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Proc. nº 984/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 12 de Maio de 2022

ASSUNTOS:
- Imposto Complementar de Rendimentos
- Audiência prévia
- Indemnização por lucros cessantes
- Princípio da especialidade de exercícios
- Artº 774º, nº 1 do CCM

SUMÁRIO:
- No actual ordenamento jurídico de Macau, não assiste aos contribuintes o direito à audiência prévia na fixação de rendimento colectável, e a Comissão de Fixação não fica obrigada a proceder à audiência antes da fixação do rendimento colectável.
- Não obstante ter sido eliminado o nº 3 do artº 20º do RICR pela Lei nº 4/90/M, nos termos do qual “São ainda havidos como proveitos ou ganhos as indemnizações que, de algum modo, representam compensações dos que deixarem de ser obtidos”, as indemnizações por lucros cessantes constituem rendimento colectável do contribuinte para efeitos do Imposto Complementar de Rendimentos, em virtude de que os proveitos ou ganhos indicados no nº 1 do artº 20º do RICR são meramente exemplificativos.
- O princípio da especialidade de exercícios deve ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, por forma a permitir a imputação a um exercício de lucros e custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.
- A aplicação do nº 1 do artº 774º do CCM este preceito legal pressupõe que o devedor, no momento do pagamento, tem de pagar ao credor, além do capital, as despesas, os juros ou a indemnização em consequência da mora, com obrigação já definida, tanto por via judicial como por acordo das partes.
O Relator,
Ho Wai Neng
















Proc. nº 984/2021
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 12 de Maio de 2022
Recorrentes: A, S.A. (Recorrente)
Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças (Entidade Recorrida)
Recorridas: As mesmas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 19/07/2021, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou parcialmente procedente o recurso apresentado pela Recorrente A, S.A..
Dessa decisão, vêm, quer a Recorrente, quer a Entidade Recorrida, interpor recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Do recurso da Recorrente:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, que decidiu julgar parcialmente improcedente o recurso contencioso que a Recorrente havia interposto da deliberação da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, datada de 18 de Dezembro de 2019, notificada à ora Recorrente no dia 21 de Março de 2019, por Ofício da Direcção dos Serviços de Finanças nº 013/CRIC/2019, de 19 de Março de 2020, na qual tinha sido negado provimento a uma reclamação apresentada pela ora Recorrente, mantendo, para o exercício de 2015 o valor de MOP212,924,567.00 (duzentos e doze milhões, novecentas e vinte e quatro mil e quinhentas e sessenta e sete patacas) como rendimento colectável.
2. O acto em causa nos presentes autos padece de vício de forma por preterição de formalidades essenciais, uma vez que a ora Recorrente não foi ouvida em sede de audiência dos interessados, tal como determina o artigo 93.º, n.º 1 do CPA, e por não se ter tomado em devida conta, na instrução, informações indispensáveis para a decisão do procedimento (a nota justificativa apresentada pela Recorrente com a sua declaração de rendimentos como Anexo 5).
3. O Tribunal a quo concordou que o direito de audiência prévia foi indevidamente preterido, mas negou a anulação do acto, por entender que existia uma convalidação do mesmo, aquando da Reclamação apresentada pela ora Recorrente.
4. O direito de audiência dos interessados resulta do artigo 93.º, n.º 1 do CPA e da necessidade do exame à escrita dos contribuintes do Grupo A, previsto no artigo 40.º, n.º 1, al. a) do RICR, sendo um desenvolvimento estruturante do princípio da participação, expressamente consagrado no artigo 10.º do CPA.
5. O direito de audiência dos interessados visa precisamente permitir aos particulares apresentarem os seus argumentos antes da decisão final ser tomada, assim como prevenir actos inúteis e carecidos de fundamento por parte dos órgãos da Administração e, no caso que aqui tratamos, não foi dada essa possibilidade à ora Recorrente.
6. A apresentação e apreciação de uma reclamação graciosa não tem a virtualidade de sanar o vício de falta de audiência prévia antes da liquidação.
7. O direito a ser ouvido, em sede de audiência prévia, é totalmente distinto do direito de impugnar decisões.
8. Uma coisa é o direito à participação na formação da decisão, outra coisa, completamente distinta, é o direito a impugnar decisões já tomadas, sendo estes direitos que se cumulam, e não que se substituem.
9. A sentença recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 93.º do CPA e 40.º, nº 1, al. a) do RICR, devendo por isso ser a mesma revogada, anulando-se o acto recorrido, nos termos do artigo 124.º do CPA.
10. Uma indemnização (independentemente de ser a título de danos emergentes ou de lucros cessantes) não está abrangida pelo conceito de "proveitos ou ganhos" a que se refere o artigo 20.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, aprovado pela Lei n.º 21/78/M.
11. A tributação de indemnizações já esteve prevista no n.º 3 do artigo 20º do RICR, mas essa norma foi suprimida, com as alterações feitas pela Lei n.º 4/90/M, de 4 de Junho, deixando de vigorar em Macau.
12. Com esta alteração legislativa, resulta claro que o legislador teve a intenção expressa, clara e inequívoca de excluir as indemnizações do conceito de proveitos ou ganhos.
13. Uma coisa é o legislador não conseguir prever na lei todas as circunstâncias possíveis; outra, completamente diferente, é prevê-las e, depois, eliminá-las da lei.
14. A indemnização não constitui ganho operacional nem lucro derivado do exercício de actividade comercial ou industrial da Recorrente (como a Recorrente teve o cuidado de justificar, na sua declaração de rendimentos relativa ao exercício do 2015, através de nota explicativa ali junta como anexo 5).
15. A decisão recorrida baseia-se numa interpretação da lei sem qualquer coincidência com a sua letra, com o seu espírito, e com aquela que foi a intenção inequívoca do legislador, violando-se princípios fundamentais do direito fiscal, designadamente o princípio da legalidade concretizado na tipicidade fiscal ("nullum tributum sine lege").
16. Uma indemnização, independentemente de ser por danos emergentes ou por lucros cessantes, constitui uma reparação de um dano, não constitui um "proveito ou ganho" da sociedade proveniente de "quaisquer transacções ou operações efectuadas".
17. Mais, é preciso não esquecer que, no caso que aqui tratamos, a causadora dos danos que originaram o direito à indemnização é a mesma que agora tenta tributá-los: a RAEM.
18. Entender-se que a indemnização paga é tributável, é permitir-se que a RAEM recupere indirectamente a quantia que foi obrigada a indemnizar à Recorrente.
19. A indemnização recebida só seria tributável se existisse norma específica que previsse a sua tributação (que não existe) em obediência ao princípio da tipicidade e determinação tributária.
20. Também aqui a douta Sentença recorrida incorre num erro de julgamento, em violação dos artigo 20.º do RICR e do o princípio da legalidade concretizado na tipicidade fiscal ("nullum tributum sine lege"), devendo por isso ser revogada, e substituída por outra que, nos termos do artigo 124.º do CPA, anule o acto recorrido.
21. Mesmo que se entenda que uma indemnização por lucros cessantes é enquadrável no conceito de "proveitos ou ganhos" do artigo 20.º do RICR, sempre se terá de aceitar, pelo menos, que esse valor deverá ser repartido pelos anos em que, concretamente, os "lucros cessantes" se verificaram.
22. Quer para efeitos da lei fiscal, quer para efeitos das regras de contabilidade, vigora em Macau o princípio da especialidade de exercícios, e o exercício fiscal decorre entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de cada ano, posto que nunca se legislou sobre a admissibilidade de outros períodos fiscais.
23. A indemnização em causa nos presentes autos foi arbitrada para compensação dos danos sofridos pela Recorrente em onze exercícios diferentes (de 2000 a 2011), como expressamente consta da decisão arbitral junta aos presentes autos (fls. 154 a 210v).
24. O valor total da indemnização que foi arbitrada à ora Recorrente reflecte o somatório de todos esses prejuízos, e não um "proveito" único de um ano fiscal isolado (neste caso o do pagamento efectivo, ou seja, 2015).
25. O Tribunal a quo enfatizou a diferença entre danos emergentes e lucros cessantes, e só entendeu que a indemnização era enquadrável no artigo 20.º do RICR por ser relativa a lucros cessantes.
26. Mesmo que se entenda que a indemnização recebida é enquadrável no artigo 20.º (entendimento com que já atrás discordámos), o valor recebido deve, pelo menos, ser repartido pelos exercícios fiscais dos diversos anos que foram considerados para o total da indemnização.
27. Se a indemnização é relativa aos prejuízos (lucros cessantes) de vários anos, então esse "proveito ou ganho" terá de ser repartido pelos anos correspondentes.
28. Não está em causa um "lucro cessante" do ano de 2015, mas sim lucros cessantes repartidos por um período temporal de 11 anos.
29. É incoerente afirmar-se que a quantia é tributável porque se equipara ao lucro (por estarem em causa lucros cessantes), mas depois não se alocar esse pretenso "lucro" aos diferentes anos correspondentes (11 anos!).
30. A tributação, num só momento, de tais lucros cessantes constitui manifesta violação do princípio da especialidade de exercícios.
31. É de rejeitar o argumento da "inoperabilidade prática" de se reportarem os ganhos como ocorridos nos vários anos sucessivos da vida empresarial, apresentado pelo Tribunal a quo, uma vez que é possível a alteração de rendimentos colectáveis de anos anteriores (aliás, a própria Entidade Recorrida corrigiu oficiosamente o valor do rendimento colectável do exercício de 2015).
32. Se a Recorrida corrigiu oficiosamente o valor do rendimento colectável do exercício de 2015, poderia de igual forma ter corrigido o rendimento colectável dos anos a que os lucros cessantes se referem (cujos valores estão devidamente referidos na própria decisão arbitral, o que facilitaria a tarefa à Recorrida).
33. Englobar-se todo o valor da indemnização no mesmo exercício tem como consequência só poderem ser deduzidos custos de um exercício, o que abala em toda a frente o n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
34. O Tribunal a quo acabou por tomar uma decisão que teve como relevante o momento em que o dinheiro foi efectivamente recebido (2015), mas quando os artigos 19.º e 20.º do RICR falam em proveitos realizados no exercício, tal não quer dizer que sejam efetivamente realizados (através do recebimento efectivo dos "proveitos ou ganhos").
35. A considerar-se que uma indemnização por lucros cessantes é um "proveito ou ganho", esse "proveito ou ganho" realizou-se no ano em que o "lucro" ocorreu, independentemente do momento em que o valor foi efectivamente pago.
36. Se uma indemnização por lucros cessantes se destina a repor uma situação, é o momento da situação a repor que terá de relevar.
37. Se uma indemnização é considerada como "proveito ou ganho" precisamente por se considerar que substitui um lucro, é necessário distribuir esse lucro pelo ano correspondente, repor a situação do lesado tal e qual seria representada, se o evento danoso não tivesse ocorrido (como estipulam as regras da responsabilidade civil).
38. A tributação da indemnização dos lucros cessantes que a Recorrente logrou obter somente em 2015 teria um valor substancialmente distinto e menor caso, em obediência ao princípio da especialidade de exercícios, tivesse podido registar esses lucros em variados anos, imputando a cada um deles os custos decorrentes das suas operações anuais.
39. A Douta sentença recorrida viola por isso, nesta parte, os artigos 19.º, n.º 1 e 20.º do RICR e bem assim o princípio da especialidade de exercícios.
40. O Tribunal a quo decidiu com base no entendimento de que, mesmo que se verificasse que tinha sido violado o princípio da especialização dos exercícios, a sua violação não conduziria à anulação do acto recorrido, pois, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 do RICR, seria sempre possível uma nova fixação da matéria colectável.
41. A possibilidade de proceder a esta liquidação adicional não releva in casu, porque mesmo que se entenda que a Recorrida podia ter procedido a essa alteração, a verdade é que não a fez!
42. Não cabia ao Tribunal a quo decidir com base no que a Administração fiscal podia ter feito, mas sim apreciar da existência de vícios no acto e se se "fez bem" ou se se "fez mal".
43. Ao pugnar-se pela violação, in casu, de violação do princípio da especialidade dos exercícios não se está - como afirma o Tribunal a quo - a obstar à respectiva quantificação.
44. Simplesmente, a quantificação corrigida não seria tarefa do Tribunal a quo, porque o recurso contencioso é um recurso de mera legalidade, e aquilo que se lhe pedia era que anulasse o acto anulável.
45. A possibilidade de anular um acto anulável não é, obviamente, prejudicada pela possibilidade que o artigo 54.º, n.º 1 do RICR dá à Repartição de Finanças de suprir erros mediante liquidação adicional ou anulação: o acto continua a ser anulável se os erros não foram supridos.
46. Entender-se como entendeu o Tribunal a quo é gravemente atentatório do princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois se o Tribunal não pudesse anular actos, em casos como estes em que a lei permite correcções, abria-se a porta a que a um cenário em que a Administração não corrigia os seus erros e os Tribunais não podiam anulá-los.
47. Por tudo o exposto, deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente o vício de violação de lei invocado, e anulado o acto recorrido, pelo menos por esta via da violação do princípio da especialidade dos exercícios.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 326 a 352 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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B. Do recurso da Entidade Recorrida:
1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença de fls. 226 a 245 dos autos, a qual julgou só parcialmente procedente o recurso apresentado pela recorrente com a consequente anulação do acto recorrido na parte respeitante ao valor de MOP$49,738,356.16.
2. A decisão que se impugna procede, em nosso entender, a uma errada interpretação e aplicação e aplicação da lei material aplicável bem como errada apreciação da matéria de facto.
3. Na sequência de decisão arbitral de Dezembro de 2012, foi a RAEM condenada a pagar à então recorrente a quantia de MOP$200,000,000.00, a título de indemnização.
4. Na sua declaração de rendimentos do exercício de 2015, a então contribuinte não declarou a importância indemnizatória por, no seu entendimento, a mesma não se encontrar sujeita a tributação.
5. Foi o rendimento colectável da contribuinte corrigido oficiosamente e fixado em MOP$212,924,567.00, com a liquidação efectuada em 2019.
6. Inconformada a contribuinte recorreu contenciosamente - Abril de 2020 - sendo a decisão que sobre esse recurso recaiu, a sentença ora em crise.
7. Os vícios imputados à decisão da CRIC - pela então recorrente - foram todos considerados pela decisão recorrida como improcedentes, o que obtém a anuência da ora recorrente.
8. Com a excepção da parcela relativa aos juros moratórios no quantitativo de MOP$49,738,356.16, que a decisão a quo considera não sujeita a tributação.
9. Decisão com a qual a ora recorrente discorda, dado que o problema posiciona-se a montante, pelo facto da ora recorrida não ter legitimidade para a imputação de juros de mora a parte do capital recebido, como fez.
10. A decisão arbitral não determina prazo para pagamento da importância indemnizatória bem como não convencionou juros moratórios a serem contabilizados num eventual atraso no cumprimento da obrigação pecuniária.
11. Não foi a RAEM interpelada para o cumprimento da obrigação determinada pela decisão arbitral.
12. Dado que o pagamento do quantum indemnizatório não tinha prazo certo, o momento de constituição em mora só se dá (artigo 794.º do CCM) depois do devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado a cumprir, a menos que seja o próprio devedor a impedir interpelação, sendo que tal não ocorreu.
13. Pelo que o pagamento da indemnização carece de interpelação.
14. Por determinação legal as decisões do Tribunal Arbitral têm a mesma força executiva que as sentenças do Tribunal Judicial de Base.
15. Atribuindo à decisão arbitral força de título executivo carece o mesmo de força executiva relativamente aos juros moratórios dado que não foram convencionados nem figuram no documento que serve de título executivo.
16. A existência da dívida acessória requer a formação de juízo de valor sobre a verificação da mora, o que não pode dispensar o recurso a uma acção declarativa para averiguar se o devedor efectivamente se constituiu em mora ou se a mora lhe é imputável.
17. Se a então recorrente pretendia ser compensada dos prejuízos causados pela mora resultante do cumprimento da indemnização arbitrada, devia e poderia demandar a RAEM em acção declarativa de condenação, alegando provar os factos demonstrativos da mora imputável à entidade devedora.
18. Não decorrendo do teor do próprio documento em causa (decisão arbitral) nem resultando da presunção da lei, a mora, imputável ao devedor e justificativa da indemnização mediante pagamento de juros de mora à taxa legal, carece sempre de ser demonstrada em sede de uma acção declarativa.
19. Seria a acção declarativa que liquidaria os juros de mora e a citação representava uma forma de interpelação (judicial) conducente ao vencimento da obrigação pecuniária.
20. Justamente um dos efeitos da citação é a constituição em mora do devedor (conforme estabelece o n.º 1 do artigo 794.º do CCM).
21. Não havendo qualquer prova de interpelação, para cálculo de eventuais juros de mora, não deverá ser considerada tal obrigação.
22. Pelas razões aduzidas, sempre se dirá ter a ora recorrida falta de legitimidade, sobrepondo-se às autoridades judiciais ao imputar parte do capital recebido - a título de indemnização - a juros moratórios.
23. Porque o que está em causa - e com o devido respeito a sentença recorrida aí falha - não é a tributação dos juros de mora em sede de ICR, mas sim a imputação pela então recorrente de parte do capital a juros de mora com a anuência do Tribunal a quo.
24. E não se diga que: "foi imputado pela Recorrente ao pagamento efectuado em 7/8/2015 o montante dos juros vencidos posterior ao trânsito em julgado da decisão arbitral. E fora da dúvida, ela pode assim agir, no uso da faculdade conferida pela dita normal legal, o que nem foi posto em causa pela Administração fiscal", como pode ler-se a dado passo na sentença ora em crise. (negrito nosso)
25. Em sua defesa, sempre dirá a ora recorrente, que o recurso a quo não era a sede própria para arguir argumentos sobre a questão dos juros de mora, já que o que estava em causa era a tributação, em sede de ICR, do acréscimo patrimonial - da então contribuinte - consubstanciado na indemnização recebida na sequência da decisão arbitral.
26. Nem tão pouco quando, através do despacho de fls. 211 dos autos, foi solicitado à então recorrente que justificasse a forma de contabilização dos juros de mora peticionados no artigo 13.º da p.i., a ora recorrente se pronunciou porque o que o Tribunal pretendia esclarecido era tão-somente a fórmula usada pela recorrente para o montante de juros peticionado.
27. Bem andou a Administração fiscal ao tributar o capital (MOP$200,000,000.00) por considerar esse montante - todo ele - como um acréscimo patrimonial do acervo da contribuinte.
28. Ao não ter assim decidido, fez o Tribunal recorrido errada interpretação e aplicação da lei material aplicável - artigos 774.º, 794.º e 795.º todos do CCM - bem como errada apreciação da matéria de facto por considerar a existência de juros moratórios, sendo que da decisão arbitral não constam nem prazo para cumprimento da obrigação nem tão pouco juros de mora em caso de atraso no cumprimento.
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A Recorrente respondeu à motivação do recurso da Entidade Recorrida nos termos constantes a fls. 303 a 322 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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O Mº Pº emitiu o parecer no mesmo sentido.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
➢ Por decisão arbitral proferida em 18/12/2012, foi condenada à Região Administrativa Especial de Macau a pagar à Recorrente uma indemnização no valor de MOP200,000,000.00 (cfr. a certidão do acórdão junto a fls. 153 a 210v dos autos).
➢ Em 07/08/2015, a Região Administrativa Especial de Macau procedeu ao pagamento da quantia condenada, através da Direcção dos Serviços de Finanças.
➢ Em 04/07/2016, a ora Recorrente apresentou a declaração de rendimentos do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo “A”, modelo M/1, para efeitos de fixação do imposto complementar de rendimentos referente ao exercício de 2015 (conforme consta de fls. 10 a 43 do P.A.).
➢ Nessa declaração, a Recorrente consignou que teve um lucro tributável no montante de MOP12,924,567.00 (ibid.).
➢ Em 23/04/2019, a Administração Fiscal fixou o rendimento colectável no valor de MOP212,924,567.00, e em 14/05/2019, foi emitida a notificação da fixação de rendimento (conforme consta de fls. 44 e 74 do P.A.).
➢ Em 09/05/2019, foi efectuada a liquidação do imposto pelo Director dos Serviços de Finanças, e foi posteriormente emitido à Recorrente o mandado de notificação em 20/04/2020 (conforme consta de fls. 72 e 85 do P.A.).
➢ Em 13/06/2019, a Recorrente reclamou contra a fixação da matéria colectável junto da Recorrida (conforme consta de fls. 54 a 65 do P.A.).
➢ Em 18/12/2019, a Recorrida deliberou negar provimento à reclamação apresentada pela Recorrente, mantendo para o exercício de 2015 o rendimento colectável de MOP212,924,567.00, com o teor da fundamentação que se transcreve no seguinte:
“Analisada a reclamação interposta pela contribuinte acima mencionada, a Comissão de Revisão deliberou:
1- A contribuinte apresentou uma reclamação contra o Governo de Macau devido à insuficiência na protecção dos interesses da entidade na concessão do serviço exclusivo e na sentença o Tribunal decidiu que o Governo tinha de pagar uma indemnização de MOP$200.000.000, a qual foi recebida no exercício em causa. A contribuinte considera que a “verba indemnizada pelo governo” não devia estar sujeita a imposto complementar de rendimentos, por isso deduziu por sua iniciativa o valor em causa, indicado no quadro 11 da declaração dos rendimentos M/1. Contrariamente, a administração fiscal considera que a “verba indemnizada pelo governo” deve estar sujeita a imposto complementar de rendimentos, portanto, a dedução não é permitida e esta verba deve ser tributada;
2- Nos termos dos artigos 3.º e 20.º do “Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, a “verba indemnizada pelo governo” acima mencionada pertence à incidência e ao âmbito do imposto complementar de rendimentos. A contribuinte considera que de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do “Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos”, a receita em causa não constitui “rendimentos da actividade comercial ou industrial”, nem ganho operacional derivado da exploração normal das actividades, logo, acredita que não deve ser sujeita a tributação, neste ponto discordamos. De acordo com o estipulado no artigo 20.º do “RICR”: “1. Para efeitos de determinação do lucro tributável, consideram-se proveitos ou ganhos realizados do exercício os provenientes de quaisquer transacções ou operações efectuadas pelos contribuintes, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, ...”, deste modo, apesar de a receita não ser derivada do exercício da exploração normal e sim derivada de forma ocasional, logo, está incluída na incidência e âmbito do imposto;
3- A contribuinte ganhou e pela sentença do Tribunal foi-lhe concedida a indemnização por parte do Governo devido à “insuficiência na protecção dos interesses da entidade da concessão do serviço exclusivo”; por outras palavras, a indemnização é baseada nos danos causados por terem sido infringidos os direitos de concessão (direito de uso e de concessão) e foi-lhe indemnizado um valor correspondente. E esse valor correspondente foi apurado considerando os “rendimentos da actividade comercial ou industrial” (o resultado de um acto);
4- A contribuinte apresentou o seu argumento explicando que : “ ...Não constituindo elas um ganho operacional, para os efeitos desses artigos, só seriam tributáveis se existisse norma específica que previsse a sua tributação... ”. Pelo contrário, de acordo com os termos do artigo 9.º do “RICR”, elas não estão incluídas no âmbito de quaisquer isenções fiscais, desta forma, estão sujeitas à incidência e âmbito da tributação;
5- A saber, na concepção de rendimento no âmbito do Direito Tributário, este resulta da exploração da actividade da empresa, que permite o aumento dos interesses dos seus proprietários e corresponde ao influxo total dos beneficios económicos, que não estão relacionados com o capital inicial investido.
   Pelo acima descrito, a Comissão deliberou no sentido de negar provimento à reclamação, mantendo para o exercício de 2015 de MOP$212.924.567,00 (Duzentas e doze milhões, novecentas e vinte e quatro mil e quinhentas e sessenta e sete patacas) como rendimento colectável.
   Ao abrigo do artigo 47.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos (RICR), a Comissão deliberou ainda aplicar o agravamento de 0.006% sobre a colecta de MOP$23,999,999,00.
   Nos termos do artigo 68.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, informa-se que da deliberação de Comissão de Revisão, cabe recurso contencioso de anulação – n.º 2 do artigo 80.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos.
   O recurso acima referenciado é interposto para o Tribunal Administrativo – artigo 82.º do mesmo diploma.
   O prazo para a interposição do recurso é de 45 dias contados da notificação – artigo 7.º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto.
   Desta deliberação cabe, ainda, reclamação graciosa, nos termos do artigo 76.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, a dirigir a esta Comissão de Revisão, no prazo de 15 dias, conforme o disposto no artigo 77.º do mesmo Regulamento.” (conforme consta de fls. 75v a 76 do P.A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
➢ Em 29/04/2020, a Recorrente interpôs o recurso contencioso fiscal.
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III – Fundamentação
A) Do recurso jurisdicional da Recorrente (A, S.A.):
Sobre as questões suscitadas no recurso jurisdicional supra em referencia, o Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
    “…
   Da sentença em questão pela qual o MMº Juiz a quo julgou parcialmente procedente o recurso contencioso, a recorrente contenciosa «A, S.A.» e a Comissão de Revisão do imposto complementar de rendimentos interpuseram recurso jurisdicional.
   Ensina a brilhante jurisprudência (a título exemplificativo, vide. Acórdão do TSI no Processo n.º98/2012 e, no direito comparado, cfr. acórdão do STA de 23/06/1999 no Processo n.º039125): A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas que funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento.
   Em esteira, vamos analisar, apenas e sucessivamente os três erros de julgamento invocados pela «A, S.A.» e, afinal, os argumentos da Comissão de Revisão.
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1. Do assacado erro de julgamento quanto à audiência
   Ora, a «A, S.A.» não concorda com a posição (do MM.º Juiz a quo) relativa à audiência, no sentido de que pese embora se verifique no vertente caso, a indevida preterição da audiência não opera efeito invalidante, em virtude de convalidação do acto primário.
   1.1. A nosso ver, é sem sombra de dúvida que o RICR não prevê a audiência de contribuintes – não se divisa norma alguma que estabeleça a prévia audiência. Pois, os arts.40.º e 41.º do RICR impõem, respectivamente e tão-só, o exame à escrita e a fundamentação. E os regulamentos dos demais impostos e contribuições também não consagram a audiência.
   Por sua vez, o art.43.º deste diploma legal dispõe imperativamente que o rendimento colectável já fixado tem de estar patente, no prazo igual ao da Reclamação, ao exame do respectivo contribuinte. E os n.º2 e n.º3 deste art.43.º disciplinam, de molde cauteloso e meritório, a divulgação e notificação do rendimento colectável apurado.
   Tudo isto aconselha-nos a entender que a garantia graciosa de contribuintes se concentra, consoante a competência para fixação da matéria colectável seja legalmente atribuída à Comissão de Fixação ou ao Director da DSF, na Reclamação junto da Comissão de Revisão ou no recurso hierárquico necessário para Chefe do Executivo (art.2.º, n.º3 da Lei n.º12/2003).
   Importa realçar que destinada à clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal, a Lei n.º15/96/M não prevê a audiência de contribuintes, e são-no ainda as Leis n.º16/96/M (aprovação do Regulamento de Imposto de Turismo), n.º4/99/M (aprovação do Regulamento de Imposto de Consumo), n.º8/2001 (criação do imposto de selo sobre transmissão de bens entre vivos), n.º5/2002 (aprovação do Regulamento de Imposto sobre Veículos Motorizados), bem como n.º12/2003 (alteração do Regulamento do Imposto Profissional e o Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos). Todas estas seis Leis ficam cronologicamente posteriores ao D.L. n.º35/94/M que aprovou o primeiro Código do Procedimento Administrativo de Macau.
   Nestes termos, e ressalvado o merecido e, aliás, elevado respeito pela judiciosa explanação do MM.º Juiz a quo sobre a evolução do regime jurídico positivado respeitante à audiência no procedimento administrativo, afigura-se-nos que a época arcaica na qual foi aprovado o RICR não implica que a omissão (neste diploma legal) da consagração expressa da audiência prévia constitua uma lacuna ou imperfeição contrária ao plano normativo, mas sim uma omissão querida pelo próprio legislador. E por isso, não acompanhamos a douta conclusão do MM.º Juiz a quo, no sentido de que “……, na falta das normas especiais que assegurem o direito de audiência prévia, a aplicação supletiva das regras gerais contidas no CPA será a única solução mais ajustada que aqui se imponha.”
   Em reforço, somos legitimados a invocar a jurisprudência praticamente uniforme (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º326/2020, n.º505/2020, n.º74/2021 e n.º109/2021), segundo a qual o prazo de 5 anos prescrito no n.º1 do art.55.º do RIRC tem, na verdade, a natureza de caducidade insusceptível de suspensão e de interrupção. Tal prazo exige a celeridade do procedimento tributário.
   Concluindo, inclinamos a colher que no actual ordenamento jurídico de Macau, não assiste aos contribuintes o direito à audiência prévia, e a Comissão de Fixação não fica obrigada a proceder à audiência antes da fixação do rendimento colectável. Daí que a falta da audiência da «A, S.A.» não é ilegal, nem invalida o acto do 1º grau.
   Nesta linha, não somos levados a concluir que é errada a posição do MM.º Juiz a quo traduzida em defender a “aplicação supletiva das regras gerais contidas no CPA” respeitantes à audiência, todavia, tal erro não abona, mas frustra mais intensivamente o que pretende a «A, S.A.» no seu recurso jurisdicional. Com efeito, parece-nos que é incuravelmente descabida a sua tese de que a deliberação impugnada no recurso contencioso padece do vício de forma por preterição de formalidades essenciais, uma vez que ela não foi ouvida em sede da audiência imposta pelo art.93.º do CPA (conclusão II das alegações de fls.253 a 285 dos autos).
   Sem prejuízo do que até aqui se expôs, e por mera cautela, vamos examinar concretamente o caso sub judice, a fim de se apurar se o Fisco tiver ficado obrigada a observar a formalidade prevista no n.º1 do art.40.º do RIRC? e se seria necessária a audiência prévia da «A, S. A.» na hipótese de haver lugar à aplicação supletiva do art.93.º do CPA?
   1.2. Nos termos do preceito no n.º1 do art.40.º do RIRC, o exame à escrita tem como pressuposto que se verifica a falta ou insuficiência de declarações não suprida pelos esclarecimentos prestados pelos contribuintes e seus contabilistas ou auditores, ou ainda os resultados do exercício que, apesar dos esclarecimentos prestados pelos contribuintes e seus contabilistas ou auditores, não se revelem suficientemente justificados.
   Subscrevemos a sensata jurisprudência que inculca (vide Acórdão do TSI no Processo n.º281/2013): A realização da audiência de interessados só se imporá se, apresentado o pedido à Administração, ele tiver tido um desenvolvimento tramitacional com vista à recolha de elementos indispensáveis à decisão. Nisso consiste a instrução de que fala o art.93º do CPA. Pois bem, temos por certo que só deve haver lugar à audiência de interessados no caso de ter havido instrução nos termos do nº1 do art.93º do CPA (cfr Acórdão do TSI no Processo n.º620/2010); o que equivale a dizer que não há lugar a audiência de interessados se não houver instrução (vide Acórdão do TSI no Processo n.º841/2015).
   No caso sub judice, não há mínima dúvida de que a Administração Fiscal não corrigiu nem sequer descreu o quantum de qualquer verba declarada pela «A, S.A.». Na verdade, a Administração Fiscal acredita e aceita a suficiência e exactidão do sobredito quantum. Daí flui que a Administração Fiscal não necessitou de realizar o exame à escrita da «A, S.A.», portanto, não faz sentido que esta invocasse a violação da formalidade prescrita no n.º1 do art.40.º do RIRC.
   Ora bem, o que a Administração Fiscal efectuou consiste em, tão-só, alterar a qualificação jurídica da verba no valor de MOP$200.000.000 declarada em nome da indemnização a deduzir da matéria colectável (cfr. fls.43 verso do P.A.), entendendo a Administração Fiscal que a referida verba devia ser equacionada no rendimento colectável (cfr. fls.44 verso do P.A.). Daqui decorre que antes da fixação do rendimento colectável, ela não fez nem precisou de fazer instrução. A inexistência e desnecessidade da instrução reforçam a nossa modesta opinião de que não é obrigatória a audiência prévia da «A, S.A.», deste modo, a omissão da audiência prévia não germina indevida preterição da formalidade essencial.
   1.3. Tudo isto conduz-nos a inferir tranquilamente que a sentença in quaestio não enferma da indevida falta de formalidades essenciais, por isso, é decerto infundado o pedido de se revogar essa sentença e anular a deliberação (da Comissão de Revisão) contenciosamente recorrida.
   Em boa verdade, o sobredito erro de direito que cometeu o MM.º Juiz a quo ao proclamar a aplicação supletiva do art.93.º do CPA nos procedimentos tributários é irrelevante e insignificante, na medida em que tal erro não é fundamento da parcial anulação da deliberação supra referida.
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2. Da arguida violação do art.20.º do RIRC
   O n.º2 do art.106.º da Lei Básica evidencia concludentemente que o ordenamento jurídico-fiscal da RAEM se rege pelo princípio da legalidade estrita, no sentido de que só as leis formais emanadas da Assembleia Legislativa podem definir elementos essenciais do sistema fiscal. O que impõe indagar se a indemnização recebida pela «A, S.A.» puder ser enquadrada no alcance do art.20.º do RIRC?
   Para os devidos efeitos, convém realçar que a redacção original do art.20.º do RIRC tinha o n.º3 que estabelecia categoricamente: São ainda havidos como proveitos ou ganhos as indemnizações que, de algum modo, representam compensações dos que deixarem de ser obtidos.
   Sucede que este n.º3 foi suprimida pela Lei n.º4/90/M que declara ter por objectivo a “melhoria significativa do tratamento dado a determinadas situações tributárias” e a “uma melhor articulação entre o imposto profissional e o imposto complementar de rendimentos.” E proclama com clareza o preâmbulo desta Lei: No que se refere ao Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, isenta-se deste imposto o rendimento global das pessoas singulares quando constituído exclusivamente por rendimentos do trabalho, reformulam-se algumas das deduções à matéria colectável e estabelece-se uma nova forma de liquidação de rendimentos parcialmente isentos. Vê-se que o legislador não fornece a enuncia e explanação expressas quanto à ratio que presidiu a supressão do anterior n.º3 do art.20.º do RIRC.
   Note-se que os arts.6.º e 9.º do RIRC na redacção introduzida pelo art.3.º da Lei n.º4/90/M não aludem a indemnização. Nestes termos e na medida em que tanto a isenção como a dedução carecem da consagração expressa, inclinamos a extrair que a supressão do dito n.º3 não tem, sem razoável dúvida, propósito ou virtude de alargar uma e outra.
   Bem, as boas doutrinas respeitantes aos n.º1 do art.558.º do C. Civil de Macau e n.º1 do art.564.º do C. Civil de Portugal vêm pacificamente inculcando que distinto do dano emergente, o dano na espécie de “lucro cessante” consiste, no fundo e por natureza, no benefício que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (João Gil de Oliveira, José Cândido de Pinho: Código Civil de Macau Anotado e Comentado, CFJJ 2020, Vol. III, p.112).
   Em esteira e à luz do n.º3 do art.8.º do C. Civil, a redacção do dito n.º3 leva-nos a inferir que neste comando legal, o legislador contempla apenas a indemnização por lucro cessante que, em boa verdade, representa o posterior e equivalente pagamento do benefício que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
   Subscrevemos tranquilamente a douta doutrina (José Hermínio Paulo Rato Rainha: Impostos de Macau, Fundação Macau e Faculdade de Direito da Universidade de Macau, p.92), segundo a qual embora formalmente tenha sido já suprido o n.º3 do art.20.º do RIRC, as indemnizações correspondente ao lucro cessante são elementos positivos do lucro tributável, em virtude de que os proveitos ou ganhos indicados no n.º1 do art.20.º são meramente exemplificativos, por isso, são também componentes do lucro tributável outros proveitos ou ganhos resultantes ou derivados do exercício da actividade do contribuinte (empresa), embora não referenciados no mesmo artigo.
   Tudo isto significa, na nossa modesta opinião, a referida supressão do anterior n.º3 do art.20.º do RIRC não implica que a indemnização correspondente ao lucro cessante dum contribuinte seja isenta do imposto complementar de rendimentos ou possa ser deduzida ao rendimento colectável, tal indemnização constitui um “proveito ocasional” consagrado no n.º1 do art.20.º do RIRC e, assim, faz parte do rendimento colectável.
   Em reforço, invocamos ainda o disposto na alínea i) do art.21.º do RIRC que enquadra “Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável” no alcance de “custos ou perdas”. Interpretada de acordo com o princípio da justiça, este comando legal permite e até impor inferir que a indemnização por lucro cessante recebida por contribuinte deve ser inscrita na categoria de proveitos ou ganhos.
   Nesta linha do raciocínio, não podemos deixar de concluir que cai no descabimento o seguinte argumento (conclusão XX das alegações de fls.253 a 285 dos autos): Também aqui a douta Sentença recorrida incorre num erro de julgamento em violação dos artigo 20.º do RICR e do princípio da legalidade concretizada na tipicidade fiscal (nullum tributum sine lege), devendo por isso ser revogada e substituída por outra que, nos termos do artigo 124.º do CPA, anule o acto recorrido.
*
3. Da arguida violação do princípio da especialidade de exercícios
   Ora, o n.º2 do art.3.º do RIRC fala do “lucro líquido anual derivado do exercício de actividade comercial ou industrial”, por sua vez, os n.º1 do art.19.º e n.º1 do art.20.º do RIRC aludem respectivamente ao “resultado do exercício” e “proveitos ou ganhos realizados do exercícios”.
   A nosso ver, estes três preceitos legais representam a positivação na ordem jurídica de Macau do princípio da especialidade ou da especialzação dos exercícios, segundo o qual o rendimento (lucro) tributável é o rendimento realizado que compreende o resultado dos créditos e dívidas certas, de acordo com o princípio contabilístico da especialização do exercício segundo o regime económico, mesmo se, uns e outros, não estão ainda pagos no encerramento do exercício (período de tempo), pelo que, ao considerar-se a realização dos ganhos ou proveitos, são afastados da tributação os ganhos meramente potenciais. (José Hermínio Paulo Rato Rainha: Impostos de Macau, Fundação Macau e Faculdade de Direito da Universidade de Macau, p.88)
   Ainda assim, o que importa realçar é que a expressão mais exacta deste princípio se encontra no art.18.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, cujo n.º1 prescreve: Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
   Parece-nos assente a jurisprudência do STA de Portugal, no sentido de que (cfr. arestos nos Processos n.º0807/07 e n.º0716/13): I - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. II – Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.
   Temos por certa a tese que afirma perepmtoriamente que não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios, uma vez que em nenhuma das situações se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas (ex. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais). (cfr. aresto do STA no Processo n.º0269/12)
   As brilhantes jurisprudências do STA encorajam-nos a colher que o princípio da especialização dos exercícios vincula, antes de mais e em primeira linha, os contribuintes – eles ficam obrigados a cumprir este princípio ao preencher anualmente as respectivas Declarações fiscais.
   Com efeito, a aplicação deste princípio à Administração Fiscal fica em segundo lugar, conferindo-lhe os poderes de corrigir as Declarações fiscais desconformes do mesmo, bem como de impor juros moratórios ou sanções aos contribuintes que tenham infringido tal princípio.
   Por força do princípio da justiça, o desvio meramente formal deste princípio não implica a violação do mesmo, a qual tem por pressuposto que o aludido desvio tem tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas (ex. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).
   No caso sub judice, o princípio da especialização dos exercícios exige, em primeiro lugar, a «A, S.A.» devesse declarar a verba no valor de MOP$200.000.000 na sua Declaração M/1 do exercício de 2012, visto que foi proferido em 18/12/2012 o Acórdão Arbitral que torna efectivo e certo o montante indemnizatório (vide. doc. de fls.154 a 210 verso dos autos) – antes desse Acórdão, o valor indemnizatório era imprevisível.
   É verdade que a Administração Fiscal podia e devia corrigir a Declaração M/1 do exercício de 2012 supra aludida, aditando à qual a verba de MOP$200.000.000. Porém, a falta da correcção dessa Declaração não impede a Administração Fiscal de corrigir a Declaração M/1 do exercício de 2015 na qual a sobredita verba foi declarada pela primeira vez.
   Na nossa modesta opinião, os argumentos aduzidos nas conclusões XXXIII e XXXVIII das alegações de 253 a 285 são inócuos no presente recurso jurisdicional e no precedente recurso contencioso, visto que na sua Declaração M/1 do exercício de 2015 a «A, S.A.» não elencou os prejuízos ou custos correlacionados com a referida verba de MOP$200.000.000 nem requereu a dedução, e o n.º1 do art.34.º do RIRC permite condicionalmente a dedução nos três anos posteriores. Para além disso, importa destacar que a Administração Fiscal não aplicou à «A, S.A.» juros moratórios nem qualquer sanção, embora esta incorresse no atraso em declarar a verba de MOP$200.000.000.
   Ponderando tudo isto, e com fundamento algo diferente do que foi preconizado pelo MM.º Juiz a quo, não podemos deixar de entender que a deliberação da Comissão de Revisão não chegou a infringir o princípio da especialização dos exercícios.
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4. Da arguida violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva
   À sentença em questão, a «A, S.A.» assacou ainda a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, rezando que “A possibilidade de anular um acto anulável não é, obviamente, prejudicada pela possibilidade que o artigo 54.º, n.º1 do RICR dá à Repartição das Finanças de suprir erros mediante liquidação adicional ou a anulação: o acto continua a ser anulável se os erros não foram supridos.” (conclusão XLV das referidas alegações)
   Tomando como parâmetro a título de direito comparado as criteriosas jurisprudências e doutrinas, colhemos que é anulável a violação do princípio da especialização dos exercícios se e quando a qual lesar os direitos ou interesses legalmente protegidos de contribuinte. Daí que, na nossa modesta opinião, eiva do erro de direito a tese do MM.º Juiz a quo, de que “Nestes termos, mesmo que se admitisse o princípio da especialização dos exercícios como vinculativo para determinação da matéria colectável no nosso ordenamento tributário, a sua violação não conduziria à anulação do acto recorrido.” Porém, três ordens de razões levam-nos a entender que não se verifica in casu a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva e, portanto, é insubsistente a invocação neste sentido.
   4.1. O processo raciocinativo da sentença in quaestio revela, de modo concludente, que o MM.º Juiz a quo lançou mão sucessivamente a dois argumentos: antes de mais, a deliberação da Comissão de Revisão não ofendeu o princípio da especialização dos exercícios, e em segundo lugar, a violação deste princípio – admitida apenas por cautela e por mera hipótese – não conduziria à anulação da dita deliberação. Tal raciocínio torna inquestionável que o segundo argumento é subsidiário.
   Reza a jurisprudência autorizada (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º56/2013): Se o Tribunal deduzir fundamento subsidiário, para além do fundamento principal, a fim de reforçar a sua decisão, não se deve conhecer da impugnação feita pelo recorrente desse fundamento subsidiário, desde que se mantenha erecto o fundamento principal, pois é inútil tal conhecimento.
   Na nossa óptica, é igualmente válida para os veredictos judiciais a brilhante orientação jurisprudencial que inculca (a título do direito comparado, cfr. Acórdão do STA no Processo n.º0730/06): Tendo a Administração invocado uma pluralidade de fundamentos para o indeferimento a legalidade de alguns deles assegura a validade substantiva da decisão e torna inoperante, caso existam, os vícios da motivação superabundante.
   Em esteira, e na medida em que, na nossa convicção, não se divisa a arrogada violação do princípio da especialização dos exercícios, o sobredito segundo argumento do MM.º Juiz a quo não revela, pelo que não se deve conhecer da impugnação feita pela «A, S.A.» do mesmo que, repita-se, é o fundamento subsidiário.
   4.2. A petição inicial encoraja-nos a ter por incontroverso que no recurso contencioso, o efeito peticionado pela «A, S.A.» traduz, no fundo, na insusceptibilidade da tributação, em sede do imposto complementar de rendimentos, da verba de MOP$200.000.000 supra referida. Como se analisámos acima, ela não tem direito ao tal efeito.
   Ora, importa ter presente que em recurso jurisdicional é irrelevante apreciar determinada violação legal, se o sentido de acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados é legal e se tem de manter, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º79/2015)
   Inculca ainda o douto TUI (cfr. aresto no Processo n.º10/2007): Se, em recurso contencioso de anulação, o interessado não tem o direito que se arroga, o Tribunal, por força do princípio do aproveitamento dos actos administrativos proferidos no uso de poderes vinculados, deve negar provimento ao recurso contencioso, ainda que o acto administrativo tivesse aplicado mal a lei ou tivesse invocado normas legais ou regulamentares inaplicáveis.
   Em esteira, e dado ser indiscutível que a deliberação da Comissão de Revisão envolve o exercício do poder vinculado, inclinamos a colher que o segundo argumento do MM.º Juiz a quo está conforme com o princípio do aproveitamento dos actos administrativos proferidos no uso de poderes vinculados, por isso, o supramencionado erro de direito do qual enferma esse segundo argumento é insignificante e, seja como for, não contende com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
   4.3. No nosso prisma, tem toda razão o MM.º Juiz a quo ao inferir que por força do n.º1 do art.54.º do RIRC, a inobservância ao princípio da especialização dos exercícios não inibe a Administração Fiscal de preceder à liquidação adicional ou à anulação, dado que na devida altura ainda não decorreu o prazo de cinco anos previsto no art.55.º do RIRC.
   Nestes termos, não podemos deixar de extrair que em bom rigor, o MM.º Juiz a quo nunca pretendeu, tentou ou efectuou a substituição da Administração Fiscal, portanto, não faz nenhum sentido a arguição da violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
   …”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossa posição para negar o recurso jurisdicional interposto pela Recorrente.
*
B) Do recurso jurisdicional da Entidade Recorrida (Comissão de Revisão):
Em relação ao recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida, o Mº Pº é de parecer seguinte:
   “…
5. Do recurso da Comissão de Revisão
   Nas suas Alegações (vide fls.287 a 301 dos autos), a Comissão de Revisão solicitou a revogação da sentença recorrida na parte de anular a sua deliberação respeitante ao valor de MOP$49,738,356.16 que foi imputado e equacionado em juros de mora pela «A, S.A.».
   Quid juris?
   5.1. Frisa-se que a «A, S.A.» enviou em 17/08/2015 a carta sob referência F-1637/004178-J20100269 e apresentou uma Exposição para instruir à sua Declaração M/1 do exercício de 2015 (docs. de fls.55 a 59 e 60 a 61 dos autos), comunicando da imputação efectuada por ela própria o Chefe do Executivo e o Director dos Serviços das Finanças.
   E, não se deve perder da vista que a supramencionada imputação foi alegada como um dos fundamentos tanto da Reclamação dirigida à Comissão da Revisão, como do recurso contencioso – pois, a petição inicial revela indisputavelmente que a «A, S.A.» separou o valor de MOP$49,738,356.16 da quantia global de MOP$200,000,000.00 por si recebido, alegando que ela operou a imputação daquele valor em juros de mora (vide. nomeadamente arts.142.º a 144.º da petição inicial).
   Nestes termos e dado que a Comissão de Revisão foi notificada da exposição de fls.217 a 218 dos autos (cfr. fls.219 dos autos), torna-se indiscutível que o Exmo. Sr. Chefe do Executivo e a Administração Fiscal tomaram efectivo conhecimento da imputação feita pela «A, S.A.».
   5.2. Bem ponderando a natureza das coisas, inclinamos a colhemos que a imputação supra aludida, só por si e no fundo, suscitou as seguintes três questões:
   1ª- Ela adquiriu direito aos juros de mora?
   2ª- Ela detinha poder ou direito para proceder à imputação pela mão própria, sem prévia intervenção da autoridade judiciária»?
   3ª- Os juros de mora são ou não matéria colectável do imposto complementar de rendimentos?
   O princípio da legalidade e o preceito no art.100.º do CPA impõem que a Administração Fiscal – sobretudo a Comissão de Revisão – devesse resolver todas as três questões, e a Comissão de Revisão ficara, na fase do recurso contencioso, onerada de impugnar os argumentos da «A, S.A.», que dizem respeito aos juros de mora e à imputação.
   5.3. Sucede, na realidade, que o Exmo. Sr. Chefe do Executivo se limitou a mostrar o total silêncio, sem dar uma palavra sobre a carta sob a Referência F-1637/004178-J20100269 (doc. de fls.55 a 59 dos autos). E o Director da DSF alegou apenas “根據《所得補充稅章程》第20及21條規定,納稅人因正常或偶然的、主要或次要的活動致生任何交易或經營之所得及付出的負擔,概視為可課稅收益核定之收益及費用” (cfr. fls.44 verso do P.A.).
   Da sua banda, tanto na deliberação sobre a Reclamação como na contestação, a Comissão de Revisão alegou tão-só que estava encoberta pelo disposto no n.º1 do art.20.º do RICR a indemnização paga à «A, S.A.» pela RAEM em cumprimento do acórdão arbitral.
   Importa destacar que tendo sido notificada da exposição de fls.217 a 218 dos autos (cfr. fls.219 dos autos), a Comissão de Revisão veio mostrar um total e completo silêncio, sem impugnar o direito aos juros de mora, o direito arrogado pela «A, S.A.» para fazer a imputação e o método do cálculo indicado na sobredita exposição.
   Tudo isto demonstra inequivocamente que na fase do recurso contencioso, a Comissão de Revisão nunca impugnou os argumentos respeitantes aos juros de mora e à imputação, nunca pôs em crise o direito aos juros de mora invocado pela «A, S.A.» e a sua imputação.
   5.4. A propósito de abonar o seu pedido do recurso jurisdicional, a Comissão de Revisão arguiu a ilegitimidade da «A, S.A.» para fazer a imputação do valor de $49,738,356.16 em juros de mora, a errada interpretação e aplicação dos arts.774.º, 794.º e 795.º do CCM, e a errada apreciação da matéria de facto por, no seu prisma, a «A, S.A.» não gozava do direito aos juros de mora.
   Com todo e, aliás, elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido diverso, duas ordens de razões impulsionam-nos a opinar que a Comissão de Revisão já perdeu, definitiva e irreversivelmente, o direito e a legitimidade de invocar os três argumentos supra aludidos.
   5.4.1. O silêncio do Chefe do Executivo, o fundamento do Director da DSF (cfr. fls.44 verso do P.A.), as razões aludidas na contestação e a conduta silenciosa da Comissão da Revisão perante a exposição de fls.217 a 218 dos autos – tudo isto, ponderado à luz das regras éticas e jurídicas, denota que a Administração reconheceu implicitamente que a «A, S.A.» tinha adquirido o direito aos juros de mora e o direito de proceder à imputação. Daí decorre que caem na venire contra factum proprium os três argumentos da Comissão da Revisão no recurso jurisdicional.
   5.4.2. Ao abrigo do princípio da igualdade das partes (art.4.º do CPC ex vi art.1º do CPAC), acreditamos que a par dos particulares, a Administração fica também adstrito ao princípio subjacente, no sentido de que o recurso jurisdicional não visa criar decisão sobre matéria nova (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º32/2008, e Acórdãos do TSI nos Processos n.º480/2012 e n.º301/2020). O que nos assegura a inferir que a Administração como entidade recorrida do recurso contencioso não pode invocar argumentos novos no recurso jurisdicional para atacar a sentença do tribunal a quo.
   5.4.3. No caso sub judice, sucede exactamente que são novos todos os três argumentos invocados pela Comissão de Revisão no seu recurso jurisdicional em apreço, na medida em que ela nunca tecera os mesmos no correspondente procedimento tributário e no recurso contencioso.
   Na linha de raciocínio supra exposto e em conclusão, inclinamos a colher que o Venerando TSI deverá rejeitar e desvaliar tais argumentos da Comissão de Revisão, pese embora nos se afigure que são seriamente duvidosos o direito tanto aos juros da mora e, sobretudo, à supramencionada imputação arrogado pela «A, S.A.».
   …”.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a posição do Mº Pº assumida no parecer acima transcrito.
Lida a motivação e as conclusões do recurso da Entidade Recorrida, verificamos que na sua óptica, o Tribunal a quo, ao anular o acto recorrido na parte respeitante ao valor de MOP$49.738.356,16, fez “errada interpretação e aplicação da lei material aplicável - artigos 774.º, 794.º e 795.º todos do CCM - bem como errada apreciação da matéria de facto por considerar a existência de juros moratórios, sendo que da decisão arbitral não constam nem prazo para cumprimento da obrigação nem tão pouco juros de mora em caso de atraso no cumprimento” (ponto nº 28 das Conclusões).
Ora, como é sabido, a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual, bem como a impugnação da decisão da matéria de facto, constituem fundamentos do recurso jurisdicional das decisões dos Tribunais de primeira instância.
No caso em apreço, o Tribunal a quo entendeu que por força do artº 774º, nº 1 do CCM, da quantia de MOP$200.000.000,00 que a RAEM pagou à Recorrente em 07/08/2015, devia descontar primeiro os juros moratórios no valor de MOP$49.738.356,16, e sendo juros moratórios, este valor não está sujeito à tributação do imposto complementar de rendimentos.
Salvo o devido respeito, achamos que houve errada aplicação do citado nº 1 do artº 774º do CCM.
Dispõe o nº 1 do artº 774º do CCM que “Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não cheque para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital”.
Ora, para nós, a aplicação deste preceito legal pressupõe que o devedor, no momento do pagamento, tem de pagar ao credor, além do capital, as despesas, os juros ou a indemnização em consequência da mora, com obrigação já definida, tanto por via judicial como por acordo das partes.
Por exemplo, se o arrendatário foi condenado a pagar ao senhorio as rendas em atraso, a respectiva indemnização em dobro do montante que for devido, em consequência da mora do pagamento da renda (artº 996º, nº 1 do CCM), bem como os juros da mora cálculos à taxa legal a partir da citação, e a quantia que paga não é suficiente para cobrir tudo o que é devido, então há lugar a aplicação do nº 1 do artº 774º do CCM.
O que é diferente se o arrendatário foi condenado simplesmente a pagar as rendas em falta, sem qualquer indemnização nem juros de mora.
Neste último, não há lugar a aplicação do citado preceito legal do Código Civil, ainda que o pagamento fosse feito tardiamente, já que no momento do pagamento, a obrigação de pagar juros moratórios em consequência do pagamento tardio ainda não se encontra definida.
Pois, para haver lugar de juros moratórios, é indispensável haver culpa do devedor na verificação da situação da mora.
No caso dos autos, a decisão arbitral apenas determinou à RAEM a pagar à Recorrente uma indemnização no valor de MOP$200.000.000,00, sem portanto juros de mora, nem fixou o prazo de pagamento.
Não consta da factualidade assente e provada a data da interpelação do pagamento.
Assim, a quantia de MOP$200.000.000,00 que a RAEM paga à Recorrente em 07/08/2015 só pode ser tida como capital integral da indemnização, uma vez que naquele momento, a obrigação de pagar juros moratórios por parte da RAEM ainda não se encontra definida, sendo ainda uma questão aberta.
Não ignoramos que a Recorrente informou ao então Chefe do Executivo por carta registada datada de 17/08/2015 (fls. 55 a 58 dos autos) que a RAEM ainda deve-lhe a quantia de MOP$51.341.095,89 a título do capital da indemnização arbitrada, já que no seu entender, houve mora no pagamento da indemnização por parte da RAEM, daí que nos termos do nº 1 do artº 774º do CCM, da quantia de MOP$200.000.000,00 que a RAEM liquidou, há de descontar primeiro o valor de MOP$51.341.095,89 como juros moratórios calculados à taxa legal. Em consequência, reclamou o pagamento da quantia em falta.
Não houve resposta por parte do Governo sobre a carta em causa.
Ora, não achamos que o silêncio por parte do Governo da RAEM constitua uma declaração negocial da aceitação da posição assumida pela Recorrente na carta acima em referência, uma vez que nos termos do artº 210º do CCM, “O silencia só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.
Face ao expendido, o recurso jurisdicional da Entidade Recorrida não deixará de se julgar provido.
***
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente;
- conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Entidade Recorrida, revogando sentença recorrida na parte correspondente e confirmar o acto administrativo recorrido.
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Custas dos recursos jurisdicionais pela Recorrente, com taxa de justiça de 10UC cada.
Custas do recurso contencioso no TA pela Recorrente, com taxa de justiça 9UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 12 de Maio de 2022.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Mai Man Ieng




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984/2021