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Processo nº 53/2022
Data do Acórdão: 28ABR2022


Assuntos:

Prazo de prescrição
Responsabilidade solidária
Concessionárias de jogo de fortuna e azar
Promotores de jogo de fortuna e azar
Impugnação da matéria de facto
Livre apreciação de provas
Convicção do Tribunal
Princípio da imediação


SUMÁRIO

1. A responsabilidade imposta às concessionárias pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.

2. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

3. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

4. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

5. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

6. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 53/2022


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
No âmbito dos autos da acção ordinária, registada sob o nº CV1-19-0028-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, instaurada por A, id. nos autos, contra a B Limitada e C S. A., ambas devidamente identificadas nos autos, doravante abreviadamente designadas por Dore e C Resorts, respectivamente, foi em sede de contestação apresentada pela Ré C Resorts deduzida a excepção peremptória de prescrição do direito à indemnização fundado na responsabilidade solidária contra ela invocado.

Pela decisão inserida no saneador, a excepção foi julgada procedente nos seguintes termos:
  - Excepção de prescrição
  A 2.a Ré invocou a excepção de prescrição do direito que o Autor invoca contra ele por já ter passado 3 anos a contar de momento em que o Autor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe assistia e da pessoa do responsável pela devolução do depósito ou pelo pagamento do valor depositado.
  O Autor entende que a 2.a Ré não tem razão na medida em que a fonte de obrigação solidária da 1.ª Ré e da 2.a Ré é contrato e não responsabilidade civil por facto ilícito.
  Considerando que ainda que todos os factos alegados pelo Autor na petição inicial fossem provados, o pedido formulado pelo Autor contra a 2.a Ré não pode proceder, passamos a conhecer já a excepção de prescrição.
  A responsabilidade alegada da 2.a Ré resulta do disposto no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
  Segundo o artigo em causa, as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.
  Trata-se de uma responsabilidade civil consagrada na lei e relacionada com a obrigação de fiscalização de actividade dos promotores de jogo a que as concessionárias de jogo estão sujeito nos termos do artigo 30.º/5) do Regulamento Administrativo n.º 6/2002. Podemos configurar a responsabilidade das concessionárias de jogo neste caso como responsabilidade objectiva na medida em que a sua responsabilidade não depende de culpa segundo o estabelecido no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002.
  Não está em causa qualquer relação contratual entre o Autor e a 2.a Ré visto que não existe nenhum vínculo contratual entre o Autor e a 2.a Ré.
  Ou seja, a fonte de obrigação das concessionárias de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo é a responsabilidade civil.
  Por sua vez, a responsabilidade da 1.ª Ré alegada tem por origem o incumprimento do contrato de depósito celebrado entre a 1ª Ré e o Autor. Contudo, a solidariedade de responsabilidade da 2.a Ré, enquanto concessionária de jogo, com a l.ª Ré não interfere a natureza de obrigação da 2.a Ré porque uma coisa é a modalidade de obrigação quanto ao sujeito, outra coisa é fonte de obrigações. Tal como afirmado pelo artigo 505.º/2 do CC, a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um dele. Ou seja, o facto de a obrigação ser solidária não implica que os devedores estão obrigados em termos iguais e pelas mesmas causas. O que se determina a natureza de obrigação não deixa de ser a fonte de obrigação.
  Tal como se afirma por Antunes Varela, a identidade de causa ou fonte da obrigação não é requisito da solidariedade. Segundo o este autor, “Nada há na lei nem na lógica dos bons princípios que exclua a possibilidade de a solidariedade vigorar entre pessoas que se obriguem em momentos sucessivos, através causas distintas. (...) Nos casos de responsabilidade por actos de terceiro (comitente em face do comissário, pessoas colectivos públicos em face dos seus agentes ou representantes, etc.), pode realmente suceder que a causa (fundamento) da obrigação seja diferente para cada um dos responsáveis solidários. (...) Se houver culpa do comitente ou da pessoa colectiva pública, ao lado da culpa do comissário, a responsabilidade dos primeiros abrangerá logo a má escolha do comissario, as instruções deficientes que lhe foram dadas ou a insuficiente fiscalização da sua actividade, ao passo que a responsabilidade do segundo nascerá, em regra, só a partir do facto danoso.1”. O exemplo dado por Antunes Varela é ilustrativo o que demonstra claramente a fonte de obrigação de um devedor solidário pode ser diferente de fonte de obrigação de outro devedor solidário.
  É precisamente isso sucede com o presente caso pois a fonte de obrigação da l.ª Ré e a fonte de obrigação da 2.a Ré é diferente.
  Da explicação dada por Antunes Varela também resulta que não há unidade de obrigação nas obrigações solidárias2. Assim é, não podemos concordar com a afirmação do Autor de que a obrigação da 2.a Ré em causa é a mesma obrigação que l.ª Ré deve cumprir.
  É a fonte de obrigação que determina a norma aplicável à prescrição de obrigação em causa.
  Como a fonte de obrigação da 2.ª Ré é a responsabilidade civil, a norma aplicável para prescrição do direito de autor contra a 2.ª Ré é o artigo 491.º do CC, aplicável por artigo 492.º do CC.
  De acordo com o artigo 491.º/1 do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
  Segundo o alegado pelo autor, o Autor solicitou à 1.ª Ré a devolução de HKD$20,000,000.00 em Setembro de 2015 e foi recusado. Ou seja, desde pelo menos 31 de Outubro de 2015 (30 dias após a exigência do cumprimento de obrigação de restituição, artigo 1075.º/1 do CC ex vi artigo 1132.º do CC), o Autor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete contra a 2.ª Ré, em face do incumprimento de obrigação de restituição por parte da 1.ª Ré.
  O Autor instaurou a presente acção no dia 19 de Fevereiro de 2019 pelo que podemos concluir que o direito invocado pelo Autor contra a 2.ª Ré já prescreveu à data de instauração da acção.
  Pelo exposto, julga-se procedente a excepção de prescrição invocada pela 2.ª Ré e decide-se em absolver a 2.ª Ré do pedido.
  Custas desta parte pelo Autor.
*
  Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.

Notificado e inconformado com o despacho saneador na parte que julgou procedente a excepção de prescrição e absolveu a Ré C Resorts dos pedidos, veio o Autor recorrer dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo na petição de recurso motivada que:
1. 根據《民事訴訟法典》第412條第3款之規定,時效此一抗辯理由屬於永久性抗辨;正如上指條文所言,被告需援引某些事實事宜,以便妨礙、變更或消滅原告分條縷述之事實之法律效果。
2. 正如之前所述,由於永久抗辨的理據是由具體的事實事宜所組成,因此為了審理有關的抗辯理由是否成立,法院應首先列明其視為已獲證明的事實事宜,從而再繼續透過相關的已證事實作出其法律依據,並最終作出決定。
3. 明顯被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院並沒有按《民事訴訟法典》第562條第2款之規定逐一敘述其視為獲證實之事實。
4. 由於被訴裁決具可訴性,得提起平常上訴,因此上訴人(原告)可透過《民事訴訟法典》第571條第1款b)項之規定,爭議原審法院的裁決屬無效作為本上訴之依據。
5. 本案中,由於被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院確實沒有按《民事訴訟法典》第562條第2款之規定逐一敘述其視為獲證實之事實;因此,根據同一法典第571條第1款b)項之規定,被訴裁決沾有無效的瑕疵。
6. 基於此,應裁定有關部分的上訴理由屬成立,因而宣告被訴裁決屬無效。
7. 在被訴裁決中(卷宗第128至129頁背頁),原審法院首先說明其為何認為第二被告C的債務屬於非合同責任;之後,為了適用《民法典》第491條之規定,原審法院指出“segundo o alegado pelo autor, o Autor solicitou à 1.ª Ré a devolução de HKD$20.000.000,00 em Setembro de 2015 e foi recusado. Ou seja, desde pelo menos 31 de Setembro de 2015 (30 dias após a exigência do cumprimento de obrigação de restituição, artigo 1075.°/1 do CC ex vi artigo 1132.° do CC), o Autor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete contra a 2.ª Ré, em face do incumprimento de obrigação de restituição por parte da 1.ª Ré”,故原審法院透過上述的事實認為從2015年10月31日起算三年,C的責任已過時效。
8. 原審法院因何理據認為在清理批示階段起訴狀第22至25條及第31條事實已屬於獲得證明的事實呢?
9. 似乎,除對不同的見解有應有的尊重外,原審法院認有關事實屬已證明此一理解明顯屬無道理。
10. 首先,第一被告B有限公司(下稱:B)在其答辯狀第2條明確對起訴狀第22至25條及第31條事實提出了爭執。
11. 而且,第二被告C亦在其答辯狀第29及30條就起訴狀第17至25條事實提出爭執。
12. 再者,原告並沒有就上指的事實提供任何的證據(尤其是書證)。
13. 由於起訴狀第22至25條及第31條事實在原審法院作出被訴裁決前已被第一被告B,因此為著爭執之效力,似乎在清理階段而言有關事實應載於調查基礎內容內,而非將之視為已獲證明之事實。
14. 既然有關事實應屬待決事實,那麼被訴裁決明顯就是使用了倘未獲證明之事實以作出相關的被訴決定。
15. 在本上訴的情況中,無疑被訴裁決欠缺足夠的已獲證明之事實予以支持其法律依據及決定,因此根據《民事訴訟法典》第629條第4款的規定,上訴法院應予以撤銷被訴裁決。
16. 按原審法院的見解,第二被告的責任屬於民事責任中的風險責任。
17. 然而,除應有的尊重外,上訴人不能予以認同。
18. 我們均知道合同是具有相對性,然而有關原則並非絕無例外的。
19. 根據《民法典》第400條第2款之規定,“僅在法律特別規定之情況及條件下,合同方對第三人產生效力”。
20. 在本案中,原審法院認為第二被告需與第一被告共同負連帶責任的原因在於其沒有妥善履行監管義務;然而,仔細閱讀第6/2002號行政法規第29條規定的行文可見,立法者似乎沒有設定任何條件以限制有關連帶責任的適用,亦即立法者並沒有明文規定凡承批人或轉承批人沒有履行同一行政法規第30條所列明的義務才需要為此與博彩中介人共同承擔連帶責任。
21. 上指的見解,亦可從立法技術中予以體會。因為根據第6/2002號行政法規的結構可見,第29條明確規定了博彩承批人與博彩中介人的連帶責任;而第30條則列出博彩承批人的義務。倘若立法者希望上述兩條條文是配合適用的話,那麼按理應先列出博彩承批人的義務,再於後績的法條中訂明違反義務的法律結果;又或者,在第29條規定中明文指出與第30條規定之聯系。
22. 因此,上訴人認為第二被告C需與第一被告B共同負起連帶責任並不取決於前者有否履行監管義務,即既不取決於前者的作為或不作為是否違反旨在保護他人利益之規定,以及亦不取決於前者的作為或不作為是否存有過錯。
23. 既然第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任不取決於過錯及違反法律,那麼,似乎有關責任的類型並非因不法事實而生的民事責任及風險責任。
24. 既然有關責任不屬於非合同責任,那麼根據第6/2002號行政法規第29條的文義而言,似乎立法者就是想將博彩中介人在娛樂場內所作之活動(包括所設定的合同)的範圍擴展至承批人及轉承批人的權利義務範圍內,亦即將合同的效力延伸至合同以外的特定第三人。
25. 此一造法的立法思想明顯就是建基於博彩中介人在承批人或轉承批人所經營的賭場內所作出的任何與推廣博彩有關的行為都是為了承批人或轉承批人而作出的(見第6/2002號行政法規第2條及第16/2001號第2條l款6項之規定),因此當有關的行為令第三人造成損害時,博彩中介人與承批人或轉承批人需共同承擔有關賠償責任。
26. 綜上所述,上訴人認為第6/2002號行政法規第29條所規定的連帶責任就是《民法典》第400條第2款所規定的合同效力延伸至第三人的體現。
27. 既然如此,似乎《民法典》第491條第1款之規定是不應該適用於本案中,因為本案中並不存在任何非合同民事責任。
28. 根據《民法典》第491條第1款規定,有關時效期間應自受害人獲悉或應已獲悉其擁有該權利及應負責之人之日起開始計算。
29. 根據起訴狀第22至25條所述,原告曾於2015年09月份曾要求第一被告“B”要求返還存款,但最終因後者的拒絕而未能成功。
30. 但是根據上指事實,原告未曾於上指的時間要求第二被告“C”返還涉案的存款。
31. 那麼,怎能單憑上指的事實予以證明上訴人於2015年09月份的時候就已經獲悉或應已獲悉C是應負責之人呢?
32. 除應有的尊重外,上訴人認為根據上指的事實不能認定上訴人當時已知悉 “C” 在涉案的事件上存有責任,因為正如原審法院所言,上訴人與“C”不存在任何合同關係。
33. 再者,涉案的事宜-博彩中介人不退還客戶存款-似乎亦是第6/2002號行政法規生效後首次適用該法規的第29條之規定予以要求博彩承批人負責相關的民事賠償責任。
34. 根據《民法典》第335條第2款之規定,“C”負有陳述及舉證責任予以指出及證明上訴人於何時知悉或應知悉其同屬涉案損害之負責人。
35. 但事實上,由於“C”沒有陳述相關事實並對之作出舉證。
36. 那麼,根據《民事訴訟法典》第437條之規定,似乎“原告(上訴人)於2015年09月份已知悉或應知悉C應就涉案事宜負連帶的民事責任”此一事實應予以被裁定為未能證實。
37. 如此,《民法典》第491條第1款之規定,原審法院實不應該認定第二被告“C”的賠償責任已經因時效已過而消滅。
38. 故此,除應有的尊重外,上訴人認為原審法院錯誤解釋《民法典》第491條第l款之規定,因此應予以裁定本上訴理由成立,因而撤銷被訴裁決。
***
  基於上述所有事實及法律理由,懇求尊敬的法官 閣下作出一如既往的公正裁決,裁定上訴人所提出的上訴理由成立,因而撤銷被訴裁決,並最終裁定被告“C”所提出的有關時效之抗辯理由不成立;又或,撤銷被訴裁決,將本案發還原審法院重審。
Admitido o recurso e fixado a ele o regime de subida diferida, continuou a marcha processual na sua tramitação normal e veio a final ser a acção julgada improcedente pela seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
  A, do sexo masculino, maior, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº 73XXXX6(6) e com outros elementos de identificação nos autos, intentou a presente acção que segue a forma ordinária de processo comum declarativo contra B Limitada e C S.A., sociedades comerciais com sede na RAEM.
  Pediu a condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de HKD$20.000.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, a partir de 30/10/2015 até integral pagamento.
  
  Em síntese, alegou o autor que a primeira ré explora com fim lucrativo a actividade comercial de promoção de jogos em casino mediante autorização remunerada da segunda ré, a qual é concessionária de jogo de fortuna ou azar em casino. Mais alegou o autor que era membro da sala de jogo VIP que a 1ª ré explorava no casino da segunda ré abrindo ali uma conta de jogo com o propósito de exercer a profissão de bate-fichas e na qual depositou fichas de jogo no valor total de HKD$20.000.000,00, quantia que a primeira ré se recusou a restituir apesar de tal lhe ter sido solicitado pelo autor, não tendo a 2ª ré cumprido o seu dever de fiscalização da 1ª ré de forma a assegurar que a restituição fosse feita.
  Contestaram ambas as rés. Em síntese, a primeira ré rejeitou que o autor tivesse feito os depósitos que alega e a segunda ré rejeitou a existência da sua obrigação de restituir que o autor lhe atribui e afirmou que tal obrigação, a existir, estava prescrita.
  
  Replicou o autor batendo-se pela improcedência da excepção de prescrição que a segunda ré lhe opôs por entender que é aplicável o prazo ordinário que ainda não decorreu e não o prazo curto de prescrição da obrigação de indemnizar.
  
  Foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto a fls. 128 a 131, o qual, entre o mais, julgou procedente a excepção de prescrição, tendo absolvido a segunda ré do pedido.
  
  Recorreu o autor da decisão sobre a excepção de prescrição, recurso que ainda está pendente e que foi recebido por despacho de fls. 136 com subida diferida, com efeito suspensivo.
  
  Procedeu-se a julgamento.
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II – SANEAMENTO
  A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR
  Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente no que diz respeito ao facto de a segunda ré ter sido já absolvida do pedido, as questões a decidir consistem em saber se se constituiu na esfera jurídica patrimonial da primeira ré a obrigação de restituir o valor das fichas de jogo que o autor diz ter depositado na primeira ré e, em caso de resposta afirmativa, em saber quais as consequências do incumprimento de tal obrigação de restituir.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO
  A) – Motivação de facto
  a) Em 28 de Junho de 2002, foi celebrado entre a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau o “Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau”.
  b) Em 8 de Setembro de 2006, foi celebrada entre a 2ª Ré e a Região Administrativa Especial de Macau a “Primeira Alteração ao Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau”.
  c) Desde 2005, a 1ª Ré exercia a actividade de promotora de jogos, sendo titular da licença n.º EXX9.
  d) A 1.ª Ré estabeleceu a Sala VIP B no estabelecimento da 2ª Ré.
  e) Com a autorização e consentimento da 2ª Ré, a 1ª Ré criou uma tesouraria independente na Sala VIP B a fim de fornecer aos seus membros os serviços gratuitos de troca, depósito e levantamento de fichas de jogo e fornecer-lhes facilidades variadas.
  f) O Autor era membro da Sala VIP B explorada pela 1ª Ré (quesito 1.º).
  g) O Autor abriu uma conta de jogo na Sala VIP B, com o número 80440180 (quesito 2.º).
  h) O “talão de depósito de fichas” que foi junto pelo autor a fls. 118 contém a assinatura do Autor (quesito 6.º).
  i) Em Setembro de 2015, o Autor chegou a pedir à 1ª Ré a restituição da referida quantia de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) (quesito 7.º).
  j) A 1ª Ré não permitiu que o Autor levantasse o referido depósito de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) (quesito 8.º).
  k) O Autor foi solicitar várias vezes o levantamento do referido depósito de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00) junto da Sala VIP B, mas sempre foi rejeitado pelos funcionários da referida sala VIP (quesito 9.º).
  
  B) – Motivação de direito
  Como se disse, há que apurar se na esfera jurídica da primeira ré se formou a obrigação de pagar ao autor a quantia por este pretendida.
  As obrigações são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a realizar uma prestação a outra pessoa (art. 391º do CC). As obrigações nascem das fontes das obrigações, que são situações de facto que têm o efeito jurídico de fazer surgir em determinada esfera jurídica o referido vínculo. São fontes das obrigações, entre outras, os contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
  Nos termos do disposto no nº 1 do art. 335º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
  Assim, ao autor cabe provar os factos constitutivos da obrigação que atribui à ré e à ré caberá provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma obrigação.
  A consequência do incumprimento do ónus de prova é a decisão desfavorável à parte onerada3.
  Vejamos em que medida as partes deram cumprimento ao ónus de prova que sobre cada uma delas impende.
  
  O autor tem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos da obrigação do réu e este tem idêntico ónus em relação aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor (art. 335º do CC).
  A primeira ré não alegou qualquer facto com efeitos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor e a segunda ré não alegou quaisquer factos que aproveitem à primeira ré em termos de eficácia impeditiva, modificativa ou extintiva do direito contra ela invocado como fundado no seu incumprimento contratual.
  Vejamos então se o autor logrou provar os factos constitutivos do direito de crédito a que se arroga (ser restituído das quantias que diz ter depositado na primeira ré) e da correspectiva obrigação da primeira ré.
  O autor invocou como fonte da obrigação da 1ª ré um contrato. O contrato é um acordo de vontades negociais a que, na normalidade das situações, a lei atribui protecção coactiva obrigando os contraentes a cumprir o acordado. O autor não alegou directamente ter acordado com a 1ª ré, mas alegou que depositou fichas de jogo na 1ª ré e esta emitiu-lhe um comprovativo desse depósito. Tal como alegado pelo autor, parece tratar-se de um acordo alcançado com base em declarações negociais tácitas (art. 209º do CC). Com efeito, o autor não alega que acordou com a 1ª ré entregar-lhe fichas de jogo para esta guardar e restituir quando o autor lhe solicitasse. Alegou apenas os factos materiais de depósito e de comprovação desse depósito.
  Porém, o autor não logrou provar que fez o depósito que alegou. Assim, não logrou provar a sua declaração da sua vontade negocial tácita. Sem declaração de vontade negocial não pode haver contrato. A vontade negocial não exteriorizada expressa ou tacitamente, ainda que exista, não produz qualquer eficácia jurídica, designadamente contratos e obrigações.
  Não tendo provado o depósito que alegou, não demonstrou existir fonte do dever que atribui à 1ª ré: restituir com juros. Improcede, pois, a pretensão do autor.
*
V – DECISÃO
  Pelo exposto, julga-se improcedente a presente acção e, em consequência, absolve-se a primeira ré do pedido.
*
  Custas a cargo do autor.
  Registe e notifique.

Não se conformando com o decidido, vieram o Autor A recorrer da mesma para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
1. 為著履行《民事訴訟法典》第599條第1款a)項之規定,上訴人現明確指出針對調查基礎內容第3至6條事實之答覆提出爭執。
2. 除應有的尊重外,似乎原審法院未有完全審查本卷宗內的所有證據。
3. 就D貴賓會與第一被告所經營的B貴賓會關係,根據第一名證人的證言所述,上指的兩間貴賓會是同一個集團的,更甚者透過卷宗第203至204頁的文件可見,C B貴賓會與D貴賓會是可以共用帳戶的,而且該文件中明確載明“本集團所有貴賓會皆可”,就此就可以得出C B貴賓會與D貴賓會是同一集團所經營。
4. 事實上,原審法院在作出合議庭裁判時根本就沒有考慮卷宗第203至204頁的文件,因此該合議庭裁判明顯是違反了《民事訴訟法典》第436條之規定,故根據同一法典第147條第1款之規定,該合議庭裁判應被宣告為無效。
5. 根據證人E的證言及結合起訴狀附件七及八的文件可見,於2015年03月01日12時10分,證人A受其哥哥( 即上訴人)之委託於F集團有限公司所經營的G貴賓會提取港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)之現金籌碼,並將有關籌碼存入同一地方(XX酒店XX樓)的H貴賓會內。根據文件及證人言所得知,H貴賓會與B貴賓會是由同一集團經營的。其後按上訴人的委託,證人將屬於上訴人所擁有的上述港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)之現金籌碼存入H貴賓會編號為80XXXX80之戶口內,該戶口可與B貴賓會共用的;及後,於同一日(即2015年03月01日)的13時,上訴人到B貴賓會取得卷宗第60及118頁的存款單(編號為DA0XXX26之存款單)。
6. 要知道,於同一日,在一小時之內,同一人於一貴賓廳取出一巨額的款項,其後再存入相同金額款項的偶然性是非常之低。
7. 因此,根據一般人的經驗法則、邏輯及卷宗內的所有證據均可理地推定到上訴人當日所取出的港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00)現金籌碼之去向就是於不到一小時後被上訴人寄存了入第一被告所經營的B貴賓會內。
8. 另需指出的是,原審法院認為沒有任何證人見證第一被告發出涉案存款單及上訴人未能證明涉案存款單是由第一被告的職員所簽署的事實明顯是違反正常人的一般經驗法則!!!
9. 上訴人認為根據實際生活經驗,一個人到銀行存款均不會特意要求他人的陪同以證明曾有存款一事。因此,沒有他人陪同存款,並不一定必然認定不存在存款此一事實。若果以此為據裁定不存在涉案存款一事實,原審法院的理據明顯就是違反經濟法則!!!
10. 再者,卷宗第60及118頁的存款單是具有第一被告的印鑑正本,因此, 根據《民法典》第344條之規定,已可合理地推斷出涉案的存款單是由第一被告所經營的B貴賓會發出,而存款單內的簽名就是B貴賓會的職員了! !!
11. 眾所周知,澳門初級法院刑事法庭已作出裁決(見編號為CR2-18-0382- PCC),裁定未能證明存在B貴賓會的內部欺詐事宜,因此原審法院現在又怎可能以此為其中之一理據認定涉案存款有可疑及最後視為不存在呢?
12. 最後,上訴人還希望指出的是,原審法院認定調查基礎內容第7至9條事實屬實。那麼,上訴人不敢試問根據一般人的經驗法則,若果涉案的存款單並非真實,那麼上訴人怎可能有膽量多次到B貴賓會追究款項,而且第一被告亦沒有報警表示上訴人持有虛假文件以作詐騙用途呢?顯然,根據一般人的經驗法則可見,上訴人所持有的存款單是真實的,否則其根本不會一以再再以三地多次手持涉案借款單到B貴賓會再追討及提起本訴訟程序。
13. 綜上所述,上訴人認為根據卷宗內的所有證據結合正常人的一般邏輯及經驗法則理應裁定調查基礎內容第4至6條的事實為已獲得證實;就此,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止相應部分之被訴合議庭裁判,以及改判調查基礎內容第4至6條的事實為已獲得證實。
14. 除應有的尊重外,除了證人E的證言外,上訴人認為卷宗內仍存有證據證明調查基礎內容第3條事實屬實。
15. 根據卷宗第186頁可見,上訴人確實在B貴賓會存有一帳戶。而且再根據起訴狀附件七亦可見上訴人在另一貴賓會亦存有帳戶,以及有關帳戶是曾經存有巨額現金籌碼。
16. 要知道,籌碼均推定具有賭博之用途。
17. 根據一般人的經濟法則,一個人存有大量籌碼,而且在具有多個貴賓廳均具有賭博帳戶,更甚者有證人能證明上訴人是從事疊碼行業。那麼綜合上述的所有證據,原審法院得不出上訴人是使用B貴賓會的賭博帳戶以從事疊碼行業顯然是違反一般人的經驗法則。
18. 基於此,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止相應部分之被訴合議庭裁判,以及改判調查基礎內容第3條的事實為已獲得證實。
19. 根據《民法典》第1111條、1131及1132條之規定,及已證的調查基礎內容第4至6條事實,上訴人與第一被告之間存有不規則的寄託合同關係。
20. 根據同一法典第1113條c)項之規定,受寄人有義務將寄託物連同其孳息返還予寄托人。
21. 根據調查基礎內容第7至9條事實之答覆,上訴人自2015年09月份已多次催告第一被告返還存款,但第一被告直到現時仍未有為之。
22. 綜上所述,現懇求尊敬的法官 閣下裁定本部分之上訴理由成立,因而廢止原審法院的裁決,並改判第一被告需向上訴人返還港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00),以及至少自2015年09月30日起計以法定年利率所計算的遲延利息。
***
  基於上述所有事實及法律理由,懇求各位尊敬的法官 閣下裁定本上訴的上訴理由成立,廢止原審法院載於卷宗第220至222頁的判決及事實事宜之合議庭裁判,並且改判調查基礎內容第3至6條事實為獲得證實,因而最後判處第一及第二被告需以連帶責任方式向上訴人返還港幣貳仟萬圓正(HKD20,000,000.00),以及自2015年09月30日起計以法定年利率所計算的遲延利息。

Ao recurso final interposto pelo Autor responderam as Rés B e C Resorts, ambas pugnando pela improcedência.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

1. Recurso interlocutório

Na petição da acção, o Autor pede a condenação solidária de ambas as Rés, a promotora de jogos B e a concessionária C Resorts, na restituição das quantias depositadas.

Não obstante o reconhecimento da natureza contratual à fonte do direito de indemnização ora invocado pelo Autor contra a 1ª Ré e a solidariedade da responsabilidade da 2ª Ré, enquanto concessionária, nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, o Tribunal a quo entendeu que, dada a natureza extracontratual, por fundada na lei e não em qualquer contrato, da responsabilidade da 2ª Ré, o direito de indemnização, ora invocado contra a 2ª Ré, fica sujeito ao regime geral da responsabilidade extracontratual e já se encontrou prescrito no momento da instauração da presente acção, por ter entretanto decorrido o prazo de 3 anos nos termos do artº 491º/1 do CC.

O Autor reagiu contra esse entendimento, tendo para o efeito defendido a não prescrição do direito invocado contra a 2ª Ré.

Para nós, a decisão de 1ª instância não merece qualquer censura.

Pois, não obstante a solidariedade imposta pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, o certo é que, enquanto a responsabilidade de restituir da 1ª Ré nasceu de um contrato, a responsabilidade pela indemnização foi feita recair sobre a 2ª Ré por uma norma legal.

Tendo nascido nas fontes diversas, o direito à restituição invocado contra 1ª Ré e o à indemnização contra a 2ª Ré ficam sujeitos ao regime diferente.

Aliás sobre a mesma questão, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou recentemente nos Acórdãos datados de 04NOV2021 e 18NOV2021, tirados no proc. nº 431/2021 e no proc. nº 444/2021, respectivamente, onde se preconiza que a aqui 2ª Ré, numa relação controvertida idêntica à apreciada nos presentes autos, só assumiu uma responsabilidade meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco, nos termos do citado artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.

Bem andou o Tribunal a quo.

É de julgar improcedente o recurso interlocutório, confirmando a absolvição da 2 Ré C Resorts.

2. Recurso final da sentença

Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela 1ª Ré B Limitada, que esta pretende ver provada a matéria dos quesitos 3º, 4º, 5º e 6ºda base instrutória, que foi julgada não provada pelo Tribunal a quo, e na hipótese do êxito de impugnação da matéria de facto, pediu a revogação da decisão de direito, e em substituição, a condenação das Rés nos termos peticionados na petição inicial.

Versando a parte da matéria de facto impugnada sobre o depósito pelo Autor na conta aberta junto da 1ª Ré do montante de HKD$20.000,000,00 a fim de exercer a actividade de bate-fichas, o eventual êxito da impugnação abalará necessariamente a base fáctica em que se alicerçou a sentença recorrida.

Assim, é de nos debruçarmos primeiro sobre a impugnação da matéria de facto.

Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.

Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada provada.

Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência de julgamento.

No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.

Foi transcrito o teor dos depoimentos que a recorrente entendeu mal valorados pelo Tribunal a quo.

Todavia, não obstante a verificação dos pressupostos formais da reapreciação da decisão de facto, por razões que passemos a expor infra, este Tribunal de recurso não é permitido pela lei processual a proceder à reapreciação das tais provas nos termos requeridos.

Como se sabe, na matéria da valoração das provas, documental e testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação da prova, à luz do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

O Colectivo da 1ª instância fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
  São três os núcleos de factos da base instrutória: 1- Factos relativos à conta que o autor abriu na 1ª ré com o propósito de exercer a actividade de bate-fichas (quesitos 1º a 3º); 2- Factos relativos ao depósito que o autor fez na primeira ré e à emissão pela lª ré de documento comprovativo (quesitos 4º a 6º); 3- Factos relativos à interpelação da 1ª ré para restituir o depósito (quesitos 7º a 9º).
  A convicção do tribunal sobre a ocorrência ou não da factualidade quesitada resultou da análise conjunta e crítica da prova produzida, ponderada segundo a sua verosimilhança e em confronto com as regras da lógica e da experiência, dado que não foram produzidos meios de prova com valor probatório vinculado relativamente aos factos controvertidos constantes da base instrutória.
  Quanto à prova testemunhal, ponderou-a o tribunal tendo em conta a razão de ciência demonstrada pelas testemunhas inquiridas e a forma mais ou menos espontânea, clara, coerente, serena ou exaltada, pormenorizada ou vaga, fundamentada ou conclusiva e firme ou vacilante como foram prestados os respectivos depoimentos. Considerou também o tribunal na ponderação que fez dos depoimentos das testemunhas a proximidade destas com as partes, designadamente que E é irmão do autor e que I trabalhou para a primeira ré e referiu ter sido abordada pelo gerente desta, já depois de cessada a relação laboral e pelo facto de ser testemunha nos presentes autos, mostrando-lhe cópia impressa dos registos informáticos relativos à conta de jogo que o autor tinha na Sala VIP B.
  Quanto à prova documental, uma vez que nenhum documento tem força probatória vinculada quanto aos factos da base instrutória, como já supra referido, foi valorada no âmbito da “livre convicção”. Designadamente, ao documento de fls. 118 copiado a fls. 60 foi atribuído pelo tribunal valor probatório insuficiente para demonstrar a existência do depósito de fichas quesitado no quesito 4º e para demonstrar que foi emitido pela primeira ré e assinado por funcionários desta, como quesitado nos quesitos 5º e 6º. Na verdade, tal documento trata-se de um duplicado parcialmente impresso e parcialmente preenchido manualmente. Nele se nota a existência de um carimbo original e não duplicado como são todas as inscrições manuais que dele constam. Ora, nenhuma razão tendo sido oferecida ao tribunal para esclarecer a incomum existência de uma parte duplicada e uma parte original no mesmo documento, nenhuma prova tendo sido oferecida sobre a pertença das assinaturas constantes do documento, prova que pertencia ao ónus probatório do autor, nos termos do disposto no art. 368º, nº 2 do CC, e nenhuma prova tendo sido oferecida sobre o acto de emissão do documento, designadamente nenhuma testemunha referir ter presenciado a emissão, o tribunal não atribuiu ao documento em causa, só por si ou conjugado com a restante prova, capacidade para demonstrar a existência do quesitado depósito nem para demonstrar que foi emitido pela primeira ré e pelos respectivos funcionários. A tudo acresce que é do conhecimento oficioso do tribunal e foi referenciado pela segunda testemunha inquirida que na altura do quesitado depósito ocorreram na tesouraria da primeira ré factos de desorganização indiciariamente fraudulenta, pelo que o tribunal não pode deixar de, na falta de outra prova consistente sobre a emissão do documento, ponderar a possibilidade de o documento em causa ter origem na tal desorganização nem a possibilidade de ser instrumento de aproveitamento de tal desorganização. E estas dúvidas que o tribunal coloca por considerar ser de prudência colocar não foram ultrapassadas pela restante prova produzida, pois que a testemunha E disse ter, em representação do autor, feito o depósito em local diferente daquele onde foi alegadamente emitido o documento referido e em fichas de jogo de outra entidade diferente das rés e a testemunha, I, que trabalhou na tesouraria da primeira ré, disse que apenas eram recebidas fichas da própria ré e numerário, que apenas eram emitidos documentos relativos a depósito feito no próprio local de emissão e não noutros locais e que ao depositante era entregue o original e não o duplicado do documento comprovativo do depósito.
  Ninguém tendo presenciado a emissão do documento; sendo o mesmo “estranho” nos termos referidos; tendo a primeira testemunha dito que, sem receber qualquer documento comprovativo, fez o depósito de uma quantia considerável (HKD20,000,000,00) na sala VIP Pak Ka do Casino XX e não na Sala VIP B do Casino C; nada a este propósito tendo dito a testemunha J e tendo a restante testemunha dito que era diverso o procedimento da primeira ré para recepção de depósitos e emissão de documento comprovativo, o tribunal não alcançou a certeza necessária à decisão de considerar provado o quesitado depósito e a quesitada forma de emissão do documento e respondeu no sentido de não estar provada a matéria de facto dos quesitos 4° a 6º, com excepção de que pertence ao autor a assinatura constante do documento de fls. 60 e 118.
  Quanto à abertura da conta pelo autor na sala VIP da primeira ré (quesitos 1º e 3º), a convicção do tribunal assentou no teor do documento de fls. 186, que não mereceu razões de dúvida.
  Quanto ao propósito do autor relativamente à abertura da conta (para exercício da actividade de bate-fichas), a convicção do tribunal para não considerar demonstrado tal propósito, assentou. na insuficiência de prova consistente sobre tal matéria, pois que apenas foi referido pela primeira testemunha inquirida, mas de forma conclusiva e não fundamentada, de forma que ao tribunal se não afigurou convincente por se ter afigurado tratar-se de uma convicção da testemunha sem que o tribunal saiba em que factos ou razões se formou tal convicção de modo a poder aferir se merece acolhimento.

Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento.

Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

Segundo o ensinamento de Amâncio Ferreira, a admissibilidade dos meios de impugnação, incluindo o recurso ordinário, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes.

O recurso ordinário visa atacar a decisão judicial por ser errada ou injusta.

A decisão é errada ou por padecer de error in procedendo, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento, ou de error in iudicando, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.

A decisão é injusta quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos. – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69 e s.s.

Ou seja, o recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada.

Na esteira dessa doutrina autorizada sobre a função do recurso ordinário no processo civil, para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.

Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.

Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

In casu, todas as provas produzidas e examinadas foram valoradas no âmbito de livre convicção.

O Tribunal Colectivo a quo teve todo o cuidado de demonstrar, na fundamentação da decisão de facto, o iter para a formação da convicção, debatendo em relação a cada uma das provas produzidas e examinadas a sua credibilidade e explicou detalhadamente as razões que o levaram a atribuir credibilidade a umas e não a outras.

Não se nota demonstrado erro manifesto na valoração dos elementos probatórios em que se apoiou a convicção do Colectivo a quo.

Improcede assim a impugnação da matéria de facto.

O recorrente reagiu também contra a decisão de direito.

Fê-lo na hipótese do êxito da impugnação da matéria de facto.

Todavia, sendo julgada improcedente a impugnação, fica prejudicado conhecimento da parte de recurso respeitante à decisão de direito.

Concluindo e resumindo:

7. A responsabilidade imposta às concessionárias pelo artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.

8. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.

9. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.

10. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.

11. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.

12. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes ambos os recursos, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

RAEM, 28ABR2022
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Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong
_________________________
Ho Wai Neng

1 DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL, VOL. I, 10.ª ed., Almedina, p. 761 a 762.
2 Guilherme Moreira já ensinava que “Havendo na obrigação solidária, ao lado da unidade da prestação, obrigações múltiplas, e sendo essas obrigações respectivamente independentes umas das outras, segue-se que podem ser constituídas de modo diverso, sendo uma condicional ou a termo e outra pura ou simples.”- Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO CIVIL, VOLUME II, LISBOA, 1988, p. 319 e 320.
3 Cfr. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ., nº 110, pág. 113. Ac. R. Coimbra, de 87/11/17 (CJ, ano XII, Tom 5, p. 80) “o ónus da prova traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta”. Art. 346º C.C. e 516º do C.P.C.”.
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Ac. 53/2022-1