entidade Requerida).
Na douta fundamentação do acórdão proferido nos referidos autos de suspensão de eficácia, o Tribunal de Segunda Instância deixou consignado o seguinte:
«Todavia, é de nosso conhecimento que, normalmente falando, as razões que levaram os trabalhadores não especializados a vir trabalhar em Macau, fora da sua terra, não são principalmente para ganhar a sua vida aqui em Macau, onde o nível de custo da vida é substancialmente mais elevado do que no seu país de origem, mas sim é para contribuir, com o rendimento obtido pelo seu trabalho, para a subsistência dos seus familiares no país de origem e para o melhoramento das condições de vida desses familiares.
Portanto, é de presumir que não têm grande poupança.
In casu, tal como foi alegado pela requerente e observado pelo Ministério Público, dada a notória dificuldade, senão impossibilidade, do normal funcionamento dos serviços de transporte aéreo de passageiros que ligam Macau ao resto do mundo, causada pelas medidas rigorosamente restritivas impostas pelas autoridades competentes de quase todos os países ou regiões do mundo dada a situação gravíssima da pandemia Covid-19, vivida em quase todos os países, não podemos passar por cima a questão de saber como é que a requerente poderá ganhar a sua vida e manter a sobrevivência com o mínimo da dignidade humana em Macau, se não puder continuar a trabalhar em Macau.
Na verdade, se a requerente não puder abandonar imediatamente a RAEM, dada a incerteza do momento em que poderão ser levantadas as medidas restritivas da circulação de pessoas entre os países e terá de ficar na RAEM por um período mais ou menos prolongado, confrontando-se com previsíveis dificuldades para custear a sua vida quotidiana, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, à habitação e à assistência médica, a execução imediata da revogação da autorização de permanência como trabalhadora não residente, que implica a proibição de trabalhar e a consequente perda do rendimento do trabalho, deve ter a virtualidade de lhe causar o prejuízos de difícil reparação.
(…)
Assim, nas circunstâncias concretas tão especiais do caso sub judice, cremos que a execução imediata do acto suspendendo tem a virtualidade de implicar a privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementar.
Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela verificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC» (fim de citação).
Estamos em crer que estas razões se mantêm válidas.
Apesar de algum alívio, vamos dizer assim, nas medidas restritivas à circulação e à entrada e saída da Região por causa da situação pandémica, que se verificou entre Janeiro de 2021 e o momento actual, é notório que, no essencial, aquelas medidas se mantêm em vigor, pelo que as dificuldades de viagem igualmente se mantêm. E se assim é, sendo previsível que a Recorrente poderá terá de permanecer em Macau por um período de tempo mais ou menos longo, é de concluir que se a mesma ficar impedida de prover ao seu sustento em virtude de, por via da execução do acto de cancelamento da autorização de permanência na RAEM, não poder trabalhar, tal redundará para ela num prejuízo irreparável.
Daí que seja de considerar que também se mostra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o presente pedido de suspensão de eficácia.”
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que o pedido deve ser deferido por se verificarem os requisitos legalmente exigidos para este efeito.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em deferir o pedido, decretando a suspensão de eficácia do despacho que determinou o cancelamento da autorização de permanência na RAEM.
*
Sem custas por isenção subjectiva
*
Notifique.
*
RAEM, aos 28 de Abril de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong (com declaração de voto vencido)
Mai Man Ieng
Declaração de voto vencido
No Acórdão em apreço entendeu estar verificado o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, isto é, a execução do acto é susceptível de causar à requerente um prejuízo de difícil reparação.
Salvo o devido e mui respeito, sou da opinião de que as razões fácticas invocadas pela requerente não permitam chegar à conclusão de que preenchido está aquele requisito.
Em primeiro lugar, ao contrário do que acontecia há dois anos atrás, já existe hoje em dia voos, pelo menos indirectos, com destino a Filipinas, não precisando a requerente, assim, de ficar “presa” na RAEM sem qualquer emprego com a consequente privação de rendimentos.
Em segundo lugar, não se vislumbra, a meu modesto ver, que a execução imediata do acto administrativo tem a virtualidade de implicar a impossibilidade de satisfação das necessidades básicas da requerente, por não sabermos por que razão não pode a requerente arranjar emprego no seu país.
Em terceiro e em último lugar, sou da opinião de que a perda do rendimento resultante da cessação da relação laboral é um dano indemnizável, não sendo, portanto, irreparável.
Face às considerações tecidas, independentemente da bondade do acto administrativo, entendo eu que verificado não está o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, devendo, ao contrário do decidido no Acórdão, indeferir o pedido de suspensão de eficácia de acto.
Tong Hio Fong
28.4.2022
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