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Processo n.º 753/2021
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 12 de Maio de 2022

Assuntos:
     
- Dever de investigação por parte do órgão competente em matéria de atribuição de habitação económica
     

SUMÁRIO:

I - O n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019, preceitua que “o Chefe do Executivo pode dispensar a satisfação do disposto nas alíneas 2) e 3) do número anterior, mas apenas quando o adquirente da habitação económica ou quem obteve a bonificação aí referido comprove que procedeu à venda da fracção devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família, ou quando tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência”, norma esta que concede ao Chefe do Executivo um poder discricionário que resulta da utilização do conector deôntico «pode» e que é, justamente, o poder de dispensar o candidato à habitação social de satisfazer os requisitos a que aludem as alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
II – Nesta matéria, é de frisar que os poderes de fiscalização do tribunal administrativo relativamente à legalidade do exercício do poder discricionário não são plenos contrariamente ao que acontece quando em causa está o controlo do exercício de poderes vinculados. Ao tribunal cabe apenas a sindicância do respeito por parte da Administração dos limites jurídicos ao exercício de tal poder e da observância dos critérios que constituem as condições jurídicas do seu exercício legítimo.
III – A norma do n.º 1 do artigo 86.º do CPA manda que “ O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito…”, por outro lado, o artigo 59.º do CPA estipula que “os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução (…)”, irreleva, pois, que a iniciativa procedimental tenha sido do particular. Mesmo aí, a Administração não deixa de estar legalmente vinculada ao esclarecimento tão exaustivo quanto possível dos pressupostos de facto da decisão, de tal modo que insuficiência na instrução, na medida em que possa reflectir-se na insuficiência da base factual indispensável à justa e legal decisão do procedimento, em especial a um adequado exercício do poder discricionário, não pode deixar de se repercutir de modo invalidante nessa decisão.
IV - Apesar de se tratar de um procedimento da iniciativa do particular, a Administração não podia refugiar-se num inexistente dever de prova a cargo daquele para, confortavelmente, se abster de proceder às diligências necessárias ao completo esclarecimento da base factual indispensável à prolação de uma decisão justa e ao exercício correcto do poder discricionário, no caso, como a Administração não desenvolveu o indispensável esforço instrutório no sentido de apurar os factos alegados pelo Recorrente e eventualmente outros susceptíveis de integrarem os pressupostos da contidos na hipótese da norma do n.º 2 do artigo 8.º da Lei 17/2019, para, à sua luz, proferir a decisão discricionária que legalmente se impunha, nomeadamente, se o Recorrente, vendeu a casa devido a problemas de saúde ou dificuldades económicas tal como foi por ele alegado, cometeu ilegalidade invalidante do acto recorrido que o Recorrente lhe aponto, o que constitui razão bastante para anular a decisão ora posta em crise.

O Relator,
     
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Fong Man Chong















Processo n.º 753/2021
(Autos de recurso contencioso)

Data : 12/Maio/2022

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para os Transportes e Obras Públicas

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 25/05/2021, que indeferiu o recurso interposto que tem por objecto a impugnação dos seguintes 2 actos:
      (i) O acto através do qual a Entidade Recorrida decidiu não dispensar o Recorrente da satisfação do disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019 e
      (ii) O acto praticado pela mesma Entidade que decidiu indeferir a sua candidatura à habitação social, pedindo a respectiva anulação,
Veio, em 13/09/2021, interpor o presente recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 6, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 在駁回請求及申請批示之通知中指出就其提交之申請不獲接納,提出“根據《社會房屋法律制度》第8條第2款規定,經濟房屋的取得人如能證明因健康問題、陷入經濟困境、家庭環境逆轉或家庭收入銳減而已出售其單位,又或因無償還能力而被司法變賣其房屋,以清償銀行批給的貸款,行政長官可免除有關申請社會房屋的妨礙性要件。”
2. 駁回請求及申請批示指出:“經分析,申請人自幼患上小兒麻痺症,並被父母抛棄,但此事對其出售經濟房屋單位沒有直接關係。此外,申請人表示於2001年被當時任職機構解僱後依靠儲蓄維生,直至2005年因未能償還銀行貸款,故出售經屋單位,惟未能提交足夠證明可證實當時陷入經濟困境而出售單位,因此不能確實其屬於《社會房屋法律制度》第8條第2款規定的情況,再者申請人在書面解釋內所提及目前遇到的經濟困難亦明顯與其出售經屋單位沒有關係。”。
3. 被上訴批示之決定及其理據違反法律,尤其是《行政程序法典》第86條第一款規定之有權限機關應設法調查所有有助於對程序作出公正及迅速之決定之相關規定,以及《社會房屋法律制度施行細則》第6條規定,有關社會房屋之申請應由房屋局對申請進行駁回,而非由運輸工務司司長作出,故應根據《行政訴訟法典》第21條第1款d)項及b)項之規定予以撤銷。
4. 卷宗資料顯示,上訴人曾聲明及以書面作出解釋出售經濟房屋的理由:“於2005年我把我的經濟房屋出售,因我殘疾缺乏收入,並已陷入經濟困境,我只好被迫於十六年前出售自己的屋,即(2005)來償還欠銀行樓款等債務,只因為我於當年2000年被B解僱後,我將我的儲蓄錢拿來繼續供樓,供了四年多,就無法供下去。”。
5. 以及“又嘗試到台山社工局申請緩助,但需要輪候及排期見面家訪,需要等待三四年才有機會拿緩助金,在慢長的時間裏,去C銀行貸款部詢問,他們說如果沒有錢繼續供樓,可能會將你的樓拿出去拍賣,我聽了後很恐懼徬徨......”。
6. 上訴人曾於B任職並於2001年3月31日離職,並自此沒有再獲得任何工作機會。
7. 在沒有任何工作及其他收入的情況下,上訴人只能靠其積蓄償還樓宇貸款和支付生活費用,並終於2005年因用盡積蓄無法再繼續償還房貸而出售其經濟房屋。
8. 上訴人由於只具備小學學歷程度,患有疾病需長期用藥,因此無法提供合適及相關的證據。
9. 當局本可向其他政府部門索取相關資料以查核上訴人所述的事實是否屬實,或向上訴人要求具體或特定的文件,以協助其證實發生於16年前的事實。
10. 正如尊敬的終審法院法官在62/2015號案中之精闢見解:“在行政程序中,有權限作出決定的機關負責領導調查的進行(《行政程序法典》第85條第1款),不論私人是否提出要求,行政當局都完全有權力和義務使用其認為對作出決定屬重要及必需的、法律容許的一切證據方法。”
11. 然而當局僅要求上訴人主動提供證據,而沒有考慮到其狀況及能力,在已知悉上訴人所陳述之有關事實後,亦沒有履行其主動進行調查之義務,便以上訴人“......惟未能提交足夠證明可證實當時陷入經濟困境而出售單位......”不批准有關請求,並駁回申請。
12. 根據《社會房屋法律制度施行細則》第6條規定,有關社會房屋之申請應由房屋局對申請進行駁回,因此運輸工務司司長並無權限作出相關駁回行為。
13. 事實上,上訴人受疾病困擾,難以獲得工作機會,只能靠政府資助承擔高昂的生活費用,因而急需空間以便減輕其負擔。
14. 綜上,駁回請求及申請之批示違反法律,尤其是《行政程序法典》第86條第1款規定知有權限機關應設法調查所有有助於對程序作出公正及迅速之決定之規定,以及《社會房屋法律制度施行細則》第6條規定,有關社會房屋之申請應由房屋局對申請進行駁回,及《行政程序法典》第3條的合法性原則及第8條的善意原則,故此應根據《行政訴訟法典》第21條第1款d)項及b)項之規定予以撤銷。
15. 根據《行政訴訟法典》第21條第1款d)項及b)項之規定,司法上訴所針對之行為違反適用之法律原則或法律規定,及出現無權限的情況,構成提起司法上訴之依據。
16. 根據《行政程序法典》第87條第1款規定,利害關係人負證明其陳述之事實之責任,但不影響依據上條第1款之規定課予有權限機關之義務。
17. 根據《行政訴訟法典》第44條第1款的規定,由於駁回請求及申請不僅包含於單一批示,亦正是未獲批准免除妨礙性要求的原因而使上訴人不符合社會屋申請要件而被駁回申請,即相互間具有主從關係或者有聯繫,因此可將請求撤銷駁回請求及申請之申訴合併。
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Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 21 a 41, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) 司法上訴人於2020年8月21日提交了社會房屋申請,並申請免除妨礙性要件,原因是其曾為屬已獲房屋局許可按四月十二日第13/93/M號法令或第10/2011號法律《經濟房屋法》的規定取得房屋的取得人。
O Recorrente apresentou a candidatura a habitação social em 21 de Agosto de 2020 e solicitou a dispensa do requisito impediente, por ter adquirido a habitação económica concedida pelo Instituto de Habitação nos termos do Decreto-Lei n.º 13/93/M, de 12 de Abril, ou da Lei n.º 10/2011 (Lei da habitação económica).
B) 經審查,證實現為司法上訴人的申請人曾為經濟房屋的取得人,根據第17/2019號法律第8條第1款(2)項的規定,有關事實構成申請社會房屋的妨礙性要件。
Após a apreciação, verificou-se que o candidato, ora Recorrente, foi adquirente da habitação económica, este facto está abrangido pelo requisito impediente da candidatura de habitação social previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.° da Lei n.º 17/2019.
C) 儘管已被要求,但司法上訴人未有提交有關直接涉及出售房屋原因之證明,以證明其因健康問題、陷入經濟困境、家庭環境逆轉或家庭收入銳減而已出售其單位,又或因無償還能力而被司法變賣其房屋,以清償銀行批給的貸款。
O Recorrente, apesar de lhe ter sido solicitado, não apresentou provas directamente relacionadas com os motivos da venda da habitação devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família ou que tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência.
D) 因司法上訴人未能證明其符合法定要件,根據《社會房屋法律制度》第8條第1款(2)項、第8條第2款及第30/2020號行政法規《社會房屋法律制度施行細則》第6條第3款(1)項的規定,被訴實體決定不批准其免除妨礙性要件的請求,並駁回其申請。
O Recorrente não comprovou que reúne os requisitos legais, de acordo com a alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.° e o n.º 2 do artigo 8.° do Regime jurídico da habitação social, bem como a alínea 1) do n.º 3 do artigo 6.° do Regulamento Administrativo n.º 30/2020 (Regulamentação do Regime jurídico da habitação social), o pedido da dispensa do requisito impediente e a candidatura foram indeferidos por Despacho da ora Entidade Recorrida.
E) 司法上訴人無法證實被訴行為存在任何違法性。
O Recorrente não consegue demonstrar que tenha havido, no acto recorrido, qualquer ilegalidade.
F) 根據《社會房屋法律制度》第8條第2款、第184/2019號行政命令第1款、第6/1999號行政法規第6條第1款(7)項及第2款,以及第17/2013號行政法規《房屋局的組織及運作》第2條第1款之規定,行政長官已授權予運輸工務司司長行使關於公共房屋領域的權限,而且房屋局受運輸工務司司長監督,故司法上訴人所指的無權限瑕疵並不存在。
De acordo com o n.º 2 do artigo 8.° do "Regime jurídico da habitação social", o n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019, a alínea 7) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.° do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 e o n.º 1 do artigo 2.° do Regulamento Administrativo n.° 17/2013 (Organização e funcionamento do Instituto de Habitação), o Chefe do Executivo delegou as competências na área de habitação pública no Secretário para os Transportes e Obras Públicas e o Instituto de Habitação está sujeito à tutela do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pelo que, não se verifica o vício de incompetência alegado pelo Recorrente.
G) 根據《行政程序法典》第87條及《社會房屋法律制度》第8條第2款之規定,作為程序發起人的司法上訴人,應向行政當局提交相關文件或證據以證明其所主張之事實,舉證一事不應由被訴實體替代作出。
Nos termos do artigo 87.° do CPA e do n.º 2 do artigo 8.° do Regime jurídico da habitação social, o Recorrente, como promotor do processo, deve submeter à Administração, os documentos ou provas necessárias para fundamentar os factos por ele alegados, não devendo a apresentação de provas ser substituída pela Entidade Recorrida.
H) 而且,正如在立法會第一常設委員會第4/VI/2019號意見書中(見第19頁第6.5點)亦有提及的:行政長官可豁免第8條第1款(2)項所指的妨礙性因素,但僅限於經濟房屋取得人能證明因健康問題、陷入經濟困境、家庭環境逆轉或家庭收入銳減而已出售其單位,又或因無償還能力而被司法變賣其房屋,以清償銀行批給的貸款。
Conforme o referido no Parecer n.º 4/VI/2019 (vide ponto 6.5 na página 19): o Chefe do Executivo pode dispensar os requisitos impedi entes previstos na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.°, mas apenas quando o adquirente da habitação económica aí referido comprove que procedeu à venda da fracção devido a problemas de. saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família, ou quando tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência.
I) 考慮到司法上訴人所主張之事實屬私人性質的事實,房屋局沒有條件進行依職權調查,而卷宗內未見有資料顯示司法上訴人屬禁治產或準禁治產而缺乏尋找及提供證據的能力,亦不妨礙司法上訴人尋求他人協助。
Considerando que os factos alegados pelo Recorrente são de natureza pessoal, o Instituto de Habitação não tinha condições para a investigação oficiosa. Porém, não se consigna nos autos que o Recorrente seja interdito ou inabilitado e fique sem possibilidade de recolher e apresentar provas, nem o mesmo está impedido de solicitar auxílio alheio.
J) 根據司法上訴人提交的C銀行授信償還/清訖證明書顯示,其出售單位時,尚欠銀行的本金共澳門幣53,617.55元,每期本金還款額為澳門幣483.31元,在其被B解僱後仍繼續作4年還款,及其未有提交其他倘有的重大開支及債務證明文件或當時的收入及資產證明文件的情況下,未能證明其因健康問題、陷入經濟困境、家庭環境逆轉或家庭收入銳減而已出售其單位。
De acordo com a quitação de crédito concedido pelo Banco C, apresentado pelo Recorrente, no momento em que o Recorrente procedeu à venda da fracção, ainda manteve uma dívida ao banco de 53.617,55 patacas, sendo o montante de amortização de 483,31 patacas. Depois de ter sido despedido pelo B em 2011, o reembolso continuou durante quatro anos. Além disso, o Recorrente não apresentou documentos comprovativos relativos às eventuais grandes despesas e dívidas, nem ao rendimento e património. Pelo que, não provou que procedeu à venda da fracção devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família.
K) 即使被訴實體向有關部門索取司法上訴人所指的資料,但因相關資料僅涉及其曾在B工作、有否因工作而作社保供款、繳交職業稅及有否曾透過勞工局尋找工作之事宜,無法透過該等資料證實司法上訴人當時出售房屋的真實原因及其主觀意願。
Mesmo que as informações mencionadas pelo Recorrente fossem solicitados pela ora Entidade Recorrida, junto dos serviços competentes, estas não podem comprovar o motivo real e a intenção subjectiva do Recorrente na altura em que procedeu à venda da habitação, porque estas informações referem apenas que o Recorrente prestou serviços no B, efectuou o pagamento de contribuições do regime da segurança social devido à prestação de trabalho, procedeu ao pagamento de imposto profissional, e procurou um emprego através da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais .
L) 被訴行為並沒有違反《行政程序法典》第85條至第87條規定之調查原則。
O acto recorrido não viola o princípio do inquisitório, previsto nos artigos 85° a 87° do CPA.
M) 第17/2019號法律第8條第1款(2)項明確規定申請社會房屋時的妨礙性要件,此條文設立的目的是規範已取得經濟房屋的人士不得申請承租社會房屋,原因是由於社會房屋的數量極其有限,該法律的立法精神是保障社會房屋可以分配至經濟上真正處於困難狀況的人士,同時亦不致於被已享受政府房屋福利的人士濫用。
Prevendo-se expressamente na alínea 2 do n.º 1 do artigo 8.° da Lei n.º 17/2019 os requisitos impedientes da candidatura a habitação social, o objectivo desta disposição é restringir as pessoas que tenham adquirido a habitação económica de se candidatarem à habitação social, uma vez que o número de unidades de habitação social é extremamente limitado, e o espírito legislativo da referida Lei é garantir que a habitação social seja atribuída a pessoas em dificuldades económicas reais e que não seja abusivamente utilizada por pessoas que já beneficiaram de regalias habitacionais públicas.
N) 雖然《社會房屋法律制度》第8條第2款設立了例外的免除妨礙性要件的規定,但僅限於經濟房屋取得人能證明屬於第2款所規定的數種情況,行政長官方可豁免有關的妨礙性要件。
Embora o n.º 2 do artigo 8.° do Regime jurídico da habitação social tenha estipulado uma situação excepcional para dispensar o requisito impediente, o Chefe do Executivo poderá dispensar o referido requisito impediente apenas quando o adquirente da habitação económica puder comprovar que se encontra nas situações previstas no n.º 2.
O) 既然立法者已制訂了一套客觀的、為社會大眾所接受的評定準則,以確保行政當局全面遵守法律,則被訴實體有義務遵守法律,並依法審查司法上訴人是否符合法定可免除的妨礙性要件的情況。
O legislador elaborou um conjunto de critérios de avaliação objectivos e socialmente aceitáveis para o integral cumprimento. da Lei pela Administração, a ora Entidade Recorrida está obrigada a cumprir a lei, verificando se o Recorrente está abrangido nas situações legalmente previstas em que permitissem a dispensa dos requisitos impedientes.
P) 因應司法上訴人於提交關於免除妨礙性要件的請求時,未有提交相關文件或證據,被訴實體已發函通知其提交有利於審查的資料或證據;其後,在作出被訴行為前,被訴實體亦已按《行政程序法典》第93條及第94條之規定給予司法上訴人聽證的機會。
Visto que o Recorrente, no momento da apresentação do pedido de dispensa dos requisitos impedientes, não apresentou documentos nem provas relevantes, a Entidade Recorrida enviou notificação para apresentação de informações ou provas favoráveis à apreciação e, posteriormente, antes do procedimento do acto recorrido, a Entidade Recorrida concedeu a oportunidade de audiência ao Recorrente nos termos dos artigos 93.° e 94.° do CPA.
Q) 被訴行為亦沒有違反《行政程序法典》第3條的合法性原則及第8條的善意原則。
Não tendo o acto recorrido, ao contrário do alegado pelo Recorrente, violado os princípios da legalidade e da boa fé previstos nos artigos 3.° e 8.° do CPA.
R) 因此,未見被訴行為存在司法上訴人所提及的《行政訴訟法典》第21條第1款d)項所規定的違反法律的瑕疵,故應維持被訴行為而非予以撤銷。
Nesta factualidade, não se verifica que o acto recorrido enferme do vício de violação de lei consagrado na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC alegado pelo Recorrente, assim deverá o acto recorrido ser mantido e nunca anulado.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 123 a 129, pugnando pelo seguinte:
a) Ser julgada procedente a impugnação do acto de indeferimento da candidatura à habitação social com a consequente declaração de nulidade do mesmo;
b) Ser julgada improcedente a impugnação do acto de indeferimento da dispensa do requisito impediente previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

事由:社會房屋申請駁回通知
曾為經濟房屋取得人
申請表編號31202000025
      
      根據10月11日第57/99/M號法令核准之《行政程序法典》第68條及第70條的規定,有關A曾為經濟房屋取得人,不符合社會房屋申請要件事宜,茲通知運輸工務司司長於第2343/DHP/DHS/2021號建議書上所作的批示,而有關批示內容如下:
      “同意
      Concordo
      運輸工務司司長
      O Secretário para os Transportes e Obras Publicas,
      D
      D
      25/05/2021”
      上述批示是以該建議書的事實和法律依據而作出,而該建議書的內容摘錄如下:
      “個案資料:
      Informações do caso:
      1. A(男性,下稱申請人)提交的社會房屋申請,申請表編號31202000025,屬1人家團。
      A candidatura a habitação social foi apresentada por A (masculino, adiante designado por candidato), através do boletim de candidatura n.º 31202000025, sendo o agregado familiar constituído por 1 elemento.
      申請人請求免除曾為經濟房屋取得人的妨礙性要件,有關請求內容在此視為完全轉錄。申請人陳述自幼患上小兒麻痺症,是一名重度殘疾人士,更被父母遺棄。由於在2001年4月被B解僱,導致沒有收入供樓款,其亦曾嘗試到勞工局找工作,惟沒有回覆,基於當時的經濟問題,最終於2005年出售經屋償還供樓債務、大廈管理費及朋友債務。
      O candidato solicitou a dispensa do requisito impediente de ter sido adquirente de habitação económica, cujo conteúdo do pedido que, na presente proposta, é considerado como integralmente reproduzido. O candidato afirmou que desde a tenra idade sofria de poliomielite, é portador de deficiência física grave e foi abandonado pelos pais. Em Abril de 2001, foi despedido pelo B, impossibilitando-o de pagar o empréstimo da habitação pela falta de rendimento, tentou procurar emprego na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais mas não obteve resposta. Face às dificuldades económicas, em 2005, vendeu a habitação económica para o pagamento do empréstimo bancário, das despesas de condomínio e do dinheiro emprestado pelos amigos.
      2. 經審查,證實申請人曾為經濟房屋取得人,單位位於“澳門XX街XX號XX第XX座XX樓XX座”,根據第17/2019號法律《社會房屋法律制度》第8條第1款(2)項規定,有關事實構成申請社會房屋的妨礙性要件。
      Após a apreciação, verificou-se que o candidato foi adquirente de habitação económica, a fracção sita na "Rua de XX, n.º XX, Edf. XX, Bloco XX, XX.º andar XX, Macau", este facto está abrangido pelo requisito impediente da candidatura a habitação social, previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019 (Regime jurídico da habitação social).
      法律依據:
      Fundamentação legal:
      3. 根據《社會房屋法律制度》第8條第2款規定,經濟房屋的取得人如能證明因健康問題、陷入經濟困境、家庭環境逆轉或家庭收入銳減而已出售其單位,又或因無償還能力而被司法變賣其房屋,以清償銀行批給的貸款,行政長官可免除有關申請社會房屋的妨礙性要件。
      De acordo com o n.º 2 do artigo 8.º do Regime jurídico da habitação social, se o adquirente da habitação económica puder provar que procedeu à venda da fracção devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família, ou que tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência, o Ex. mo Senhor Chefe do Executivo poderá dispensar o requisito impediente para a candidatura a habitação social.
      分析及建議:
      Análise e proposta:
      4. 房屋局透過第2101070095/DHS號公函通知開展聽證程序,申請人於2021年1月22日提交書面解釋,在此視為完全轉錄。申請人表示因四肢嚴重殘缺導致被父母遺棄,其後因失業未能負擔樓宇供款及欠下債務等因素,導致需出售經屋,申請人亦曾嘗試尋找工作,惟因身體缺陷而未獲受聘,此外,現時租住之單位合約期將至,惟未能找到地方搬遷,故需入住社會房屋。
      O Instituto de Habitação (IH) notificou, através do Oficio n.º 2101070095/DHS, o candidato para uma audência, tendo o mesmo apresentado uma justificação escrita no dia 22 de Janeiro de 2021, cujo conteúdo que, na presente proposta, é considerado como integralmente reproduzido. O candidato afirmou que devido à deformação grave dos seus membros foi abandonado pelos pais, posteriormente por ter ficado desempregado, foi incapaz de pagar o empréstimo da habitação tendo contraído dívidas, deste modo, viu-se obrigado a vender a habitação económica, embora tivesse tentado procurar emprego, devido à sua deficiência física nunca foi contratado. Além disso, actualmente o prazo do contrato de arrendamento da fracção onde reside está prestes a terminar, não tendo ainda encontrado uma nova residência, por isso necessita de uma habitação social.
      5. 經分析,申請人自幼患上小兒麻痺症,並被父母抛棄,但此事對其出售經濟房屋單位沒有直接關係。此外,申請人表示於2001年被當時任職機構解僱後依靠儲蓄維生,直至2005年因未能償還銀行貸款,故出售經屋單位,惟未能提交足夠證明可證實當時陷入經濟困境而出售單位,因此不能確實其屬於《社會房屋法律制度》第8條第2款規定的情況,再者申請人在書面解釋內所提及目前遇到的經濟困難亦明顯與其出售經屋單位沒有關係。
      Após análise, verificou-se que o candidato, desde a tenra idade, sofria de poliomielite e foi abandonado pelos pais, contudo, estes factos não têm uma correspondência com a venda da sua fracção de habitação económica. O candidato afirmou que em 2001, após ter sido despedido pela entidade empregadora, sobreviveu à custa das suas poupanças, e em 2005 por não conseguir pagar o empréstimo bancário, decidiu vender a fracção de habitação económica. Todavia, o candidato não conseguiu apresentar provas suficientes que comprovassem que vendeu a habitação económica devido a dificuldades económicas encontradas na altura. Deste modo, não está comprovado que o candidato se encontrava nas situações mencionadas no n.º 2 do artigo 8.º do Regime jurídico da habitação social, e as dificuldades económicas sentidas pelo candidato no momento presente relatadas na sua justificação escrita, claramente não têm correspondência com a venda da fracção de habitação económica.
      6. 根據《社會房屋法律制度》第8條第1款(2)項、第8條第2款及第30/2020號行政法規《社會房屋法律制度施行細則》第6條第3款(1)項的規定,對於免除申請人曾為經濟房屋取得人的妨礙性要件的請求,建議不批准,並駁回申請。
      De acordo com a alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º e o n.º 2 do artigo 8.º do Regime jurídico da habitação social, bem como a alínea 1) do n.º 3 do artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020 (Regulamentação do Regime jurídico da habitação social), propõe-se o indeferimento do pedido relativo à dispensa do requisito impediente deste candidato pelo facto de ter sido adquirente de habitação económica, como também o indeferimento da sua candidatura.”
      倘對上述決定不服,根據10月11日第57/99/M號法令核准的《行政程序法典》第148條、第149條及第150條第2款的規定,自收到本通知之日起計15日內,可向運輸工務司司長提起不具中止效力的聲明異議;又或根據12月13日第110/99/M號法令核准的《行政訴訟法典》第25條及經第4/2019號法律重新公布的第9/1999號法律《司法組織綱要法》的規定,自收到本通知之日起計30日內,可向中級法院提起司法上訴。
      專此函達,順頌
台祺!
2021年5月28日於房屋局
      社會房屋處處長
      E

* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(…)
1.
A, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso contencioso cumulando, nos termos do disposto no artigo 44.º do CPAC, as impugnações de dois actos administrativos praticado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, (i) o acto através do qual a Entidade Recorrida decidiu não dispensar o Recorrente da satisfação do disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019 e (ii) o acto praticado pela mesma Entidade que decidiu indeferir a sua candidatura à habitação social, pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso contencioso.
Foram apresentadas alegações facultativas e nelas o Recorrente alegou um novo vício respeitante à notificação daqueles actos que considera inválida.

2.
2.1.
Como dissemos no intróito do presente parecer, o Recorrente cumulou a impugnação de dois actos administrativos que ali melhor identificámos. Tal cumulação, face ao disposto no n.º 1 do artigo 44.º do CPAC, afigura-se-nos admissível face à relação de dependência e de conexão que manifestamente existe entre os actos recorridos e é nesse pressuposto que passamos a emitir o parecer que segue.

2.2.
O Recorrente começou por invocar o vício da incompetência da Entidade Recorrida para a prática do acto de indeferimento da sua candidatura à habitação social.
Parece-nos que, neste ponto, tem razão. Procuraremos justificar.
(i)
Como se sabe, a incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por parte de um órgão de uma pessoa colectiva de um acto que não cabe na sua esfera de competência, mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva.
A incompetência pode revestir diversas modalidades. Fala-se de incompetência absoluta, quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence e de incompetência relativa, quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa. As consequências da verificação da incompetência são diferentes consoante se trate de incompetência absoluta ou de incompetência relativa. No primeiro caso, o acto ferido de incompetência é nulo, nos termos resultantes do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e no segundo, o acto é meramente anulável, tal como decorre do preceituado no artigo 124.º do mesmo diploma legal.
(ii)
Da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020, resulta que a competência para proceder à apreciação das candidaturas à habitação social e para o seu indeferimento cabe ao Instituto de Habitação.
Por sua vez, do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2013 decorre que o Instituto de Habitação «é um instituto público dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio». Quer isto dizer que, embora integre a chamada administração indirecta da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), o Instituto de Habitação tem personalidade jurídica própria e distinta da personalidade jurídica da Região. São, pois, pessoas colectivas de direito público diferentes.
A Entidade Recorrida, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, é um órgão administrativo da RAEM.
Sendo assim, parece-nos, salvo o devido respeito, que, ao praticar o acto de indeferimento da candidatura do Recorrente à habitação social, a Entidade Recorrida, invadiu a esfera das atribuições do Instituto de Habitação, sendo que, ao contrário do que vem defendido na douta contestação, a relação tutelar que, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 17/2013, existe entre a Entidade Recorrida e o Instituto de Habitação, não legitima, como parece da mais elementar evidência, o exercício por parte daquela de competências que são próprias deste e que, de todo, não são reconduzíveis aos poderes de tutela.
Assim, somos modestamente a concluir que o acto recorrido que indeferiu a candidatura do Recorrente à habitação social se encontra ferido de incompetência absoluta, sendo, por isso, face ao disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CPA, nulo.

2.3.
Quanto ao acto através do qual foi decidido não dispensar o Recorrente da satisfação do disposto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019, invocou aquele, essencialmente, o vício de violação do disposto no artigo 86.º do CPA.
A nosso ver, com razão. Procuraremos demonstrar porquê.
(i)
O acto administrativo recorrido foi praticado ao abrigo da norma de competência constante do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019. Aí se preceitua que «o Chefe do Executivo pode dispensar a satisfação do disposto nas alíneas 2) e 3) do número anterior, mas apenas quando o adquirente da habitação económica ou quem obteve a bonificação aí referido comprove que procedeu à venda da fracção devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família, ou quando tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência».
Como é de meridiana clareza, a transcrita norma legal utiliza, do lado da respectiva hipótese, diversos conceitos normativos indeterminados ou imprecisos («problemas de saúde», «dificuldades económicas», «alterações adversas das circunstâncias familiares» e «acentuada diminuição do rendimento familiar», os quais no entanto, não nos parece que sejam daqueles através dos quais o legislador atribui discricionariedade à Administração pois que não remetem para valorações próprias desta) e mais do que isso, implica a formulação de um juízo de causalidade entre o circunstancialismo verificado e a venda da fracção autónoma [«(…)procedeu à venda da fracção devido(…)»: sublinhado nosso] e, do lado da estatuição, concede ao Chefe do Executivo um poder discricionário que resulta da utilização do conector deôntico «pode» e que é, justamente, o poder de dispensar o candidato à habitação social de satisfazer os requisitos a que aludem as alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
(ii)
Sabemos todos que os poderes de fiscalização do tribunal administrativo relativamente à legalidade do exercício do poder discricionário não são plenos contrariamente ao que acontece quando em causa está o controlo do exercício de poderes vinculados. Ao tribunal cabe apenas a sindicância do respeito por parte da Administração dos limites jurídicos ao exercício de tal poder e da observância dos critérios que constituem as condições jurídicas do seu exercício legítimo (seguimos de perto a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, 2020, p. 234).
No que especificamente concerne aos critérios jurídicos do exercício do poder discricionário, a boa doutrina aponta no sentido de que um desses critérios é precisamente o conhecimento integral, exacto e correcto dos elementos de factos que se mostrem pertinentes à boa decisão administrativa (os outros são o exercício adequado do poder de apreciação e a exigência de respeito pelos princípios gerais da actuação administrativa). De acordo com este critério, «o agente administrativo tem, sempre, o dever de identificar e avaliar todas as circunstâncias e elementos relevantes ou pertinentes para se colocar em posição de exercer o seu poder discricionário» (assim, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 243) em obediência ao princípio segundo o qual o exercício desse poder tem de assentar no conhecimento correcto das circunstâncias de facto (assim, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, 2016, p. 135).
Em rigor, o que está em causa é o efectivo exercício do poder de apreciação que a lei defere à Administração pois que isso implica como sua condição necessária «a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação em causa» (para usarmos a sugestiva formulação do Tribunal Geral da União Europeia, no seu acórdão de 14.12.2018, processo T-750/16, FV vs. Conselho da União Europeia, disponível online em www.curia.europa.eu).
É isto mesmo que é imposto pela norma do n.º 1 do artigo 86.º do CPA: «O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito», a qual, não sendo privativa das decisões proferidas no exercício de poderes discricionários, adquire aí uma importância fundamental e decisiva para um correcto exercício de tais poderes (continuamos a acompanhar a lição de PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual…, p. 244).
Desta norma resulta que, no procedimento administrativo, ao contrário do sucede nos processos judiciais, não vigora o princípio dispositivo. Pelo contrário, rege o princípio do inquisitório.
No mesmo sentido, aliás, aponto o disposto no artigo 59.º do CPA, de acordo com o qual, «os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução (…)», sendo de interpretar o poder a que se refere o transcrito inciso legal como um verdadeiro poder-dever. Irreleva, pois, que a iniciativa procedimental tenha sido do particular. Mesmo aí, a Administração não deixa de estar legalmente vinculada ao esclarecimento tão exaustivo quanto possível dos pressupostos de facto da decisão, de tal modo que insuficiência na instrução, na medida em que possa reflectir-se na insuficiência da base factual indispensável à justa e legal decisão do procedimento, em especial a um adequado exercício do poder discricionário, não pode deixar de se repercutir de modo invalidante nessa decisão.
Se é certo que a norma do artigo 87.º, n.º 1 do CPA estatui, na sua primeira parte, no sentido de caber aos interessados provar os factos que tenham alegado, não o é menos que, isso não prejudica o dever cometido ao órgão competente de averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa decisão do procedimento. O que significa que, em bom rigor, mesmo nos procedimentos que sejam da iniciativa dos particulares, o dever de prova recai sobre a Administração. Como salienta a boa doutrina «o princípio do inquisitório determina a obrigação, para o órgão administrativo, de proceder a todas as investigações que repute necessárias para encontrar as bases da sua decisão, não podendo, portanto, a Administração – salvo se tiver procedido a todas as diligências possíveis e razoáveis – refugiar-se na falta de cumprimento do ónus da prova, que sobre o interessado impenda, para dar um eventual conteúdo desfavorável à decisão» (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 423 e, no mesmo sentido, ANTÓNIO POLÍBIO HRENRIQUES, in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, 2016, p. 245).
Dever de prova ou iniciativa de prova não deve confundir-se com ónus da prova. Como sabemos, o ónus da prova constitui, essencialmente, um critério de decisão destinado a permitir ultrapassar situações de falta de prova ou de dúvida quanto à realidade de determinado facto, transformando uma situação de non liquet numa situação de liquet contra a parte onerada. Em todo o caso, o critério do ónus da prova apenas deve intervir quando as vias probatórias possíveis estiverem esgotadas.
(iii)
No caso em apreço, o que está em causa é saber se a Administração incorreu em violação do falado princípio do inquisitório resultando do disposto no citado artigo 59.º e no n.º 1 do artigo 86.º do CPA no procedimento desencadeado pelo Recorrente tendo em vista a dispensa do requisito impediente a que se alude na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
Como já antes dissemos, cremos que sim.
Apesar de a letra da norma do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019 poder inculcar que é ao interessado que cabe a comprovação das razões pelas quais vendeu a fracção autónoma adquirida no regime da habitação económica, a verdade é que assim não, podendo antes dizer-se que essa disposição em nada se afasta do regime geral já decorrente do artigo 87.º, n.º 1 do CPA.
Aliás, a formulação da norma, salvo o devido respeito, não é propriamente um modelo de perfeição legística. A referência que nela é feita à comprovação das razões da venda é obviamente redundante. Na verdade, verificando-se as razões justificativas da venda tipificadas na lei o Chefe do Executivo fica em condições de exercer a competência discricionária que a lei lhe defere, sendo certo, como parece evidente, que a conclusão da ocorrência das razões depende, como não pode deixar de ser, da prova dos factos susceptíveis de integrar os conceitos indeterminados justificativos da venda da fracção autónoma. A prova é de factos, não é de conceitos jurídicos indeterminados, ao contrário do que a lei, indevidamente, parece indicar.
Seja como for, o que importa sublinhar é que, apesar de se tratar de um procedimento da iniciativa do particular, como antes vimos, a Administração não podia refugiar-se num inexistente dever de prova a cargo daquele para, confortavelmente, se abster de proceder às diligências necessárias ao completo esclarecimento da base factual indispensável à prolação de uma decisão justa e ao exercício correcto do poder discricionário.
Ora, no caso, em nosso modesto entendimento e com todo o respeito, estamos em crer que a Administração não desenvolveu o indispensável esforço instrutório no sentido de apurar os factos alegados pelo Recorrente e eventualmente outros susceptíveis de integrarem os pressupostos da contidos na hipótese da norma do n.º 2 do artigo 8.º da Lei 17/2019, para, à sua luz, proferir a decisão discricionária que legalmente se impunha, nomeadamente, se o Recorrente, vendeu a casa devido a problemas de saúde ou dificuldades económicas tal como foi por ele alegado.
Mais. Parece-nos seguro que o Recorrente é uma pessoa que, além de problemas de saúde, tem baixa instrução escolar e, além disso, dado o muito tempo decorrido sobre os factos (cerca de 16 anos), estes são de verdadeira probatio diabolica. Daí que, a nosso ver, com maior flagrância se impunha um esforço inquisitório por parte da Administração no sentido de procurar auxiliar o Recorrente relativamente às concretas diligências que ela considerava relevantes e que podiam resultar num cabal esclarecimento da situação fáctica (não desconhecemos que, em determinas situações, existe um «monopólio da prova do próprio interessado» por só ele a poder fazer, dado a mesma concernir a pressupostos de factos atinentes a circunstâncias pessoais de que a lei faz depender a concessão de uma posição jurídica vantajosa: neste sentido, veja-se MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 423. No entanto, mesmo aí não deixa a Administração de ter o dever de convidar o interessado a fazer essa prova, nisso se esgotando o cumprimento do dever do inquisitório).
Não se nos afigura suficiente, nesta perspectiva, o simples convite/notificação ao particular para juntar mais prova em razão da considerada insuficiência da anterior. Impunha-se, ao invés, neste concreto contexto, que a Administração procedesse, ela própria, às diligências que estivessem ao seu alcance e que identificasse especificamente aquelas que apenas o Recorrente pudesse efectuar, como por exemplo, a indicação de testemunhas que tivessem conhecimento da situação, a junção de extractos bancários ou de recibos de rendas.
A Administração, com o devido respeito, errou ao confundir ónus de prova com dever de prova e iniciativa de prova. Como antes dissemos, aquele só intervém como critério de decisão após a exaustão dos meios de prova possíveis, não podendo ser invocado para justificar uma posição de inércia em sede probatória.
Se, depois de esgotadas as diligências instrutórias possíveis, ainda persistir a dúvida quanto à prova dos factos que integram a hipótese da norma, aí sim, por intervenção das regras do ónus da prova, a decisão deverá ser desfavorável ao Recorrente.
É que, e com isto terminamos, também quando exerce o poder discricionário previsto no n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009, a Administração actua, como sempre o faz, na prossecução do interesse público (embora, no caso, a satisfação do interesse público a resulte de uma prestação a favor de um particular). Em todo o caso, é do interesse público providenciar àqueles que se encontrem numa inultrapassável situação de carência económica ou financeira uma habitação com um mínimo de dignidade. Donde, porque da prossecução desse interesse público se trata, não nos parece que a Administração possa legalmente assumir, em especial no decurso do procedimento, uma atitude puramente passiva que empurre para o particular todas as «despesas» da prova como se, no caso, apenas confluísse o seu interesse, para, a final, decidir de acordo com um entendimento erróneo do que sejam as regras do ónus da prova.
Deste modo, cremos ter demonstrado a nossa asserção inicial no sentido de que a Administração incorreu na ilegalidade invalidante do acto recorrido que o Recorrente lhe apontou.

2.4.
Uma última nota para nos referirmos à alegação que o Recorrente levou à conclusão n.º 15 das suas alegações facultativas.
Invocou ali o Recorrente um novo vício de incompetência por entender que a notificação do despacho da Entidade Recorrida foi assinada pelo Chefe da Divisão da Habitação Social.
São evidentes, a nosso ver, a inadmissibilidade da alegação e a improcedência do referido vício.
Inadmissibilidade da alegação, porquanto de acordo com o n.º 3 do artigo 68.º do CPAC, o recorrente apenas pode alegar novos fundamentos do seu pedido se o seu conhecimento tiver sido superveniente, o que, no caso, de todo, não sucede.
Improcedência do vício, dado que o mesmo se reporta à notificação e esta, como se sabe, é exterior ao acto notificado, pelo que os vícios que eventualmente a afectem não se repercutem na legalidade daquele.
Deste modo, sem necessidade de outras considerações que sempre seriam ociosas, cremos que o Tribunal se deve abster de conhecer o novo vício invocado em contravenção ao disposto no n.º 3 do artigo 68.º do CPAC em sede de alegações facultativas ou, caso assim se não entenda, deve julgá-lo improcedente.
3. Pelo exposto,
a) Deve ser julgada procedente a impugnação do acto de indeferimento da candidatura à habitação social com a consequente declaração de nulidade do mesmo;
b) Deve ser julgada procedente a impugnação do acto de indeferimento da dispensa do requisito impediente previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita, da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida enferma dos vícios imputados e como tal é de conceder provimento ao recurso contencioso, declarando-se a nulidade do acto acima indicado.
Uma nota final: no processo nº 609/2021, datado de 10/03/2022, em que foi decidida uma situação semelhante, só que, bem vistas as coisas, é de reparar-se algumas diferenças significativas, pois naquele processo o Recorrente não cumpriu cabalmente o ónus de prova sobre os factos por ele alegados, enquanto neste, o Recorrente o cumpriu, só que a Entidade Recorrida não apresentou factos suficientes para mostrar que cumpriu o seu dever de investigação em vários domínios: saber se o Recorrente tem ou não outro imóvel junto da competente conservadora, a sua situação financeira (principalmente os seus rendimento) mediante as informações a fornecer pelas instituições bancárias. Ou seja, a maioria das informações pode ser requisitada junto das repartições pública, e tais são elementos importantes e necessários para boa decisão por parte do órgão competente.
Síntese conclusiva:
I - O n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019, preceitua que “o Chefe do Executivo pode dispensar a satisfação do disposto nas alíneas 2) e 3) do número anterior, mas apenas quando o adquirente da habitação económica ou quem obteve a bonificação aí referido comprove que procedeu à venda da fracção devido a problemas de saúde, dificuldades económicas, alterações adversas das circunstâncias familiares e acentuada diminuição do rendimento da família, ou quando tenha sido efectuada venda judicial da habitação para pagamento do empréstimo concedido pela entidade bancária, devido a situação de insolvência”, norma esta que concede ao Chefe do Executivo um poder discricionário que resulta da utilização do conector deôntico «pode» e que é, justamente, o poder de dispensar o candidato à habitação social de satisfazer os requisitos a que aludem as alíneas 2) e 3) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019.
II – Nesta matéria, é de frisar que os poderes de fiscalização do tribunal administrativo relativamente à legalidade do exercício do poder discricionário não são plenos contrariamente ao que acontece quando em causa está o controlo do exercício de poderes vinculados. Ao tribunal cabe apenas a sindicância do respeito por parte da Administração dos limites jurídicos ao exercício de tal poder e da observância dos critérios que constituem as condições jurídicas do seu exercício legítimo.
III – A norma do n.º 1 do artigo 86.º do CPA manda que “ O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito…”, por outro lado, o artigo 59.º do CPA estipula que “os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução (…)”, irreleva, pois, que a iniciativa procedimental tenha sido do particular. Mesmo aí, a Administração não deixa de estar legalmente vinculada ao esclarecimento tão exaustivo quanto possível dos pressupostos de facto da decisão, de tal modo que insuficiência na instrução, na medida em que possa reflectir-se na insuficiência da base factual indispensável à justa e legal decisão do procedimento, em especial a um adequado exercício do poder discricionário, não pode deixar de se repercutir de modo invalidante nessa decisão.
IV - Apesar de se tratar de um procedimento da iniciativa do particular, a Administração não podia refugiar-se num inexistente dever de prova a cargo daquele para, confortavelmente, se abster de proceder às diligências necessárias ao completo esclarecimento da base factual indispensável à prolação de uma decisão justa e ao exercício correcto do poder discricionário, no caso, como a Administração não desenvolveu o indispensável esforço instrutório no sentido de apurar os factos alegados pelo Recorrente e eventualmente outros susceptíveis de integrarem os pressupostos da contidos na hipótese da norma do n.º 2 do artigo 8.º da Lei 17/2019, para, à sua luz, proferir a decisão discricionária que legalmente se impunha, nomeadamente, se o Recorrente, vendeu a casa devido a problemas de saúde ou dificuldades económicas tal como foi por ele alegado, cometeu ilegalidade invalidante do acto recorrido que o Recorrente lhe aponto, o que constitui razão bastante para anular a decisão ora posta em crise.
*

Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em:
1) – Julgar procedente a impugnação do acto de indeferimento da candidatura à habitação social com a consequente declaração de nulidade do mesmo.
*
2) – Julgar procedente a impugnação do acto de indeferimento da dispensa do requisito impediente previsto na alínea 2) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2019, anulando-se o respectivo acto.
*

Sem custas por isenção subjectiva.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 12 de Maio de 2022.
_________________________ _________________________
Fong Man Chong Mai Man Ieng
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Tong Hio Fong
(voto a decisão só com fundamento na incompetência absoluta)

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