Processo n.º 164/2022 Data do acórdão: 2022-5-5
Assuntos:
– reclamação para conferência
– objecto da decisão da reclamação
S U M Á R I O
A reclamação para conferência da decisão sumária de rejeição do recurso por manifestamente improcedente não pode implicar a alteração do objecto do próprio recurso então julgado pelo relator.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 164/2022
(Autos de recurso penal)
(Da reclamação para conferência da decisão de rejeição dos recursos)
Recorrentes ora reclamantes:
1.o arguido A
2.a arguida B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 501 a 510 do Processo Comum Colectivo n.o CR2-21-0276-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficaram condenados o 1.o arguido A e a 2.a arguida B, aí já melhor identificados, como co-autores materiais de quatro crimes consumados de falsificação de documento, p. e p. pelo art.o 18.o, n.o 2 (com referência ao n.o 1), da Lei n.o 6/2004, por meio previsto no art.o 244.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), na pena, igual, de três anos de prisão por cada um destes quatro crimes, e, em cúmulo jurídico, finalmente na pena única, igual, de quatro anos de prisão efectiva.
Vieram ambos os arguidos interpor recurso desse acórdão para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado, no essencial, na motivação una deles apresentada a fls. 524 a 531 dos presentes autos correspondentes, o seguinte, para pedir a absolvição penal deles, ou, pelo menos, a redução das penas:
– as ilações tiradas pelo Tribunal recorrido na fundamentação probatória do acórdão em causa são ilógicas e violam regras da experiência, pelo que a decisão condenatória penal aí proferida padece do vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP);
– e fosse como fosse, as penas aplicadas no acórdão recorrido, por serem excessivas, deveriam ser reduzidas, com aplicação, no final, do instituto de suspensão da execução da pena nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
Aos recursos dos dois arguidos, respondeu o Digno Procurador-Adjunto a fls. 533 a 537 dos presentes autos, no sentido de não provimento.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 549 a 552v, opinando pela improcedência dos recursos.
Após feito o exame preliminar dos autos, foi proferida pelo relator decisão sumária de rejeição dos recursos dos dois arguidos (a fls. 554 a 557), por entendida manifesta improcedência dos mesmos.
Notificados, vieram os dois arguidos reclamar para conferência dessa decisão de rejeição dos seus recursos, reiterando, no seu petitório uno de fls. 565 a 578, o já preconizado na motivação una dos seus recursos.
Sobre a matéria da reclamação dos dois arguidos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 580 a 580v, no sentido de improcedência da reclamação dos dois.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 501 a 510, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. A decisão do relator de rejeição dos recursos dos dois arguidos, proferida a fls. 554 a 557, tem por fundamentação o seguinte teor:
– <<[…] A nível do Direito, é de notar, de antemão, que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que os dois arguidos imputam, a título principal, o vício de erro notório na apreciação da prova ao aresto recorrido, para rogar a absolvição penal total deles.
Pois bem, sobre o assim esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, é de relembrar, desde já, os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– <
[…]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador, que, aliás, já explicou congruente e convincentemente, sobretudo no último parágrafo da página 14 e nos dois primeiros parágrafos da página 15, ambas do mesmo texto decisório ora recorrido, a fls. 507v a 508, as razões essencialmente sustentadoras da sua livre convicção sobre os factos penais finalmente dados por provados e resumidos no último parágrafo da página 15 e no primeiro parágrafo da página seguinte, do mesmo texto decisório, a fl. 508 a 508v.
Improcedem, pois, os recursos dos dois arguidos nesta matéria relativamente ao julgamento da matéria de facto, tendo-se eles limitado a sindicar gratuitamente da livre convicção do Tribunal Colectivo julgador, ao arrepio do princípio plasmado no art.o 114.o do CPP, através da interpretação subjectiva que fizeram sobre os elementos probatórios então carreados aos autos.
Resta ver agora a questão subsidiariamente posta na motivação una deles, relacionada com a problemática da medida concreta da pena:
Vistas todas as circunstâncias fácticas já dadas por apuradas e descritas no acórdão recorrido com pertinência à medida concreta – aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, com consideração também das inegáveis exigências da prevenção geral – das penas de prisão dos quatro crimes por que vinham condenados os dois arguidos em primeira instância, dentro da respectiva moldura penal aplicável de prisão, é patente que todas as quatro penas parcelares de prisão aplicadas aos dois arguidos no aresto recorrido já não admitem mais margem para a pretendida redução.
E ponderados, para os efeitos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, em conjunto os factos provados e a personalidade dos dois arguidos reflectida na prátida dos mesmos, é também evidente que nem é excessiva a pena única de quatro anos de prisão achada finalmente pelo Tribunal recorrido para eles.
Condenados os dois arguidos igualmente em quatro anos de prisão única, é inviável a suspensão da execução dessa pena única deles, por inverificação, desde logo, do requisito formal postulado no n.o 1 do art.o 48.o do CP, de ser a pena de prisão concretamente aplicada não superior a três anos.
Em suma, improcedem manifestamente os recursos, os quais devem ser rejeitados nos termos dos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, até também pelo espírito da norma do n.o 2 deste art.o 410.o.>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vieram os dois arguidos reclamar para conferência da decisão tomada pelo relator pela qual foram rejeitados os seus recursos, por manifestamente improcedentes.
Cumpre conhecer do objecto inicial dos recursos deles em conferência, posto que a reclamação para conferência da decisão de rejeição dos recursos não pode implicar a alteração do objecto dos próprios recursos.
Pois bem, vistos todos os elementos dos autos, é de improceder, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária feita pelo relator, por essa decisão sumária estar conforme com os elementos fácticos processuais aí elencados e o direito aplicável aplicado concretamente na fundamentação jurídica da própria decisão sumária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação deduzida pelos dois arguidos recorrentes contra a decisão do relator de rejeição dos seus recursos.
Para além das custas, taxas de justiça, sanções pecuniárias e quantias de honorários de defesa oficiosa já fixadas no dispositivo da decisão sumária, pagarão ainda os dois arguidos as custas da respectiva reclamação, com duas UC de taxa de justiça individual.
Comunique a presente decisão (com cópia também do acórdão recorrido) à Direcção dos Serviços de Identificação e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, para os efeitos tidos por convenientes.
Macau, 5 de Maio de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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