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Processo n.º 570/2021 Data do acórdão: 2022-5-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– acórdão de louvor
– art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil
– art.o 4.o do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
O tribunal de recurso pode louvar a decisão recorrida, nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 570/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 107 a 111v do Processo Comum Singular n.° CR3-21-0099-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A ficou condenado pela prática, em autoria material, de um crime consumado de fuga à responsabilidade, p. e p. sobretudo pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena de três meses de prisão (suspensa na execução por dois anos), com dez meses de inibição efectiva de condução.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando àquela decisão, na motivação apresentada a fls. 117 a 149 dos presentes autos correspondentes, o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) (por entender ele, no essencial, que no caso dos autos não havia prova suficiente para o condenar no dito crime), para pedir a sua absolvição penal, e defendendo, ainda subsidiariamente, que sempre não deixaria de haver erro de direito cometido pelo Tribunal sentenciador primeiro na decisão de não opção pela aplicação da pena de multa ao contrário do disposto no art.o 64.o do Código Penal (CP), e depois na fixação da pena de prisão e da pena de inibição de condução demasiado pesadas para o próprio recorrente, ao arrepio dos padrões da medida da pena dos art.os 40.o e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, pelo que deveria ele passar a ser condenado em pena de multa (a fixar em dias e valor diário pelos mínimos legais), em vez da pena de prisão, e deveria a sua inibição de condução passar a ser fixada perto do mínimo.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 151 a 154v dos autos, no sentido de improcedência do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 165 a 167, opinando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 107 a 111v dos autos, cujo teor integral (que inclui a sua fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nestes parâmetros, vê-se que o arguido começou por assacar à decisão condenatória ora recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sempre se diz que ocorre este vício, nominado na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos.
Aliás, o Tribunal a quo, na fundamentação probatória da sentença, já expôs com congruência lógica as razões essenciais em que se fundou o seu juízo de valor aquando da formação da livre convicção sobre os factos, sob aval do art.o 114.o do CPP (cfr. mormente as considerações tecidas nas linhas 9 a 22 da fl. 109v).
Não houve, pois, qualquer problema de insuficiência de prova, não podendo o arguido passar a ser absolvido do crime de fuga à responsabilidade por que vinha condenado na mesma sentença.
É altura de ver a questão subsidiária da medida da pena:
O crime de fuga à responsabilidade é punível com pena de prisão de um mês até um ano, ou com pena de multa de dez a 120 dias (cfr. os art.os 41.o, n.o 1, e 45.o, n.o 1, do CP e o art.o 89.o da LTR), e ainda com pena acessória de inibição de condução de dois meses a três anos (cfr. o art.o 94.o, alínea 2), da LTR).
O Tribunal recorrido não optou pela pena de multa, mas sim aplicou três meses de prisão ao arguido (suspensa na execução por dois anos), e fixou dez meses de tempo para a inibição efectiva de condução.
Nos termos permitidos pelo art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, é de louvar também toda a decisão já tomada por esse Tribunal na temática da medida da pena, sob a égide dos art.os 64.o, 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP.
Improcede, assim, o recurso in totum.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, com custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Maio de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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