Processo nº 468/2021
Data do Acórdão: 05MAIO2022
Assuntos:
Autorização de residência
Erro nos pressupostos de facto
Juízo prognóstico favorável quanto à reinserção social no futuro
Erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário
Princípio da proporcionalidade
SUMÁRIO
1. Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.
2. Se não tivessem sido questionados os factos com base nos quais se formou o juízo prognóstico quanto à reinserção social do recorrente no futuro, o eventual erro na formação do tal juízo nunca se integra no vício de erro nos pressupostos de facto, mas sim, no erro de direito, se realmente existir tal erro.
3. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..
4. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e o seu filho ter nascido e vivido em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.
5. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.
6. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 468/2021
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o pedido da autorização de residência, concluindo e pedindo:
1.a Requereu o ora Recorrente a fixação de residência na RAEM, com fundamento na reunião familiar com a sua mulher e o seu filho, ambos residentes permanentes de Macau.
2.a A requerida fixação de residência foi negada por decisão do Senhor Secretário para a Segurança, por constar do seu registo criminal de Hong Kong a prática de diversos crimes cometidos na Região vizinha, referentes ao período entre os anos 1997 e 2010.
2.a Havendo sido fundamentada a recusa com o facto de se desconfiar que o Requerente possa levar uma vida socialmente responsável no futuro, e que saiu demonstrado não ser ele uma pessoa cumpridora de leis, oferecendo-se como base legal o disposto no art.º 9.º, n.º 2, al 1) da Lei n.º 4/2003.
4.a O Recorrente não se pode conformar com o decidido, porquanto crê já estar demonstrado, pelo lapso de tempo que ocorreu desde a sua última condenação, que é hoje um homem responsável, mudado, e que está totalmente readaptado na sociedade.
5.a Na fundamentação do acto recorrido, deixou-se consignado que o registo criminal do Recorrente em Hong Kong demonstra que ele não é uma pessoa cumpridora da lei e que não é possível confiar-se que ele possa cumprir as leis no futuro, ou seja, que possa levar uma vida socialmente responsável, no entanto, tal conclusão vai contra os factos que resultaram do processo instrutor.
6.a O último dado a assinalar no registo criminal do Recorrente é referente a 17 de Setembro de 2010, sendo que já passaram mais do que 10 anos desde então.
7.a Desde então, o que se comprovou é que mais nenhum desencontro com a lei teve o Recorrente, tanto em Hong Kong, como em Macau, sendo de salientar que durante estes anos (2010 até 2021) o Recorrente tem dividido o seu tempo entre Hong Kong e Macau (onde permanece quando pode com a família).
8.a Dez anos seguidos de uma vida socialmente responsável são suficientes para comprovar que a pessoa interessada se encontra totalmente readaptada à sociedade, sendo de se concluir que relativamente a ela deve ser feito um juízo de prognose positivo quanto ao seu carácter e capacidade em levar uma vida socialmente responsável.
9.a Não sendo coincidência que 10 anos seja o prazo máximo no qual, entre nós, qualquer delinquente, que desde a última condenação não tenha praticado mais crimes, veja o seu registo criminal ser totalmente reabilitado, através do instituto da reabilitação de direito.
10.ª Assim, a conclusão ínsita no acto recorrido, de que o Recorrente “não é uma pessoa cumpridora de leis”, não está de acordo com a factualidade subjacente.
11.a Outros factores, que não só o tempo que medeia entre a última condenação aplicada ao Recorrente e o dia de hoje, apontam para um quadro de total ressocialização.
12.a Como o facto de ele ter, entretanto, casado, com uma cidadã exemplar, Guarda do CPSP em Macau, bem se sabendo que a constituição de família é um momento único e marcante na vida de qualquer jovem, extremamente propício a que se passe a levar uma vida mais socialmente responsável, o mesmo se dizendo quanto ao facto de desse casamento ter resultado um filho.
13.a Já em 2014 tinha o ora Recorrente requerido a fixação de residência na RAEM, que já nessa altura tinha sido negado, com os mesmos fundamentos, e que o Recorrente se conformou plenamente, mas a verdade é que hoje, passados 7 anos desse momento, novos pressupostos existem para que essa pretensão lhe fosse concedida.
14.a O acto recorrido partiu, para denegar a pretensão do interessado, de um pressuposto factual errado: o de que está demonstrado que o Recorrente não é uma pessoa cumpridora da lei, pois que, na verdade, precisamente o oposto saiu demonstrado, pelo que incorreu o em erro nos pressupostos de facto, sendo anulável nos termos da legislação aplicável.
15.a Nos termos da Lei n.º 4/2003, para efeitos da concessão da autorização de residência na RAEM, devem ser tomados em conta diversos aspectos, entre os quais, os antecedentes criminais do requerente.
16.a Entre outros aspectos que deve a administração ponderar encontram-se, nomeadamente: as finalidades pretendidas com a residência e os laços familiares do interessado com residentes da RAEM, ou seja, a existência de antecedentes criminais não é o único factor que pode nortear a autorização da residência.
17.a No confronto entre o interesse público e o interesse privado dos particulares, dúvidas inexistem que o primeiro ganha prioridade, na óptica da actividade administrativa, também não se negando que a concessão da residência se trata de um acto discricionário da administração.
18.a Face às restantes circunstâncias a considerar na decisão da concessão da residência, no caso concreto do Recorrente, nomeadamente que já passaram praticamente 11 anos desde a data da última condenação de que foi ele alvo, que desde então demonstrou ser ele capaz de prosseguir uma vida socialmente responsável, que apesar da gravidade abstracta dos crimes por ele cometidos, a verdade é que a maior pena que sofreu foi de 16 meses na prisão, e as restantes andaram entre a multa de HKD$500.00 e 1 mês de prisão.
19.a Bem como o facto se ter casado com uma residente permanente em Macau, e de o seu filho, recém-nascido, que nem 1 ano de idade perfez ainda, ser também residente permanente da RAEM, e que com a concessão da residência ao interessado se iria permitir a plena comunhão de uma família inteira.
20.a Afigura-se que incorreu o acto administrativo recorrido em total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nomeadamente por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos, respectivamente, nos artigos 5.º e 7.º do CPPA
21.a E por falta de consideração dos restantes aspectos que deviam ter sido relevados na decisão quanto à concessão da autorização de residência na RAEM sub judice.
22.a Afigurando-se que a recusa da concessão da residência não era necessária para proteger a segurança pública da RAEM, mormente tendo em conta o sacrifício provocado com a decisão.
23.a E refira-se, ademais, que a concessão da residência em Macau é primeiramente concedida a título não permanente, pelo período de 7 anos, pelo que a administração estará sempre em condições de comprovar que o Recorrente está realmente readaptado à sociedade, antes de este adquirir a residência de forma permanente.
24.a Concluindo, ao negar a residência ao aqui Recorrente, incorreu o acto recorrido em total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, sendo anulável nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e ser proferida Decisão na qual se reconheçam os vícios imputados ao acto, sendo o mesmo anulado, com todas as consequências legais daí advindas.
Para tanto, requer a notificação da entidade recorrida para responder, querendo, e para, independentemente de deduzir oposição, juntar aos autos o processo administrativo instrutor.
Procedendo do modo como se requer, farão Vossas Excelências, Meritíssimos Juízes, na sentida convicção do Recorrente, a tão costumada
JUSTIÇA.
Citado, veio o Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.
Por despacho do Relator, foi indeferido o pedido da realização das diligências probatórias requeridas pelo recorrente.
Notificados o recorrente e a entidade recorrida para a apresentação das alegações facultativas, nenhum deles apresentou-as.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.
Dos elementos constantes dos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* O recorrente é residente permanente da RAEHK;
* O recorrente casou-se com uma residente permanente da RAEM em 20OUT2014;
* Do casamento nasceu-lhes o filho em 18JUN2020;
* Requereu, com fundamento na reunião com a sua esposa, residente permanente da RAEM, a autorização da residência na RAEM;
* Consta do registo criminal do recorrente, emitido pelas autoridades competentes da RAEHK, o seguinte:
日期
罪名
結果
1997-04-10
入屋犯法罪
(第210章第11條)
接受感化18個月
支付訟費500元
(案號:E/700044/97)
1999-03-02
A. 非法管有應課稅貨品
(第109章第17及46(3)條)
B. 管有香煙作售賣用途,而該香煙的封包並無載有健康忠告及焦油含量類別
(第371章第8(1)及10(1)條)
100小時社會服務令
罰款200元
(案號:W/1305/99)
2005-02-16
襲擊致造成身體傷害
(第212章第39條)
接受感化12個月
支付訟費500元
(案號:E/556/05)
2007-04-04
管有危險藥物
(第134章第8(1)(a)及(2)條)
罰款500元
(案號:E/1398/07)
2008-03-04
危險藥物的販運
(第134章第4(1)(a)及(3)條)
監禁16個月
(案號:FL/195/08)
2008-06-10
襲擊致造成身體傷害
(第212章第39條)
監禁1個月
與其他控罪的刑期分期執行
(案號:E/1316/08)
2010-09-17
襲擊警務人員
(第232章第63條)
監禁4星期
緩刑12個月
(案號:E/3597/10)
* Pelo despacho do Secretário para a Segurança exarado em 14ABR2021, na informação nº 200024/SRDARPFR/2021P e na informação 30017/SRDARPFR/2021P, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi-lhe indeferido o pedido da autorização de residência com fundamento nos antecedentes criminais;
* Inconformado com o despacho que lhe foi notificado mediante o ofício datado de 29ABR2021, dirigido ao seu mandatário, veio o recorrente interpor recurso contencioso para este TSI.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com o vertido nas conclusões na petição do recurso, o recorrente imputou ao acto recorrido o vício de erros nos pressupostos de facto, da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação do princípio da proporcionalidade, pediu com fundamento nesses vícios que fosse anulado o acto recorrido.
Estas questões foram analisadas no Douto parecer emitido pelo Ministério Público em sede de vista final, que é o seguinte:
Na petição inicial, o recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio, assacando-lhe o erro nos pressupostos de facto bem como a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e a viola-ção dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
*
Exarado na Inf. Complementar n.º300017/SRDARPFR/2021P (doc. de fls.112 a 114 do P.A.), o despacho em causa traduz no indeferimento “nos ter-mos e com os fundamentos do parecer constante desta informação.” De acordo com o disposto no n.º1 do art.115.º do CPA, esse despacho acolhe e absolve os fundamentos mencionados no referido parecer, cujo n.º6 apontou claramente: 申請人於1997年至2010年期間在香港先後實施7個違法行為,表明其不是一個遵守法律的人,對其今後遵守澳門法律缺乏信任…。
Ora, as conclusões 1ª a 14ª da petição dão a entender que em bom rigor, o recorrente não discorda dos próprios factos nos quais a entidade recorrida alicerçou o despacho in quaestio. Com efeito, ele nunca negou ou pôs em dúvida os seus antecedentes criminais, o que ele impugnou é o juízo prognóstico tirado pela entidade recorrida, no sentido de afirmar que “表明其不是一個遵守法律的人,對其今後遵守澳門法律缺乏信任”.
No fundo, o recorrente argumentou que o período de 10 anos e tal decorrido desde o último crime em 17/09/2010 bem como o casamento e o nascimento do filho “apontam para um quadro de total ressocialização” e de total readaptação à sociedade, por isso, é errado o juízo prognóstico supra referido (表明其不是一個遵守法律的人,對其今後遵守澳門法律缺乏信任).
A nosso ver, é douta a inculca de que «A autoridade administrativa é livre de retirar as consequências de uma condenação, ainda que suspensa na sua execução e decorrido já o período de suspensão, bem como de uma investigação criiminal, ainda que arquivada por prescrição, para avaliação de uma personalidade em vista dos fins perspectivados, sendo de relevar os interesses referentes à defesa da segurança e ordem públicas.» (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º315/2004)
A brilhante jurisprudência vem asseverando que o n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003 atribui verdadeiro poder discricionário à Administração, cuja avaliação sobre antecedente criminal é judicialmente insindicável, salvo se padeça de erro manifesto ou total desrazoabilidade. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º38/2012 e n.º123/2014, do TSI nos n.º766/2011, n.º570/2012 e n.º356/2013)
No caso sub judice, colhemos tranquilamente que é sagaz e sólida a ponderação de que “經綜合分析,申請人委託律師在書面陳述中所引用的澳門第27/96/M號法令第24條有關法律上之恢復權利條款,並不適用於香港存有之刑事紀錄,根據申請人之香港刑事紀錄,顯示未憑藉香港法律第297章《罪犯自新條例》第2 (1) 款而被視為已喪失時效;申請人的香港刑事紀錄證明書內載其於1997年至2010年間(14年)持續犯罪,共有7項犯罪紀錄(首2項犯罪申請人當時為未成年),其中一項因觸犯【危險藥物的販賣】罪而被判監16個月,屬於嚴重性罪行,申請人再於同時期又觸犯有關【襲擊致造成身體傷害】罪而被判監1個月;另外,申請人曾多觸犯有關“襲擊”之罪行,甚至襲擊目標為警務人員,申請人於14年間持續犯罪,顯示申請人受刑罰後並沒有悔改自新,故其對本澳的公共安全秩序構成潛在威脅” (vide fls.114 verso do P.A.).
Tudo isto aconselha-nos a concluir, com sossego, que o despacho atacado nestes autos não enferma do erro nos pressupostos de facto, e o supramencionado “juízo prognóstico” não eiva do erro notório.
Note-se que no actual ordenamento jurídico de Macau, se encontra firmemente consolidada a autorizada jurisprudência, segundo a qual os interesses privados cedem ao interesse público, sobretudo às segurança pública e estabilidade social da RAEM. (vide Acórdãos do TSI nos Processos n.º787/2011 e n.º570/2012, no mesmo sentido, veja-se ainda Acórdão do TSI no Processo n.º594/2009)
E perfilhamos a iluminativa teoria que assevera que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no Processo n.46/2018).
Nesta linha de valoração, à luz da regra de que prevenir vale mais do que remedir, e na medida em que o recorrente é residente permanente de Hong Kong, inclinamos a opinar que o despacho recorrido não colide com o princípio da proporcionalidade ou o da justiça.
Chegando aqui e em síntese, somos levados a concluir, com tran-quilidade, que o despacho em questão é irrefutável são necessariamente insubsistentes todos os vícios que lhe foram assacados, pelo que não pode deixar de ser infundado o pedido de anulação.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
Estamos inteiramente de acordo com este parecer do Ministério Público acima integralmente transcrito, não nos resta outra alternativa melhor do que a de aproveitarmos integralmente esse parecer, convertendo-o na fundamentação do presente recurso para julgar improcedente o presente recurso contencioso de anulação.
A que limitamo-nos a acrescentar que admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e o seu filho ter nascido e vivido em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.
Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.
Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.
Resumindo e concluindo:
1. Há erro nos pressupostos de facto quando os factos que sirvam de fundamento a um acto administrativo não são verdadeiros, ou apenas putativos ou erradamente reputados como verdadeiros pela Administração na prática do acto.
2. Se não tivessem sido questionados os factos com base nos quais se formou o juízo prognóstico desfavorável quanto à reinserção social do recorrente no futuro, o eventual erro na formação do tal juízo nunca se integra no vício de erro nos pressupostos de facto, mas sim, no erro de direito, se tal erro realmente existir.
3. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..
4. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e o seu filho ter nascido e vivido em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.
5. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.
6. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 05MAIO2022
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
468/2021-15