Processo nº 311/2021
Data do Acórdão: 26MAIO2022
Assuntos:
Contrato de mútuo
Resolução do contrato
Retroactividade dos efeitos da resolução do contrato de mútuo
Juros remuneratórios
Impugnação da matéria de facto
SUMÁRIO
1. Se o mutuante optar pela resolução de um contrato de mútuo, com fundamento na falta do pagamento de juros remuneratórios acordados, por via de regra consagrada no artº 1077º do CC, e não tiver sido acordada no contrato a não retroactividade dos efeitos da resolução (artº 428º/1 do CC, a contrario), ele não terá direito aos juros remuneratórios acordados, vencidos e ainda não pagos, porquanto deixam retroactivamente de existir as obrigações de pagar juros remuneratórios criadas pelo contrato resolvido e portanto não são devidos os juros acordados, sem prejuízo da indemnização do mutuante, segundo as regras do instituto de enriquecimento sem causa, com fundamento no empobrecimento devido à indisponibilidade do capital mutuado por parte do mutuante no período compreendido entre a resolução do contrato e a restituição do capital, e no enriquecimento do mutuário à custa do mutuante decorrente da disponibilidade do capital mutuado no mesmo período de tempo.
2. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
3. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
4. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
5. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
6. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 311/2021
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos de acção ordinária nº CV1-16-0087-CAO, do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
I – RELATÓRIO
Em coligação, os Autores:
A, B, C, D, E, F, G, H, I e J, com mais elementos de identificação nos autos,
Intentaram
a presente acção declarativa que segue a forma ordinária de processo comum contra
Os réus litisconsortes:
Companhia de Grupo K, Limitada, em chinês, “K 集團有限公司” e, em inglês, “K Group Company Limited”, sociedade comercial com sede em Macau, L e sua esposa M, N e sua esposa O, P e sua esposa Q, R e S, também devidamente identificados nos autos.
Pediram os autores que:
Seja declarada a resolução de desasseis (16) contratos de mútuo que, como mutuantes, celebraram com a primeira ré, esta como mutuária, e que todos os réus sejam solidariamente condenados a restituir as quantias mutuadas acrescidas de juros à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento e que sejam ainda condenados a pagar os juros remuneratórios acordados e não pagos, vencidos e vincendos.
Como fundamento do seu pedido, alegaram os autores que:
- Emprestaram dinheiro à primeira ré por determinado prazo com remuneração periódica de juros, tendo a ré deixado de pagar os referidos juros remuneratórios e tendo sido acordado que tal falta de pagamento era motivo de resolução dos contratos celebrados e de pagamento de indemnização;
- Os 2º a 6º réus eram os administradores da primeira ré e, intencionalmente e de forma a prejudicarem aquela sociedade comercial e os autores e demais credores sociais, usaram para seu proveito pessoal, na aquisição de propriedades e de posições contratuais de promitente-comprador, o dinheiro recebido pela ré emprestado pelos autores;
- Os réus casados (segundo a quarto) actuaram e usaram tal dinheiro em proveito comum dos respectivos casais.
Os réus, tendo sido citados editalmente, não contestaram.
Citado o Ministério público em representação dos réus ausentes, também não contestou.
A ré O juntou procuração forense constituindo mandatário, mas não apresentou qualquer contestação.
Os autores, dizendo que pretendem ir reclamar em acções executivas já pendentes o crédito que querem ver reconhecido nos presentes autos, requereram a intervenção principal passiva dos exequentes, dos executados e dos credores reclamantes nas referidas acções executivas pendentes.
Foi deferida tal pretensão relativamente aos seguintes Intervenientes: Banco T de Macau, S.A.; U; V; W; X; Y; Z; Banco AA, S.A.; Banco da AB Limitada; AC; AD; AE; AF; AG; AH; AI; Banco AJ, S.A.; AK e RAEM.
Por ter sido admitida a intervenção principal passiva da RAEM e por esta ser representada pelo Ministério Público, cessou a representação dos réus ausentes por parte do mesmo Ministério Público e foi nomeado patrono àqueles réus.
Foi proferido despacho saneador a fls. 425, o qual não foi objecto de impugnação.
Procedeu-se a julgamento.
*
II – SANEAMENTO
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta o relatório que antecede, as questões a decidir consistem em saber se foram celebrados os contratos de mútuo alegados pelos autores e se a primeira ré mutuária os incumpriu de forma a permitir a sua resolução por parte dos autores. Em caso de resposta afirmativa, caberá ainda saber quais as consequências do incumprimento e da resolução para a primeira ré, designadamente no que respeita à indemnização peticionada. Nesse caso, há ainda que decidir se os 2º a 6º réus, enquanto administradores da primeira ré, são responsáveis pelas consequências do referido incumprimento contratual e se os cônjuges dos 2º a 4º réus respondem também pela obrigação destes. Por fim, caso se conclua pela responsabilidade dos 2º a 6º réus e dos respectivos cônjuges, haverá que apurar se ocorre solidariedade passiva.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A- De facto.
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
a) A 1ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Macau, na澳門…廣場…號XX商業中心…樓…座matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº..., que tem como objecto social 管理公司本身的商業出資;
b) Os 2º e 3º Réus L e N são sócios e administradores da 1ª Ré;
c) O 4º Réu P é sócio da 1ª Ré e foi administrador da mesma sociedade até 29 de Janeiro de 2016;
d) O 5º Réu R foi administrador da 1ª Ré, acima mencionada, até 6 de Maio de 2016 e foi sócio da mesma sociedade até 9 de Maio de 2016;
e) O 6º Réu S foi sócio da 1ª Ré, acima mencionada, até 8 de Abril de 2016 e administrador da mesma sociedade até 29 de Janeiro de 2016;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 1º AUTOR, A
f) Em 18.06.2014, o 1º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos no montante de HKD1.000.000,00, tudo conforme documentos a fls. 84 a 92, 94 a 96 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
g) O valor mutuado nos termos do contrato referido na alínea anterior foi entregue à 1ª Ré através de um cheque emitido pelo 1º Autor a favor do 4º Réu, a pedido da 1ª Ré;
h) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 1º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 2% e anual de 24%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD20.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 1º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
i) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 18.06.2016;
j) A 1ª Ré pagou ao 1º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD380.000,00, com referência ao período de 18.06.2014 a 18.01.2016, à razão de HKD20.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
k) A 1ª Ré não pagou ao 1º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD100.000,00, referente ao período de 18.01.2016 a 18.06.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
l) A 1ª Ré não restituiu ao 1º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00 nem na data acordada, ou seja, em 18.06.2016, nem até à presente data;
m) Celebrou ainda o 1º Autor com a 1ª Ré, em 18.06.2014, um contrato idêntico ao referido em f) pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 93 e 97 a 107 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
n) Tendo entregue o 1º Autor à 1ª Ré, na data da celebração deste contrato, a título de capital mutuado, a quantia de HKD1.000.000,00;
o) O valor referido na alínea anterior foi entregue à 1ª Ré através de um cheque emitido a favor do 4º Réu, pelo 1º Autor, a pedido daquela sociedade;
p) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 1º Autor e a 1ª Ré uma taxa mensal de 2% e anual de 24%, com um montante mensal a título de juros estabelecido contratualmente em HKD20.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 1º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
q) Ficando acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 18.06.2016;
r) A 1ª Ré pagou ao 1º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD380.000,00, com referência ao período de 18.06.2014 a 18.01.2016, à razão de HKD20.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
s) A 1ª Ré não pagou ao 1º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD100.000,00, referente ao período de 18.01.2016 a 18.06.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
t) A 1ª Ré não restituiu ao 1º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00, nem na data acordada, ou seja, em 18.06.2016, nem até à presente data;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 2º AUTOR- B
u) Em 17.10.2015, o 2º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 108 a 153 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
v) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 17.10.2015, o 2º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de MOP1.800.000,00;
w) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 2º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.5% e anual de 18%, correspondendo um montante mensal a título de juros de MOP27.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 2º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
x) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de MOP1.800.000,00 em 17.10.2017;
y) A 1ª Ré pagou ao 2º Autor, a título de juros, a quantia global de MOP108.000,00, referente ao período de 17.10.2015 a 17.02.2016, à razão de MOP27.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
z) A 1ª Ré não pagou ao 2º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de MOP162.000,00, referente ao período de 17.02.2016 a 17.08.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
aa) A 1ª Ré não pagou ao 2º Autor, a título de juros vincendos, o montante de MOP378.000,00, referente ao período de 17.08.2016 a 17.10.2017, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
bb) A 1ª Ré não restituiu ao 2º Autor o capital mutuado no montante de MOP1.800.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 3º AUTOR - C
cc) Em 30.04.2015, o 3º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 154 a 188 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
dd) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 30.04.2015, o 3º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD1.000.000,00;
ee) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 3º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.5% e anual de 18%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD15.000,00 tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 2º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
ff) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 30.04.2017;
gg) A 1ª Ré pagou ao 3º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD135.000,00, referente ao período de 30.04.2015 a 30.01.2016, à razão de HKD15.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
hh) A 1ª Ré não pagou ao 3º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD105.000,00, referente ao período de 30.01.2016 a 30.08.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
ii) A 1ª Ré não pagou ao 3º Autor, a título de juros vincendos, o montante de HKD120.000,00 referente ao período de 30.08.2016 a 30.04.2017, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
jj) A 1ª Ré não restituiu ao 3º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00;
kk) Celebrou ainda o 3º Autor com a 1ª Ré, em 26.02.2016, um contrato pelo prazo de 3 meses (de 26 de Fevereiro a 26 de Maio de 2016), tudo conforme documentos a fls. 189 a 201 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
ll) Tendo entregue o 3º Autor à 1ª Ré, na data da celebração deste contrato, a título de capital mutuado, a quantia de HKD250.000,00;
mm) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 3º Autor e a 1ª Ré uma taxa mensal de 2.5% e anual de 30%, com um montante mensal a título de juros estabelecido contratualmente em HKD7.500,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 3º Autor 3 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
nn) Ficando acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD250.000,00 no dia 26.05.2016;
oo) A 1ª Ré não pagou ao 3º Autor, a título de juros já vencidos, calculados com base no limite legal de 29,75%, o montante de HKD18.281,25, referente ao período de 26.02.2016 a 26.05.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
pp) A 1ª Ré não restituiu ao 3º Autor o capital mutuado no montante de HKD250.000,00, nem na data acordada, ou seja, em 26.05.2016, nem até à presente data;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 4º AUTOR - D
qq) Em 23.09.2015, o 4º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 202 a 222 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
rr) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 23.09.2015, o 4º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de MOP400.000,00;
ss) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 4º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.5%, e anual de 18%, correspondendo um montante mensal a título de juros de MOP6.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 4º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
tt) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de MOP400.000,00 em 23.09.2017;
uu) A 1ª Ré pagou ao 4º Autor, a título de juros, a quantia global de MOP42.000,00, referente ao período de 23.09.2015 a 23.04.2016, à razão de MOP6.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
vv) A 1ª Ré não pagou ao 4º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de MOP24.000,00 referente ao período de 23.04.2016 a 23.08.2016;
ww) A 1ª Ré não pagou ao 4º Autor, a título de juros vincendos, o montante de MOP78.000,00, referente ao período de 23.08.2016 a 23.09.2017;
xx) A 1ª Ré não restituiu ao 4º Autor o capital mutuado no montante de MOP400.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS A FORMULAR PELO 5º AUTOR - E
yy) Em 29.06.2015, o 5º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 225 a 257 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
zz) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 29.06.2015, o 5º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD500.000,00;
aaa) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 5º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.5%, e anual de 18%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD7.500,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 5º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
bbb) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD500.000,00 em 29.06.2017;
ccc) A 1ª Ré pagou ao 5º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD75.000,00, referente ao período de 29.06.2015 a 29.04.2016, à razão de HKD7.500,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
ddd) A 1ª Ré não pagou ao 5º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD30.000,00 referente ao período de 29.04.2016 a 29.08.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
eee) A 1ª Ré não pagou ao 5º Autor, a título de juros vincendos, o montante de HKD75.000,00 referente ao período de 29.08.2016 a 29.06.2017, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
fff) A 1ª Ré não restituiu ao 5º Autor o capital mutuado no montante de HKD500.000,00;
ggg) Celebrou ainda o 5º Autor com a 1ª Ré, em 02.03.2016, um contrato idêntico pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 258 a 311 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
hhh) Tendo entregue o 5º Autor à 1ª Ré, na data da celebração deste contrato, a título de capital mutuado, a quantia de HKD1.000.000,00;
iii) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 5º Autor e a 1ª Ré uma taxa mensal de 1.5%, com um montante mensal a título de juros estabelecido contratualmente em HKD15.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 5º Autor 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
jjj) Ficando acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 02.03.2018;
kkk) A 1ª Ré pagou ao 5º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD15.000,00, referente ao período de 02.03.2016 a 02.04.2016, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
lll) A 1ª Ré não pagou ao 5º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD75.000,00, referente ao período de 02.04.2016 a 02.09.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
mmm) A 1ª Ré não pagou ao 5º Autor, a título de juros vincendos, o montante de HKD270.000,00, referente ao período de 02.09.2016 a 02.03.2018, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
nnn) A 1ª Ré não restituiu ao 5º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 6º AUTOR - F
ooo) Em 15.01.2016, o 6º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 312 a 331 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
ppp) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 15.01.2016, o 6º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD1.000.000,00;
qqq) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 6º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.667% e anual de 20%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD16.670,00 a pagar em cada 3 meses no valor global de HKD50.010,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 6º Autor 8 cheques daquele montante;
rrr) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 19.01.2018;
sss) A 1ª Ré não pagou ao 6º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD100.020,00, referente ao período de 19.01.2016 e 19.07.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
ttt) A 1ª Ré não pagou ao 6º Autor, a título de juros vincendos, o montante de HKD300.060,00, referente ao período de 19.07.2016 a 19.01.2018, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
uuu) A 1ª Ré não restituiu ao 6º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 7º AUTOR - G
vvv) Em 09.01.2014, o 7º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 332 a 336 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
www) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 09.01.2014, o 7º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD1.500.000,00;
xxx) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 7º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 2%, e anual de 24%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD30.000,00;
yyy) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.500.000,00 em 09.01.2016;
zzz) A 1ª Ré pagou ao 7º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD720.000,00, referente ao período de 09.01.2014 a 09.01.2016, à razão de HKD30.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
aaaa) A 1ª Ré não restituiu ao 7º Autor o capital mutuado no montante de HKD1.500.000,00, nem na data acordada, ou seja, em 09.01.2016, nem até à presente data;
bbbb) Tendo o 7º Autor apresentado o referido cheque a pagamento, que foi devolvido por falta de provisão, apresentando a subsequente queixa na Polícia Judiciária em 18.05.2016;
cccc) Celebrou ainda o 7º Autor com a 1ª Ré, em 05.07.2015, um contrato idêntico pelo prazo de 1 ano, tudo conforme documentos a fls. 337 a 350 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
dddd) Tendo entregue o 7º Autor à 1ª Ré, na data da celebração deste contrato, a título de capital mutuado, a quantia de HKD500.000,00;
eeee) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 7º Autor e a 1ª Ré uma taxa mensal de 2% e anual de 24%, com um montante mensal a título de juros estabelecido contratualmente em HKD10.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 7º Autor 12 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
ffff) Ficando acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD500.000,00 em 05.07.2016;
gggg) A 1ª Ré pagou ao 7º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD70.000,00, referente ao período de 05.07.2015 a 05.02.2016, à razão de HKD10.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
hhhh) A 1ª Ré não pagou ao 7º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD50.000,00, referente ao período de 05.02.2016 a 05.07.2016;
iiii) A 1ª Ré não restituiu ao 7º Autor o capital mutuado no montante de HKD500.000,00, nem na data acordada, ou seja, em 05.07.2016, nem até à presente data;
jjjj) A 1ª Ré emitiu e entregou a favor do 7º Autor dois cheques com data de 25.04.2016 e 25.05.2016 no valor de HKD24.000,00 cada um, dois cheques com data de 25.04.2016 e 25.05.2016 no valor de HKD6.000,00 cada um, um cheque no valor de HKD800.000,00 com data de 25.05.2016 e um cheque no valor de HKD200.000,00 com data de 25.05.2016;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELA 8ª AUTORA - H
kkkk) Em 01.04.2015, a 8ª Autora celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 2 anos, tudo conforme documentos a fls. 365 a 397 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
llll) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 01.04.2015, a 8ª Autora entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD1.200.000,00;
mmmm) Como retribuição do mútuo foi acordado entre a 8ª Autora e a 1ª Ré a taxa mensal de 2%, e anual de 24%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD24.000,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue à 8ª Autora 24 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
nnnn) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.200.000,00 em 01.04.2017;
oooo) A 1ª Ré pagou à 8ª Autora, a título de juros, a quantia global de HKD240.000,00, referente ao período de 01.04.2015 a 01.02.2016, à razão de HKD24.000,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
pppp) A 1ª Ré não pagou à 8ª Autora, a título de juros já vencidos, o montante de HKD168.000,00, referente ao período de 01.02.2016 a 01.09.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
qqqq) A 1ª Ré não pagou à 8ª Autora, a título de juros vincendos, o montante de HKD168.000,00, referente ao período de 01.09.2016 a 01.04.2017, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
rrrr) A 1ª Ré não restituiu à 8ª Autora o capital mutuado no montante de HKD1.200.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELA 9ª AUTORA - I
ssss) Em 09.12.2015, a 9ª Autora celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 1 ano, tudo conforme documentos a fls. 398 a 423 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
tttt) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 09.12.2015, a 9ª Autora entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD1.000.000,00;
uuuu) Como retribuição do mútuo foi acordado entre a 9ª Autora e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.67%, e anual de 20%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD16.700,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue à 9ª Autora 12 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
vvvv) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD1.000.000,00 em 09.12.2016;
wwww) A 1ª Ré pagou à 9ª Autora, a título de juros, a quantia global de HKD33.400,00, referente ao período de 09.12.2015 a 09.02.2016, à razão de HKD16.700,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
xxxx) A 1ª Ré não pagou à 9ª Autora, a título de juros já vencidos, o montante de HKD116.900,00, referente ao período de 09.02.2016 a 09.09.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
yyyy) A 1ª Ré não pagou à 9ª Autora, a título de juros vincendos, o montante de HKD50.100,00, referente ao período de 09.09.2016 a 09.12.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
zzzz) A 1ª Ré não restituiu à 9ª Autora o capital mutuado no montante de HKD1.000.000,00;
DOS FACTOS RELATIVOS AOS PEDIDOS FORMULADOS PELO 10º AUTOR - J
aaaaa) Em 02.09.2015, o 10º Autor celebrou com a 1ª Ré Companhia de Grupo K, Limitada, um contrato de mútuo oneroso pelo prazo de 1 ano, tudo conforme documentos a fls. 426 a 449 do arresto apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
bbbbb) Na data da celebração desse contrato, ou seja, em 02.09.2015, o 10º Autor entregou à 1ª Ré, a título de capital mutuado, o montante de HKD700.000,00;
ccccc) Como retribuição do mútuo foi acordado entre o 10º Autor e a 1ª Ré a taxa mensal de 1.8% e, anual de 21.6%, correspondendo um montante mensal a título de juros de HKD12.600,00, tendo para o efeito esta sociedade entregue ao 10º Autor 12 cheques daquele montante, correspondentes aos meses de duração do mesmo contrato de mútuo;
ddddd) Mais ficou acordada a obrigação da 1ª Ré devolver o capital mutuado de HKD700.000,00 em 01.09.2016;
eeeee) A 1ª Ré pagou ao 10º Autor, a título de juros, a quantia global de HKD75.600,00, referente ao período de 01.09.2015 a 01.03.2016, à razão de HKD12.600,00 por mês, por força da aplicação da referida taxa de juro mensal acordada;
fffff) A 1ª Ré não pagou ao 10º Autor, a título de juros já vencidos, o montante de HKD75.600,00, referente ao período de 01.03.2016 a 01.09.2016, sendo que os respectivos cheques foram devolvidos por falta de provisão;
ggggg) A 1ª Ré não restituiu ao 10º Autor o capital mutuado no montante de HKD700.000,00, nem na data acordada, ou seja, em 01.09.2016, nem até à presente data;
MATÉRIA DE INDOLE GERAL
hhhhh) Em meados do mês de Maio de 2016, a sede e os escritórios da 1ª Ré foram definitivamente encerrados deixando aquela sociedade de exercer qualquer actividade a partir daquela altura;
iiiii) O referido na alínea anterior impossibilitou o contacto directo dos Autores com a 1ª Ré, através dos 2º a 6º Réus, com vista a reclamarem as quantias em dívida, tendo estes, inclusivamente, deixado de atender as chamadas telefónicas;
jjjjj) Os 2º a 6º Réus encontram-se em paradeiro incerto desde meados de Maio de 2016;
kkkkk) Os 2º, 3º, 4º, 5º e 6º Réus acordaram em conjunto, enquanto administradores e representantes da 1ª Ré, em investir o dinheiro proveniente dos empréstimos efectuados pelos Autores a favor daquela sociedade na aquisição de diversos imóveis localizados em Macau;
lllll) Tendo o pagamento do preço de compra e venda de inúmeros imóveis sido efectuado por conta daqueles fundos;
mmmmm) Nos casos em que a aquisição daqueles bens foi financiada a coberto de empréstimos bancários, o dinheiro proveniente dos empréstimos efectuados pelos Autores foi usado no pagamento dos valores pagos a título de sinal e princípio de pagamento e das prestações bancárias;
nnnnn) A fracção autónoma designada por “HR/C”, correspondente ao rés-do-chão “H”, para comércio, do prédio urbano denominado X X Garden (blocos 1 e 11), sito na…, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... a fls. … do livro…, foi adquirida pelo 3º Réu (N) e pelo 4º Réu (P), em 19 de Junho de 2014, com recurso a financiamento bancário junto do Banco AL, ficando cada qual com ½;
ooooo) O prédio urbano denominado Edifício X X, composto por rés-do-chão e 1º a 4º andares, destinado a habitação, sito na…, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … a fls. … do livro …, foi adquirido pelos 2º Réu (L) e sua mulher (M), 3º Réu (N) e 4º Réu (P) e sua mulher (Q), em 20 de Novembro de 2015, com recurso a financiamento bancário junto do Banco AM;
ppppp) A fracção autónoma designada por “L5”, correspondente ao 5º andar “L”, para habitação, do prédio urbano sito na…, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … a fls. … do livro …, foi adquirida pelo 4º Réu (P) e sua mulher (Q), em 27 de Maio de 2015, com recurso a financiamento bancário junto do Banco T de Macau;
qqqqq) O 4º Réu (P) prometeu comprar à respectiva sociedade proprietária, através de contrato de cessão da posição contratual, uma fracção autónoma designada por “AR/C” correspondente ao rés-do-chão “A”, para comércio, do prédio urbano denominado X Tower 2, sito na… em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … do livro …, tendo o 4º Réu recorrido a financiamento bancário junto do Banco AB de Macau;
rrrrr) O 4º Réu (P) prometeu comprar ainda à respectiva sociedade proprietária, através de contrato de cessão da posição contratual, duas fracções autónomas designadas por “C10” e “D10”, correspondentes ao 10º andar “C” e ao 10º andar “D”, para habitação, do prédio urbano si to no…, s/n, em Coloane, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, tendo, para o efeito, recorrido a financiamento bancário junto do Banco AJ;
sssss) O 4º Réu P e a sua mulher Q casaram entre si em 27.01.2015 sob o regime de comunhão de adquiridos e em 27.01.2016 celebraram convenção pós-nupcial estipulando o regime de separação;
ttttt) Pelo 4º Réu e esposa relativamente aos imóveis identificados a fls. 836 a 877 do processo de arresto sob o apenso A foi celebrada escritura de acordo com a qual ficou a pertencer a cada um dos cônjuges metade destes dois bens;
uuuuu) O 2º Réu L e a sua mulher M casaram entre si em 27.06.2011 sob o regime de comunhão geral de bens e em 04.05.2016 celebraram convenção pós-nupcial estipulando o regime de separação.
B- De Direito.
Subsumindo os factos provados ao Direito aplicável é de concluir que entre os autores e a primeira ré foram celebrados contratos de mútuo, que são acordos pelos quais uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (art. 1070º do CC). Com efeito, provou-se que os autores e a primeira ré acordaram que os primeiros entregavam dinheiro à segunda e que esta restituiria iguais montantes mais tarde com pagamento periódico de juros. E provou-se também que os autores entregaram à ré o dinheiro acordado, sendo que o mútuo é um contrato real quanto à sua constituição, no sentido de só ficar concluído como fonte de obrigações com a entrega da coisa mutuada, não bastando o acordo.
Porém, de entre os quatro montantes alegados pelo sétimo autor (G) como acordados e entregues à primeira ré, apenas se provaram dois deles, não se tendo provado os alegados no art. 129º da petição inicial (HKD800.000,00 e HKD200.000,00). Todos os restantes alegados se provaram. Assim, dos 16 contratos alegados, apenas 14 se provaram. Desta forma, em relação ao peticionado pelo sétimo autor (G), terá de improceder parte da sua pretensão.
Da resolução contratual pretendida pelos autores.
Provou-se também que a primeira ré não pagou a totalidade dos juros remuneratórios na data estipulada, contrariamente ao acordado.
Dispõe o art. 1077º do CC. que “o mutuante pode resolver o contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento”.
Procede, pois, o pedido de resolução contratual que os autores formularam, porquanto se provou que a primeira ré não procedeu ao pagamento de parte dos juros acordados.
Da pretensão dos autores a serem restituídos do dinheiro emprestado à ré.
A resolução do contrato é uma forma de extinção desse mesmo contrato. Tem efeitos retroativos de modo semelhante à nulidade contratual (arts. 427º e 428º do CC).
Deve, pois, ser restituído aos autores o dinheiro por eles entregue à primeira ré a título de empréstimo, pois é consequência da nulidade e da resolução contratuais que seja restituído o que houver sido prestado (arts. 282º, 427º e 428º do CC).
Da pretensão dos autores a receberem os juros remuneratórios vencidos e ainda não pagos pela ré.
A obrigação da primeira ré de pagar juros era uma prestação periódica (mensal), razão por que, em relação à ré os contratos eram de execução periódica. A resolução contratual nesta espécie de contratos não abrange nem extingue retroativamente as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas. Assim, os autores não têm de restituir os juros que receberam da ré em cumprimento do contrato agora resolvido. Mas, salvo disposição especial ou convenção, a resolução não confere direito às prestações já vencidas e não prestadas. Por um lado, o contrato extingue-se pela sua resolução e deixa de produzir efeitos não vinculando ao seu cumprimento. Por outro lado, a resolução, salvo disposição especial ou convenção, não tem por efeito a criação da obrigação idêntica à obrigação decorrente do contrato e vencida em data anterior à resolução.
Nos termos dos arts. 427º e 428º do CC, a resolução só não tem os efeitos retroactivos da nulidade se houver disposição especial nesse sentido ou se essa for a vontade das partes ou a finalidade da resolução. Porém, contrariamente a outras situações de resolução contratual (por exemplo arts. 1027º do CC e o art. 933º, nº 1 do CPC para o caso do contrato de locação), em lado nenhum se prevê a falta de efeito retroativo da resolução do mútuo em consequência da falta de pagamento dos juros devidos, nem é essa a finalidade da resolução estatuída pelo art. 1077º do CC. Haverá, pois, que averiguar da vontade das partes quanto aos efeitos da resolução para saber se esta não extinguiu a obrigação de pagar os juros vencidos.
Depois de extinto o contrato de mútuo por resolução fundada na falta de pagamento de juros deixam retroativamente de existir as obrigações criadas pelo contrato resolvido e não são devidos os juros acordados, mas não há que restituir os juros já pagos nem há que pagar os vencidos incumpridos. O mutuante tem duas hipóteses face ao não pagamento dos juros pelo mutuário: decide manter o contrato e pode exigir o pagamento dos juros nele acordados ou decide resolver o contrato e não pode exigir os juros acordados pois que o contrato se extinguiu pela resolução. Nesta segunda hipótese em que o mutuante decide resolver o contrato pode fazê-lo por duas vias: pela simples mora na obrigação de pagamento de juros, a via especial do contrato de mútuo (art. 1077º do CC) ou pela via da transformação da mora em incumprimento definitivo por interpelação admonitória, a via geral dos contratos (art. 797º, nº 1, al. b) do CC). Nesta segunda via do incumprimento definitivo, além do direito à resolução, há ainda o direito a indemnização (art. 790º, no 2, ex vi art. 797 do CC). Os autores não optaram por transformar a mora em incumprimento definitivo, tendo optado pela referida via especial de resolução do contrato de mútuo, razão por que extinguiram o contrato retroativamente e extinguiram também retroativamente o dever da mutuária de pagamento de juros.
Resta saber se a vontade contratual dos autores e da primeira ré foi no sentido de a resolução contratual ter por efeito a criação ou a manutenção na esfera jurídica da ré da obrigação de pagar os juros acordados e vencidos até à data da resolução. Vimos que de acordo com os arts. 427º e 428º do CC a resolução contratual não terá efeitos retroativos de extinção das obrigações, designadamente da obrigação de juros, se essa for a vontade das partes. Vistos os contratos provados e cujo teor se deu por reproduzido na decisão que o tribunal tomou sobre a matéria de facto (als. f) e m), por exemplo), neles não se encontra qualquer acordo no sentido de, em caso de resolução pelo mutuante, se manter a obrigação de pagamento de juros por parte do mutuário. Não procede, pois a tese dos autores que afirma terem direito aos juros contratuais vencidos e não pagos.
Se a resolução do contrato de mútuo em consequência do incumprimento da obrigação de pagamento de juros extingue retroativamente essa mesma obrigação de pagamento de juros, nem por isso o mutuante deixa de ter meio para se ressarcir dos danos advindos da indisponibilidade do capital mutuado até à resolução do contrato. É aqui que se coloca a questão da possibilidade de cumulação das consequências da nulidade/resolução com as consequências do enriquecimento sem causa e com as consequências da mora e do incumprimento.
A destruição retroativa da obrigação de juros faz com que o mutuário, se não pagar nada pela disponibilidade da coisa alheia, se enriqueça sem justa causa à custa do mutuante, rectius, se enriqueça à custa do mutuante por uma causa que deixou de existir porque o mutuante a eliminou com a resolução do contrato. Disso não parece haver dúvidas. Mas se o mutuante tem direito a ser restituído segundo as regras do enriquecimento sem causa, não tem direito a receber os juros contratados, mas a receber a medida do seu empobrecimento e do enriquecimento do mutuário (art. 467º, nº 2 do CC). Ora, nada nos autos permite saber qual a medida do enriquecimento e a do empobrecimento, pois que foram contratados juros remuneratórios que nada permite saber se são “os do mercado” e se não são “de favor” ou “especulativos”.
Resta concluir que os autores que resolveram os contratos de mútuo não têm direito a receber os juros contratados que não lhes foram pagos, tendo direito a ser restituídos na medida do seu empobrecimento e do enriquecimento da ré mutuária, medida essa que não está alegada nem comprovada.
Improcede, pois, esta pretensão dos autores, não havendo lugar a condenação para liquidação em execução de sentença com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, pois que a condenação em restituição por enriquecimento sem causa, tendo sido pedida a condenação no cumprimento do contrato por falta de eficácia retroativa da resolução contratual, seria condenação em “objecto diverso” do que se pediu, o que contenderia com o disposto no art. 564º, nº 1 do CPC.
Quanto à cumulação dos efeitos da resolução com os da mora do devedor há que dizer qua a mora cria no devedor relapso o dever de reparar os danos causados pelo atraso no cumprimento (art. 793º do CC). No caso de mora no cumprimento da obrigação de pagar juros remuneratórios do mútuo a indemnização corresponderia ao dever de pagar juros moratórios. Mas também esta condenação está vedada por não ter sido pedida e ser objecto diverso do pedido.
Em resumo, se o mutuário não pagar os juros remuneratórios acordados, cabe ao mutuante escolher a consequência da falha do mutuário:
- ou opta pelo cumprimento com indemnização moratória e pela manutenção do contrato de mútuo, continuando a emprestar;
- ou opta pela resolução imediata do contrato destruindo todas as obrigações dele decorrentes, designadamente a obrigação contratual de pagar juros e a obrigação de continuar a emprestar;
- ou opta por intimar o mutuário a cumprir com advertência de que haverá incumprimento definitivo no caso de se manter o incumprimento por prazo razoável e posterior indemnização por incumprimento e eventual resolução.
Bem se compreende este regime. É o mutuante que ao exercer o direito à resolução imediata perante o atraso do mutuário no pagamento de juros impede definitivamente a possibilidade de cumprimento, mesmo que o mutuário pretenda continuar a cumprir. Por essa razão as consequências do incumprimento definitivo (indemnização e possibilidade de resolução) não se aplicam ao mutuário em caso de resolução por simples mora, salvo previsão legal ou convenção das partes. E não há previsão legal, como existe para a resolução do contrato de locação e para o caso de a resolução ter lugar após o incumprimento definitivo advindo em consequência da fixação de prazo pelo credor mutuante com interpelação admonitória. E também não houve convenção no sentido de o mutuário sofrer as consequências do incumprimento definitivo em caso de resolução por simples mora. Havendo apenas mora e resolução, não há razão para impor ao mutuário as consequências do incumprimento definitivo. Havendo destruição retroativa do contrato também deixa de existir esta fonte da obrigação de pagar os juros acordados. Resta o enriquecimento sem causa como fonte de uma obrigação de retribuição da disponibilização do capital mutuado. Mas faltam factos e pedido para o tribunal poder recorrer a esta fonte das obrigações para impor à ré o dever de pagar os juros remuneratórios vencidos e não pagos.
Da pretensão dos autores a receberem indemnização correspondente aos juros remuneratórios vincendos até à data em que se venceria a obrigação contratual de restituir a quantia mutuada.
Os contratos de mútuo celebrados entre os autores e a ré foram celebrados por diferentes prazos (três, meses, dois anos, …), devendo as quantias mutuadas ser restituídas pela ré aos autores findo o prazo acordado. Os autores pretendem que a ré lhes pague os juros acordados até ao termo dos contratos.
A solução de direito é a mesma que acabou de ser afirmada para os juros remuneratórios vencidos. Porém, os autores fizeram distinção e chamam-lhe indemnização (não lhe chamam condenação no cumprimento). Mas não se conhece o critério que os autores escolheram para classificar entre vencidos e vincendos os juros que peticionam, nem para peticionarem os primeiros enquanto tais e os segundos enquanto indemnização. Designadamente, não identificaram tal critério como a data da entrada da petição inicial em juízo, a data da resolução dos contratos de mútuo, etc.
Na falta de disposição especial, a resolução do contrato fundada no incumprimento não tem por efeito criar um direito de indemnização na esfera jurídica da parte que tem direito à resolução (art. 427º do CC). A lei prevê a cumulação do direito à resolução com o direito à indemnização por incumprimento definitivo por impossibilidade da prestação imputável ao devedor e por transformação da mora em incumprimento definitivo por perda do interesse do credor na prestação ou por interpelação admonitória (arts. 790º, nº 2 e 797º do CC). No caso dos autos, os autores baseiam o seu direito à indemnização por incumprimento na expressa estipulação que acordaram com a ré. Dizem que acordaram que em caso de resolução teriam também direito a indemnização por incumprimento correspondente aos juros remuneratórios. Porém, Vistos os contratos provados e cujo teor se deu por reproduzido na decisão que o tribunal tomou sobre a matéria de facto (als. f) e m), por exemplo), também ali não se encontra qualquer estipulação de indemnização por incumprimento que deva sobreviver à resolução dos contratos de mútuo.
Ora, como relativamente aos juros remuneratórios que os autores classificaram de vencidos, também relativamente aos que classificaram de vincendos, a situação é de simples mora, pelo que, não tendo sido transformada em incumprimento definitivo, a indemnização a que haveria lugar corresponderia aos juros moratórios.
Também quanto aos próprios juros remuneratórios vincendos, a resolução do contrato de mútuo extinguiu retroativamente a obrigação da ré de pagar tais juros, restando o enriquecimento sem causa. De facto, não é concebível, salvo estipulação das partes, que uma delas queira extinguir o contrato com efeitos “ex tunc” e, ao mesmo tempo, pretenda que o contrato extinto continue a produzir efeitos quanto a juros remuneratórios vincendos.
Como antes dito, também aqui o tribunal não pode condenar em objecto diverso do pedido.
Improcede, pois, também a pretensão dos autores agora em análise.
Da pretensão dos autores a receberem juros de mora contados sobre as quantias mutuadas desde a citação até integral pagamento.
Nesta parte não pode haver dúvidas que procede a pretensão dos autores. Com a resolução do contrato de mútuo ficam as partes obrigadas a restituir o que foi prestado, pelo que a primeira ré tem o dever de restituir aos autores as quantias que deles recebeu emprestadas (arts. 289º e 427º do CC). Esta obrigação vence-se com a efectivação da resolução. A resolução opera por mera declaração à outra parte (art. 430º, nº 1 do CC). A citação tem de ser entendida como declaração de resolução dos autores à primeira ré. A partir daí está a ré em mora quanto à obrigação de restituir originada na resolução do contrato porquanto com a citação foi interpelada para cumprir (art. 794º, nº 1 do CC). A mora constituiu o devedor na obrigação de indemnizar, indemnização que no caso das obrigações pecuniárias, como é o caso, corresponde aos juros moratórios (art. 795º CC). Estes seriam calculados a taxa igual à dos juros remuneratórios (art. 795º, nº 2, 2ª parte do CC). Porém, os autores apenas pediram os juros legais, que são inferiores, pelo que procede integralmente esta sua pretensão.
Quanto à responsabilidade dos 2º a 6º réus e dos cônjuges dos 2º a 4ª réus.
Os autores fundam a responsabilidade dos 2º a 6º réus no facto de estes serem administradores da mutuária (primeira ré) e de terem exercido a administração em prejuízo dos credores da sociedade que administravam. E fundam a responsabilidade dos cônjuges dos 2º a 4º réus dizendo que estes réus actuaram para proveito comum dos respectivos casais, sendo por isso a sua dívida comunicável aos respectivos cônjuges.
Não se provou qualquer facto que permita concluir pela existência de administração danosa ou em violação de qualquer dever dos administradores, razão por que não ocorre responsabilidade dos réus administradores da mutuária para com os credores desta. Com efeito, nos termos do disposto no nº 1 do art. 249º do Código comercial “os administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância de uma disposição legal ou estatutária, principal ou exclusivamente destinada à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Não havendo dívida dos 2º a 4º réus, nenhuma obrigação é comunicável aos respectivos cônjuges.
Improcede, pois, esta parte da pretensão dos autores.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvem-se do pedido os 2º a 6º réus e os cônjuges dos 2º a 4º réus, declaram-se resolvidos os catorze (14) contratos de mútuo que a primeira ré celebrou com os autores e condena-se a ré a pagar aos autores as quantias que estes lhe emprestaram acrescidas de juros à taxa legal, contados desde a citação da primeira ré até integral pagamento.
Assim, condena-se a primeira ré a pagar, com o referido acréscimo de juros:
- Ao primeiro autor a quantia de HKD2.000.000,00;
- Ao segundo autor a quantia de MOP1.800.000,00;
- Ao terceiro autor a quantia de HKD1.250.000,00;
- Ao quarto autor a quantia de MOP400.000,00;
- Ao quinto autor a quantia de HKD1.500.000,00;
- Ao sexto autor a quantia de HKD1.000.000,00;
- Ao sétimo autor a quantia de HKD2.000.000,00;
- À oitava autora a quantia de HKD1.200.000,00;
- À nona autora a quantia de a quantia de HKD1.000.000,00;
- Ao décimo autor a quantia de HKD700.000,00;
*
Custas a cargo da primeira ré e dos autores na proporção de 3/5 para a primeira e 2/5 para os segundos, sendo que cada um dos autores participará nas custas que a todos cabem na proporção do respectivo pedido.
Registe e notifique.
Não se conformando com essa sentença, vieram os Autores A, B, C, E, F, H, I e J, recorrer dela, impugnando a decisão de facto, concluindo e pedindo, na hipótese do alteração da matéria de facto nos termos requeridos, que:
1. O recurso incide sobre a sentença de 04/09/2020 e decisão sobre a matéria de facto de 30/03/2020.
2. O processo incide sobre uma questão susceptível de afectar a confiança no comércio jurídico.
3. Incidindo a ónus de formular conclusões sobre a matéria de direito, salvo opinião diversa, em que os recorrentes seriam então convidados a completar as alegações nos termos do art. 598.º n.º 4 do CPC, iremo-nos abster de repetir o que acima se disse sobre a decisão relativa à matéria de facto (art. 599.º do CPC).
4. Apenas para melhor compreensão, os recorrentes põem em causa a decisão de facto no que toca à consideração como não provada do art. 178, 183, 185, 187, 189, 191, 193, 194, 195, 197, 198, 202, 206, 207, 208 e 209 da petição inicial (recorde-se, não houve selecção da matéria de facto no âmbito do saneador atendendo a que não foi apresentada contestação).
5. Sobre os juros vencidos e ainda não pagos pela 1. R, o Tribunal a quo começa por considerar que foram celebrados mútuos entre os AA e a 1. R, e esta enquanto mutuária incumpriu pelo que os contratos se consideraram resolvidos ao abrigo do art. 1077.º do Cód. Civil.
6. Considerou também que a resolução do contrato tem efeitos retroativos (cfr. art. 428.º do CC), pelo que condenou a 1. R no reembolso das quantias mutuadas.
7. No que respeita aos juros, relativamente às prestações de juros vencidas, o Tribunal recorrido preservou aquelas que já foram pagas, mas não considerou devidas aquelas que não foram, porquanto para o efeito teria o mutuante teria ou de ter acordado nesse sentido ou transformado a mora em incumprimento definitivo.
8. Respeitosamente, discordamos. Tem de se distinguir a resolução da respectiva consequência. O art. 1077.º do CC é norma específica relativa aos mútuos pela qual o mutuante pode resolver o contrato perante qualquer incumprimento de juros. Questão distinta é a relativa à indemnização decorrente da resolução.
9. Assim o refere a jurisprudência comparada de Portugal, do Supremo Tribunal de Justiça, pelo qual se distingue entre resolução e indemnização como remédios distintos.
10. A indemnização apura-se facilmente no caso dos juros vencidos mas não pagos - tendo o mutuário faltoso permanecido com o capital, mas não tendo pago qualquer remuneração por esse gozo, é esse mesmo o prejuízo sofrido pelo mutuante.
11. A diferenciação proposta pelo Tribunal recorrido, com base no facto do mutuário faltoso ter ou não pago os juros vencidos, criaria situações de patente injustiça. Mútuos constituídos e objecto de resolução nas mesmas datas, um mutuante cujo mutuário faltasse ao pagamento de apenas uma prestação de juros ficaria beneficiado em relação a um outro mutuante com o mesmo mutuário mas que nunca havia pago qualquer prestação de juros.
12. O Tribunal recorrido até reconhece que há uma situação injusta, porquanto o mutuário teve a “disponibilidade uma coisa alheia” sem qualquer contrapartida, mas resolvia a questão através do enriquecimento sem causa, que está errado porquanto este último é um regime subsidiário.
13. Pelo que deve-se revogar a decisão neste âmbito, condenando a 1. R (e os 2. a 6. RR eventualmente) no pagamento dos juros vencidos mas não pagos.
14. Quanto à responsabilidade dos administradores, o art. 249.º n.º 1 do Cód. Comercial vem permitir que os credores possam directamente assacar responsabilidade àqueles por uma actuação no exercício das suas funções, em violação da lei, e que tenha causado prejuízos aos credores.
15. O regime das sociedade é uma forma de exponenciar a actividade económica, mas implica sempre a existência de pessoas singulares no pano de fundo, que representam aquela perante terceiros.
16. Este regime implica a criação de um património autónomo distinto dos sócios e representantes, mas o legislador pretendeu assegurar que a confiança de terceiros não era objecto de fraude, caso contrário o regime das pessoas colectivas não tinha eficácia.
17. Criaram-se determinadas regras no relacionamento das pessoas colectivas entre sócios e / ou administradores, para assegurar a confiança de terceiros na relação da sociedade, dando azo a responsabilidade daqueles sócios / administradores se violada.
18. São três requisitos, segundo a jurisprudência da Relação do Porto, para se verificar a responsabilidade: i) facto viola norma destinada a proteger os interesses dos credores, ii) insuficiência do património para satisfação dos credores e iii) nexo de causalidade.
19. Cfr. António P. Almeida, é necessário que conduta dos administradores seja causa da efectiva insatisfação das obrigações perante os credores, mas tal não implica que tenha sido declarada a falência da sociedade.
20. Entre o regime português e o de Macau há uma diferença nesta norma: é que nesta última não se exige que as normas violadas sejam exclusivamente ‘destinadas à protecção’ dos credores.
21. In casu, foram violadas três normas pelos 2. a 6. RR neste âmbito: (a) dever de apresentação à falência, (b) dever de gerir a sociedade, e (c) integridade do património social.
22. Quanto ao dever de apresentação à falência, dispõe o art. 1047.º do CPC que os administradores têm de apresentar a sociedade à falência dentro de 15 dias contados do incumprimento de obrigações nos moldes do art. 1082.º n.º 1 al. a).
23. É o caso paradigmático de uma norma destinada à protecção de credores.
24. Alude o dito art. 1082.º n.º 1 al. a) do CPC à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revelem incapacidade do devedor de cumprir pontualmente as suas obrigações.
25. Provou-se que a 1. R contraiu diversos empréstimos perante os AA e que vinha fazendo o pagamento dos juros devidos até final de 2015.
26. Provou-se ainda que a 1. R deixou de pagar os juros em 2016 e que não restituiu posteriormente o capital mutuado.
27. Só nesta acção estão 10 credores, os quais a l. R não pagou os juros devidos (a partir de 18.01.2016) ou restituir sequer parte do capital aquando do vencimento (em 09.0l.2016).
28. Só em 09.01.2016, a 1. R já estava em falta com uma prestação de $1,500,000, o que representa um montante significativo. E mesmo com os montantes de menor monta, como os juros, a 1. R começou a incumprir em 19.01.2016.
29. Os 2. a 6. RR em vez de apresentarem a 1. R à falência, logo no início de 2016, simplesmente deixaram de prover pela actividade da 1. R em meados de 2016, apesar de existir ainda património da 1. R susceptível de gerar rendimentos.
30. Mais gravoso, os 2. a 6. RR ausentaram-se de Macau em meados de 2016, meio ano depois dos problemas financeiros na 1. R terem tido início, deixando sequer de estar contactáveis para assuntos relativos à sua função como administradores.
31. A última obrigação dos AA a vencer-se ocorreu em 02.03.2018, sendo que só em termos de reembolso do capital dos mútuos, a 1. R tinha em dívida $13,850,000, sendo que o paradeiro dos administradores 2. a 6. RR era desconhecido nessa altura há quase dois anos.
32. Através dos extractos bancários juntos aos autos, vê-se que a 1. R, sob gestão dos 2. a 6. RR como administradores, continuava a fazer débitos bancárias até meados de 2016, pelo que os AA foram prejudicados em que as suas obrigações foram preteridas.
33. O processo de falência não serve apenas para alertar terceiros para a incapacidade da sociedade cumprir com as suas obrigações, mas também para prover por uma ordenada da gestão mesma perante essa incapacidade, especialmente assegurar que uns credores não são mais beneficiados que outros (em face da escassez de bens para prover por todos).
34. Mesmo o risco da administração dissipar bens em antecipação da falência, que pode ser combatido a posteriori, o problema decorre da dificuldade em sequer ter conhecimento dos bens existente antes da falência e na altura em que a mesma devia ter sido declarada.
35. Finalmente, apesar da 1. R estar em situação de falência, ainda assim os 2. a 6. RR continuavam a contrair empréstimos, nomeadamente com o 3. A ($250,000), 5. A em 02.03.2016 ($1,000,000) e 6. A em 15.01.2016 ($1,000,000). Pelos menos esses não teriam sido contraídos se os 2. a 6 RR tivessem apresentado a 1. R à falência como deviam.
36. O dever dos administradores de prover pela gestão da sociedade consta do art. 235.º n.º 2 do CCom., mais dispondo que deve agir no interesse da mesma e empenhar a diligência de um gestor criterioso e ordenado. Se assim não fosse, como poderiam os credores confiar que uma sociedade teria capacidade de honrar os seus compromissos.
37. Como refere António P. Almeida, a definição destes deveres (de cuidado, diligência e lealdade) tem relevância, no apuramento da responsabilidade civil dos administradores.
38. Sem entrar na discussão de onde vinham os fundos para as respectivas aquisições, no âmbito do dever de lealdade, a testemunha 13.a, empregado da 1. R que tinha como função encontrar negócios no ramo imobiliário para a sociedade, desde logo refere que os seus patrões, os 2. a 6. RR, ficavam com os melhores negócios para si próprios.
39. Refere António P. de Almeida que a obrigação de não apropriação de informações internas da sociedade pelos administradores tem precisamente que ver com evitar situações de conflito de interesse entre estes e aquela.
40. Embora não consta da matéria de facto, não deixa de ser uma indicação da actuação eticamente enviesada dos 2. a 6 RR enquanto administradores da 1. R - a exploração de oportunidades era à conta da sociedade, mas aqueles é que beneficia a título individual.
41. No âmbito do dever de cuidado, o administrador tem de ter conhecimento dos assuntos sociais, acompanhando e vigiando a actividade social.
42. Ficou demonstrado que a 1. R tinha actividade, tanto que contraiu diversos empréstimos perante os AA e até fazia alguns pagamentos. A 1. R era gerida pelos sócios 2. a 6. RR e só quando entrou em incumprimento é que alguns deixaram de ser administradores.
43. Provou-se que o contacto dos 1. R com os AA era feito através dos 2. a 6. RR, os quais ficaram incontactáveis a partir de Maio de 2016, com paradeiro incerto sendo que os escritórios da sociedade foram encerrados nessa altura, deixando esta de ter qualquer actividade.
44. Assim se mostra a violação do dever de cuidado, porquanto os 2. a 6. RR que vinham provendo pela gestão da sociedade, causaram o abrupto encerramento da actividade da 1. R, sem qualquer justificação, e, mais gravoso, desapareceram.
45. A 1. R, como decorre do arresto, tem património imobiliário, cuja administração devia prover pela manutenção para evitar custos desnecessários bem como não se perderam oportunidades de rentabilização - não o fizeram.
46. Esta violação pelos administradores 2. a 6 RR é evidentemente apta a causar insuficiência do património da 1. R e a consequente insatisfação dos créditos dos AA. De facto, dependendo o pagamento das obrigações aos AA (a nível dos juros e capital) do desenvolvimento da actividade da 1. R, se essa actividade cessa, evidentemente que o resultado será o incumprimento.
47. António P. de Almeida refere que na obrigação de gestão, o padrão não é o bonus pater familiae do direito civil, mas um gestor com maior discricionariedade mas mais exigente, atendendo às importâncias incumbências dos administradores.
48. Os administradores 2. a 6. RR comprometeram-se perante os AA a utilizar os fundos mutuados na aquisição de imóveis em Macau, o que vieram a fazer (e neste âmbito não entramos na discussão sobre em nome de quem ficaram registados).
49. A conclusão do Tribunal a quo sobre o facto do valor emprestado pelos AA não ser suficiente para adquirir o acervo patrimonial que pertencia à 1. R (e atribuído aos 2. a 6. RR) devia na verdade ser reformulado no sentido de que não tendo havido uma queda abrupta do mercado imobiliário (o sector de investimento da 1. R cfr. referido aos AA pelos 2. a 6. RR), como se justifica que a 1. R tenha deixado de ter activos suficientes para sequer reembolsar parcialmente o capital mutuado pelos AA.
50. Também no âmbito dos deveres dos administradores de exercer uma gestão criteriosa, não se compreende como remuneravam os empréstimos dos AA com taxas de juros anuais nalguns casos de 24%, sem alusão de risco relativamente ao reembolso do capital (ou seja, era um empréstimo, não um investimento, como ficou provado).
51. Ademais, os 2. a 6. RR utilizavam esses fundos para obter novos empréstimos, o que implica portanto o pagamento de juros a duas entidades distintas por no fundo o mesmo montante de capital.
52. Além desse já pesado encargo de juros, no âmbito da gestão da sociedade acrescem ainda os respectivos custos (in casu, os quais aparenta claramente supérfluos), devendo-se ainda considerar a expectável margem de lucro para os sócios.
53. Gerar o montante de resultados necessário mostra-se ainda mais difícil se os imóveis adquiridos pela 1. R eram registados em nome dos seus administradores 2. a 6. RR.
54. Atento a que o recurso a empréstimos até é comum, pelo menos exigia-se aos 2. a 6. RR que empregassem o mínimo de diligência em aferir se iria ter capacidade de gerar rendimento suficiente para cumprir com as obrigações a que se estavam a vincular, nomeadamente, no âmbito do imobiliário, com base na valorização ou rendimento dos bens a ser adquiridos.
55. Não só as opções de gestão dos 2. a 6. RR se mostraram desastrosas, certo é que a sociedade necessitaria de estar em actividade para responder com as suas obrigações, sendo que os (únicos) administradores abandonaram-na não deixando rasto ou justificação.
56. Tanto as (desastrosas) decisões ao nível da gestão, como a interrupção da actividade da sociedade, em virtude do abandono das funções de administrador, causaram a inevitável insuficiência do património da 1. R para cumprir com as obrigações perante os AA.
57. A existência de irregularidades na gestão é patente se tivermos em conta que os empréstimos foram contraídos de 2014 a 2016 para investimento no mercado imobiliário, como é que já no início de 2016 a 1. R já não consegue cumprir com as suas obrigações perante estes mutuantes.
58. No que toca à integralidade do património social, decorre do art. 596.º do CC que são os bens do devedor que respondem pelo cumprimento das obrigações. A análise desta questão de direito, tal como a que lhe sucede, apenas tem relevância caso a decisão de facto venha a ser alterada.
59. O capital próprio das sociedades deve representar as entradas dos sócios, sendo o papel deste orientado para tutela dos credores, embora na verdade seja bastante limitado.
60. Como refere Oliveira Ascensão, o é um mero valor contabilístico, muitas vezes ridículo em vista da inflacção, sendo que o que responde perante os credores é realmente o património social.
61. A figura jurídica das sociedades implica um património autónomo de responsabilidade limitada, pelo que os credores têm de ter confiança nesse mesmo património no sentido em que a dita autonomia será respeitada.
62. Como refere o STJ, o crédito concedido à sociedade não se limita à consideração do capital próprio, mas antes do património social, o qual terá de ser suficiente para tranquilizar os credores quanto à capacidade de ressarcimento.
63. Assim, há diversas normas legais que têm em vista a protecção desse património. Entre elas, o art. 198.º n.º 1 do CCom. de que não podem ser distribuídos bens a sócios sem ser a título de lucros e que essa distribuição exige deliberação prévia dos sócios (sujeita a determinados constrangimentos) - art. 199.º do CCom.
64. Essas normas em conjunto com as estipulações de que o lucro é apurado em função das contas do exercício, elaboradas segundo inúmeras regras, parte das quais com vista a assegurar que “devolução” de bens a sócios à conta do património da sociedade é feita sem prejuízo dos terceiros que lidam com a sociedade.
65. Dito isto, ao utilizarem os fundos da sociedade para adquirir imóveis que depois registavam em nome próprio (ou outros bens e até o arrendamento para familiares), os sócios administradores estavam na prática a distribuir entre si bens da sociedade.
66. Esta conduta evidentemente pôs em causa a viabilidade da 1. R, porquanto os fundos que aquela recebeu dos AA eram destinados ao investimento no mercado imobiliário para daí se extrair rendimento, mas se os bens adquiridos nem eram registados em nome da 1. R, não se podia esperar que pudesse depois reembolsar os AA.
67. No âmbito da desconsideração da personalidade jurídica, apesar da alegação inicial dos AA apontar no sentido da responsabilização dos 2. a 6. RR como administradores, a verdade é que estes eram também sócios da 1. R, o que está plenamente provado, pelo que se pode equacionar outra solução de direito.
68. Dando-se como provados alguns factos que assim não foram considerados, a 1. R era basicamente utilizada como uma ATM pessoal ao serviço dos seus sócios administradores.
69. Como refere Oliveira Ascenção, a pessoa colectiva representa uma entidade jurídica distinta dos seus membros. A violação deste princípio tem a sua verificação mais gritante quando os sócios fazem ingressar nos seus patrimónios bens da sociedade. Exercendo a sociedade e a sua personalidade autónoma uma função, sendo apenas uma realidade jurídica, se aquela função é atingida, há um desvirtuamento do propósito da sociedade.
70. A desconsideração da personalidade jurídica não tem um regime próprio legal, decorre antes dos princípios da lei, sendo que em Macau dá-se por assente a existência dessa possibilidade, cfr. este Tribunal referiu, por ex. no proc. 255/2017, que o abuso da personalidade jurídica leva à possibilidade de se responsabilizar quem está por detrás da autonomia ficcionada da sociedade (in casu, os sócios).
71. Dando-se por verificado que os sócios administradores andaram a registar bens adquiridos com fundos da sociedade em nome próprio, ainda que não se prove uma intenção ilegítima (que consta na mesma do elenco de factos trazidos ao processo), não há qualquer justificação para tal e representa uma violação da autonomia do património da sociedade.
72. Apenas se entende essa actuação no sentido de evitar que os credores conseguissem perseguir os activos adquiridos com os fundos que mutuaram à l. R e assim enriquecendo-se os 2. a 6 RR sem qualquer justificação. É um caso escola de uma utilização absolutamente indevida do instituto da personalidade jurídica.
73. Como refere o STJ, a personalidade jurídica é uma ficção jurídica que visa dotar a iniciativa privada de um instrumento de propulsão da actividade económica que essencialmente visa a separação e limitação da responsabilidade dos sócios que alocam no seu começo. Nesse sentido, a personalidade jurídica não pode constituir um valor absoluto, especialmente diante de práticas ilícitas, censuráveis e que desembocam em prejuízos para terceiros.
74. Parece-nos que o caso nos autos justificaria precisamente a aplicação deste regime, tal foi o manifestamente abusivo, censurável e ilegal comportamento dos sócios administradores ao tomarem de assalto os bens da sociedade, com o prejuízo evidente para os AA que ficaram com os seus créditos por ressarcir.
75. Como já se referiu, a lei disciplina a distribuição de bens aos sócios, com vista à protecção dos interesses dos credores perante o que é uma ficção jurídica. De facto, não se podem os sócios escudar na responsabilidade limitada da sociedade, mas depois servem-se do património daquela sem qualquer respeito pela segregação legal daquele com os seus próprios.
76. Espera-se que o Tribunal ao julgar tenha em conta todas as circunstâncias do caso e as regras da experiência comum, pois que daí se extraem, na nossa humilde opinião, a resposta positiva à verificação de diversos factos que ficaram por provar.
Aos recursos, nenhumas respostas foram apresentadas.
Admitidos no Tribunal a quo, os recursos foram feitos subir a este Tribunal de recurso.
Liminarmente admitidos os recursos e colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Inexistindo questão de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões dos recursos, os Autores recorrentes vieram impugnar a matéria de facto e pretenderam, na hipótese do êxito da impugnação, ver também solidariamente condenados os restantes Réus, para além de reagir contra a decisão de direito da não condenação da 1ª Ré e dos restantes Réus (destes últimos só na hipótese do êxito da impugnação da matéria de facto) no pagamento dos juros remuneratórios acordados vencidos e não pagos até à resolução do contrato de mútuo, com fundamento no erro de direito.
Comecemos pela apreciação dessa última questão de direito e depois vamo-nos debruçar sobre a questão de facto.
1. Do erro de direito quanto aos juros remuneratórios vencidos e não pagos
Quer na primeira instância quer agora em sede de recurso, os Autores pretendem que lhes sejam reconhecidos os juros remuneratórios vencidos mas ainda não pagos até à resolução do contrato de mútuo.
O Tribunal a quo entende que ao decidir fazer extinguir o contrato de mútuo por via de resolução ao abrigo da regra especial prevista no artº 1077º do CC, ou seja, com fundamento na simples mora na obrigação de pagamento de juros por parte da 1ª Ré, os Autores ficam impedidos de pedir os juros remuneratórios vencidos mas ainda não pagos até à resolução, porquanto, no caso em apreço inexiste a vontade das partes quanto à não retroactividade dos efeitos de resolução nem esta é a finalidade da resolução estatuída pelo artº 1077º do CC. Assim sendo, deixam retroactivamente de existir as obrigações criadas pelo contrato resolvido nos termos do disposto no artº 428º/1 do CC, interpretado a contrario sensu.
Para o Tribunal a quo, os Autores, enquanto mutuantes, nem por isso deixam de ter meio para se ressarcir dos danos advindos da indisponibilidade do capital mutuado até à resolução, porquanto eles poderiam fazê-lo segundo as regras do enriquecimento sem causa, na medida em que a 1ª Ré, enquanto mutuária, se não pagar nada pela disponibilidade da coisa alheia, se enriqueça sem justa causa (a causa justa deixa de existir com a resolução) à custa dos Autores mutuantes.
Todavia, por um lado nada nos autos permitindo saber se os juros remuneratórios acordados são os do mercado ou não são de favor ou até especulativos e não tendo sido alegada nem provada pelos Autores a medida do seu empobrecimento e do enriquecimento da 1ª Ré mutuária, e por outro, dada a impossibilidade da condenação em objecto diverso imposta pelo artº 564º/1 do CPA, o Tribunal a quo decidiu não condenar a 1ª Ré mutuária a pagar aos Autores a título da indemnização o valor idêntico ao dos juros remuneratórios acordados, vencidos e não pagos até à resolução.
Para nós, a questão foi correctamente analisada e decidida na sentença ora recorrida, pois foi ai demonstrada, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes e através da abordagem das várias formas possíveis de fazer extinguir um contrato de mútuo, ao dispor dos Autores e da enunciação das consequências variadas consoantes a opção por parte dos Autores para fazer extinguir os contratos de mútuo, a improcedência do pedido dos Autores, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida quanto à questão em causa e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os fundamentos ai invocados, julgando improcedente o recurso dos Autores nesta parte.
2. Do erro da decisão de facto
Pretenderam os recorrentes ver alteradas as partes da decisão de facto indicadas na petição de recurso nos termos nela requeridos, com vista sustentar as suas teses, alternativas, ou fazer responsabilizar solitariamente os administradores da 1ª Ré, aqui Réus e recorridos, perante os Autores, credores da sociedade Ré, com fundamento de que, na inobservância por parte dos Réus sócios/administradores de uma disposição legal ou estatutária, principal ou exclusivamente destinada à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos, ou desconsiderar a personalidade jurídica da 1ª Ré com fundamento nos comportamentos ilícitos e fraudulentos dos ora Réus recorridos, enquanto sócios, que abusaram da personalidade colectiva da sociedade com prejuízo para os Autores, por forma a justificar em última análise a condenação solidárias dos restantes Réus, sócios da 1ª Ré, pessoas singulares enquanto tais, na restituição dos capitais mutuados aos Autores e no pagamento dos juros de mora na restituição.
Ora, a propósito da sindicabilidade e do controlo jurisdicional de decisões de facto de 1ª instância, é de relembrar a nossa jurisprudência que temos vindo a seguir de forma unânime.
Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
Relembrado a jurisprudência que temos seguido, vamos ver o que foi dito na fundamentação da convicção do tribunal de 1ª instância, que se segue integralmente transcrita:
A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto assente resultou do seguinte:
- Quanto aos factos das alíneas a) a e) referentes à sociedade aqui 1ª Ré, seus sócios e administradores a convicção do tribunal resultou da certidão do registo Comercial e Bens Móveis referente à sociedade 1ª Ré e que consta de fls. 69 a 95.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 1º Autor, A e que consta das alíneas f) a t) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 84 a 96 do arresto apenso A, contratos de mútuo celebrados entre o 1º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com o depoimento da 1ª testemunha ouvida, AO a qual para além de ser amiga do 1º Autor foi funcionária da 1ª Ré como escriturária entre Agosto de 2013 e Janeiro de 2016, sendo que numa e noutra qualidade tem conhecimento directo dos factos que relatou e que correspondem ao que foi dado por assente nestas alíneas.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 2º Autor- B e que consta das alíneas u) a bb) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 108 153 do arresto apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 2º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com o depoimento da 2ª testemunha ouvida, AP o qual é irmão do 2º Autor e nessa qualidade, porque o irmão lhe contou, tem conhecimento dos factos que relatou e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 3º Autor - C e que constam das alíneas cc) a pp) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 154 a 201 do arresto apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 3º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com o depoimento da 3ª testemunha ouvida, AQ a qual é casada com o 3º Autor e nessa qualidade tem conhecimento dos factos que relatou e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 4º Autor - D e que constam das alíneas qq) a xx) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 202 a 222 do arresto apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 4º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com o depoimento da 4ª testemunha ouvida, AR, irmão do 4º Autor e funcionário da 1ª Ré, qualidade na qual tem conhecimento de que o irmão emprestou MOP400.000,00 à 1ª Ré bem como os termos do contrato os quais coincidem com o que se deu como provado e consta do documento, sabendo ainda que apenas foram pagos 7 dos cheques referentes aos juros e que um mês antes da companhia encerrar deixaram de pagar, sendo que um dia lhe disseram que no dia a seguir já não trabalhava e a companhia encerrou desparecendo os 5 sócios. Referiu também que os sócios compraram imóveis com o dinheiro da 1ª Ré que registaram em seu nome, sendo que, quase todas as noites frequentavam clubes nocturnos.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 5º Autor – E e que constam das alíneas yy) a nnn) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 225 a 311 do arresto Apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 5º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com os depoimentos das 5ª e 6ª testemunhas ouvidas, AS mãe do 5º Autor e AT esposa do 5º Autor, e que nessa qualidade têm conhecimento dos factos que relataram e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 6º Autor – F e que constam das alíneas ooo) a uuu) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 312 a 331 do arresto Apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 6º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com os depoimentos das 3ª e 7ª testemunhas ouvidas, AQ cunhada deste e AU esposa do 6º Autor e irmã da 3ª testemunha, e que nessa qualidade têm conhecimento dos factos que relataram e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 7º Autor – G e que constam das alíneas vvv) a jjjj) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 332 a 350 do arresto Apenso A - contratos de mútuo celebrados entre o 7º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele - quanto aos dois contratos celebrados e fls. 351 a 363 quanto ao facto da alínea jjjj) – sendo certo que daqui, nem de outro qualquer elemento de prova apresentado resulta que haja sido celebrado um terceiro contrato de mútuo -.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pela 8ª Autora – H e que constam das alíneas kkkk) a rrrr) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 365 a 397 do arresto Apenso A, contrato de mútuo celebrado entre a 8ª Autora e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquela, conjugados com o depoimento da 8ª testemunha ouvida, AV casado com a 8ª Autora, e porque acompanhou a esposa aquando da assinatura do contrato tem conhecimento dos factos que relatou e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pela 9ª Autora – I e que constam das alíneas ssss) a zzzz) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 398 a 423 do arresto Apenso A, contrato de mútuo celebrado entre a 9ª Autora e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquela, conjugados com os depoimentos das 9ª e 10ª testemunhas ouvidas, AW casado com a 9ª Autora, e que acompanhou a esposa aquando da assinatura do contrato, e AX amiga da 9ª Autora e a quem esta contou do contrato de empréstimo, e que nas respectivas qualidades têm conhecimento dos factos que relataram e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- Quanto aos factos relativos aos pedidos formulados pelo 10º Autor – J e que constam das alíneas aaaaa) a ggggg) a convicção do tribunal resultou dos documentos a fls. 426 a 449 do arresto Apenso A, contrato de mútuo celebrado entre o 10º Autor e a 1ª Ré e cheques emitidos por esta a favor daquele, conjugados com o depoimento das 11ª testemunha ouvida, AY amigo do 10º Autor a quem acompanhou aquando da assinatura do contrato, e que nessa qualidade tem conhecimento dos factos que relatou e que coincidem com o que consta dos documentos e foram dados por assentes.
- A factualidade dada por assente das alíneas hhhhh) a mmmmm) resultou essencialmente dos depoimentos de parte de AE e da testemunha AZ.
- Os factos dados por assentes nas alíneas nnnnn) a rrrrr), respeitando a aquisições de imóveis ou direitos de aquisição/posição contratual sobre imóveis e financiamentos bancários resultou das certidões do registo predial constante de fls. 620 a 629, 600 a 605, 554 a 561, 724 a 743 e 780 a 803.
- A matéria das alíneas sssss) a uuuuu) resulta dos documentos a fls. 995, 836 a 877 e 998 – certidões de casamento dos 4º e 2º Réus de onde resulta a convenção pós-nupcial e certidão do registo predial de onde consta a partilha posterior de dois imóveis -.
DA RESTANTE MATÉRIA ALEGADA E NÃO INDICADA COMO PROVADA.
No que concerne aos artigos 13º a 30º da p.i. o tribunal não se pronuncia uma vez que são irrelevantes para a decisão da causa. O que ali se alega era a forma como a 1ª Ré celebrava e procedia relativamente a dois tipos de contratos que os Autores designam por A e B. Contudo aqueles factos não têm sujeito, nem objecto, nem tempo (data), pelo que a prova dos mesmos em nada adianta para a decisão da causa, sendo certo que, depois se alega em concreto a mesma matéria relativamente a cada um dos Autores ai já objectivada, pelo que seria inútil estar aqui a tomar posição sobre a matéria dos itens 13º a 30º, mais não sendo do que uma repetição.
Quanto à restante matéria que vem a ser dada como não provada, a prova indicada e apresentada, essencialmente consta dos depoimentos das 12ª a 14ª testemunhas e depoimento de parte de AE, os quais em síntese constam do seguinte:
- Do depoimento da 12ª testemunha a ser ouvida, BA a qual foi casada com AG – aqui interveniente –, e se diz amiga do 1º Autor e conhecer todos os Réus à excepção de O, em síntese o que resulta é que, directamente, porque esteve presente quando o seu ex-marido fez um contrato com a 1ª Ré, sabe que esta depois de receber o dinheiro emitia os cheques dos juros a pagar mensalmente e um cheque para devolução do capital. No mais aquilo que sabe foi o que ouviu dizer AE a qual prestou depoimento de parte – por ser interveniente – nestes autos, pelo que é irrelevante o seu depoimento na parte em que reproduz o que ouviu daquela. Esta testemunha fala de jantares e idas ao Karaoke com os sócios da 1ª Ré, cujos custos foram de dezenas ou de uma centena de milhares de patacas, mas depois a concretizar ficamos sem saber se foram jantares da empresa com clientes realizados segundo a tradição durante as festividades do ano ou se se tratavam de jantares privados dos sócios com os seus amigos. Relativamente a esta matéria foi uma vez ao Karaoke e os sócios da 1ª Ré é que pagaram a conta.
- O BB, 13ª testemunha a ser ouvida, trabalhou na empresa de 2014 a 2016, auferindo um salário de MOP15.000,00 acrescido de bónus, cujas funções consistiam em encontrar fracções a preço baixo para comprarem e que, também, emprestou à 1ª Ré MOP600.000,00, sendo também amigo dos 1º, 7º, 8º e 9º Autores, os quais, todos, ou parte deles, terão emprestado dinheiro à 1ª Ré por sua angariação. Esta testemunha vem dizer que havia 3 imóveis que foram comprados com o dinheiro que as pessoas emprestaram à sociedade mas que foram adquiridos em nome dos 5 sócios, identificando como tal duas delas, a fracção autónoma a que respeitam as certidões de fls. 658 a 668 e fls. 669 a 699 dos Apenso A, sendo que conforme consta do registo predial estas compras foram feitas em 15.09.2015 por MOP8.755.000,00 e MOP1.545.000,00, no valor global de MOP10.300.000,00. Mais refere esta testemunha que o R, o sócio e administrador da sociedade com quem esta testemunha trabalhava, lhe dizia, e até lhe mostrou a caderneta bancária de onde resultava ganhar mais de MOP200.000,00 por mês. Disse ainda esta testemunha que o P comprou um Porsche de 4 portas e 4 assentos branco que custou mais de um milhão, e que, o L e o R compraram cada um, um Mercedes Benz de Rally com 4 portas que também custou cada um cerca de MOP800.000,00. Porém, no arresto que corre termos sob o apenso A não foi encontrado nenhum destes carros conforme resulta de fls. 1531 a 1543. A prova da compra dos carros, ainda que tivessem sido vendidos era bastante fácil, bastando solicitar certidões dos veículos, passado e presente, registados em nomes dos Réus. Para além disso refere que também compravam relógios Rolex e de jantares e idas ao Karaok, mas que depois ficamos sem saber se foram jantares da empresa em épocas festivas ou com clientes acabando por não saber precisar. Esta testemunha sabe que os escritórios fecharam em Maio de 2016 mas a testemunha “só soube depois porque no seu trabalho não precisava de comparecer na empresa”. Ou seja, este depoimento é prestado por alguém cujo interesse na decisão da causa é igual ao dos Autores não apresentando credibilidade alguma.
- O depoimento de parte de AE consta da acta, no entanto note-se que esta depoente é aqui interveniente por ter acções onde também reclama créditos contra os aqui Réus, e resulta ter um interesse na causa igual ao dos Autores, uma vez que, também, depositou HKD2.000.000,00 na 1ª Ré e foi funcionária da empresa de Março de 2013 a Abril ou Maio de 2016. Para a depoente os sócios compraram fracções autónomas com dinheiro da sociedade, pagaram empréstimos bancários pessoais e para aquisição de fracções autónomas em nome pessoal com dinheiro da sociedade, pagavam as rendas de casa onde viviam com dinheiro da sociedade e recebiam ordenados mensais com 6 dígitos que pensa que eram mais de 200 mil patacas.
- A última testemunha a ser ouvida, a 14ª, também é amiga do 1º Autor, diz que trabalhou na 1ª Ré efectivamente como funcionária desta nos últimos 6 meses – ao que se recorda – e já há mais de um ano que colaborava com a sociedade de forma gratuita apenas porque era amiga dos sócios, como consultora financeira. Conhece os dois modelos de contratos de empréstimo que a 1ª Ré celebrava com as pessoas que lhe emprestavam dinheiro. Explicou que a contabilidade da sociedade Ré era muito rudimentar quando a testemunha começou a colaborar com eles. Disse que segundo o L lhe explicou alguns dos imóveis foram adquiridos em nome dos sócios porque a sociedade já não tinha capacidade por si para que lhe fosse concedido mais crédito, identificando dois prédios pelo nome. Sabe que a empresa deixou de pagar a renda e o senhorio queria as instalações pelo que tiveram que empacotar e entregar as lojas ao senhorio e nunca mais conseguiram contactar com os sócios sendo que, depois da companhia encerrar, o BOC telefonou muitas vezes para a testemunha a avisar que as contas não tinham dinheiro para pagar os empréstimos.
Assim sendo, a razão pela qual o tribunal não se convenceu pela veracidade dos dados como não provados resultou do seguinte:
- Não foi produzida prova que com a certeza jurídica necessária permita concluir pela veracidade dos factos não provados indicados sob 1 e 2.
Relativamente aos factos não provados indicados de 3 a 8 não foi feita prova da alegada relação de mútuo ali referida, sem prejuízo de se provar a entrega dos cheques referidos em jjjj). No entanto não houve uma única testemunha que falasse deste alegado mútuo, nem, para além dos cheques cuja entrega pela 1ª Ré ao 7º Autor se deu como provada, foi produzida qualquer outra prova que permitisse concluir saber qual a relação subjacente aos mesmos.
Quanto aos factos não provados indicados de 9 a 13 a única testemunha que referiu algo relacionado foi AZ (a 14ª a ser ouvida) e disse que contactaram alguns clientes para não apresentarem os cheques a pagamento, mas referiu que não sabe quais e que não foram todos, pelo que, a forma vaga da sua resposta não nos permite responder de forma positiva a esta matéria, sendo certo que não foi apresentada outra prova.
Os factos não provados indicados de 14 a 40 resultariam em síntese de que, com o dinheiro da sociedade 1ª Ré, nomeadamente o que lhes era emprestado pelos Autores, os Réus pessoas singulares, tinham comprado imóveis em seu nome, pago financiamentos bancários para aquisição desses mesmos imóveis, adquiridos bens pessoais que não se descrevem mas que seriam de luxo com o dinheiro da sociedade, teriam feito suas quantias que eram da sociedade para além do cheque entregue pelo 1º Autor em nome de um dos administradores da sociedade e referido na al. g), teriam pago as rendas das casas onde habitavam com dinheiro da sociedade, etc..
Vejamos a prova produzida para este efeito:
- A testemunha BA o que sabe foi apenas o que ouviu a AE, ou seja, nada sabe.
- O BB, tem interesse igual ao dos Autores na decisão da causa porque também ele depositou dinheiro na sociedade 1ª Ré, para além da responsabilidade moral de ter andado angariar alguns dos aqui Autores para também, ali depositarem dinheiro. Quanto aos imóveis que foram comprados pelos sócios “sabe porque andou a fazer pesquisa na internet através das buscas”, isto é, sabe que, os sócios e administradores têm imóveis cuja aquisição está registada em seu nome e segundo a testemunha entende foi comprado com dinheiro da sociedade, porém, de onde saiu o dinheiro como foi pago, quando e onde, nada sabe. Quanto a saber dos bens de luxo que compraram é vago e impreciso, sendo que, como já se referiu o que disse quanto a carros não corresponde com o que se vem a apurar em sede de arresto, não apresentando credibilidade alguma.
- A depoente tem um interesse igual ao dos Autores mas noutro processo, pelo que, os factos a que depôs apenas lhe são desfavoráveis porque se esta acção for procedente, serão mais estes Autores a também reclamarem créditos dos Réus, razão do chamamento dos intervenientes entre eles a depoente. Para quem tudo sabe, nomeadamente que pagavam empréstimos com dinheiro da sociedade, que pagavam rendas com dinheiro da sociedade, que usavam dinheiro da sociedade para fins pessoais, para além daquilo que diz, não há um único elemento de prova documental que o demonstre e depois sendo quem fazia os pagamentos, sabe tudo mas já não sabe a conta nem o banco de onde os pagamentos se faziam. Que não se recordasse da conta é compreensível que não saiba qual era o Banco retira-lhe a credibilidade.
- AZ sabe porque um dos sócios lhe disse que adquiriram fracções autónomas em nome dos sócios porque a sociedade já não tinha recurso ao crédito, referindo dois imóveis.
Do que se alega parece que a sociedade não tem outros rendimentos que não sejam os empréstimos dos aqui Autores. Pelo menos nada se diz acerca disso.
A 1ª Ré foi constituída em 2010.
Os empréstimos dos Autores são de 2014 a 2016, no valor global de MOP/HKD13.850.000,00 dos quais foram pagos juros de MOP/HKD2.274.000,00, deixando assim um resultado líquido de MOP/HKD11.576.000,00.
Basta atendermos nas datas de aquisição e valores dos prédios constantes das listas dos indicados documentos 17 e 18 do arresto apenso A, a fls. 450 a 899, para percebermos que estabelecer a relação com os valores a que respeitam estes autos – emprestados pelos Autores - e aquelas aquisições é surrealista.
Nada se sabe de proventos dos sócios e administradores da 1ª Ré nem de onde lhes veio a riqueza, sendo certo que resulta de documentos juntos aos autos que tinham outras sociedade – cf. fls. 966 a 1058 do Apenso A – e para quem, segundo as testemunhas auferiam cerca de MOP200.000,00 de salário mensal – não sabemos se desta sociedade se das outras -, o estilo de vida indicado não apresenta exagero.
Nada se sabe dos rendimentos da sociedade 1ª Ré sendo certo que, era ela própria sócia de outras sociedades – fls. 1059 a 1081 do Apenso A -. No entanto não foi de certeza com os cerca de treze milhões emprestados pelos Autores que foi adquirido todo o acervo imobiliário que consta dos autos de arresto seja em nome da sociedade seja em nome dos sócios e administradores.
Os alegados arrendamentos em favor dos sócios e cujas rendas seriam pagas pela sociedade Ré constam de uma lista elaborada pelos Autores sem qualquer documento de suporte – fls. 902 a 905 do Apenso A -, nem sequer os contratos de arrendamento.
Do CD junto pelo Banco da AB a fls. 1071 e 1072 do Apenso A constam listagens de entrada e saída de dinheiro sem referência alguma que nos permita concluir a que se destinam os pagamentos, sem prejuízo dos Autores terem imprimido essas mesmas listagens a fls. 1312 e seguintes, mas em que para além da sua indicação a que se destinam os pagamentos não foi junto elemento algum, nem informação do banco de que assim é, nem tal foi referido pelas testemunhas. Aliás, repetindo, a única pessoa – a depoente de parte - que diz que os pagamentos de contas dos sócios – empréstimos – era feito com dinheiro da sociedade nem se lembra de que banco era a conta.
Para podermos concluir que os imóveis adquiridos em nome dos sócios foram comprados com dinheiro da sociedade seria necessária prova dos fluxos monetários para podermos concluir nesse sentido, não sendo bastante, “vozes” sem fundamento objectivo, de pessoas que têm na causa um interesse igual ao dos Autores a dizê-lo.
Pelo que quanto a esta matéria a resposta só poderia ser negativa.
Por fim quanto às fracções H2 e G2 referidas nos números 22 a 24 e a fracção GR/C referida no nº 27, das certidões de fls. 490 a 504 e 744 a 763, resulta apenas que as duas primeiras foram adquiridas por um terceiro na data indicada e quanto à terceira a aquisição está também inscrita a favor de um outro sujeito.
O facto não provado indicado sob o nº 41 foi apenas referido de uma foram vaga no depoimento de parte, não sendo bastante para se convencer este tribunal da sua veracidade, sendo certo que, o que resulta dos depoimentos é que nos últimos meses de funcionamento da sociedade no ano de 2016 estava instalada alguma desorganização em que já não se sabia muito bem quem fazia o quê.
É de notar que o Colectivo de 1ª instância teve todo o cuidado de expor o inter para a formação da sua convicção em relação a toda a matéria da base instrutória, com a devida identificação de meios de prova que produziu, examinou e valorou.
Ao passo que os recorrentes mais não fazem do que questionar a convicção do Tribunal a quo com a sua convicção, divergente daquela, formada a partir de determinados meios de prova produzidos na audiência e examinados pelo Tribunal a quo, não tendo, todavia, apontado erro, muito menos erro manifesto, na apreciação das provas por parte do Tribunal a quo.
Assim sendo, a impugnação da matéria de facto não pode deixar de ser julgada improcedente in totum.
Não tendo sido impugnado com êxito a matéria de facto, ficamos dispensados de apreciar as questões de direito suscitadas com base na versão fáctica alterada nos termos pretendidos pelos recorrentes.
Resumindo:
1. Se o mutuante optar pela resolução de um contrato de mútuo, com fundamento na falta do pagamento de juros remuneratórios acordados, por via de regra consagrada no artº 1077º do CC, e não tiver sido acordada no contrato a não retroactividade dos efeitos da resolução (artº 428º/1 do CC, a contrario), ele não terá direito aos juros remuneratórios acordados, vencidos e ainda não pagos, porquanto deixam retroactivamente de existir as obrigações de pagar juros remuneratórios criadas pelo contrato resolvido e portanto não são devidos os juros acordados, sem prejuízo da indemnização do mutuante, segundo as regras do instituto de enriquecimento sem causa, com fundamento no empobrecimento devido à indisponibilidade do capital mutuado por parte do mutuante no período compreendido entre a resolução do contrato e a restituição do capital, e no enriquecimento do mutuário à custa do mutuante decorrente da disponibilidade do capital mutuado no mesmo período de tempo.
2. Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
3. Apesar de a lei exigir sempre a objectivação e motivação da convicção íntima do Tribunal na fundamentação da decisão de facto, ao levar a cabo a sua actividade cognitiva para a descoberta da verdade material, consistente no conhecimento ou na apreensão de um acontecimento supostamente ocorrido no passado, o julgador não pode deixar de ser subjectivamente influenciado por elementos não explicáveis por palavras, nomeadamente quando concedem a credibilidade a uma testemunha e não a outra, pura e simplesmente por impressão recolhida através do contacto vivo e imediato com a atitude e a personalidade demonstrada pela testemunha, ou com a forma como reagiu quando inquirida na audiência de julgamento. Assim, desde que tenham sido observadas as regras quanto à valoração das provas e à força probatória das provas e que a decisão de facto se apresenta coerente em si ou se não mostre manifestamente contrária às regras da experiência de vida e à logica das coisas, a convicção do Tribunal a quo, colocado numa posição privilegiada por força do princípio da imediação, em princípio, não é sindicável.
4. O recurso ordinário existe para corrigir erro e repor a justiça posta em causa pela decisão errada. Para impugnar com êxito a matéria fáctica dada por assente na primeira instância, não basta ao recorrente invocar a sua discordância fundada na sua mera convicção pessoal formada no teor de um determinado meio de prova, ou identificar a divergência entre a sua convicção e a do Tribunal de que se recorre, é ainda preciso que o recorrente identifique o erro que, na sua óptica, foi cometido pelo Tribunal de cuja decisão se recorre.
5. Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas ai produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente. Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância, só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
6. Para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica. Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v. g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedentes os recursos.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
RAEM, 26MAIO2022
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
311/2021-1