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Processo n.º 76/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 2/Junho/2022

Descritores:
- Recurso extraordinário de revisão
- Falta de citação
- Direito do contraditório

SUMÁRIO
Para assegurar o direito do contraditório do réu, a lei estatui regras rígidas para a citação pessoal, e só vale a citação edital após esgotados todos os meios possíveis, ou seja, a citação edital é a última opção.
Se, obtidas as informações prestadas pela Direcção dos Serviços de Finanças ao abrigo do disposto no artigo 190.º do CPC, veio a saber que a recorrente, ré na acção principal, tinha outro endereço registado naqueles Serviços, devia proceder-se à citação pessoal junto desse novo endereço.
A citação é um acto processual extremamente importante, devendo o funcionário judicial ficar sempre atento à seriedade do acto, e não podendo considerá-lo como sendo uma mera formalidade.
Sendo assim, perante as circunstâncias do caso concreto, é bom de ver que se o funcionário judicial tivesse diligenciado atenciosamente, certamente teria logrado localizar as lojas e levar a cabo a citação da recorrente.
Uma vez que foi indevidamente empregue a citação edital, entende-se que há falta de citação, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 141.º do CPC, devendo, em consequência, ser anulados os termos da acção principal posteriores à citação, nos termos previstos na alínea f) do artigo 653.º e alínea a) do artigo 662.º, ambos do CPC.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 76/2022
(Autos de recurso cível)

Data: 2/Junho/2022

Recorrente:
- A Desenvolvimento Macau Limitada (9.ª ré na acção)

Recorridos:
- B Hong Kong Limited (autora) e outros (restantes réus na acção)

Objecto do recurso:
- Decisão que julgou improcedente o recurso de revisão


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Desenvolvimento Macau Limitada, com sinais nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso extraordinário de revisão contra B Hong Kong Limited e outros, alegando que houve falta ou nulidade de citação, ao abrigo da alínea f) do artigo 653.º do CPC.
Por decisão do Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso por se entender que verificado não está a alegada falta ou nulidade de citação.
Inconformada, interpôs a recorrente recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. O Ofício n.º 3714/NIC/DISR/RFM/2011 de 22.11.2011 da Direcção dos Serviços de Finanças, que se encontra a fls. 861 dos autos, não atesta/certifica o que consta sob o n.º 10 no elenco dos factos provados da decisão recorrida: “Por sua vez, de acordo com a informação obtida junto da Direcção dos Serviços de Finanças, verifica-se que a 9ª Ré se encontra inscrita na DSF como contribuinte para os efeitos fiscais, e que chegou a ter o endereço do contribuinte na “Avenida de XX n.ºs XX, Edifício XX, Lote XX, Lojas XX, Coloane” – cfr. fls. 861 desses autos.”
     II. O Ofício n.º 3714/NIC/DISR/RFM/2011 de 22.11.2011 da Direccão dos Serviços de Finanças, que se encontra a fls. 861 dos autos, atesta/certifica que a “A Desenvolvimento Macau Limitada”, aqui também abreviadamente designada por “A”, está inscrita como contribuinte n.º 81XXXX22 (para efeitos de contribuição industrial) e que o endereço do contribuinte (ou seja, a sua sede por ser pessoa colectiva) e da empresa (aí referida pela designação de “estabelecimento”, que era a designação jurídica utilizada pelo anterior Código do Registo Comercial para essa mesma realidade) por essa sociedade explorada, era, nessa data de 22.11.2011, na Av. XX n.ºs XX, Edifício XX, Lote XX, Lojas XX, Coloane.
     III. Essa alteração da sede na Direcção dos Serviços de Finanças teve por causa a apresentação do “Modelo M/1 da Contribuição Industrial – Declaração de Alterações” entrado em 21.09.2010 na Direcção dos Serviços de Finanças de Macau, em que a administradora da sociedade C (pode ser verificado que a assinatura é de C, pela procuração forense constante de instrumento notarial que foi junta à petição do recurso extraordinário de revisão), cuja assinatura no original é notarialmente reconhecida, verificando-se a sua identidade, qualidade e poderes necessários para o acto através de documentos relevantes e suficientes para o efeito, e tal acto de administração da “A” é suficiente para o efeito – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 181º, n.º 2 do Código Comercial.
     IV. Assim, tal documento demonstra que a sede da “A” havia de facto sido alterada para a “R. de XX n.ºs XX, Edf. XX, r/c, “XX”, Taipa” para Av. XX n.ºs XX, Edifício XX, Lote XX, Lojas XX, Coloane.
     V. Ou seja, à data em que foi prestada a informação pela Direcção dos Serviços de Finanças a contribuinte “A” tinha a sua sede de facto nesse endereço e havia feito a devida participação da alteração do endereço da sede e da empresa para efeitos de contribuição industrial à “Direcção dos Serviços de Finanças”.
     VI. O tribunal não é terceiro, para efeitos de registo, e tendo chegado ao seu conhecimento qual era a sede de facto da “A” e que a mesma não coincidia com a sede registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau deveria ter insistido na citação pessoal da Ré “A”, nesse endereço por todas as vias de citação possíveis, pela ordem indicada na lei processual civil.
     VII. Quando, no art. 182º do CPC o legislador menciona “o local onde normalmente funciona a administração” está a referir-se à sede de facto da sociedade, que pode não coincidir com a sede registada – pois sede da sociedade é o local onde estão instalados os seus órgãos, nomeadamente, o órgão executivo, i.e., no caso das sociedades, a administração, pelo que, o tribunal não tem que se ater à sede registada, sempre que, não logrou citar a pessoa colectiva no local da sua sede registada, se, no âmbito das diligências empreendidas para proceder à citação pessoal da mesma, é levado ao seu conhecimento pelo Fisco – a quem a sociedade todos os anos tem que fazer participações fiscais e do mesmo receber notificações efectivas dos impostos a pagar – que a sociedade tem a sua sede de facto noutro local.
     VIII. A Recorrente não tem, no recurso extraordinário de revisão, com fundamento em falta de citação, de alegar e provar que a sua administração funcionava à data nesse endereço do Edf. XX, ou seja, que a sua sede de facto não coincidia com a sua sede registada, pois, até à sua efectiva citação não é suposto a Ré ter conhecimento da interposição da acção dirigida contra si, já que a citação é exactamente o acto, pelo qual, pela primeira vez, se dá conhecimento ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama o mesmo para se defender.
     IX. São as normas processuais civis que obrigam o tribunal a fazer as diligências necessárias para que a citação pessoal do Réu possa ser bem sucedida e que o impedem de recorrer à citação edital enquanto não se mostrarem esgotadas todas as vias para lograr a sua citação pessoal.
     X. A partir o momento em que, através dessas diligências, chega ao conhecimento do tribunal, qual é a sede de facto do Réu, o tribunal está obrigado a utilizar essa informação para proceder à citação pessoal do Réu, pessoa colectiva.
     XI. Se o funcionário judicial, em execução do mandado de citação de que foi incumbido, declara não conseguir encontrar as fracções do prédio que foram indicadas como sede da facto da sociedade Ré e que, por outros elementos do processo, designadamente, por se pretender inválida a transmissão de tais frações para a 9ª R. (constituindo esse um dos pedidos da acção e estando incorporada nos autos a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau que comprova a sua efectiva existência), está provada a sua real existência, o tribunal não podia fazer fé na declaração feita pelo funcionário judicial de inexistência das fracções na certidão negativa e estava obrigado a ordenar ao funcionário judicial incumbido de cumprir o mandado de citação que repetisse o acto ou enveredar, ainda antes de utilizar essa via de citação, pela citação postal da pessoa colectiva por carta registada enviada para esse endereço, nos termos do previstos no art. 183º do CPC de Macau.
     XII. Neste processo foi ordenada a citação edital da 9ª Ré, quando não estava verificado o pressuposto necessário para se recorrer a tal forma de citação, pois anda não havia sido verificado a sociedade citanda encontrar-se em parte incerta – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 190º e 194º do CPC.
     XIII. O art. 141º, al. c), do CPC, estipula que há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital.
     XIV. Nos termos do art. 653º, al. f), do CPC, a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão sempre que tendo corrido à revelia a acção (no caso, inexiste execução), por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação.
     Termos em que, se requer se revogue a decisão do tribunal “a quo” dando devido acolhimento às conclusões extractadas.”
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Ao recurso não responderam os recorridos.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
O tribunal recorrido considerou provada a seguinte factualidade com interesse para a apreciação do recurso de revisão:
Por sentença de 06.01.2017 do Tribunal Judicial de Base proferida nos autos de Acção Declarativa Ordinária n.º CV3-11-0049-CAO, em que foi A., a “B HONG KONG LIMITED”, sociedade constituída em Hong Kong, com sede em XX Floor, XX, XX Road, XX (a sociedade ora Recorrida), e foram RR., OR D (1.º R.), OR E (2.º R.), OR F(3.ª R.), OR G(4.ª R.), OR H(5.ª R.), I (6.º R.), J(7.º R.), K(8.º R.), “A DESENVOLVIMENTO MACAU LIMITADA”(a sociedade ora Recorrente,9.ª R.), “L SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA”(10.ª R.), “COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO M LIMITADA”(11.ª R.), “COMPANHIA N LIMITADA”(12.ª R.) e “O LIMITADA”(13.ª R.), confirmada por acórdão de 11.01.2018 proferido nos autos de Recurso Civil e Laboral n.º 635/2017 do Tribunal de Segunda Instância, foi declarado procedente o pedido formulado sob o n.º I, al. e), de se declarar nula a escritura de compra e venda celebrada no dia 7 de Maio de 2009 no Notário Privado Luís Reigadas, relativa às fracções autónomas “Ar/c”, “Br/c”, “Cr/c” e “Dr/c” do prédio descrito sob o n.º 2XXX9 e às fracções autónomas “Ar/c” e “Br/c” do prédio descrito sob o n.º 2XXX2 (em que a Recorrente foi a compradora), e II, als. f) e h), de ordenar os cancelamentos das inscrições (de aquisição a favor da Recorrente, fundadas na mencionada escritura) n.º 13XXX0G de 12/06/2006 (incidindo sobre as fracções autónomas “Ar/c”, “Br/c”, “Cr/c” e “Dr/c” do prédio descrito sob o n.º 2XXX9) e n.º 13XXX5G de 26/09/2006 (incidindo sobre as fracções autónomas “Ar/c” e “Br/c” do prédio descrito sob o n.º 2XXX2).
Esta decisão transitou em julgado, no dia 30 de Janeiro de 2018, após haver sido totalmente confirmada por acórdão de 11/01/2018 proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos de Recurso Civil e Laboral n.º 635/2017.
Na acção acima referida, procedeu-se à citação edital da ora Recorrente (a 9ª Ré nesses autos) e que a acção correu à revelia da ora Recorrente.
Nos autos CV3-11-0049-CAO, a fls. 798, foi proferido o despacho que ordenou a citação dos RR. (incluindo a ora Recorrente) para contestar.
Na sequência, foi feito termo de entrega do mandado para citação dos RR. ao funcionário de justiça no dia 01.09.2011.
No mandado para citação entregue, cuja cópia consta a fls. 800 desses autos, verifica-se constar como citanda, sob o n.º XX, a ora Recorrente, com sede na “Taipa, R. de XX n.ºs XX, Edf. XX, r/c, “BA””.
Não conseguiu citar a 9ª Ré nesse endereço – cfr. certidão negativa de fls. 803 desses autos.
Por despacho de fls. 812 desses autos, foi ordenado pelo Tribunal o cumprimento do disposto no art.º 190º do CPC, e a citação da 9ª Ré na pessoa da sua representante legal, a saber a administradora C.
Mostrou frustrada a citação da administradora da 9ª Ré conforme a certidão negativa de fls. 973 desses autos.
Por sua vez, de acordo com a informação obtida junto da Direcção dos Serviços de Finanças, verifica-se que a 9ª Ré se encontra inscrita na DSF como contribuinte para os efeitos fiscais, e que chegou a ter o endereço do contribuinte na “Avenida de XX n.ºs XX, Edifício XX, Lote XX, Lojas XX, Coloane” – cfr. fls. 861 desses autos.
Foi emitido novo mandado para citação da 9ª Ré, na pessoa da sua representante legal, a administradora C – vide fls. 972 desses autos.
Mais uma vez, não logrou citar a 9ª por tal diligência de citação – vide fls. 973 desses autos.
Por despacho de fls. 976, o Tribunal ordenou a citação da 9ª Ré por carta registada com aviso de recepção.
Essa carta registada foi endereçada para a sede registada da 9ª Ré “Taipa, R. de XX n.ºs XX, Edf. XX, r/c, “BA””, mas consta erradamente os elementos “XX XXº andar “XX”” – vide fls. 978 e 980 desses autos.
Havendo tal carta sido devolvida, o Tribunal por despacho de fls. 983 ordenou a citação da 9ª Ré através da carta registada com aviso de recepção ao abrigo do art.º 183º do CPC, bem assim a citação da mesma Ré na morada indicada a fls. 861 mediante funcionário de justiça.
Tal carta registada não foi reclamada – vide fls. 986 desses autos.
Já quanto à ordenada citação pessoal, mais uma vez resultou negativa, por o funcionário de justiça não ter conseguido localizar as lojas indicadas no mandado de citação – vide fls. 989 desses autos.
Por ter sido verificado o lapso na escrituração do endereço da 9ª Ré, o Tribunal ordenou a repetição da citação por carta registada com aviso de recepção na sede registada da 9ª Ré – vide fls. 990 desses autos.
Tal carta não foi reclamada e foi devolvida – vide fls. 993 desses autos.
Por despacho de fls. 994, o Tribunal mandou citar editalmente a 9ª Ré.
A Recorrente tinha como sede na “Taipa, R. de XX n.ºs XX, Edf. XX, r/c, “BA””, em chinês, “澳門氹仔XX街XX號XX花園XX地下”, e só a partir de 12.06.2018 é que foi deliberada a mudança da sede, facto este foi registado em 09.07.2018 – tudo conforme se constata pela certidão o registo comercial constante de fls. 125 a 151 destes autos de recurso.
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Decidiu-se na sentença recorrida que, sendo a recorrente pessoa colectiva, deveria a mesma ser citada na sua sede ou local onde funcionava normalmente a administração, para onde o tribunal já tentou enviar por várias vezes cartas registadas com aviso de recepção mas todas essas tentativas foram infrutíferas.
Em consequência, foram procedidas algumas diligências no sentido de obter outros endereços da recorrente, tendo o tribunal sido informado pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF) da existência de um outro endereço válido da recorrente. Isto posto, foi ordenada a citação por funcionário judicial, mas não logrou este levar a cabo à citação por não ter conseguido localizar as lojas indicadas no mandado para citação, por “看不到有上述店鋪的存在”.
Uma vez que não se logrou a prova de que o endereço oferecido pela Direcção dos Serviços de Finanças na altura era o local onde funcionava a administração da recorrente ou se encontravam os representantes legais da mesma, antes pelo contrário a recorrente apenas chegou a ter esse endereço, o tribunal recorrido entende que foram cumpridas as formalidades da citação pessoal e, em consequência, não havia nulidade quanto à realização da citação edital.
Vejamos.
Prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 175.º do Código de Processo Civil (doravante designado por “CPC”) que “a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.”
Para assegurar o direito do contraditório do réu, a lei estatui regras rígidas para a citação pessoal, e só vale a citação edital após esgotados todos os meios possíveis, ou seja, a citação edital é a última opção.
Estatui-se nos n.º 1 e 3 do artigo 176.º do CPC que as pessoas colectivas são citadas na pessoa dos seus representantes, sendo ainda consideradas pessoalmente citadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração.
No caso dos autos, constava do registo comercial que a recorrente tinha a sede em “澳門氹仔XX街XX號XX花園XX地下”.
Frustrada a citação por carta registada com aviso de recepção, foi ordenada a citação por funcionário de justiça.
Segundo a informação prestada pelo funcionário de justiça, a recorrente não se encontrava a funcionar naquele endereço pelo que não conseguiu efectuar a citação.
Acto contínuo, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 190.º do CPC.
Obtidas as informações prestadas pela Direcção dos Serviços de Finanças, veio a saber que a recorrente tinha o seu endereço registado naquela Direcção na Avenida de XX, n.º XX, edifício XX, Lote XX, Lojas XX, Coloane1.
Face a essa nova informação, foi ordenada pelo tribunal a citação da recorrente por carta registada com aviso de recepção.(fls. 976 dos autos principais)
Entretanto, o funcionário não enviou a carta para o novo endereço indicado pela DSF, antes mandou a carta para o endereço indicado na petição inicial, ou seja, novamente para a sede da recorrente sita em “澳門氹仔XX街XX號XX花園XX地下”. (fls. 978 e 980)
Face à devolução da carta, o que era óbvio, foi ordenado que se procedesse à citação da recorrente por duas vias: citação da representante por carta registada com aviso de recepção e citação por funcionário judicial. (fls. 983)
A citação da representante foi infrutífera por a carta não foi reclamada, ao passo que a citação por funcionário judicial, este informou ao juiz que, tendo deslocado aos arredores da XX, não encontrou aquelas lojas (“看不到有上述店鋪的存在”), pelo que a tentativa de citação foi infrutífera. (fls. 989)
Acto contínuo, o juiz ordenou a citação edital.
Ora bem, salvo o devido e mui respeito por melhor opinião, somos a entender que há falta de citação em relação à recorrente.
Em boa verdade, face ao novo endereço fornecido pela DSF, andou bem o tribunal recorrido ao ordenar que se procedesse à citação da recorrente junto desse novo endereço, mas mal agiu o funcionário de justiça ao enviar a carta registada para o antigo endereço da recorrente para tentativa de citação pessoal.
Uma vez que o juiz detectou a tal irregularidade, ordenou que se procedesse à citação por funcionário de justiça, desta vez indicou expressamente que se deveria efectuar a citação junto do novo endereço constante do ofício da DSF.
Assim procedeu o funcionário de justiça, mas atenta a informação prestada pelo mesmo constante de fls. 989 dos autos (certidão negativa), achamos estranho que o funcionário não tivesse encontrado as lojas nos arredores da XX.
Ora bem, se as lojas são aquelas que foram objecto de escritura que se pediu fosse declarada nula na acção principal, como era possível que o funcionário de justiça vinha dizer que não existia aquelas lojas?
Por outro lado, segundo o registo comercial da recorrente, esta tinha por objecto prestar cuidados e serviços a idosos (fls. 831). Como não existia muitos lares para idosos na RAEM, aliás, sendo a XX um pequeno complexo habitacional, se o funcionário tivesse diligenciado minimamente pela localização das lojas, com certeza ia encontrar aquele local para proceder à citação.
Ademais, bastava pôr o nome “澳門P” junto do motor de busca, já se podia encontrar algumas informações antigas relativas àquele lar, o que permitiria facilmente localizar o local, a saber:
- 設施名稱: P - XX,
- 地址: 路環XX大馬路XX號XX花園第XX區地下XX舖
- 成立日期:18/04/2009
- 負責人:C

Face às considerações acima tecidas, não percebemos por que razão o funcionário de justiça vinha dizer que não existia aquelas lojas, sendo assim não podemos aceitar, tal como constava da certidão negativa de citação pessoal da recorrente, que o mesmo tivesse atestado que não conseguiu localizar as lojas. Em nossa opinião, são três as ordens de razões que poderiam ter acontecido:
- existir erro de escrita;
- Ter atestado factos inverídicos;
- Não ter tomado diligências mínimas e necessárias para localizar as lojas em causa.
Ora bem, uma vez que o acto processual praticado pelo funcionário judicial intitulava-se “certidão negativa”, não vislumbramos a existência de qualquer erro de escrita por parte do funcionário.
Em relação à eventual falsidade, não existia qualquer elemento nos autos que indiciava que o funcionário teria atestado falsa e dolosamente os factos.
Já quanto à última hipótese, somos a entender que, em bom rigor, o funcionário judicial não fez aquilo que devia fazer. Efectivamente, a citação é um acto processual extremamente importante, devendo o funcionário judicial ficar sempre atento à seriedade do acto, e não podendo considerá-lo como sendo uma mera formalidade. Sendo assim, perante as circunstâncias acima descritas, é bom de ver que se o funcionário judicial tivesse diligenciado atenciosamente, certamente teria logrado localizar as lojas e levar a cabo a citação da recorrente. Na medida em que o facto atestado pelo funcionário no sentido de não existir aquelas fracções no local indicado não correspondia à verdade, pelo que, andou mal o tribunal recorrido ao ordenar a citação edital, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 141.º do CPC.
Isto posto, há-de julgar procedente o recurso e, em consequência, anular os termos da acção principal posteriores à citação, devendo a recorrente ser regularmente citada para a respectiva causa, nos termos previstos na alínea f) do artigo 653.º e alínea a) do artigo 662.º, ambos do CPC.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em consequência, anular os termos da acção principal posteriores à citação, devendo a recorrente ser regularmente citada para a respectiva causa no endereço indicado na fls. 61 dos presentes autos ou na fls. 861 da acção principal.
Sem custas.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 2 de Junho de 2022
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Tong Hio Fong
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Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
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Lai Kin Hong

1 Há que ter em consideração que no ofício enviado pela Direcção dos Serviços de Finanças, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, nunca se referiu que a recorrente apenas chegou a ter aquele endereço, pelo que se presume ser aquele o endereço válido e efectivo da recorrente.
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Recurso cível 76/2022 Página 13