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Processo n.º 525/2021 Data do acórdão: 2022-5-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Como após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença condenatória recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto incriminatória feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, não pode ter ocorrido o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 525/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 138 a 146v do Processo Comum Singular n.o CR4-21-0031-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. sobretudo pelos art.os 90.o, n.o 1, e 89.o, respectivamente, da Lei do Trânsito Rodoviário, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir que fosse absolvido desses dois delitos penais, devido ao erro notório, cometido pelo Tribunal recorrido, de apreciação da prova, já que esse Tribunal, apesar de não serem suficientes as provas quer sobre a influência do álcool na conduta de condução automóvel dele quer sobre o intuito dele de fugir à responsabilidade, decidiu em o condenar na mesma, com base nos factos provados (mas, na realidade, erroneamente julgados) n.os 1, 2, 5, 6 e 7 (cfr. em mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 163 a 167 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 169 a 172 dos presentes autos), no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (de fls. 182 a 184), opinando pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora impugnada pelo arguido recorrente apenas na parte respeitante à matéria de facto provada ficou proferida a fls. 138 a 146v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente assacou à decisão condenatória penal da Primeira Instância o vício de erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, alegando, para o feito, que não se fez prova suficiente sobre a influência do álcool na sua conduta de condução automóvel, nem sobre o intuito dele de fugir à responsabilidade.
Pois bem, a propósito da temática do julgamento de factos, é sempre útil relembrar primeiro os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto incriminatória feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, finalmente dados por provados como sendo factos provados 1, 2, 5, 6 e 7, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador.
Assim, perante a matéria de facto já julgada sem erro notório na apreciação da prova pela Primeira Instância, fica precludido o pedido de absolvição penal total do arguido.
Naufraga, pois, o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas pelo arguido, com três UC de taxa de justiça.
Comunique o presente acórdão (com cópia também da sentença recorrida) ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 19 de Maio de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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