--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 29/04/2022 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 286/2022
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 235 a 242v do Processo Comum Colectivo n.o CR1-21-0215-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, como autora material de um crime consumado de furto qualificado (furto de coisa móvel alheia de valor consideravelmente elevado), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 198.o, n.o 2, alínea a), 197.o, n.o 1, e 196.o, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de três anos de prisão, e de um crime consumado de abuso de cartão de crédito (provocador do prejuízo patrimonial de valor elevado), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 218.o, n.o 3, 212.o, n.o 3, alínea a), e 196.o, alínea a), do CP, na pena de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de três anos e seis meses de prisão, para além de ser condenada no pagamento, a favor da ofendida chamada B, da quantia indemnizatória, arbitrada oficiosamente, de RMB385.500,00 (trezentos e oitenta e cinco mil e quinhentos renminbis) (com juros legais a contar da data desse próprio acórdão até integral e efectivo pagamento).
Inconformada, veio recorrer a arguida desse acórdão para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado, no essencial, na motivação apresentada a fls. 255 a 261 dos presentes autos correspondentes, o seguinte, para pedir a absolvição penal total dela, ou, pelo menos, a nova medida da pena, com sempre almejada suspensão da sua execução:
– as declarações da ofendida foram contraditórias, e insusceptíveis de provar o dolo da própria arguida recorrente na prática dos factos;
– o que ocorreu foi ter havido acordo, entre a ofendida e a própria recorrente, na injecção de fundos para jogar em casino, pelo que ainda que a recorrente tivesse tirado os cartões de débito e de crédito da ofendida e os tivesse usado para levantamento de dinheiro, seria muito provável que o intuito dessa conduta toda sua tivesse sido o de levantar dinheiro para jogar, de acordo com as instruções dadas pela ofendida nesse sentido;
– houve, pois, erro notório, por parte do Tribunal sentenciador, na apreciação da prova, devendo a própria recorrente passar a ser absolvida dos crimes por que vinha condenada;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre não deixaria de ser excessiva a medida da pena decidida pelo Tribunal recorrido;
– aliás, quanto ao crime de abuso de cartão de crédito, deveria ser aplicada pena de multa, em vez da pena de prisão;
– e mesmo falando das duas penas parcelares de prisão e da pena única de prisão achadas no aresto recorrido, todas elas seriam ainda excessivas, pelo que deveria haver redução das penas, com suspensão, a final, da execução da nova pena única de prisão.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto a fls. 291 a 300 dos presentes autos, materialmente no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 312 a 315, opinando pela improcedência do recurso.
Cabe rejeitar agora o recurso, por razões a expor em seguida.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 235 a 242v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
3. A nível do Direito, é de notar, de antemão, que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que a arguida imputa, a título principal, o vício de erro notório na apreciação da prova ao aresto recorrido, para rogar a absolvição penal total dela.
Pois bem, sobre o assim esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), é de relembrar, desde já, os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador, o qual, aliás, já explicou congruente e convincentemente, sobretudo a partir do terceiro parágrafo até ao oito parágrafo da página 8 do texto do próprio acórdão recorrido, a fl. 238v, as razões essencialmente sustentadoras da sua livre convicção sobre os factos penais finalmente dados por provados, razões essas que já rebatem a tese fáctica (de existência do acordo com a ofendida sobre a injecção de fundos para jogar em casino) alegada pela arguida nomeadamente na motivação do seu recurso.
Improcede, pois, o recurso em matéria relativamente ao julgamento da matéria de facto, tendo-se a arguida limitado a sindicar gratuitamente da livre convicção do Tribunal Colectivo julgador, ao arrepio do princípio plasmado no art.o 114.o do CPP, através da interpretação subjectiva que fizeram sobre os elementos probatórios então carreados aos autos.
Ante a factualidade já dada por provada no aresto recorrido, agiu indubitavelmente a arguida com dolo na prática dos factos.
Resta ver a questão subsidiariamente posta na motivação dela, relacionada com a problemática da medida concreta da pena:
Desde já, quanto ao crime de abuso de cartão de crédito com provocação do prejuízo patrimonial de valor elevado, este delito é punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
Segundo a matéria de facto provada em primeira instância, a arguida levantou, ao total, RMB30.000,00 (trinta mil renminbis) em numerário, através do uso de cartões de crédito da ofendida. Atentas as inegáveis prementes exigências da prevenção geral deste delito penal, não é de optar pela pena de multa em detrimento da pena de prisão (cfr. o critério material vertido no art.o 64.o do CP sobre a questão da escolha da espécie da pena).
E agora da justeza das penas de prisão fixadas no aresto recorrido:
Vistas todas as circunstâncias fácticas já dadas por apuradas e descritas no acórdão recorrido com pertinência à medida concreta – aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP – das penas de prisão dos dois crimes por que vinha condenada a arguida em primeira instância, dentro das respectivas molduras penais aplicáveis de prisão (um mês a cinco anos de prisão para o crime de abuso de cartão de crédito, e dois a dez anos de prisão para o crime de furto de coisa móvel alheia de valor consideravelmente elevado, sendo certo que está em causa neste crime mais grave um total de RMB355.500,00 (trezentos e cinquenta e cinco mil e quinhentos renminbis) de prejuízo concretamente provocado à ofendida), é patente que as correspondentes duas penas parcelares de prisão (uma, de nove meses de prisão, e a outra, de três anos de prisão) aí aplicadas à arguida já não admitem mais margem para a pretendida redução.
E ponderados, para os efeitos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, em conjunto os factos provados e a personalidade da arguida reflectida na prátida dos mesmos, é também evidente que nem é excessiva a pena única de três anos de seis meses de prisão achada finalmente pelo Tribunal recorrido para ela.
Por fim, uma pena única de três anos e seis meses de prisão nunca é susceptível de suspensão na sua execução, por inverificação, a montante, do requisito formal postulado no n.o 1 do art.o 48.o do CP, de ser a pena de prisão concretamente aplicada não superior a três anos.
Em suma, improcede manifestamente o recurso, o qual deve ser rejeitado nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, até também pelo espírito da norma do n.o 2 deste art.o 410.o.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas do recurso pela arguida, com três UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Após o trânsito em julgado, comunique o resultado da presente decisão (com cópia também do acórdão recorrido) à ofendida.
Macau, 29 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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