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Processo n.º 300/2021 Data do acórdão: 2022-4-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de falsas declarações sobre a identidade
– art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004
– declarações escritas de identidade com nomes falsos da filiação
– formalidades de declaração de extravio de documento
S U M Á R I O
1. No caso, a arguida, ao preencher nomes falsos dos seus pais em duas declarações escritas de identidade no Corpo de Polícia de Segurança Pública, estava a fazê-lo para efeitos de declaração de extravio do salvo-conduto com que tinha entrado legalmente em Macau, dentro ainda do prazo de permanência legal em Macau inicialmente concedido, pelo que não se pode considerar que ela, ao preencher os nomes dos seus pais de maneira falsa nessas declarações de identidade, estava a fazê-lo com a intenção de frustrar os efeitos da legislação de Macau de combate à imigração clandestina.
2. Por isso, é de absolver directamente a arguida, dos dois crimes de falsas declarações de identidade (p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004) por que vinha acusada pelo Ministério Público.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 300/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida: A (A)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 49 a 52 do Processo Comum Singular n.° CR1-20-0360-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que absolveu a A, aí já melhor identificada, da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de falsas declarações sobre a identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), apontando a essa decisão absolutória o vício de erro notório na apreciação da prova, para rogar a condenação da arguida, com consequente medida da pena (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 57 a 64 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a arguida (a fls. 68 a 70 dos presentes autos) a defender a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 79 a 80v dos autos), opinando pela devida condenação da arguida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a matéria de facto dada por provada em primeira instância:
– em 16 de Julho de 2017, a cidadã do Interior da China chamada A (A) (ora arguida) declarou ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), aquando da declaração de extravio de documento de identificação, que o nome do seu pai era B (B) e que o nome da sua mãe era C (C);
– em 17 de Julho de 2017, ao preencher a declaração de identidade no CPSP, a arguida declarou que o nome do seu pai era A (A) e que o nome da sua mãe era C (C);
– em 19 de Maio de 2020, por causa de excesso do prazo de permanência em Macau, a arguida foi levada ao CPSP para efeitos de investigação, e a arguida, aquando do tratamento da sua identificação, declarou na declaração de identidade que o nome do seu pai era D (D) e que o nome da sua mãe era F (F);
– o pessoal do CPSP verificou a não correspondência dos nomes dos pais declarados pela arguida aos dados declarados por ela no CPSP em 16 de Julho de 2017 e em 17 de Julho de 2017, e daí descobriu o caso;
– após feita investigação, os nomes verdadeiros do pai e da mãe da arguida são D (D) e F (F), e os nomes dos pais declarados por ela no CPSP em 16 de Julho de 2017 e em 17 de Julho de 2017 não são verdadeiros;
– a arguida não tem antecedentes criminais em Macau.
2. Por outro lado, o Tribunal recorrido considerou não provado o seguinte:
– a arguida forneceu dados de identificação não verdadeiros às Autoridades competentes, tendo ocultado, por duas vezes, os dados de identificação verdadeiros dos seus pais, com o intuito de induzir as Autoridades competentes em erro acerca da verificação da sua identidade, para daí contornar a eficácia da lei no combate contra a imigração clandestina e fugir às acusações penais que possivelmente tivesse que enfrentar (com nota deste TSI: isto é matéria descrita no ponto 6 da acusação pública então deduzida contra a arguida);
– a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de praticar a conduta acima referida, bem sabendo da proibição da sua conduta pela lei de Macau, e da punibilidade legal da mesma conduta (com nota deste TSI: isto é matéria descrita no ponto 7 da mesma acusação pública).
3. Na fundamentação probatória da sentença recorrida, o Tribunal recorrido julgou que era de acreditar na versão fáctica dita pela arguida segundo a qual a não correspondência dos nomes dos seus pais foi por causa de ela os ter preenchido à toa.
4. De acordo com os dados de identificação declarados pela arguida no seu Título de Identidade e Residência (prestado a fl. 21), ela tem por profissão cicerone.
5. Nas duas declarações de identidade então prestadas por ela por escrito no CPSP, respectivamente nos dias 16 e 17 de Julho de 2017, igualmente para efeitos de tratamento da declaração de extravio de documento, foi declarada a profissão de cicerone (cfr. o teor concreto dessas duas declarações, certificado nas fls. 11 e 9, correspondentemente).
6. Aquando do tratamento de formalidades de declaração de extravio de documento no CPSP, a arguida encontrava-se em situação legal de permanência em Macau (por ter entrado em Macau em 12 de Julho de 2017 (com o salvo-conduto declarado extraviado – cfr. também o teor de fl. 9, na parte respeitante à indicação do tipo de documento da pessoa declarante do extravio), com prazo de permanência em Macau concedido até 19 de Julho de 2017) (cfr. o teor da comunicação policial certificada a fl. 8).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A Digna Delegada do Procurador ora recorrente imputa à decisão absolutória penal recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, opinando que devem ser dados também por provados os factos acusados 6 e 7.
Procede este vício, porquanto, aos olhos de qualquer homem médio colocado na situação concreta dos autos, sem qualquer explicação congruente dada pela arguida, que trabalha como cicerone turístico, sobre o preenchimento à toa dos nomes dos seus pais nas declarações de identidade perante o CPSP, não se pode acreditar, sob pena de ofensa clara às regras da experiência, nessa versão fáctica da arguida de ter ela preenchido esses nomes à toa.
Entretanto, a procedência deste vício não implica a possibilidade de condenação da arguida, porquanto dos elementos documentais acima coligidos dos autos, que condizem com o primeiro facto provado na Primeira Instância (na parte referente à declaração de extravio de documento), resulta que a arguida, ao preencher as duas declarações de identidade no CPSP respectivamente nos dias 16 e 17 de Julho de 2017, estava a fazê-lo para efeitos de declaração de extravio do salvo-conduto com que tinha entrado legalmente em Macau, com prazo de permanência legal em Macau inicialmente concedido até 19 de Julho de 2017. Por isso, não se pode considerar que ela, ao preencher os nomes dos seus pais de maneira falsa nas ditas duas declarações de identidade, estava a fazê-lo com a intenção de frustrar os efeitos da legislação de Macau de combate à imigração clandestina em Macau.
Assim sendo, e sem mais indagação por ociosa, é de absolver directamente a arguida, dos dois crimes de falsas declarações de identidade (p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004) por que vinha acusada como autora material dos mesmos pelo Ministério Público.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o vício de erro notório na apreciação da prova invocado pelo Ministério Público na motivação do recurso, e, não obstante, em absolver directamente a arguida da prática dos dois crimes de falsas declarações de identidade, p. e p. pelo art.o 19.o, n.o 1, da Lei n.o 6/2004, por que vinha acusada como autora material dos mesmos pelo Ministério Público.
Sem custas no presente recurso.
Fixam em oitocentas patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique o presente acórdão (com cópia da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 28 de Abril de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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