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Processo n.º 1006/2021
(Autos de recurso cível)

Data: 28/Abril/2022

Recurso principal
Recorrente:
- A (executado e embargante)

Recurso subordinado
Recorrente:
- B (exequente e embargado)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida por B, melhor identificado nos autos (doravante designado por “exequente” ou “embargado”), contra A, com sinais nos autos (doravante designado por “executado” ou “embargante”), foram julgados parcialmente procedentes os embargos pelo Tribunal Judicial de Base.
Inconformado, recorreu o executado (embargante) jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O recurso tem como objecto a parte da sentença que decidiu que os juros de mora, apesar de não constarem do título executivo, podem ser exigidos na acção executiva.
2. O Embargante, ora Recorrente, não concorda com essa decisão.
3. O que está em causa é o aspecto formal da acção executiva.
4. De acordo com o n.º 1 do artigo 12º do Código do Processo Civil, “A acção executiva tem como base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites”.
5. Os limites são a espécie e montante da dívida, a identidade da coisa, a delimitação do facto.
6. Com referência aos acórdãos n.ºs 166/2012, 221/2015 e 549/2017 do Tribunal de Segunda Instância, o Exequente não pode pedir quantitativamente mais do que o título que executa lhe permite, carecendo os juros de mora de ser demonstrados em sede de uma acção declarativa.
7. Não tendo os dois títulos executivos qualquer menção expressa sobre os juros de mora, deve o valor em dívida ser reduzido para o capital de MOP118.257,10 (cento e dezoito mil duzentas e cinquenta e sete patacas e dez avos).
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a parte da sentença recorrida, reduzindo o valor em dívida pelo Recorrente, com as demais consequências legais.
Assim, mas uma vez, será feita a habitual JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o exequente nos seguintes termos conclusivos:
“a. O objecto do presente recurso esgota-se na questão delimitada no ponto 1 das conclusões das alegações.
b. O Recorrente não impugnou, pois, nenhum ponto concreto da decisão sobre a matéria de facto, nem as datas da constituição em mora indicadas nos pontos 1 e 2 do segmento decisório da sentença ora recorrida.
c. Tal configura uma circunstância que obsta ao conhecimento do objecto do recurso (art.ºs 621º, n.º 1 e 625º, n.º 1 do CPC), pelo que deverá o mesmo julgar-se findo, pelo não conhecimento do seu objecto (art.º 619º, n.º 1, alínea e), in fine, do CPC), com as legais consequências.
d. Caso assim não se entenda, sempre seria de negar provimento ao recurso.
e. Primeiro, porque a questão suscitada no recurso não releva no caso “sub judice” dado que, como explica, entre outros, ANTÓNIO ABRANTES SANCHES GERALDES in “Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora”: … a questão atinente à exequibilidade da obrigação de juros apenas releva quando a execução se funda em sentença condenatória.
f. Por isso, colocados perante documento integrando um contrato de mútuo, mesmo que nele apenas se tenha explicitado a obrigação de pagamento do capital em determinada data, é legítima a cobrança coerciva da quantia correspondente aos juros moratórios à taxa legal, a contar da data fixada para o cumprimento da obrigação principal. Basta a constatação de que decorreu o prazo para que se assuma a “constituição” da obrigação de juros. (idem)
g. Segundo, porque a obrigação de juros é “acessória” à de capital, presumindo-se a sua existência nos termos do art.º 343º, n.º 1 do Código Civil, por força dos art.ºs 794º, n.º 2, al. a) e 795º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e/ou do art.º 1072º, n.º 1 do mesmo diploma.
h. Não se justifica, pois, que tenha o credor que instaurar nova acção declarativa apenas para pedir o pagamento dos juros pelo atraso ou retardamento do cumprimento da obrigação da prestação de capital constante do título executivo.
i. É o que resulta do argumento a maiori ad minus e dos princípios gerais de direito da economia e da celeridade processuais, do accessio cedit principal e do accessorium sequitur principale, os quais determinam que a questão acessória partilha obrigatoriamente o destino da questão principal.
j. É também o que resulta do disposto nos art.ºs 73º, n.º 3, alínea a), in fine, do CPC, dado que se os juros legais de mora, por qualquer razão, não forem devidos, tal questão pode (e deve) também ser dirimida nos embargos à execução, nos termos do art.º 699º, n.º 1 do CPC com força de caso julgado material.
k. Terceiro, porque a regra é a de que «Na conta final do processo devem ser incluídos os “interesses vencidos”», excepto quando a execução se funde em sentença condenatória que os não reconheça, por força do disposto no art.º 576º, n.º 1 do CPC – o que não é o caso.
l. Quarto, por haver mora do devedor quanto a obrigação tiver prazo certo e não tiver sido cumprida – art.º 794º, n.º 2, alínea a) do Código Civil, sendo que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor – art.º 793º, n.º 1 do Código Civil, e que na obrigação pecuniária a indemnização moratória corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – art.º 795º, n.º 1 do Código Civil até à sua realização integral nos termos dos art.ºs 752º, n.º 1 e 753º, n.º 1 do mesmo diploma.
m. Isto porque, tratando-se, como se trata, de uma obrigação pecuniária, não precisa o credor de provar que teve prejuízos. Estes presumem-se (art.º 793º, n.º 1 e 2, do Código Civil, aplicável por força do art.º 343º, n.º 1 do mesmo diploma).
n. Sendo que a presunção de danos causados pela mora nas obrigações pecuniárias é iuris et de iure, por, nestes casos, ser a própria lei que fixa a montante da indemnização, “a forfait” (art.º 795º, n.º 2 do Código Civil).
o. E tal como nas outras modalidades de juros são calculados em função do lapso de tempo correspondente à utilização do capital.
p. Durante esse período, o credor vê-se indevidamente privado do capital e, por isso, tem direito a receber a respectiva contrapartida em juros, dado que a culpa do devedor se presume (art.º 788º do Código Civil).
q. Por isso, na contagem dos processos em que, como acessórios do pedido principal, sejam pedidos juros vincendos considera-se o valor dos interesses vencidos até àquele momento (art.º 42º, n.º 4 do Regime das Custas nos Tribunais – RCT), enquanto na contagem das execuções, o valor dos interesses vencidos é considerado conforme os casos, até ao depósito, à adjudicação de bens ou à consignação de rendimentos (art.º 42º, n.º 5 do RCT).
r. Nada, pois, a censurar à decisão ora recorrida.
Nestes termos e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deverá o recurso ser julgado findo ou improcedente, com as legais consequências.”
Notificado do despacho de admissão do recurso interposto pelo executado, interpôs o exequente recurso subordinado, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. A sentença recorrida deverá ser revogada por ter incorrido nos seguintes erros de julgamento:
B. Primeiro, porque os embargos de executado consistem numa contra-acção deduzida pelo executado contra o exequente, constituindo uma acção declarativa na qual aquele contesta o direito do exequente e cuja procedência conduz à extinção, total ou parcial, da acção executiva.
C. Logo, ao julgar o pedido de extinção (total ou parcial) da execução, devia o tribunal a quo ter-se atido à prova (inexistente) dos fundamentos da excepção peremptória da inexigibilidade da obrigação exequenda.
D. Não o fez, pelo que a sentença recorrida violou as regras de direito probatório do art.º 335º, n.º 2 e 3, do Cód. Civil e do art.º 437º do CPC e, por conseguinte, o disposto nos art.ºs 677º, alínea c) e 697º, alínea a) ambos do CPC.
E. Segundo, porque a decisão recorrida julgou procedente a excepção peremptória da inexigibilidade da obrigação exequenda de 10.06.2008 contraposta pelo embargante nos artigos 3º a 7º dos embargos de executado, sem que o embargante tenha feito prova dos seus fundamentos,
F. máxime sem que tenha alegado e provado que a frustração das interpelações por telefone e por carta referidas nos quesitos 2º e 3º da base instrutória não procedeu de culpa sua, como lhe impunha o disposto nos artigos 788º, n.º 1 e 335º, n.º 2 do CCivil ex vi do art.º 216º, n.º 2 do mesmo diploma.
G. Terceiro, porque a decisão recorrida respondeu “NÃO PROVADO” ao quesito 1º (por insuficiência de prova do embargado nesse sentido) e “PROVADO” ao quesito 4º da base instrutória (por não haver prova a demonstrar a facto da recepção da carta), conforme consta da fundamentação do acórdão da matéria de facto:
- sem que o embargante tivesse provado, como lhe competia face ao disposto no art.º 335º, n.º 2 do Cód. Civil e por força da presunção legal de culpa prevista nos art.ºs 788º, n.º 1 e 216º, n.º 2 do mesmo diploma, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação exequenda,
- sem que ao embargado coubesse substituir-se ao embargante na produção da “prova em contrário” exigida pelo art.º 343º, n.º 2 do Código Civil.
- sem que o embargante oposto qualquer contraprova dos factos representados na carta de 06/06/2018, destinada a torna-los duvidosos, como lhe consentia o art.º 339º do CCivil.
- apesar da carta de fls. 7 do processo principal fazer prova plena das datas em que se venceram as obrigações exequendas nos termos do art.º 368º do Código Civil por o embargante não ter impugnado a sua autoria e/ou exactidão.
H. Quarto, por, face ao disposto no n.º 1 do art.º 343º, n.º 1, e 335º, n.º 2 e 3 do CC, ter de presumir-se a culpa do embargante pelo não cumprimento pontual das obrigações exequendas (art.º 788º, n.º 1 e 400º, n.º 1 do CC) e pelo não recebimento da carta referida no quesito 4º da base instrutória (art.º 216º, n.º 2 do CCivil).
I. Pelo que, salvo melhor opinião, a interpelação ao embargante feita mediante carta registada tornou-se eficaz por força do disposto no artigo 216º/1 e 2 do CCivil, independentemente de ter (ou não) sido efectivamente recebida pelo embargante, dado caber ao declaratário ónus de prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta.
J. Com efeito, não bastava ao embargante ter provado na resposta ao quesito 4º da base instrutória que não recebeu a carta de interpelação que lhe foi enviada em 8.06.2918.
K. O embargante teria também de ter provado que a não recebeu por razões que não lhe fossem imputáveis, ou seja que a não recepção da carta não procedeu de culpa sua.
L. Quinto, porque inexiste prova em contrário para contrariar a presunção júris tantum (343º, n.º 1 do Cód. Civil), da recepção eficaz pelo destinatário (art.º 216º, n.º 2 ex vi art.º 788º, n.º 1, ambos do Cód. Civil) da carta interpelatória de 8.06.2018 junta aos autos a fls. 7 do processo principal.
M. Isto porque a declaração negocial recipienda ou receptícia considera-se eficaz não apenas quando é recebida pelo destinatário, como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida, tal como resulta do disposto nos artigos 216º, n.º 2 do Código Civil.
N. O qual, nas palavras de PAIS DE VASCONCELOS in “Teoria Geral do Direito Civil”, 6ª ed., págs. 457 e 458, se destina a contrariar «as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas».
O. “In casu”, em face da total falta de prova pelo embargante da matéria do não vencimento das obrigações exequendas e da ausência de culpa no não recebimento de qualquer interpelação por carta ou telefone, ainda que alguma dúvida pudesse subsistir,
P. tal dúvida teria de resolver-se sempre contra o embargante nos termos do art.º 335º, n.º 3 do Código Civil e 437º do CPC.
Q. O valor total da dívida exequenda emergente do empréstimo de 10/06/2008 especificado na alínea A) dos Factos Assentes perfaz assim MOP$139.540,62 à data da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa, correspondente à soma das quantias de MOP$63.215,00 (capital) + MOP$76.325,62 (juros vencidos desse 10/12/2008 até 26/04/2021).
R. Sexto, porque na fundamentação da sentença, o tribunal a quo não tomou em consideração os factos resultantes do exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 562º, n.º 3 do CPC e que se devia ter considerado provada por força da presunção do art.º 335º, n.º 3 do CCivil, designadamente a factualidade alegada nos artigos 8º, 9º, 10º e 11º do requerimento executivo.
S. Com efeito, na fundamentação da sentença devia ter ficado provada a existência da promessa do embargante quanto ao prazo de pagamento do empréstimo do dia 10/6/2008 por tal resultar da factualidade especificada na alínea H) dos Factos Assentes e da presunção legal do art.º 361º do Código Civil decorrente da falta de impugnação da autoria e da exactidão pelo embargante do documento de fls. 7 do processo principal.
T. A qual dado fazer parte integrante do requerimento executivo e não ter sido impugnada nos termos e para os efeitos do art.º 469º, n.º 1 do CPC.
U. Faz prova plena dos factos nela representados nos termos dos art.º 361º e 362º do Código Civil, ou seja, das datas em que o embargante se comprometeu a devolver as quantias que lhe foram emprestadas e, por conseguinte, das datas em que se venceram as obrigações ora exequendas, dirimindo-se o non liquet a favor do embargado por força do art.º 335º, n.º 3 do mesmo diploma.
V. Sucede que ocorrendo contradição entre factos assentes e os integrados na base instrutória, deve dar-se prevalência aos factos assentes, pelo que deverá por isso ser alterada para “Provado” a resposta dada ao quesito 1º da base instrutória, dado a resposta negativa dada pelo tribunal a quo ao quesito 1º ser contraditória com a factualidade especificada na alínea H) dos Factos Assentes.
W. Neste conspecto, em face da análise crítica e autónoma da prova que se expôs, ocorre motivo para a alteração do julgamento de facto, designadamente das respostas aos quesitos 1º, 2º e 4º da base instrutória para, respectivamente: “PROVADO”, “PROVADO” e “PROVADO que não recebeu a carta porque não quis”, por as mesmas terem violado as regras de direito probatório supra referidas, devendo por isso ser alteradas em conformidade, com as legais consequências.
X. Caso assim não se entenda, deverá ser anulada a decisão de facto nos termos e para os efeitos do art.º 629º, n.º 4 do CPC por, face ao alegado nos artigos 3º e 5º dos embargos de executado, a ampliação da base instrutória com o facto alegado no artigo 11º do requerimento executivo se mostrar indispensável à determinação da culpa do embargante na frustração das interpelações.
Y. A decisão recorrida violou assim as referidas regras supra referidas, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada ou anulada a sentença recorrida, com as legais consequências.
Vossas Exas. decidirão, porém, como for de Direito e JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o executado nos seguintes termos conclusivos:
“1. Relativamente ao ónus da prova, cabe ao Executado/Embargante provar os factos que alega nos seus embargos, com limite no que consta no título executivo, enquanto que tudo o que está para além do título executivo cabe ao Exequente/Embargado provar a sua existência.
2. O Exequente/Embargado apenas tem o direito de exigir o que consta do título executivo.
3. Quando nos dois títulos executivos in casu não constam qualquer menção sobre o endereço do Executado/Embargante ou o seu número de contacto, é óbvio que cabe ao Exequente/Embargado provar que são os correctos.
4. Pelas mesmas razões se justifica a interpretação errada do Exequente/Embargado sobre se a declaração negocial (a carta da interpelação) foi ou não eficaz em relação ao Executado/Embargante, uma vez que a declaração negocial não chegou ao poder do Executado/Embargante.
5. Dado que não consta do título executivo qualquer menção do endereço do Executado/Embargante, o ónus de provar que a declaração negocial foi bem feita e que existe culpa do declaratário pela não recepção da carta cabe ao Exequente/Embargado.
6. Não tendo assim ficado provado, o Tribunal decidiu bem dar como NÃO PROVADO ao quesito 4º da Base Instrutória.
7. No que concerne à contradição alegada entre o Facto Assente H) e o quesito 1º da Base Instrutória, cumpre referir que o núcleo essencial que consta do primeiro é que o Executado/Embargante ainda não efectuou qualquer pagamento que devia e que se comprometeu a devolver, ao passo que o facto relevante que era necessário provar no último, era somente o prazo de pagamento.
8. Assim, não vejamos qualquer contradição entre o facto assente H) e a decisão dada ao quesito 1º da Base Instrutória, pois, na verdade, o Executado/Embargante comprometeu a reembolsar a dívida mas esse reembolso não tinha um prazo.
9. Portanto, por falta de prova apresentada pelo Exequente/Embargado, o Tribunal decidiu bem em considerar NÃO PROVADO o quesito 1º da Base Instrutória.
10. Por último, no que diz respeito ao prazo do empréstimo, como todo o pedido formulado na acção executiva deve ter como base o conteúdo que consta do título executivo, não podemos alegar “lógica”, “presunção” ou “em situações normais” quando estamos perante uma acção executiva, pois só é certo o que consta do título executivo.
11. Assim sendo, não faria sentido “presumir” que o empréstimo de 10/06/2008 tem um prazo certo (quando não consta no título executivo) só porque um outro empréstimo o tem.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso subordinado, com as demais consequências legais, assim se fazendo a devida e habitual JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado o julgamento, foi dada como provada a seguinte factualidade:
Em 10/06/2008, o exequente B emprestou RMB50.000,00 ao executado A para que o executado pudesse comprar um carro. (已證事實A項)
O executado assinou uma declaração deste empréstimo. (已證事實B項)
O dinheiro de RMB50.000,00 foi entregue numerário ao executado no mesmo dia da assinatura. (已證事實C項)
O C testemunhou este empréstimo, tendo assinado a declaração a que se refere doc. 2. (已證事實D項)
Em 02/09/2008, o executado assina um 借據 (contrato de mútuo) para obter mais um empréstimo de RMB50.000,00 do exequente para pagar as despesas de constituição de uma companhia, (已證事實E項)
O prazo de reembolso foi de 6 meses, ou seja, até 02/03/2009. (已證事實F項)
O executado recebeu o dinheiro de RMB50.000,00 em numerário em 02/09/2008. (已證事實G項)
Desde 10/12/2008 e 02/03/2009 até à presente data, o executado ainda não pagou ao exequente nenhum dos montantes a que se havia comprometido. (已證事實H項)
Os empréstimos indicados nos factos de A) e E) não constam qualquer menção expressa sobre o pagamento de eventuais juros de mora. (已證事實I項)
- 經審判聽證後獲得證明的事實:(相關認定事實的依據見卷宗第97至98頁)
No dia 8 de Junho de 2018, o embargado enviou uma carta para o embargante, cuja cópia se encontra junta a fls. 7 dos autos de execução. (對待證事實第3條的回答)
Em 06 de Junho de 2018, a taxa de câmbio de RMB para Patacas foi de 1RMB:1,2643MOP. (對待證事實第5條的回答)
*
Vejamos.
Coloca-se a questão de saber se terá lugar a inclusão dos juros de mora na quantia exequenda, apesar de não constarem do respectivo título executivo.
Sobre essa questão, salvo o devido e mui respeito por opinião diversa, mantemos a posição adoptada por este TSI, no sentido de que, não constando do título executivo o reconhecimento da obrigação de juros, não são exigíveis na respectiva acção executiva os juros de mora, por não haver título executivo para o efeito.
Tal como consta dos documentos que servem de base à execução, pelo executado foram reconhecidas duas dívidas no montante de RMB50.000,00 cada, mas do ponto de vista formal, por não constar dos respectivos títulos o reconhecimento da obrigação dos juros moratórios, somos a entender que esses juros não são exigíveis na respectiva acção executiva, com fundamento na falta de título executivo.
No mesmo sentido, veja-se os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos n.ºs 166/2012, 221/2015 e 549/2017.
Nestes termos, sem necessidade de delongas considerações, procedem as razões do executado com fundamento na falta de título executivo quanto aos juros de mora peticionados pelo exequente.
*
Passemos agora a apreciar o recurso subordinado deduzido pelo exequente
Alega o exequente que, presumindo-se a culpa do executado pelo não cumprimento pontual das obrigações e pelo não recebimento da carta registada de notificação, tornou-se eficaz a interpelação ao executado por força do disposto no artigo 216.º, nº 1 e 2 do Código Civil, independentemente de ter ou não sido efectivamente recebida pelo executado.
Ora bem, é verdade que, havendo título executivo, pressupõe a existência do crédito e a falta de cumprimento da obrigação resultante do próprio título dado à execução.
Contudo, tudo o que está para além do título executivo, não é considerado definido, devendo o interessado alegar e provar o que tiver por conveniente.
No caso dos autos, o exequente intentou uma acção executiva apresentando como título executivo dois documentos.
Além disso, em relação a uma das dívidas, alegou que enviou carta ao executado mas este não recebeu a carta enviada pelo exequente.
Ora bem, trata-se de matéria não definida nos respectivos títulos executivos, pelo que, dúvidas de maior não existe de que cabe ao exequente alegar e provar essa matéria.
Melhor dizendo, por não se ter estabelecido prazo certo de cumprimento, cabe ao exequente alegar e fazer prova de que foi enviada carta de interpelação para o endereço do executado, devendo ainda provar que este era o efectivo endereço do executado, para que o mesmo pudesse tomar conhecimento da respectiva interpelação. Só neste caso é que cabe ao executado provar que não teria recebido por razões que não lhe fossem imputáveis.
No caso em apreço, apenas logrou a prova de que foi enviada pela carta ao executado, mas não se sabe se essa carta foi bem enviada para que o mesmo pudesse ter tomado conhecimento da interpelação, pelo que improcede o recurso quanto a esta parte.
*
Mais alega o recorrente que existe contradição entre a resposta dada ao quesito 1º e a alínea H) dos factos assentes, devendo, no seu entender, alterar-se a resposta dada ao quesito 1º para “provado”.
Questiona-se no quesito 1º se “O executado prometeu que iria reembolsar o exequente antes de 10/12/2008 sobre o empréstimo do dia 10/6/2008”, tendo o tribunal recorrido dado como não provado.
E ficou consignado na alínea H) dos factos assentes que “Desde 10/12/2008 e 02/03/2009 até a presente data, o executado ainda não pagou ao exequente nenhum dos montantes a que se havia comprometido.”
Ora bem, sem necessidade de delongas considerações, não se descortina qualquer contradição entre os dois factos, na medida em que, um consiste na questão de saber quando é que o executado teria que reembolsar o empréstimo, outro especifica que o executado ainda não devolveu o empréstimo, ou seja, são duas realidades distintas.
Improcede, assim, esta parte do recurso.
*
O exequente vem ainda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 1º, 2º e 4º da base instrutória, com fundamento na suposta violação das regras de direito probatório.
Sem razão.
Ora bem, dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 629.º do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
No tocante à prova documental, esta só faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (artigo 370.º do CC), o que não é o caso.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou se os elementos probatórios constantes dos autos impuserem decisão diversa.
Ora bem, tanto os documentos apresentados pelas partes como os depoimentos das testemunhas estão sujeitos à livre apreciação do tribunal, o exequente pretende simplesmente atacar a íntima convicção do tribunal recorrido formada a partir da livre apreciação e valoração global das provas produzidas nos autos, pelo que esta parte do recurso tem, forçosamente, de improceder.
*
O exequente vem pedir, finalmente, que seja ampliada a base instrutória, para nela ser aditado o alegado no artigo 11º do requerimento executivo, com vista a saber se o exequente não conseguiu contactar com o executado por este não o atender.
Igualmente, sem razão.
Conforme o acima explicitado, para podermos concluir se o executado foi devidamente interpelado, o que interessa é saber se a carta de interpelação foi enviada para o seu endereço efectivo, facto esse de que o exequente não logrou fazer prova. Em boa verdade, saber se o executado queria ou não atender a tal interpelação não é facto relevante, daí que a inclusão ora requerida é inócua e desnecessária, improcedendo, pois, esta parte do recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo executado A e, em consequência, revogando a sentença na parte em que condenou o executado no pagamento dos juros de mora, confirmando a sentença em tudo o mais.
Mais acordam em negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo exequente B.
Custas pelos recorrentes, na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 28 de Abril de 2022
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong




Recurso Cível 1006/2021 Página 9