Processo nº 240/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 12 de Maio de 2022
ASSUNTO:
- Impugnação da matéria de facto
- Acidente de trabalho
SUMÁRIO:
- Sendo impugnada a decisão sobre a matéria de facto cabe apenas apreciar se foram violadas as regras que se impõem sobre a força probatória, de prova tarifada ou se se cometeu erro grosseiro na apreciação e avaliação da prova produzida em face da prova produzida e da fundamentação usada pelo tribunal “a quo”;
- Mandando-se ampliar a matéria da base instrutória e repetir o julgamento quanto a parte da base instrutória, resultando daquela ampliação que um dos quesitos da base instrutória passa a conter matéria sobre a qual não versava no primeiro julgamento, havendo outros quesitos que são consequência/dependência daquele e que a ele expressamente aludem, impõe-se que o tribunal volte a decidir quanto a estes uma vez que o seu conteúdo por referência aos alterados também mudou, sob pena de haver omissão de pronúncia.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 240/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 12 de Maio de 2022
Recorrente: A
Recorrida: B Macau-Companhia de Seguros S.A.
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
Nestes autos de processo especial do trabalho em que é sinistrado,
A, e
Seguradora B Macau-Companhia de Seguros S.A.
todos com os demais sinais dos autos,
foi proferida decisão segundo a qual foi condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP432.000,00 a título da indeminização por IPP, acrescida de juros legais desde a data da prolação da sentença até integral e efectivo pagamento, absolvendo a Ré dos demais pedidos.
Não se conformando com a decisão proferida vem o sinistrado interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto a decisão do indeferimento do Tribunal a quo de todos os pedidos de indemnização pela incapacidade temporária e absoluta sofrida pelo autor no acidente de trabalho no presente caso, com o fundamento de “relativamente à incapacidade absoluta e temporária, não se verificou o nexo de causalidade entre a incapacidade e as lesões sofridas pelo autor no acidente de trabalho, pelo que esta parte de fundamentos do pedido é improcedente”.
B. Conforme o entendimento do recorrente, a sentença recorrida foi proferida com base na decisão sobre a matéria de factos no despacho proferido pelo Tribunal a quo em 30 de Abril de 2021, segundo a qual, não foi provado o quesito 6º da base instrutória “as lesões do autor supracitadas causaram-lhe a incapacidade absoluta e temporária descrita na alínea A) dos factos assentes?”.
C. Para apurar a essência da questão, em primeiro lugar, cumpre repetir e esclarecer as seguintes circunstâncias:
- O Tribunal a quo proferiu a primeira sentença em 6 de Maio de 2021 e tinha proferido o seguinte despacho na decisão sobre a matéria de factos em 30 de Abril de 2021:
Resposta ao quesito 5º da base instrutória: “as referidas lesões sofridas pelo autor no referido acidente: Fraturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas.”
“Quesito 5º: não foi provado”.
Resposta ao quesito 6º da base instrutória: “as referidas lesões sofridas pelo autor causaram-lhe a incapacidade absoluta e temporária descrita na alínea A) dos factos assentes?”:
“Quesito 6º: não foi provado”.
Resposta ao quesito 7º da base instrutória: “o coeficiente de desvalorização da “incapacidade parcial e permanente” causada pelas lesões do autor foi fixado em 24(6x4)%?”:
“Quesito 7º: não foi provado.”
Resposta ao quesito 7-Aº da base instrutória: “as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas sofridas pelo autor tratam-se de lesões antigas?”:
“Quesito 7-Aº: foi provado”.
- Por despacho, o Tribunal a quo emitiu as respostas supracitadas com base em que:
“… Conforme o relatório da consulta colegial constante de fls. 49 do processo por apenso, combinando com o esclarecimento do perito, médico C, as lesões supracitadas são fracturas antigas, ora existentes antes do acidente, não têm nada a ver com o acidente neste caso. Entretanto, as testemunhas D e F (o depoimento da testemunha G não tem relevância) confirmaram que a parte lesada do autor é a cintura. Portanto, as provas supracitadas provaram o facto no quesito 7-Aº, ao mesmo tempo, não provaram o facto no quesito 5º e a conclusão de não ser dado por provado o facto no quesito 5º obsta a dar por provados os factos nos quesitos 6º e 7º …”. (sublinhado e negrito nosso)
- Inconformado com a sentença supracitada, a recorrente interpôs recurso, após o conhecimento, o TSI condenou procedente o recurso e revogou a decisão de facto do Tribunal a quo sobre os quesitos 5º e 7º da base instrutória; e determinar o reenvio para novo julgamento, conhecendo novamente os quesitos 5º e 7º da base instrutória.
- Após o novo julgamento, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho na decisão da matéria de facto em 13 de Dezembro de 2021:
Resposta ao quesito 5º da base instrutória: “lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas ou contusões de tecido mole do peito e das costas?”:
“Quesito 5º: apenas foi provado que “as lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: contusões de tecido mole do peito e das costas”.
Resposta ao quesito 7º da base instrutória: “o coeficiente de desvalorização da “incapacidade parcial e permanente” causada pelas lesões do autor foi fixado em 24(6x4)% ou 15%?”:
“Quesito 7º: foi apenas provado que “as lesões descritas na resposta ao quesito 5º da base instrutória lhe causaram a “incapacidade permanente e parcial”, com o coeficiente de desvalorização fixado em 15%”.
- Salvo os factos provados supracitados, ainda se provou os seguintes factos relevantes:
“O autor tem “incapacidade temporária e absoluta” pelo período de 730 dias desde 21 de Março de 2017 até 20 de Março de 2019.” (negrito nosso)
- Com base nisso, o Tribunal a quo proferiu a sentença ora recorrida, rejeitando todos os pedidos do recorrente sobre a “incapacidade temporária e absoluta”.
D. Daí, o Tribunal a quo não deu por provado o quesito 6º da base instrutória na primeira sentença uma vez que na altura o Tribunal a quo discutiu as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas, como o Tribunal a quo julgou inicialmente que as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas eram lesões antigas do recorrente e não foram causadas pelo acidente de trabalho no presente caso, portanto, considerou que a comprovada incapacidade temporária e absoluta pelo período de 730 dias do recorrente também não foi causadas pelas fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas.
E. Por outras palavras, o Tribunal a quo apenas não provou que a incapacidade temporária e absoluta pelo período de 730 dias do recorrente foi provocada pelas fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas, em vez de não provar que existe nexo de causalidade entre a incapacidade temporária e absoluta pelo período de 730 dias do recorrente e as lesões sofridas pelo recorrente neste acidente de trabalho!
F. De facto, o recorrente interpôs recurso da sentença recorrida. Embora nas alegações do recurso o recorrente apresentou a motivação do recurso contra a parte da sentença respeitante a lesões do recorrente e a sua incapacidade permanente e parcial, de acordo com o teor deste articulado do recurso, o recorrente não ignorou completamente a questão da incapacidade temporária e absoluta; o recorrente apresentou a motivação do recurso principalmente contra a questão das lesões e da incapacidade permanente e parcial, uma vez que o recorrente invocou o vício do erro manifesto na apreciação das provas no esclarecimento feito pelo perito da consulta colegial na audiência de julgamento e no relatório de perícia médica da consulta colegial, a razão pela qual isso aconteceu é inteiramente porque o objecto de perícia da junta médica exigida inicialmente pelo Tribunal a quo apenas se dirigiu às questões de saber quais são as lesões sofridas pelo recorrente no acidente de trabalho em causa e as consequências, bem como o período de incapacidade permanente e parcial, mas não levantou a questão respeitante à incapacidade temporária e absoluta, justamente porque a recorrida (ré) nunca pôs em causa o período da incapacidade temporária e absoluta de 730 dias do recorrente decorrente deste acidente de trabalho!
G. Por outras palavras, justamente por causa da situação real desta sentença, o recorrente apresentou tal motivação do recurso, mas nunca desistiu do pedido relativo à incapacidade temporária e absoluta!
H. Além disso, por fim, a sentença supracitada foi revogada. Com o novo julgamento, o Tribunal a quo julgou provados os factos de “lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: contusões de tecido mole do peito e das costas” (quesito 5º da base instrutória) e “as lesões descritas na resposta ao quesito 5º da base instrutória lhe causaram a “incapacidade permanente e parcial”, com o coeficiente de desvalorização fixado em 15%”.
I. Embora o TSI apenas mencionasse e mandasse no acórdão o novo julgamento dos quesitos 5º e 7º da base instrutória, mas considerou o recorrente que a sua conotação real não se limitou a isso.
J. Conforme o teor do despacho de 30 de Abril de 2021, o Tribunal a quo não deu por provados os factos nos quesitos 6º e 7º por não ser provado o facto no quesito 5º, como a conclusão de não ser dado por provado o facto no quesito 5º foi revogada pelo Tribunal superior, pelo que a conclusão de não dar por provados os factos nos quesitos 6º e 7º invocados anteriormente pelo Tribunal a quo, o seu fundamento e a sua base também ficaram extintos conjuntamente; por outras palavras, salvo o teor do quesito 7º da base instrutória, logicamente, a conclusão do reconhecimento do quesito 6º da base instrutória também ficou necessariamente revogada e se tornou automaticamente em destinatário da instrução do novo julgamento.
K. Além disso, o Tribunal a quo não julgou inicialmente que as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas eram lesões da recorrente resultantes deste acidente de trabalho nem reconheceu que a recorrente sofreu de qualquer lesão resultante deste acidente de trabalho, pelo que considerou que a incapacidade absoluta e temporária de 730 dias da recorrente após este acidente de trabalho não foi causada pelas fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas; todavia, com o novo julgamento, o Tribunal a quo reconheceu que “as lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: contusões de tecido mole do peito e das costas”, isto é, a recorrente sofreu das novas lesões resultantes deste acidente de trabalho e o coeficiente de desvalorização de incapacidade permanente era fixado em 15%(!).
L. Então, face à alteração do reconhecimento de factos manifestamente relevantes entre o juízo supracitado e a sentença revogada, o Tribunal a quo não devia ignorar completamente todos os factos relevantes e o julgamento de provas existentes respeitantes à incapacidade absoluta e temporária enquanto direito e interesse importantes da recorrente, em vez de considerar simplesmente que não se verificou absolutamente o nexo de causalidade entre o período da incapacidade absoluta e temporária de 730 dias da recorrente e as lesões sofridas pela autora por causa do acidente de trabalho (isto é, lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: contusões de tecido mole do peito e das costas) (!).
M. Com base nos fundamentos supracitados, o Tribunal a quo não teve nenhuma razão de excluir totalmente do âmbito de novo julgamento os factos constantes do quesito 6º da base instrutória e concluiu simplesmente a falta de nexo de causalidade; mesmo que não haja ordem expressa do TSI, o Tribunal a quo também tem dever de instruir e reconhecer oficiosamente os factos constantes do quesito 6º da base instrutória neste novo julgamento.
N. Alegou a recorrente que a decisão do Tribunal a quo do indeferimento de todos os pedidos da recorrente respeitantes à incapacidade temporária e absoluta violou o dever previsto no art.º 41.º n.º 1, ex vi do art.º 65.º do Código de Processo do Trabalho, se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, é ampliada a base instrutória, e o dever previsto no art.º 14.º n.º 1 al. 3) do Código de Processo do Trabalho, convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, sempre que no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa e sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
O. Ademais, o quesito 5º da base instrutória foi alterado de não dar por provado que “as lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas” para dar por provado que “as lesões sofridas pelo autor neste acidente de trabalho: contusões de tecido mole do peito e das costas”, como é que pode o Tribunal a quo julgar que não existe nexo de causalidade pelos mesmos motivos e fundamentos com base no facto no quesito 6º da base instrutória anteriormente instruído (isto é, no facto da incapacidade temporária e absoluta do recorrente de 730 dias)?
P. É incompreensível que o Tribunal a quo reconheceu as novas lesões do recorrente causadas pelo acidente de trabalho em causa (contusões de tecido mole do peito e das costas), com o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente e parcial fixado em 15%, porque é que o Tribunal a quo considerou que o recorrente não tem sequer um dia da incapacidade temporária e absoluta?!
Q. Conforme as regras da experiência geral e a lógica, o Tribunal a quo não pode, por um lado, julgar que o recorrente sofreu da desvalorização da incapacidade permanente e parcial bastante grave decorrente das lesões do recorrente neste acidente de trabalho (15%), por outro lado, considerar que o recorrente não tem sequer um dia da privação da capacidade de trabalho ou ganho e reconhecer que o recorrente sofreu da incapacidade temporária e absoluta de 730 dias do recorrente após este acidente de trabalho; mesmo que a incapacidade permanente e parcial e a incapacidade temporária e absoluta sejam distintas, mas ambas foram causadas pelo acidente de trabalho e tendo em conta a natureza e o processo do acidente de trabalho, considerou o recorrente que o Tribunal a quo julgou que, por um lado, o recorrente sofreu das novas lesões neste acidente de trabalho, com o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente fixado em 15% e, por outro lado, o recorrente não tem sequer um dia da incapacidade temporária e absoluta neste acidente de trabalho, por consequência, existe contradição manifesta entre os fundamentos do juízo do Tribunal a quo supracitado e a sentença proferida pelo Tribunal a quo conforme o entendimento comum.
R. Nestes termos, defendeu o recorrente que o teor da sentença recorrida do Tribunal a quo - não existe nexo de causalidade entre o período da incapacidade temporária e absoluta comprovado e as lesões sofridas pelo recorrente neste acidente de trabalho - enfermou do vício de nulidade da sentença por força do art.º 571.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
S. Além disso, de acordo com os factos provados e as provas no presente caso, é bastante julgar que são procedentes todos os pedidos do recorrente respeitantes à incapacidade temporária e absoluta.
T. Salvo o melhor entendimento, afiguramo-nos que a descrição do facto no quesito 6º da base instrutória elencado pelo Tribunal a quo é meramente um facto conclusivo.
U. Têm-se por não escritas as respostas aos factos conclusivos (art.º 549.º n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável pelo art.º 1 do Código de Processo do Trabalho por analogia); ademais, mesmo que o Tribunal reconhecesse um facto conclusivo, dada a falta de factos objectivos concretos para sustentar tal conclusão, a respectiva acusação ou os pedidos não podem ser julgados procedentes; pelo contrário, mesmo que o Tribunal não reconhecesse o respectivo facto conclusivo, o que não obsta a que o Tribunal concluiu a existência do nexo de causalidade desde que reconhecesse os factos objectivos concretos suficientes (cfr. o acórdão do TUI no Processo n.º 35/2008).
V. Ademais, tal como indicou o TSI no acordo no Processo n.º 379/2011 que: o nexo de causalidade, como elemento da responsabilidade civil decorrente dos factos ilícitos, tal como a culpa, não é um facto, mas sim a conclusão do Tribunal depois de ter analisado os factos provados envolvidos no caso e conforme as regras da experiência. Desta maneira, o TSI pode considerar o conteúdo na sentença da primeira instância de que não se provou que a morte da vítima foi causada directamente pelo acidente de veículo como apenas uma conclusão, em vez de um facto não provado.”
W. Por outras palavras, nada obsta a que o Tribunal superior condene directamente procedente o pedido de indemnização desde que se verifique factos e provas suficientes na sentença recorrida para provar a existência do nexo de causalidade.
X. Com base nisso, entendemos que conforme os factos provados e as provas existentes nos autos, é bastante julgar que o recorrente tem o direito de indemnização pela incapacidade temporária e absoluta de 730 dias.
Y. Primeiro, como a recorrida não requereu, na contestação, a junta médica a fazer avaliação sobre o período da incapacidade temporária e absoluta do recorrente, o que é considerado que a recorrida concordou com o resultado do exame da incapacidade temporária e absoluta classificada no exame físico realizado na fase da tentativa de conciliação do processo, pelo que o Tribunal a quo considerou assente o período da incapacidade temporária e absoluta do recorrente de 730 dias. Por outras palavras, o Tribunal a quo já determinou que o recorrente foi privado absolutamente da capacidade de trabalho ou de ganho no período de 730 dias por causa deste acidente de trabalho.
Z. De facto, conforme a disposição legal supracitada, a incapacidade temporária refere-se à incapacidade que, devido ao acidente ou à doença profissional, priva o trabalhador temporariamente da integralidade da sua capacidade de trabalho ou de ganho, isto é, a relação entre o acidente e a privação da capacidade de trabalho ou de ganho de trabalhador, em vez da relação entre as novas lesões causados pelo acidente e a privação da capacidade de trabalho ou de ganho de trabalhador, por outras palavras, a incapacidade temporária incide principalmente sobre o período de privação da capacidade de trabalho ou de ganho por causa do acidente, isto é, o trabalhador tem direito de indemnização pela incapacidade temporária, desde que o trabalhador seja privado da capacidade de trabalho ou de ganho por causa do acidente e não sejam circunstâncias de exclusão do direito de indemnização previstas na lei (art.ºs 7.º a 9.º do D.L. n.º 40/95/M), independentemente de novas ou antigas lesões resultantes do acidente, nomeadamente, as lesões antigas de trabalhador não são único motivo de causar a ofensa ou a doença e os danos da ofensa ou da doença antes do acidente também não foram indemnizados.
AA. In casu, não obstante foi provado que as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas são lesões antigas, não se verificou elementos ou provas de que o recorrente foi indemnizado no processo de acidente de trabalho instaurado sobre as respectivas lesões (à recorrida cabe fazer a prova); pelo contrário, de acordo com os depoimentos das testemunhas, as provas documentais, os certidões de doença e os relatórios médicos decorrentes da audiência da primeira sentença, antes deste acidente de trabalho, o recorrente prestava regularmente serviços ao seu empregador, isto é, as chamadas lesões antigas não afectaram a capacidade de trabalho ou de ganho do recorrente, apenas após este acidente de trabalho (escorregou acidentalmente ao descer escadas nas horas de serviços) precisa de aceitar tratamento médico e foi privado da capacidade de trabalho ou de ganho por, pelo menos, 730 dias (!).
BB. Muito menos salientamos novamente que o Tribunal a quo já comprovou e reconheceu que o recorrente sofreu das lesões das contusões de tecido mole do peito e das costas, com o coeficiente de desvalorização de incapacidade permanente fixado em 15%, ou seja, o recorrente sofreu das novas lesões decorrentes deste acidente de trabalho e precisa de tratamento, e foi privado da capacidade de trabalho e de ganho(!).
CC. Com efeito, os três peritos da consulta colegial indicaram expressamente na audiência1 que o recorrente tinha as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas antes do acidente, mas as contusões de tecido mole do peito e das costas (lacerações) não foram causadas por si, mas sim por força externa (por exemplo, este acidente), as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas já existentes do recorrente levaram o recorrente a sofrer facilmente das lesões das contusões de tecido mole do peito e das costas (lacerações) por causa da força externa, e as lesões das contusões de tecido mole do peito e das costas (lacerações) causadas pelo acidente em causa levaram as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas da recorrente já existentes a ficarem deterioradas e de difícil recuperação.
DD. Não se ignora que os três peritos da consulta colegial citaram expressamente o art.º 9.º n.º 1 do D.L. n.º 40/95/M na descrição da perícia sobre as lesões sofridas pelo recorrente neste acidente de trabalho, ou seja, as contusões de tecido mole do peito e das costas. Combinando com o esclarecimento dos três peritos da consulta colegial, quer porque as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas já existentes do recorrente levaram o recorrente a sofrer facilmente das lesões das contusões de tecido mole do peito e das costas e a fazer permanecer as novas lesões, quer porque as lesões das contusões de tecido mole do peito e das costas causadas pelo acidente em causa levaram as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas da recorrente já existentes a ficarem deterioradas, devem considerar-se que o recorrente tem direito a indemnização por causa deste acidente.
EE. De facto, conforme as provas documentais, as declarações médicas e os relatórios médicos existentes nos autos, as referidas fracturas e as contusões do recorrente são objectos de tratamento após este acidente de trabalho, e por causa disso, o recorrente precisa de tratamento de longo prazo e foi privado da capacidade de trabalho ou de ganho.
FF. Por outras palavras, não obstante as fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas, por se tratarem das lesões já existentes antes deste acidente de trabalho, não foram incluídas pela junta médica no âmbito das lesões causadas pelo acidente de trabalho em causa, a junta médica citou claramente a aplicação do disposto no art.º 9.º n.º 1 do D.L. n.º 40/95/M, de acordo com os factos e as provas existentes, quer as fracturas quer as contusões ambos mostram que o recorrente precisa de aceitar tratamento e foi privado da capacidade de trabalho ou de ganho após este acidente de trabalho.
GG. Sem dúvida, o período da incapacidade temporária e absoluta do recorrente de 730 dias não foi causado completamente por causa das antigas lesões das fracturas, não correspondendo às circunstâncias da exclusão do direito à reparação previstas no art.º 8.º do D.L. n.º 40/95/M.
HH. De acordo com os factos provados, designadamente o facto assente A) “o autor tem “incapacidade temporária e absoluta”, pelo período de 730 dias, desde 21 de Março de 2017 até 20 de Março de 2019”, de acordo com os factos ocorridos neste acidente de trabalho (os factos provados 3º e 4º) e as lesões causadas ao recorrente e a incapacidade permanente e parcial (os factos provados 5º e 7º), bem como as provas documentais, as declarações médicas e os relatórios médicos constantes dos autos, é bastante e suficiente concluir que: o recorrente foi privado da capacidade de trabalho ou de ganho por causa deste acidente de trabalho e o período da incapacidade temporária e absoluta era de 730 dias.
II. Nestes termos, o teor da sentença recorrida supracitada incorreu no erro na aplicação da lei, violou a definição da incapacidade temporária e absoluta prevista no art.º 3.º n.º h) al. 1) do D.L. n.º 40/95/M, bem como violou a norma relativa a nexo de causalidade no art.º 557.º do Código Civil.
Contra-alegando veio a seguradora pugnar para que fosse negado provimento ao recurso.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Vem o Recorrente impugnar a resposta dada pelo Tribunal “a quo” ao quesito 6º da Base Instrutória.
Para que se compreenda o alcance deste recurso é necessário fazer uma síntese cronológica destes autos.
Na primeira selecção da matéria de facto a integrar a Base Instrutória os quesitos 5º e 7º tinham a seguinte redacção:
5º
Em consequência do acidente, o Autor sofreu as seguintes lesões: fracturas das 9ª a 12ª vértebras toráxicas?
7º
As lesões acima indicadas produziram ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 24(6x4)%?
– cf. fls. 210v e 211 -.
Por decisão de 30.04.2021 veio o tribunal a dar aqueles 5º e 7º quesitos como não provados – cf. fls. 335 -.
Proferida sentença em 6.5.2021 a julgar a acção totalmente improcedente, dela veio a ser interposto recurso para este Tribunal vindo a ser revogada a decisão final e as respostas dadas aos quesitos 5º e 7º e ordenada a remessa dos autos ao tribunal “a quo” para apurar quais as lesões de que resultou uma incapacidade permanente parcial de 15% e conhecer de novo dos quesitos 5º e 7º - cf. fls. 405/412 -.
Por despacho de fls. 444v. a redacção dos quesitos 5º e 7º da Base instrutória passou a ser a seguinte:
5º
Em consequência do acidente, o Autor sofreu as seguintes lesões: fracturas das 9ª a 12ª vértebras toráxicas ou contusões de tecidos moles do peito e da cintura?
7º
As lesões descritas no quesito 5º da base instrutória determinaram ao Autor uma incapacidade parcial permanente de 24%?
Procedendo-se a novo julgamento veio o tribunal “a quo” a responder à matéria dos quesitos 5º e 7º na nova redacção nos seguintes termos:
5º
Provado apenas que “as lesões sofridas pelo autor no acidente acima referido são: as contusões de tecido mole do peito e das costas”.
7º
Provado apenas que “das lesões descritas na resposta dada ao quesito 5º da base instrutória resultou uma “incapacidade permanente parcial (IPP)”, com a desvalorização de 15%”.
- cf. fls. 446 -.
No novo despacho sobre a matéria de facto nada se diz para além das respostas dadas a estes dois quesitos e sua fundamentação.
A redacção do quesito 6º da Base Instrutória é a seguinte:
As referidas lesões sofridas pelo autor causaram-lhe a incapacidade absoluta e temporária descrita na alínea A) dos factos assentes?
Ora, se é certo que no primeiro recurso não se mandou repetir o julgamento quanto à matéria do quesito 6º a verdade é que o tribunal “a quo” em cumprimento do Acórdão deste Tribunal alterou a redacção dada ao quesito 5º de modo a abranger a matéria que se entendia que devia ser indagada, vindo em consequência as lesões indicadas no quesito 5º a englobar outras para além daquelas que aquando do primeiro julgamento ali eram referidas.
Assim, quando no primeiro julgamento se responde não provado ao quesito 6º “as referidas lesões” ali subentendidas por referência ao quesito 5º são “fracturas por compressão das 9º a 12º vertebras torácicas”. No que a esta matéria concerne nada de errado ocorre uma vez que, os quesitos 5º e 7º quanto a estas lesões continuam a não se provar.
Porém, englobando a nova/segunda versão do quesito 5º outras lesões para além daquelas – a saber “as contusões de tecido mole do peito e das costas” - haveria o tribunal “a quo” de ter dito no segundo julgamento se “as contusões de tecido mole do peito e das costas” haviam sido causa da ITA descrita na alínea A) dos factos assentes.
Enquanto o primeiro julgamento considerou apenas a prova quanto às lesões alegadamente sofridas pelo Autor das “fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas” por força do Acórdão que revogou a primeira decisão proferida, passou a ter de se averiguar se para além daquelas havia outras lesões que tivessem sido consequência do acidente e se dessas não teria até resultado a incapacidade de 15% que havia sido fixada no incidente.
Ora, ao se indagar se outras lesões haviam resultado do acidente, justifica-se que também relativamente a essas se apure se foram causa directa e necessária da ITA que se havia dado como assente.
É preciso não perder de vista que o quesito 6º não é autónomo existindo apenas em função do que consta no quesito 5º uma vez que a expressão “as referidas lesões” alude manifestamente ao que se diz antes.
Se é certo que ao não se revogar o quesito 6º já não se podia alterar a resposta de que não se tinha provado que as referidas lesões – leia-se fracturas por compressão das 9ª a 12ª vertebras torácicas – não foram causa da ITA a que se referia a alínea A) dos factos assentes, também é certo que, nunca nada se disse se “as contusões de tecido mole do peito e das costas” foram ou não causa daquela ITA, sendo que, ao se mudar a redacção do quesito 5º também se alterou implicitamente a redacção do quesito 6º, pelo que, havia agora no segundo julgamento de dizer alguma coisa a respeito da matéria nova.
Ainda que se entendesse que a resposta continuava a ser não provado, tinha tal de ser dito e fundamentado porque é que também estas lesões não foram causa da ITA, respondendo-se novamente ao quesito. Ou, se no rigor dos princípios se entendesse que não se podia mexer na resposta dada ao quesito 6º - com o que não concordamos porque a redacção implícita mudou – então haveria que acrescentar mais um outro quesito, fazendo a mesma pergunta mas agora por referência a estas lesões - as contusões de tecido mole do peito e das costas -, respondendo em conformidade com a prova produzida.
Tal é o que resulta da parte final do nº 4 do artº 629º do CPC quando se diz que “a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto , com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão”.
Constando na segunda versão do quesito 5º lesões que não constavam na primeira, impunha-se que se respondesse novamente ao quesito 6º quanto à matéria nova do quesito 5º.
Porém, nada se diz.
Sendo que dos autos resulta que o Autor sofreu 730 dias de ITA (alínea A) dos factos assentes), que em consequência do acidente sofreu contusões de tecido mole do peito e das costas (resposta dada ao quesito 5º), das quais resultou uma IPP de 15% (resposta dada ao quesito 7º), havia que ter indagado, também, se a ITA resultou ou não destas lesões (pergunta do quesito 6º).
Assim sendo, de acordo com o disposto no nº 4 do artº 629º do CPC porque há deficiência na matéria de facto uma vez que não se pronuncia se “as contusões de tecido mole do peito e das costas” foram ou não causa dos dias de ITA, impõe-se que os autos baixem à primeira instância para repetição do julgamento apurando-se concretamente se:
- As contusões de tecido mole do peito e das costas sofridas pelo Autor lhe causaram a incapacidade absoluta e temporária descrita na alínea A) dos factos assentes?
Pergunta esta que, pelas razões supra expostas entendemos passou a estar incluída no quesito 6º e à qual não se respondeu.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos concedendo-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida no que concerne à absolvição da Ré do pedido formulado quanto à ITA e ordena-se a remessa dos autos à 1ª instância para proceder a novo julgamento e responder à matéria que passou a estar incluída no quesito 6º da Base Instrutória de saber se “As contusões de tecido mole do peito e das costas sofridas pelo Autor lhe causaram a incapacidade temporária absoluta descrita na alínea A) dos factos assentes?”, decidindo-se depois em conformidade com o que se apurar.
Custas a cargo de quem a final vier a ficar vencido nesta parte.
Registe e Notifique.
RAEM, 12 de Maio de 2022
Relator
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
Primeiro Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong
Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
1 Gravação da audiência Translator 1, Recorded on 10-Dec-2021 at 11.34.27 (3K6F%4B103720319). Arquivo n.º WAV 24:50-28:04.
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240/2022 CÍVEL 11