打印全文
Processo n.º 853/2021 Data do acórdão: 2022-5-26
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– violação de leges artis no julgamento dos factos
– reenvio do processo para novo julgamento
S U M Á R I O
Verificando-se erro notório na apreciação da prova por violação de leges artis no julgamento dos factos, é de ordenar o reenvio do processo para novo julgamento.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 853/2021
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Recorrida: Arguida A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 189 a 196v do Processo Comum Singular n.° CR3-21-0165-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na parte em que ficou absolvida a arguida A, aí já melhor identificada, da acusada prática, em autoria material, na forma consumada, de uma contravenção especial por condução sob influência de álcool, p. e p. pelo art.o 96.o, n.o 3, da Lei do Trânsito Rodoviário, veio o Digno Delegado do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, apontando a essa concreta decisão absolutória o vício de erro notório na apreciação da prova, para rogar a condenação directa da arguida nesta contravenção, ou o reenvio desta parte do processo para novo julgamento (cfr., com mais detalhes, a motivação apresentada a fls. 205 a 213v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a arguida (a fls. 217 a 220v dos presentes autos) a defender a manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 234 a 235v dos autos), opinando pela procedência do recurso, com consequente reenvio do processo para novo julgamento.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A fls. 189 a 196v dos autos, ficou proferida a sentença ora recorrida, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Nessa sentença, o Tribunal ora recorrido considerou inclusivamente não provado o seguinte (cfr. o teor da página 5 do texto da sentença, a fl. 191):
– a arguida chegou a tomar bebida alcoólica dentro do “B”;
– a arguida sabia que depois de tomar bebida alcoólica não podia conduzir em via pública.
3. Na parte da fundamentação da própria sentença, o Tribunal recorrido chegou a escrever inclusivamente o seguinte, em jeito de fundamentação probatória da sua decisão sobre o mérito da acusada contravenção especial por condução sob influência de álcool:
– a arguida admitiu a ocorrência do acidente de viação, mas negou ter praticado intencionalmente a conduta de fuga à responsabilidade nem de condução bêbada;
– a arguida declarou que na madrugada de 24 de Novembro de 2019, estava a divertir-se no “B”, que aquando da ida a esse clube já sentia um bocado mal disposta no corpo, que nesse clube tomou um bocado de bebida com ingrediente alcoólico (“飲用了一兩口含酒精成份之飲料”) e que depois sentiu muita vertigem na cabeça, e que depois conduziu veículo, transportando o amigo C, para deixar, em conjunto, o “B”, até que por volta das quatro horas, ao conduzir veículo até ao poste de iluminação n.o 958A04 da Rua da XX, o veículo, por razão desconhecida, embateu em pilar metálico de cor verde ao lado da rua, e que como não sabia como tratar do caso nas altas horas da madrugada, com a agravante de se sentir mal disposta no corpo e vertigem na cabeça, não participou logo o caso à Polícia e sob companhia de C voltou para casa, até que por volta das nove horas da manhã veio a ser procurada, em casa, por polícia para efeitos de auxiliar na investigação, tendo dito ela própria na altura ao polícia que depois de trocar roupa iria regressar ao local para tratar do caso, mas que depois de fechar a porta foi para cama para continuar a dormir, e que se levantou depois pelas 14:00 horas, e que só nessa altura é que pediu a C para que a levasse para ir à esquadra policial para tratar do caso;
– o guarda policial n.o 262181 declarou na audiência de julgamento que chegou a deslocar-se à residência da arguida, e achava, no diálogo com a arguida, que esta tinha acabado de se recordar da cama;
– apesar da taxa de alcoolemia de 1,06 grama por litro de sangue detectada através do respectivo teste feito por maneira de sopro à arguida na esquadra policial, o momento deste teste já foi cerca de dez horas depois do acidente de viação, com a agravante de que a arguida negou ter conduzido veículo após ingestão de bebida alcoólica (declarou que apenas tomou um bocado de bebida com ingrediente alcoólico), e atendendo a que não se consegue, através da prova documental ou dos depoimentos de testemunhas na audiência de julgamento, julgar por assente ter a taxa de álcool dentro do corpo da arguida sido proveniente de factos anteriores à ocorrência do acidente de viação, nem afastar ter a arguida tomar bebida alcoólica depois do acidente de viação e antes do momento do teste da taxa de alcoolemia, é de entender não haver prova suficiente a julgar por assente que a arguida tenha conduzido sob influência de álcool.
4. Na contestação então apresentada a fls. 125 a 129 em nome da arguida, não chegou a ser invocado qualquer facto sobre a ingestão de bebida alcoólica pela arguida depois do momento da ocorrência do acidente de viação dos autos até antes da realização do teste de taxa de alcoolemia, mas sim foi invocado o argumento de que como esse teste não foi realizado de imediato após o acidente, não se consegue aquilatar do grau de “influência do álcool” sobre a conduta de condução praticada por ela.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O Digno Delegado do Procurador ora recorrente imputa à decisão absolutória da contravenção especial de condução sob influência de álcool então imputada à arguida o vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP).
Sempre se diz que há este vício quando o tribunal recorrido viola, por exemplo, leges artis vigentes no julgamento de factos.
No caso, opina o presente Tribunal de recurso que errou patentemente (por violação das leges artis) o Tribunal recorrido ao julgar, materialmente, não estar afastado o possível facto de ter a arguida tomado bebida alcoólica depois da ocorrência do acidente de viação e antes da realização do teste de taxa de alcoolemia.
É que do teor das declarações da arguida, esta nunca chegou a defender que depois do acidente de viação e antes da realização do teste da taxa de alcoolemia, ela própria tenha tomado bebida alcoólica.
Outrossim, errou manifestamente (por violação também de leges artis) o mesmo Tribunal ao julgar não ser possível dar por assente ter a taxa de alcoolemia então detectada no corpo da arguida sido proveniente de factos anteriores à ocorrência do acidente de viação.
Com efeito, não podendo estar em causa o “facto” de ingestão de bebida alcoólica depois do acidente de viação até antes do teste de taxa de alcoolemia, por este “facto” não fazer parte do objecto probando do processo (por sobretudo não ter sido invocado na contestação), a taxa de alcoolemia então detectada no corpo da arguida só poderá ter sido proveniente de factos anteriores à ocorrência do acidente de viação.
Assim sendo, por verificação efectiva do vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, é de ordenar o reenvio do processo, na parte apenas atinente à acusada contravenção especial de condução sob influência de álcool, para novo julgamento no Tribunal Judicial de Base, nos termos permitidos do art.o 418.o, n.os 1 e 2, do CPP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, reenviando o processo para novo julgamento na parte respeitante à contravenção especial de condução sob influência de álcool, então acusada à arguida.
Custas do recurso pela arguida (por ter ela defendido a não procedência do recurso), com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 26 de Maio de 2022.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



Processo n.º 853/2021 Pág. 6/6