Processo nº 121/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 5 de Maio de 2022
Recorrente: A
Recorrida: Companhia de Desenvolvimento B Limitada
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Companhia de Desenvolvimento B Limitada, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
A, também com os demais sinais dos autos,
e interessados incertos,
Pedindo a condenação deste:
a. A reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o terreno e as construções ali encontradas que lhe pertencem;
b. A condenação dos Réus a restituir à Autora o terreno e referidas construções;
c. A condenação do 1º Réu a pagar e restituir à Autora todas as cauções e rendas por si recebidas pelo arrendamento e os juros legais que são respectivamente os seguintes;
i. A caução no montante de seis mil patacas (MOP6.000,00) e as rendas vencidas desde 15 de Novembro de 2006 até agora, no total de 57 meses, pelo arrendamento de uma parcela do terreno a C, sendo de seis mil patacas (MOP6.000,00) por mês, o que perfaz no montante total de trezentas e quarenta e oito mil patacas (MOP348.000,00), acrescidas de juros vencidos legais desde 15 de Novembro de 2006 até ao seu efeito pagamento;
ii. A caução no montante de quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD4.500,00) e as rendas vencidas desde 1 de Maio de 2007 até agora, no total de 51 meses, pelo arrendamento de uma parcela do terreno a D para servir como armazém, sendo de quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD4.500,00) por mês, o que perfaz no montante total de duzentos e trinta e quatro mil dólares de Hong Kong (HKD234.000,00), acrescidas de juros vencidos legais desde 1 de Maio de 2007 até ao seu efectivo pagamento;
iii. A caução no montante de vinte mil dólares de Hong Kong (HKD20.000,00) e as rendas vencidas desde 25 de Fevereiro de 2007 até agora, no total de 54 meses, pelo arrendamento de uma parcela do terreno à Companhia de Fundações E (Macau), Limitada para servir como dormitório, sendo de vinte mil dólares de Hong Kong (HKD20.000,00) por mês, o que perfaz no montante total de um milhão e cem mil dólares de Hong Kong (HKD1.100.000,00), acrescidas de juros vencidos legais desde 25 de Fevereiro de 2007 até ao seu efectivo pagamento; e os juros legais da caução no montante de vinte mil dólares de Hong Kong (HKD20.000,00) devem ser calculados desde 25 de Fevereiro de 2005.
d. A condenação de todos os Réus a indemnizar solidariamente à Autora os danos causados pela impossibilidade da utilização do terreno após a sua aquisição desde 10 de Janeiro de 2009 até agora, no total de 31 meses, sendo de trinta mil patacas por mês, o que perfaz no montante total de novecentas e trinta mil patacas (MOP930.000,00), acrescidas de juros vencidos legais desde 10 de Janeiro de 2009 até ao seu efectivo pagamento.
Proferida sentença, foi decidido que:
1) Sejam condenados o Réu A e os interessados incertos a reconhecer o direito de propriedade da Autora, Companhia de Desenvolvimento B, Limitada, sobre o terreno situado na Estrada ... e as construções ali encontradas;
2) Sejam condenados os aludidos Réus a restituir à Autora o terreno acima referido e as construções ali encontradas;
3) Julga improcedente o pedido de indemnização deduzido pela Autora contra o 1º Réu A, com a consequente absolvição do mesmo;
4) Julga improcedente o pedido de indemnização deduzido pela Autora contra todos os Réus, com a consequente absolvição dos mesmos;
5) Julga improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo 1º Réu/Reconvinte contra a Autora/Reconvinda, com a consequente absolvição da Autora/Reconvinda.
Não se conformando com a sentença proferida vem o 1º Réu interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
1) No despacho recorrido, os Venerandos Juízes do Tribunal a quo julgaram procedente a acção intentada pela Autora e, em consequência:
I) Condenaram o Réu A (A) (ora Recorrente) e os interessados incertos a reconhecer o direito de propriedade da Autora Companhia de Desenvolvimento B, Lda. sobre o terreno junto à Estrada ..., e a edificação nele construída;
II) Condenaram o Réu em apreço a restituir à Autora o terreno supramencionado e a edificação nele construída;
III) (…)
IV) (…)
V) Julgaram improcedente o pedido reconvencional formulado pelo 1º Réu/Reconvinte (ora Recorrente) contra a Autora/Reconvinda, dele absolvendo a Autora/Reconvinda.
2) Salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforma com o acórdão em apreço, mormente as condenações I), II) e V).
3) De antemão, conforme o entendimento do Recorrente, a condenação I) do acórdão recorrido proferido pelos Venerandos Juízes do Tribunal a quo enferma do erro na interpretação da lei, isto é, o Tribunal a quo interpretou erradamente o disposto no n.º 2 do art.º 1235º do Código Civil.
4) Entende o Recorrente que a interpretação da aludida disposição legal deve ser limitada de tal forma que essa disposição só é aplicável aos casos em que não seja litigioso o direito de propriedade.
A) Deve suspender-se a instância – por existir o processo n.º CV3-09-0040-CAO
5) Certamente, até ao presente momento, existem várias acções pendentes nos tribunais da R.A.E.M. relativas ao terreno em causa, nomeadamente “a acção que pede a declaração da nulidade do acto de aquisição do referido terreno pela Autora.”
6) No processo n.º CV3-09-0040-CAO, a companhia F International Investment Limited intentou a acção com processo comum de declaração, pedindo principalmente a declaração da nulidade do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de compra e venda celebrados entre a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. e a Companhia de Desenvolvimento B, Lda. (ora Autora) destinados à aquisição do terreno em causa. A acção supracitada ainda se encontra pendente no TSI sob o processo n.º 688/2014.
7) Na acção supracitada, se o respectivo tribunal declarar a nulidade do acto de aquisição do terreno em causa pela ora Autora no acórdão transitado em julgado, implicar-se-á a destruição da condenação I) proferida pelos Venerandos Juízes do tribunal de primeira instância.
8) Por isso, o Recorrente entende que o Venerando Tribunal a quo não deve proferir condenação I) no acórdão do presente caso, mas sim ordenar a suspensão da instância até o trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n.º CV3-09-0040-CAO.
B) Deve suspender-se a instância – por existir o processo n.º CV3-10-0005-CAO
9) No processo n.º CV3-10-0005-CAO, o TJB da R.A.E.M. proferiu acórdão em primeira instância em 21 de Março de 2014, cujo conteúdo principal é o seguinte: “Declara-se rescisão do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12 de Outubro de 1992 entre o Autor H (H) e a 1ª Ré Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda., cujo objecto é o imóvel situado na Estrada ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º ... a fls. ... do livro …, bem como se confirma que o Autor adquire o dobro do sinal pago, no valor de HKD45.594.918,00, acrescido de juros de mora à taxa legal contados a partir de 5 de Outubro de 2005; condena-se as Rés Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. e Companhia de Desenvolvimento B, Lda. a pagar, solidariamente, ao Autor H (H) a quantia de HKD45.594.918,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados a partir de 5 de Outubro de 2005. (…)”. O acórdão em apreço ainda não transitou em julgado, por se encontrar em fase de recurso no TSI sob o processo n.º 754/2014.
10) Os factos dados como provados no processo n.º CV3-10-0005-CAO podem ser invocados no presente processo contra a mesma parte, ou seja, a Autora deste processo (CV3-11-0065-CAO).
11) O crédito de H (H) resulta da coisa que H (H) é obrigado a entregar (terreno em causa), pelo que, nos termos do art.º 744º do Código Civil, H (H) goza do direito de retenção sobre o terreno em causa antes de lhe ser paga a quantia de HKD45.594.918,00 e os respectivos juros legais pela Autora.
12) H (H) emitiu uma procuração ao Recorrente A (A) para que proceda à administração do terreno em causa, ao qual confere os poderes para o representar a proceder à vigilância do terreno em causa e de todas as propriedades, bem como exercer o direito de retenção atribuído por lei, até o trânsito em julgado do acórdão.
13) Portanto, de acordo com a procuração em apreço, o Recorrente A (A) tem direito de vigilar o terreno em causa e todas as propriedades em representação de H (H), bem como exercer o direito de retenção atribuído por lei, até a integral liquidação do crédito de H (H).
14) Se o acórdão proferido no processo n.º CV3-10-0005-CAO for transitado em julgado, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 574º do Código de Processo Civil, tal acórdão tem força obrigatória face à Companhia de Desenvolvimento B, Lda. (Autora deste processo) após seu trânsito em julgado.
15) Nesta conformidade, vem o Recorrente requerer aos Venerandos Juízes do TSI que seja ordenada a suspensão do presente processo de recurso até o trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n.º CV3-10-0005-CAO.
C) Impugnação da decisão de facto
16) In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão tomada pelos Venerandos Juízes do Tribunal a quo sobre alguns factos, pelo que, nos termos do art.º 599º e n.º 1 do art.º 629º do Código de Processo Civil, vem o mesmo recorrer da decisão final.
a- Resposta dada pelo acórdão ao artigo 4º do factum probandum
17) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que é inexacta a resposta dada pelo acórdão proferido neste processo ao artigo 4º do factum probandum, cujo conteúdo é o seguinte: “Provado que quando foi consentido pela “G” para ficar no terreno, o 1º Réu sabia perfeitamente que após “G” vender o referido terreno, ele teria de retirar-se do local.”
18) Porquanto, conforme as alegações prestadas pela testemunha I (I) na audiência de julgamento – vide 04:06 a 04:40, 07:17 a 08:18, 12:26 a 12:42 e 17:43 a 18:03 de Translator 2 Recorded on 21-Oct-2014 at 12.03.53 da gravação da audiência de julgamento – deve dar-se a seguinte resposta ao aludido 4º quesito: “O 1º Réu, ao obter o consentimento da G, sabia perfeitamente que, posteriormente na altura da desocupação do terreno, teria direito a uma indemnização por desalojamento, no montante de 20.000.000,00”.
19) Se o Venerando TSI entender que do depoimento da testemunha I (I) não se consegue tirar a supracitada conclusão nem a mesma conclusão com alterações adequadas, deve o 4º quesito do acórdão recorrido ser considerado como não provado.
b- Resposta dada pelo acórdão ao artigo 2º do factum probandum
20) A resposta dada ao artigo 2º do factum probandum pelo acórdão proferido neste processo é “Não Provado.”
21) Face a isto, o Recorrente revela a sua discordância, considerando que o acórdão supramencionado é inexacto por padecer do erro na apreciação de facto e da contradição entre os factos provados e os não provados.
22) Antes de mais, o acórdão em apreço rejeitou o pedido formulado pelo Recorrente contra a decisão proferida em 31 de Outubro de 2014 sobre os quesitos de facto (sic), dos quais os 1º e 2º quesitos são mutuamente relacionados.
23) No entendimento do Recorrente, existe divergência entre estes dois quesitos, visto que foi provado no 1º quesito que a proprietária original do terreno em causa G Macau, através de I (I), concordou com o 1º Réu que este permaneceria gratuitamente no referido terreno na qualidade de vigilante, pelo que se verifica que I (I) tinha, evidentemente, certa “qualidade” para poder praticar este acto.
24) A par disso, conforme o doc. 2 – “Credencial” junto pelo Recorrente aos autos em 16 de Janeiro de 2012, averigua-se que a proprietária original do terreno em causa G Macau designou I (I), propriamente, para tratar do referido terreno, cuja competência de designação consagrada no aludido documento dura até o término do trabalho designado.
25) Com base na decisão de 31 de Outubro de 2014 relativa ao 21º quesito de facto, apura-se a qualidade de I (I), ou seja, ele foi designado pela proprietária original do terreno em causa, propriamente, para tratar da matéria sobre as dívidas relacionadas com o referido terreno e ao qual foi conferida a competência de administração.
26) Em conjugação com as alegações prestadas pela testemunha I (I) na audiência de julgamento – vide 01:54 a 02:24 e 04:06 a 04:40 de Translator 2 Recorded on 21-Oct-2014 at 12.03.53 da gravação da audiência de julgamento – o Recorrente considera que o acórdão deve dar como provado o artigo 2º do factum probandum e responder ao aludido facto da seguinte forma: “Na altura, a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. incumbiu a I (I) de administrar o terreno.”
c- Resposta dada pelo acórdão ao artigo 29º do factum probandum
27) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que é inexacta a resposta dada ao artigo 29º do factum probandum pelo acórdão proferido neste processo, cujo conteúdo é: “Não Provado.”
28) Uma vez que a data em que o Recorrente foi indemnizado pela proprietária original do terreno em causa é anterior à data (17 de Novembro de 2006) em que a “Companhia de Desenvolvimento J, Lda.” convocou a assembleia de accionistas; além disso,
29) Tanto a Autora como o accionista maioritário da Autora K (K), ao celebrarem o contrato-promessa de compra e venda em 18 de Janeiro de 2007, tinham conhecimento do estabelecimento da cláusula 4ª do referido contrato.
30) Quer dizer que da deliberação de accionistas da “Companhia de Desenvolvimento J, Lda.” tomada em 17 de Novembro de 2006 e do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 18 de Janeiro de 2007 se apura que a Autora ou o seu accionista maioritário K (K) tem dever e obrigação de indemnizar o Recorrente pelos custos de administração, ou seja, a indemnização por desalojamento, no montante de HKD20.000.000,00, que foi acordada pela proprietária original do terreno em causa G Macau que foi representada por I (I).
31) Em face do exposto, entende o Recorrente que o acórdão deve dar como provado o artigo 29º do factum probandum e responder ao aludido facto da seguinte forma: “Em 18 de Janeiro de 2007, a Autora e a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. celebraram um “contrato-promessa de compra e venda”, onde se estipulou que o accionista maioritário da Autora K (K) teria de sustentar o respectivo encargo – uma quantia de 20.000.000,00 como indemnização por desalojamento.”
d- Resposta dada pelo acórdão ao artigo 32º do factum probandum
32) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que é inexacta a resposta dada ao artigo 32º do factum probandum pelo acórdão proferido neste processo, cujo conteúdo é: “Não Provado.”
33) Porquanto, conforme as alegações prestadas pela testemunha I (I) na audiência de julgamento – vide 07:17 a 08:18 de Translator 2 Recorded on 21-Oct-2014 at 12.03.53 da gravação da audiência de julgamento – deve dar-se a seguinte resposta ao aludido 32º quesito: “Na assembleia em apreço, o accionista da Autora K (K) comprometeu a efectuar o pagamento da indemnização por desalojamento, no montante de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00), com vista à aquisição do direito de propriedade do terreno em causa.”
e- Resposta dada pelo acórdão ao artigo 37º do factum probandum
34) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que é inexacta a resposta dada ao artigo 37º do factum probandum pelo acórdão proferido neste processo, cujo conteúdo é: “Não Provado.”
35) Visto que, antes de mais, conforme as alegações prestadas pela testemunha I (I) na audiência de julgamento – vide 04:06 a 04:40 e 07:17 a 08:18 de Translator 2 Recorded on 21-Oct-2014 at 12.03.53 da gravação da audiência de julgamento –, e
36) Em conjugação com o recibo do doc. 5, deve dar-se a seguinte resposta ao aludido 37º quesito: “O 1º Réu procedeu a trabalhos de manutenção, reparação, conservação e reinstalação no terreno em causa a partir da sua administração no referido terreno, tendo adiantado ao longo desses anos uma quantia global de MOP1.800.000,00.”
D) Erro na aplicação da lei – Não se deve aplicar o n.º 2 do art.º 1235º do Código Civil, mas sim os artigos 590º e 744º do mesmo Código
37) In casu, conforme o entendimento do Recorrente, a condenação II) do acórdão recorrido proferido pelos Venerandos Juízes do Tribunal a quo enferma do erro na interpretação da lei, isto é, o Tribunal a quo não deve aplicar o n.º 2 do art.º 1235º do Código Civil, mas sim os artigos 590º e 744º do mesmo Código.
38) No entendimento do Recorrente, a interpretação do n.º 2 do art.º 1235º do Código Civil deve ser limitada de tal forma que essa disposição só é aplicável aos casos em que não seja litigioso o direito de propriedade.
39) Aliás, ao artigo 21º do factum probandum o acórdão respondeu: “O Sr. I (I) comprometeu a A (A) que lhe pagaria de uma só vez o custo de administração, aquando da restituição do referido terreno.”
40) O custo de administração referido no artigo anterior consiste em: a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda., o Sr. I (I) e A (A) já tinham acordado que o custo de administração em apreço seria de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00).
41) Assim sendo, o Recorrente A (A) pode, nos termos do disposto nos artigos 590º e 744º do Código Civil, recusar-se legalmente a restituir o terreno em causa.
a- Ratificação da transmissão de dívida pelo Recorrente
42) Da cláusula 4ª do contrato-promessa de compra e venda do terreno em causa mencionado no 23º quesito do acórdão proferido em primeira instância se averigua que a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. e a Companhia de Desenvolvimento B, Lda. (ora Autora do presente caso) acordaram que seria transmitida à Companhia de Desenvolvimento B, Lda. (ora Autora do presente caso) a dívida da Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. resultante do aludido custo de administração a pagar a A (A); e
43) À Companhia de Desenvolvimento B, Lda. (ora Autora do presente caso) foi transmitida a dívida, no montante de um milhão e oitocentas mil patacas (MOP1.800.000,00), da Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. resultante dos custos adiantados a pagar a A (A).
44) Para efeitos do disposto no art.º 590º do Código Civil, o Recorrente, como credor das duas dívidas transmitidas em apreço, vem, por meio destas alegações, ratificar expressamente as aludidas transmissões de dívidas.
45) A indemnização por desalojamento/custo de administração em apreço é derivada do trabalho de administração do terreno em causa prestado pelo Recorrente A (A), ou seja, é resultante de despesas feitas por causa da coisa que o mesmo é obrigado a entregar, pelo que, nos termos do disposto no art.º 744º do Código Civil, o Recorrente A (A) goza do direito de retenção sobre o terreno em causa antes de a Autora/Recorrida efectuar o pagamento da indemnização por desalojamento/custo de administração e respectivos juros supracitados ao 1º Réu/Recorrente.
46) Os custos adiantados, no montante de MOP1.800.000,00, são feitos depois de o Recorrente A (A) ter administrado legalmente o terreno em causa e são um crédito resultante da administração do referido terreno, ou seja, são resultantes de despesas feitas por causa da coisa que o mesmo é obrigado a entregar, pelo que, nos termos do disposto no art.º 744º do Código Civil, o Recorrente A (A) goza do direito de retenção sobre o terreno em causa antes de a Autora/Recorrida efectuar o pagamento da aludida quantia de MOP1.800.000,00 a título de custos adiantados e respectivos juros ao 1º Réu/Recorrente.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes do TSI que concedam provimento ao presente recurso e, em consequência:
1) Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 223º do Código de Processo Civil, por se verificar a causa prejudicial, seja ordenada a suspensão da presente instância (incluindo o processo do recurso), até o trânsito em julgado dos acórdãos proferidos nos processos n.ºs CV3-09-0040-CAO e CV3-10-0005-CAO;
2) Nos termos do disposto no art.º 629º do mesmo Código, seja alterado o 4º quesito do acórdão proferido neste caso sobre a matéria de facto para: “O 1º Réu, ao obter o consentimento da G, sabia perfeitamente que, posteriormente na altura da desocupação do terreno, teria direito a uma indemnização por desalojamento, no montante de 20.000.000,00.”;
Se não for procedente o aludido pedido, subsidiariamente:
Solicita-se ao douto TSI que proceda à referida alteração do 4º quesito com a emenda adequada;
Se ainda não for procedente, subsidiariamente:
Entende-se que se solicita ao douto TSI que seja dado como não provado o 4º quesito;
3) Nos termos do disposto no art.º 629º do mesmo Código, seja efectuada a alteração do acórdão proferido neste caso sobre a matéria de facto, no sentido de alterar a resposta dada ao art.º 2º do facto para: “Na altura, a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. incumbiu a I (I) de administrar o terreno.”;
4) Nos termos do disposto no art.º 629º do mesmo Código, seja efectuada a alteração do acórdão proferido neste caso sobre a matéria de facto, no sentido de alterar a resposta dada ao art.º 29º do facto para: “Em 18 de Janeiro de 2007, a Autora e a Companhia de Desenvolvimento G (Macau), Lda. celebraram um contrato-promessa de compra e venda, onde se estipulou que o accionista maioritário da Autora K (K) teria de sustentar o respectivo encargo – uma quantia de 20.000.000,00 como indemnização por desalojamento.”;
5) Nos termos do disposto no art.º 629º do mesmo Código, seja efectuada a alteração do acórdão proferido neste caso sobre a matéria de facto, no sentido de alterar a resposta dada ao art.º 32º do facto para: “Na assembleia em apreço, o accionista da Autora K (K) comprometeu a efectuar o pagamento da indemnização por desalojamento, no montante de vinte milhões de dólares de Hong Kong (HKD20.000.000,00), com vista à aquisição do direito de propriedade do terreno em causa.”;
6) Nos termos do disposto no art.º 629º do mesmo Código, seja efectuada a alteração do acórdão proferido neste caso sobre a matéria de facto, no sentido de alterar a resposta dada ao art.º 37º do facto para: “O 1º Réu procedeu a trabalhos de manutenção, reparação, conservação e reinstalação no terreno em causa a partir da sua administração no referido terreno, tendo adiantado ao longo desses anos uma quantia global de MOP1.800.000,00.”;
7) Nos termos do disposto no art.º 630º do mesmo Código, seja revogada a condenação I) do acórdão recorrido, em substituição a essa condenação, julgando-se improcedente o respectivo pedido formulado pela Autora/Recorrida;
8) Nos termos do disposto no art.º 630º do mesmo Código, seja revogada a condenação II) do acórdão recorrido, em substituição a essa condenação, julgando-se improcedente o respectivo pedido formulado pela Recorrida/Autora;
9) Nos termos do disposto no art.º 630º do mesmo Código, seja revogada a condenação V) do acórdão recorrido, em substituição a essa condenação, julgando-se procedente o respectivo pedido reconvencional formulado pelo Recorrente/Réu/Reconvinte, e, em consequência:
a) Seja condenada a Recorrida/Autora/Reconvinda a pagar ao Recorrente/Réu/Reconvinte uma quantia de vinte e seis milhões, seiscentas e vinte e cinco mil e quinhentas patacas (HKD26.625.500,00) (sic), acrescida dos juros legais contados a partir da notificação da reconvenção deduzida em primeira instância até integral e efectivo pagamento;
b) Seja condenada a Recorrida/Autora/Reconvinda a pagar ao Recorrente/Réu/Reconvinte uma quantia de um milhão e oitocentas mil patacas (1.800.000,00), acrescida dos juros legais contados a partir da notificação da reconvenção deduzida em primeira instância até integral e efectivo pagamento; e
c) Seja declarado que o Recorrente/Réu/Reconvinte goza do direito de retenção sobre o terreno em causa antes de lhe ser pagas integralmente todas as dívidas acima referidas pela Recorrida/Autora/Reconvinda.
A Autora contra-alegou opondo-se à junção dos documentos apresentados com as alegações de recurso do Réu e ora Recorrente, concluindo no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
Pelo Recorrente foi apresentada resposta às contra-alegações da Recorrida e invocada a nulidade quanto à audição da testemunha I uma vez que após a prolacção da sentença veio a ser admitido como parte legítima para recorrer.
No que concerne à suspensão da acção até que fossem decididas as acções que correram termos sob os nºs CV3-09-0040-CAO e CV3-10-0005-CAO, já esta foi ordenada e nas mesmas já foi proferida decisão pelo Venerando Tribunal de Última Instância conforme certidões juntas a fls. 1012 a 1030 e 1273 a 1303, pelo que, esta questão já se mostra decidida.
Foram colhidos os vistos.
Dos documentos juntos em sede de recurso.
Nas suas alegações de Recurso vem o Recorrente arrolar uma testemunha e juntar documentos alegando que, pese embora o facto dos documentos serem de 2004, 2005 e 2007 só em Março de 2015 conseguiu encontrar os mesmos – cf. artº 17º a 19 e 75 a 77 das suas alegações de recurso -.
Relativamente à junção de documentos na fase de recurso dispõe o artº 616º do CPC o seguinte:
Artigo 616.º
(Junção de documentos)
1. As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451.º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, jurisconsultos ou técnicos.
3. É aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 467.º e 468.º
Por sua vez reza o artº 451º do mesmo diploma que:
Artigo 451.º
(Apresentação em momento posterior)
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
A junção de documentos em sede de recurso é uma situação excepcional que só é admitida verificados determinados pressupostos e que decorrem da impossibilidade da sua junção atempada ou quando “a decisão de primeira instância se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado” – cit. de Viriato Lima em Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3ª Edição, pág. 739 – como resulta do Acórdão do TUI de 30.04.2003 no Processo nº 2/2003, no que concerne a esta última parte.
No que concerne à impossibilidade tem a jurisprudência vindo a distinguir esta entre objectiva e subjectiva.
A superveniência objectiva resulta da produção do documento ou da ocorrência do facto documentado num momento cronológico posterior àquele em que o documento haveria de ter sido apresentado, sendo facilmente determinável.
A superveniência subjectiva resulta de forma justificada (de alegação e da prova) o documento só ter sido conhecido, ou só a ele ter tido acesso, quem o apresenta em momento posterior, o que pode acontecer, entre outras razões, porque o sujeito (apresentante do documento) só ter tido conhecimento da situação documentada em momento ulterior, ou ainda quando estando em poder de terceiro e apesar de se terem esgotado os meios processuais para o obter, esse desiderato só venha a ser alcançado em momento posterior, ou se haja requerido atempadamente certidão e esta só posteriormente venha a ser emitida, para além de outras situações que caibam sempre dentro de um quadro de actuação diligente da parte que requer a junção do documento.
Veja-se a propósito em jurisprudência comparada Portuguesa o Acórdão do STJ de 30.04.2019, Procº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2:
«Quanto ao argumento da falta de acesso anterior ao documento, tal como sucede quanto ao desconhecimento anterior, não é qualquer situação deste tipo que surte o efeito previsto na norma do artigo 425.º do CPC.
Conforme adverte Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.º instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento” [9].
O desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, em suma, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.».
No mesmo sentido vem o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.11.2014 processo nº 628/13.9TBGRD.C1:
«O primeiro elemento referido – a impossibilidade de apresentação anterior – legitima as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (até ao julgamento em primeira instância), o que pressupõe aquilo que se refere como superveniência objectiva ou subjectiva do documento pretendido juntar[7].
Ora, sendo superveniente (objectivamente superveniente) o que só ocorreu historicamente depois de um determinado momento considerado, ou (superveniência subjectiva) o que justificadamente só foi conhecido por alguém depois desse momento, vale a asserção de superveniência aqui relevante – vale, portanto, como integração positiva da facti species do nº 1 do artigo 651º do CPC – pela constatação da ocorrência da situação revelada pelo documento só posteriormente à decisão recorrida (superveniência objectiva, pressupondo esta a criação posterior do documento) ou pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só teve lugar posteriormente, por razões que se prefigurem como atendíveis, no sentido de serem razões aptas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa (quer o artigo 423º, nº 3 como o artigo 425º, ambos do CPC, falam em “não [ter] sido possível”), num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido conhecimento anterior da existência do documento. Estas razões, todavia – rectius, a atendibilidade delas – pressupõem à partida a respectiva invocação e a prova da não possibilidade (da impossibilidade) de um conhecimento anterior[8] e abrem caminho, quando alegadas, à respectiva indagação.».
A razão da junção tardia dos documentos encontra-se expressa na redacção das alegações 76 e 77 onde se diz:
«Embora o supracitado documento tenha sido emitido em 2004, 2005 e 2007, na fase de primeira instância deste caso, o Recorrente tentou várias vezes encontrar o aludido documento, contudo, lamentavelmente, não conseguiu encontrá-lo, (…) Até (que em1) Março de 2015, o Recorrente encontrou inadvertidamente o aludido documento no momento em que voltava a procurar com rigor os documentos relacionados com o terreno em causa.».
Segundo resulta das alegações de recurso o Recorrente sabia da existência do documento e tinha-o na sua posse e até o tentou encontrar mas não o conseguiu, só o vindo a conseguir porque “inadvertidamente” o encontra após a decisão em 1ª instância.
Ou seja, se o Recorrente não encontra o documento atempadamente foi apenas por falta de diligência sua seja no que concerne à forma como arquivou seja quanto à forma como o procurou, porque depois até o vem a encontrar por mero acaso.
Ora, como também resulta dos Acórdãos citados esta impossibilidade subjectiva não pode resultar da falta de cuidado e diligência dos sujeitos que não indagaram por saber aquilo a que tinham acesso e deveriam ter procurado saber ou não encontraram aquilo que estava na sua posse e descuidadamente não souberam como guardaram, sob pena de se postergar a excepção criada.
Destarte, impõe-se concluir não ter sido invocada a impossibilidade subjectiva de forma que alguma vez possa conduzir a um juízo de justificação da apresentação dos documentos em sede de recurso, sendo de indeferir a requerida junção de documentos e ficando prejudicada a audição da testemunha apresentada para o efeito.
Da alegada nulidade da audição de I como testemunha por vir a ser parte na causa.
Recorrente e Recorrido vêm invocar a nulidade do depoimento da testemunha I, uma vez que, após a prolacção da sentença vem a ser admitido o recurso por si interposto por se considerar ser parte legítima – cf. despacho de fls. 887/888 –.
A acção foi instaurada pela Autora Companhia de Desenvolvimento B Limitada contra A e incertos.
Proferida a sentença veio I interpor recurso daquela decisão o qual foi admitido e veio a ser julgado deserto por falta de alegações do Recorrente I por despacho de fls. 979.
Ou seja, quando da instauração da acção, no momento do julgamento e em que foi ouvido como testemunha e até que fosse proferida sentença nunca I teve na acção qualquer intervenção a que título fosse como parte.
Nos termos do artº 212º do CPC «Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei».
Os artigos 213º a 215º do CPC tratam das possibilidades de alteração subjectiva da instância, sendo certo que, no caso dos autos nenhuma delas aconteceu.
Proferida sentença vem I a interpor recurso o qual foi admitido pelo despacho indicado supra e subsequentemente a ser declarado deserto.
Sem estar aqui a cuidar do despacho de admissão do recurso interposto por I e os termos do mesmo - o qual não é objecto deste recurso – o certo é que, ao tempo o poder jurisdicional estava esgotado face ao disposto no nº 1 do artº 569º do CPC, pelo que, sem prejuízo da legitimidade para recorrer se poder estender a outros que não seja parte principal na causa nos termos do artº 585º do CPC o certo é que, aquando da prolacção da sentença proferida nestes autos em 1ª instância I não era de modo algum parte principal na causa.
Destarte, tanto seria o bastante para se concluir que não ocorreu nulidade alguma uma vez que em toda a tramitação dos autos desde a instauração da acção até que haja sido proferida sentença, I nunca foi parte na causa não estando impedido de testemunhar nos termos do artº 518º do CPC.
Mas, se ainda por alguma razão se viesse a equacionar que após a prolacção da sentença aquele viria a ser parte na causa – o que pode acontecer por exemplo na sequência de alguma habilitação legalmente possível – tem sido unânime a jurisprudência no sentido de que a capacidade para depor há-de ser aferida no momento em que o depoimento é prestado.
Situações existem, seja no caso dos legais representantes das sociedades, seja por força da habilitação de sucessores de quem na causa era parte, em que, aqueles que estavam habilitados a depor, vêm posteriormente a ser parte (ou equivalente) seja porque hajam sido nomeados legal representante da sociedade seja porque o herdeiro que depôs como testemunha vem depois a ser habilitado a prosseguir na causa na posição da parte falecida, sem que daí, resulte nulidade alguma.
Sobre o momento em que é avaliada a capacidade para depor veja-se a inúmera jurisprudência indicada por Abílio Neto em Novo Código de Processo Civil, Anotado, 4ª Ed., em anotação ao artº 496º, sendo unânime o entendimento que tal é aferido no momento em que o depoimento é prestado.
Por fim, sempre haveria que dizer, que ainda que se concluísse pela nulidade do depoimento face ao disposto no artº 518º do CPC, daí não resultava em momento algum a necessidade de repetir o julgamento.
Contrariamente ao que o Réu alega, a decisão em ouvir ou prescindir das testemunhas apenas a si e aos motivos que entendeu ponderar cabem, sendo alheio ao tribunal que o haja feito porque se deu por satisfeita com o depoimento da testemunha que vem a ser anulado ou não. Se para além desse depoimento, não produziu mais prova testemunhal foi uma decisão da parte, apenas a si imputável, em que devia ter ponderado todas as situações eventualmente possíveis.
Destarte, improcede a invocada nulidade do depoimento prestado por I.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Factos assentes:
- A Autora é a proprietária do terreno situado na Estrada .... Tal terreno encontra-se descrito sob o n.º ... e inscrito a favor da Autora sob o n.º …. (alínea A) dos factos assentes)
- Tal terreno foi adquirido pela Autora junto da Empresa de Fomento e Investimento G (Macau), Limitada (doravante designada por “G”). (alínea B) dos factos assentes)
- Consta da escritura de compra e venda de terreno celebrada entre G e a Autora que no referido terreno há uma escola, uma capela, um convento e quatro habitações. (alínea C) dos factos assentes)
- Por escritura de compra e venda celebrada em 10 de Janeiro de 2009, a Autora adquiriu o direito de propriedade sobre o referido terreno. (alínea D) dos factos assentes)
Base instrutória:
- Antes de vender o terreno referido na alínea A) dos Factos Assentes à Autora, a “G”, através do I, concordou com o 1.º Réu que este permaneceria no referido terreno gratuitamente e guardaria o terreno. (resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
- Desde 2005, com consentimento da anterior proprietária do terreno – “G”, o 1.º Réu passou a ficar no referido terreno sem pagar nenhuma contraprestação. (resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
- Quando foi consentido pela “G” para ficar no terreno, o 1.º Réu sabia perfeitamente que após “G” vender o referido terreno, ele teria de retirar-se do local. (resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
- Após os actos referidos nas respostas dadas aos quesitos 10.º e 11.º, a Autora não consentiu que o 1.º R. pudesse permanecer no terreno ou nas construções encontradas no referido terreno. (resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
- Em Março de 2010, a Autora notificou o 1.º Réu para retirar-se do local. (resposta ao quesito 6.º da base instrutória)
- O 1.º Réu sempre procurou pretextos para o atraso. (resposta ao quesito 7.º da base instrutória)
- Após os factos referidos nas respostas dadas aos quesitos 10.º e 11.º, quando a Autora pretendeu entrar no terreno ou nas construções ali encontradas, sempre foi impedida pelo 1.º Réu, juntamente com os indivíduos de nomes desconhecidos, obstruindo a entrada do terreno. (resposta ao quesito 8.º da base instrutória)
- O 1.º Réu até disse que está dividido em várias partes o terreno, as quais foram alugadas, e que a Autora já não tem direito a entrar ou utilizar o referido terreno. (resposta ao quesito 9.º da base instrutória)
- A Autora e o 1.º Réu celebraram, em 13 de Novembro de 2008, um contrato de trabalho, através do qual aquela contratou este para ser o porteiro do terreno e das construções encontradas no terreno. (resposta ao quesito 10.º da base instrutória)
- Após a celebração do referido contrato de trabalho, houve uma recaída de que o 1.º R. fez todo o possível para impedir a Autora de utilizar o referido terreno e as construções ali encontradas. (resposta ao quesito 11.º da base instrutória)
- O 1.º Réu, na qualidade de representante da G, alugou, o terreno às seguintes: em 15/11/2006, alugou uma parte do terreno a C para servir como armazém, recebendo a renda mensal de MOP$6.000,00; em 01/05/2007, alugou uma parte do terreno a D para servir como armazém, recebendo a renda mensal de MOP$4.500,00 e em 25/02/2005 alugou à Companhia de Engenharia de Fundações E (Macau) Limitada para servir como dormitório, recebendo a renda mensal de HKD$20.000,00. (resposta ao quesito 13.º da base instrutória)
- À data do registo da presente acção, encontrava-se cheio de objectos inflamáveis, como, sucatas de ferro, peças de veículos, pneus, latas para óleos e objectos diversos. (resposta ao quesito 14.º da base instrutória)
- A Autora informou o 1.º Réu para limpar tais objectos. (resposta ao quesito 15.º da base instrutória)
- Tal acto foi plenamente ignorado pelo R. (resposta ao quesito 16.º da base instrutória)
- Os Réus impediram o pessoal da Autora a ter acesso ao terreno. (resposta ao quesito 17.º da base instrutória)
- Para além do 1.º Réu A, há ainda outros indivíduos de identidades desconhecidas que ocupam o referido terreno. (resposta ao quesito 18.º da base instrutória)
- A Autora não consentiu que o terceiro pudesse usar ou utilizar o referido terreno, com excepção do C. (resposta ao quesito 19.º da base instrutória)
- O I comprometeu ao 1.º Réu que lhe pagaria de uma só vez o custo de administração, quando estivesse desenvolvido o terreno. (resposta ao quesito 21.º da base instrutória)
- O 1.º Réu e a sua namorada residem e trabalham no referido terreno. (resposta ao quesito 22.º da base instrutória)
- Em 18/01/2007, a Autora e a ex-proprietária do referido terreno – Empresa de Fomento e Investimento G (Macau) Limitada celebraram um contrato-promessa de compra e venda com assinaturas reconhecidas, cujo teor consta do documento de fls. 334 e 335. (resposta ao quesito 23.º da base instrutória)
- Consta da cláusula 3.ª do referido contrato que “o aludido terreno vende-se sem entrega imediata”. (resposta ao quesito 24.º da base instrutória)
- K, L e a Empresa de Fomento e Desenvolvimento G (Macau) Limitada celebraram um contrato de cooperação em desenvolvimento conjunto dos imóveis. Para levar o cabo o referido acordo de cooperação, foi estabelecida, em 14/11/2005, uma empresa denominada “Empresa Desenvolvimento “J”, Limitada”, com sede em Macau, Beco …e registo comercial …, que tem por objecto as suas actividades de desenvolvimento e compra e venda dos imóveis, com o capital social de MOP$60.000,00. (resposta ao quesito 26.º da base instrutória)
- Em 17/11/2006 foi convocada a assembleia geral da companhia “J” em que participou na respectiva reunião o K, sócio da Autora, na qualidade do sócio principal da companhia “J” e consta da acta da referida reunião o seguinte:
“3. O sócio K concorda em pagar uma compensação, no montante de duzentos e quarenta milhões dólares de Hong Kong ao sócio M (incluindo o montante de cento e dez milhões dólares de Hong Kong já pago, as despesas de despejo no montante de vinte milhões, os honorários ao advogado no montante de dez milhões e a dívida da Companhia N no montante de dez milhões, os quais são provisoriamente deduzidos) e o restante, no montante de noventa milhões dólares de Hong Kong, deve ser pago ao sócio M no dia da celebração da escritura da compra e venda do referido terreno entre K em seu nome próprio e a Empresa de Fomento e Investimento G (Macau), Limitada”. (resposta aos quesitos 27.º e 28.º da base instrutória)
- Desde a Autora registou como proprietário do terreno em causa em Janeiro de 2009, nunca pagou ao 1.º Réu quantia relativa à indemnização do despejo. (resposta ao quesito 33.º da base instrutória)
- A 4.ª cláusula do contrato-promessa de compra e venda referida na resposta dada ao quesito 23.º prevê o seguinte:
“4) Após a celebração do presente contrato, todos os direitos, interesses e deveres referentes ao aludido terreno (incluindo nas acções que estão a ser processadas ou a ser intentadas e no pedido de troca de terreno) passam a pertencer à 2.ª outorgante.” (resposta ao quesito 39.º da base instrutória)
Vem o Recorrente impugnar a decisão quanto à matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 2º, 4º, 29º, 32º e 37º da Base Instrutória.
Da resposta dada ao quesito 2º da Base Instrutória:
É o seguinte o teor dos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória:
1º
“G” antes de vender o referido terreno à A., havia já o acordo de vontades entre o Sr. I e o 1º R., que o 1.º R. permaneceria no referido terreno gratuitamente e guardaria o terreno?
2º
Foi a situação concreta daquela altura que “G” tinha encarregado o Sr. I de gerir o referido terreno?
O quesito 1º foi dado como provado com o seguinte teor:
PROVADO que antes de vender o terreno referido na alínea A) dos Factos Assentes à Autora, a “G”, através do I, concordou com o 1º Réu que este permaneceria no referido terreno gratuitamente e guardaria o terreno.
E o quesito 2º foi dado como não provado.
Alega o recorrente haver contradição entre a resposta dada ao quesito 1º e ao 2º alegando que se se deu como provado que a G através de I concordou que o 1º Réu permanecia no terreno gratuitamente para guardar o mesmo era porque a G havia incumbido I de administrar o terreno, o que tenta fundamentar com as passagens do depoimento do próprio I que cita.
Contudo, o que resulta do depoimento é que é o próprio I que se arroga ter sido nomeado “administrador” do terreno ao que não é alheio o direito que o próprio I reclama a um encargo que a Autora teria de pagar de vinte milhões.
A resposta dada ao quesito 1º pelo tribunal “a quo” resultou da prova produzida de que o 1º Réu havia sido mandatado pela G para administrar o terreno, indicando para além de outros os documentos de fls. 48 a 50 – contratos de arrendamento – em que o aqui Réu A actua em representação da G, o que pressupõe e exige que se conclua que não fazia em nome de outrem que não fosse aquela sociedade.
Ora, nada obsta que I haja sido a pessoa que intermediou a nomeação pela G de A como sendo quem ficava a guardar o terreno como resulta da resposta dada ao quesito 1º, não resultando, contudo, daí que I haja sido nomeado pela G para gerir o referido terreno como se perguntava no quesito 2º o que é uma situação bastante diferente de indicar alguém para ficar a tomar conta do terreno.
Destarte, das passagens dos depoimentos indicados nada consta que autorize que se retire uma conclusão diferente da do tribunal “a quo” no sentido de que, quanto à matéria do item 2º não foi produzida prova bastante para se convencer o tribunal da sua veracidade.
De igual modo não há qualquer contradição com a resposta dada ao quesito 21º uma vez que, aí apenas se trata de responsabilidade assumidas por I perante o aqui Réu o que poderia ter por base um sem número de razões (ou nenhuma e ser apenas uma promessa vã) mas não autoriza a concluir que por I prometer o que entendesse havia sido mandatado por G para administrar o terreno.
Da resposta dada ao quesito 4º, 29º e 32º da Base Instrutória:
O que se perguntava no quesito 4º da Base Instrutória era que:
4º
O 1º R. ao adquirir o consentimento de “G” sabia perfeitamente que após “G” vender o referido terreno, ele teria de retirar-se do local imediatamente?
A resposta dada foi de que:
PROVADO que quando foi consentido pela “G” para ficar no terreno, o 1º Réu sabia perfeitamente que após “G” vender o referido terreno, ele teria de retirar-se do local.
Aquilo que o Réu pretende é que na resposta a dar a este item se adite um facto que nem sequer ali é indagado – o direito do 1º Réu a receber uma indemnização de 20.000.000,00 – facto este a que se alude no item 32º da Base Instrutória, cujo teor é:
32º
Na deliberação tomada na reunião, K, sócio da A. a fim de adquirir a propriedade do terreno em causa, comprometeu-se de pagar a indemnização do despejo de HK$20.000.000,00, equivalente a MOP$20.600.000,00?
O quesito 32º da base instrutória foi dado por não provado.
Conexo com esta matéria está ainda o quesito 29º com a seguinte redacção:
29º
A A. e a Companhia de Fomento e Investimento G (Macau) em 18/01/2007 celebraram um contrato de compra e venda, onde também consta que o sócio principal da A., K tem de assumir o respectivo encargo – indemnização do despejo de $20.000.000,00?
Sobre as respostas dadas aos quesitos 29º e 32º fundamenta o tribunal “a quo” a sua decisão no seguinte:
«Sobre o teor do contrato-promessa e do contrato de compra e venda entre a Autora e ex-proprietária e da acta da reunião da Companhia de J, é de referir que não mereceu o acolhimento do Tribunal o depoimento das testemunhas das partes sobre essa matéria, atento às declarações contraditórias de uma e de outra e os interesses que as testemunhas se mostram ter sobre caso, o Tribunal convenceu-se, essencialmente, nos documentos de fls.42 a 45, de fls. 334 e 335 e de fls. 377 a 378, e assim, o que também levou o Tribunal a não dar como provados os factos constantes dos quesitos 29° e 32°.»
Ora, se a prova produzida sobre esta matéria nos quesitos 29º e 32º não foi bastante para convencer o tribunal da sua veracidade, menos ainda o seria para responder ao item 4º de uma forma que nem ali se preguntava.
Da argumentação usada pelo Recorrente apenas resulta aquela que a sua visão e interpretação sobre a resposta que havia de ter sido dada, mas não, em momento algum, que tenha havido erro do tribunal “a quo” na sua decisão.
Da resposta dada ao quesito 37º da Base Instrutória:
A redacção do quesito 37º da Base Instrutória é a seguinte:
37º
Desde o terreno passou à guarda pelo 1º R., este procedeu às obras de protecção, reparação, manutenção e renovação do referido terreno, durante anos, tinha pago por adiantamento MOP$1.800.000,00?
A resposta dada pelo tribunal “a quo” foi de não provado com a seguinte fundamentação:
«Quanto ao facto da realização das obras de manutenção e do pagamento das respectivas despesas feita pelo 1° Réu, excepto o depoimento das testemunhas I e O, não existem outras provas documentais, por exemplo, fractura das obras e o recibo de pagamento, para além disso, da leitura das fotografias juntas aos autos sobre o prédio, também não se convenceu que havia feito obra de conservação necessária e relevante, pelo que não se dão como provados esses factos.»
As passagens das gravações do depoimento de I indicadas pelo Recorrente em nada fazem alterar a convicção do tribunal não convencendo no sentido propugnado pelo Recorrente, sem prejuízo que de toda a análise dos autos o que resulta é que I apenas apresenta a sua versão dos factos e de acordo com o seu próprio interesse.
O interesse de I no sentido em que a causa havia de ser decidida é evidente com a sua intervenção após a prolacção da sentença em que alega que o Réu está no terreno em sua representação arrogando-se ser parte na causa, o que é bastante para demonstrar que o seu depoimento esteve longe de ser isento e imparcial, sendo certo que esta razão não havia que ser ponderada pelo tribunal “a quo”, nem tão pouco invocada por ser posterior à decisão da matéria de facto.
Contudo, “a posteriori” vem a demonstrar o bom senso da decisão do tribunal “a quo” o qual na contradição dos depoimentos das testemunhas quanto à matéria de facto aqui impugnada, formou a sua convicção com base naqueles que tinham correspondência com a prova documental apresentada.
Como há muito vem sendo sustentado por este tribunal, na impugnação da matéria de facto o tribunal de segunda instância não vai fazer um novo julgamento daquela, mas apenas apreciar em face do que se invoca e da fundamentação usada pelo tribunal “a quo” se se incorreu em erro manifesto na apreciação da prova ou se violaram regras de prova tarifada.
Não resultando da argumentação usada pelo tribunal “a quo” que se cometam erros grosseiros ou se tenham violado as regras da prova, e mostrando-se a fundamentação apresentada coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou, impõe-se concluir que se decidiu bem.
Sobre esta matéria veja-se Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
«Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
Destarte, aderindo sem reservas aos fundamentos da Jurisprudência supra citada, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória objecto de impugnação, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso nesta parte.
2. DO DIREITO
Vem também impugnada a decisão recorrida no que concerne à aplicação do direito.
É do seguinte o teor a decisão de que se recorre:
«In casu, a Autora alegou ser a proprietária registada do terreno situado na Estrada ..., porém, o 1.º Réu e outros indivíduos cuja identidade se desconhece têm ocupado o terreno e impediram a Autora de entrar no terreno ou utilizá-lo.
Para ter acesso ao terreno, a Autora celebrou um contrato de trabalho com o 1.º Réu, contratando o 1.º Réu para administrar o terreno.
Porém, mesmo que celebrasse o referido contrato de trabalho, o 1.º Réu ainda impediu a Autora de entrar no referido terreno e deu de arrendamento, sem obter qualquer autorização, o terreno a outras pessoas.
Razões pelas quais a Autora pediu que todos os Réus a reconhecessem como proprietária do terreno e devolvessem o terreno, e também pediu que o 1.º Réu lhe indemnizasse as rendas do terreno por si recebidas e que todos os Réus lhe indemnizassem solidariamente os prejuízos pela impossibilidade da utilização do terreno.
Na contestação, o 1.º Réu replicou que ele é o administrador do terreno encarregado pela ex-proprietária - Empresa de Fomento e Investimento G (Macau) Limitada e esta última comprometeu-se a pagar-lhe as despesas e expensas da administração do terreno. Quando a Autora comprometeu-se a comprar o terreno, o seu sócio comprometeu-se a pagar ao 1.º Réu as despesas de despejo no montante de vinte milhões, porém, nem a Autora nem o seu sócio K pagou ao Réu tal quantia.
Além disso, ao longo dos anos, o 1.º Réu já pagou um montante de MOP$1.800.000,00 para administrar o terreno, pelo que, o 1.º Réu deduziu reconvenção para pedir à Autora (e ao seu sócio K) para pagar tal quantia e as aludidas despesas de despejo no montante de vinte milhões.
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A Autora deduziu a acção de reivindicação, pedindo que os Réus lhe restituíssem o terreno que lhe pertence mas tem sido ocupado pelos Réus, e lhe indemnizassem os prejuízos causados pela ocupação do terreno que lhe pertence.
O artigo 1235.º do Código Civil prevê:
“1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.”
A doutrina e a jurisprudência dominantes entendem que a procedência da acção de reivindicação depende da verificação cumulativa dos seguintes dois requisitos: 1) Tem o direito de propriedade sobre a coisa; 2) A coisa é possuída ou detida por outrem.
Quanto ao primeiro requisito, a teoria geral entende que há que provar a aquisição originária ou aquisição por transmissão. No caso de aquisição por transmissão, não é suficiente provar a transmissão do direito pois não se pode garantir que o direito real foi adquirido pelo autor junto do proprietário legítimo, sendo necessário provar a aquisição originária do direito, isto é, a aquisição originária do direito do autor ou do proprietário anterior (como usucapião), porém, caso exista a presunção do direito de propriedade, é dispensável a prova da aquisição originária do direito2.
Conforme os factos assentes, a Autora é a proprietária do terreno situado na Estrada ..., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….
O artigo 7.º do Código do Registo Predial prevê: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
Dado que a Autora goza da presunção resultante do registo, presume-se que a Autora é a proprietária do terreno em questão e o terreno pertence à Autora.
Quanto ao segundo requisito, conforme os factos assentes, provou-se que antes de vender o terreno à Autora, G concordou com o 1.º Réu que este permaneceria no referido terreno gratuitamente e guardaria o terreno, pelo que, o 1.º Réu passa a ficar no terreno desde 2005.
Em 13 de Novembro de 2008, a Autora celebrou um contrato de trabalho com o 1.º Réu, através do qual contratou este para ser o porteiro do terreno e das construções ali encontradas.
Porém, após a celebração do contrato de trabalho, o 1.º R. fez todo o possível para impedir a Autora de utilizar o referido terreno e as construções ali encontradas.
Pelo que, a Autora deixou de consentir que o 1.º Réu continuasse a permanecer no terreno ou nas construções ali encontradas.
Em Março de 2010, a Autora notificou o 1.º Réu para retirar-se do terreno. O 1.º Réu sempre procurou pretextos para o atraso e impediu, em conjunto com os outros indivíduos cuja identidade se desconhece, a Autora de entrar no terreno.
Conforme os factos assentes acima referidos, não resta dúvida que o terreno pertencente à Autora está a ser ocupado pelo 1.º Réu e por outros indivíduos cuja identidade se desconhece (principalmente pelo 1.º Réu).
Por outras palavras, também se verifica outro requisito legal da reivindicação.
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Ao abrigo do artigo 1235.º n.º 2 do Código Civil acima citado, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.
Então, quais são os casos previstos na lei?
Para evitar a restituição da coisa, o possuidor tem que provar que tem sobre a coisa outro qualquer direito que justifique a sua posse ou que a detém, nomeadamente o direito real de gozo ou o direito pessoal de gozo sobre a coisa3.
Além disso, o possuidor só pode evitar a restituição se conseguir provar as seguintes três situações: 1) a coisa lhe pertence por qualquer dos títulos admitidos em direito; 2) tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse; 3) detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante4.
Na contestação, o 1.º Réu alegou, repetidamente, o acordo celebrado entre ambas as partes antes de a Empresa de Fomento e Investimento G (Macau), Limitada, vender o terreno em causa à Autora e o facto de que essa o encarregou de administrar o referido terreno e comprometeu-se a pagar-lhe as despesas de despejo e as despesas de administração, compromisso esse também foi homologado pela Autora e pelo seu sócio, K, porém, até agora, ninguém lhe pagou quaisquer das despesas. Apesar de não ter dito expressamente, parece que o 1.º Réu pretende invocar tais alegações para fundamentar que ele tem justa causa para ocupar o terreno já transmitido.
A seguir, vejamos se os factos invocados pelo 1.º Réu são suficientes para constituir a justa causa da recusa da restituição.
O 1.º Réu não invocou qualquer facto para provar que ele tem direito de propriedade sobre o terreno por si possuído, pelo contrário, o 1.º Réu não negou, desde o início até ao fim, que o terreno não lhe pertence.
O artigo 744.º do Código Civil consagra que: “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”
Caso o 1.º Réu disponha de um crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa que está obrigado a entregar, o 1.º Réu também goza do direito de retenção dessa coisa.
Em primeiro lugar, conforme os factos alegados pelo 1.º Réu que foram dados como provados, o 1.º Réu foi encarregado pela Empresa de Fomento e Investimento G (Macau), Limitada, ex-proprietária do terreno em causa, de administrar o terreno, facto esse ocorreu antes da aquisição do terreno pela Autora, pelo que, tal relação não produz quaisquer efeitos jurídicos em relação ao terceiro, neste caso, à Autora.
Mais ainda, G já alienou o terreno à Autora, não gozando, desde então, de qualquer direito sobre o terreno. Igualmente, o 1.º Réu, sendo como o constituinte (sic) de G, também deixou de ter legitimidade para continuar a administrar o terreno.
Em relação ao alegado conflito com a Empresa Desenvolvimento J que foi estabelecida conjuntamente pelo sócio da Autora K e por G, mesmo que seja um facto verdadeiro, isto é apenas um conflito entre K e a respectiva empresa, não tendo nada a ver com o 1.º Réu, não podendo o 1.º Réu opor, com base nisso, à restituição do terreno que pertence à Autora.
Além disso, nos factos assentes só se provou que o sócio da Autora K (não é a Autora) tem de pagar uma compensação no montante de duzentos e quarenta milhões dólares de Hong Kong (incluindo as despesas de despejo no montante de vinte milhões dólares de Hong Kong) a M (não ao 1.º Réu). Por outras palavras, trata-se de uma dívida entre K e M, não vislumbra este Tribunal quaisquer fundamentos que a Autora tem de assumir tal dívida, e pelo menos, mesmo que se entenda que a Autora tem de assumir o compromisso feito pelo seu sócio K, a referida dívida só deve ser paga a M, nunca ao 1.º Réu.
De qualquer maneira, o 1.º Réu não tem qualquer legitimidade ou fundamento para pedir que K, para não falar da Autora, pague as ditas despesas de despejo no montante de vinte milhões.
O 1.º Réu também alegou ter pago despesas para preservar, conservar e reparar o terreno desde a data em que começou a administrar o terreno, porém, conforme os factos assentes, o 1.º Réu não conseguiu provar a existência de tais despesas.
Assim sendo, o 1.º Réu não tem qualquer direito de pedir à proprietária do terreno a restituição de quaisquer despesas.
Razões pelas quais o 1.º Réu não tem qualquer crédito contra a Autora, não podendo gozar do direito de retenção sobre o terreno em causa.
Por fim, nos autos também não há outros elementos que indicam que o referido Réu goza de qualquer direito real.
Por outras palavras, o 1.º Réu não tem qualquer direito fundado para não restituir o terreno que pertence à Autora.
Nestes termos, o pedido de restituição do terreno formulado pela Autora aos Réus deve ser julgado procedente.
(…)
Reconvenção
O 1.º Réu deduziu a reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe as despesas de reparação do terreno no montante de MOP$1.800.000,00 e as despesas de despejo no montante de MOP$26.625.000,00.
Quanto ao crédito invocado pelo 1.º Réu, na análise acima feita por este Tribunal, provou-se que o 1.º Réu não goza de qualquer crédito contra a Autora, pelo que, não é necessário repetir mais aqui sobre esta questão, não podendo ser procedente a reconvenção deduzida pelo 1.º Réu.».
A decisão recorrida faz uma correcta subsunção dos factos apurados à situação jurídica subjacente, nada mais havendo a acrescentar e não colhendo os argumentos de direito invocados pelo Recorrente nas suas alegações, pelo que, de acordo com o disposto no nº 4 do artº 631º do CPC remete-se integralmente para os fundamentos da decisão recorrida, aos quais aderimos sem reserva, mantendo-a, impondo-se decidir em conformidade, negando provimento ao recurso.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão impugnada nos seus precisos termos.
Custas a cargo do Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 5 de Maio de 2022
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Correcção introduzida por nós.
2 Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Edição Almedina, página 257 e Acórdão do STJ, datado de 6 de Janeiro de 1988
3 Luís Menezes Leitão, obra citada, página 257.
4 Citado por A. Menezes Cardoso sobre a interpretação do artigo 1311.º, ponto 5.º, feita por Abílio Neto no Código Civil Anotado, 12.ª Edição, página 1015.
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121/2016 CÍVEL 33