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Processo nº 681/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 02 de Junho de 2022

ASSUNTO:
- Caducidade da concessão do terreno
- Indeferimento tácito
- Actividade administrativa vinculada

SUMÁRIO
- Não obstante a Administração não ter respondido os pedidos de alteração de finalidade e do projecto de construção formulados pela Recorrente em 15/02/2001 e 20/03/2002, respectivamente, o certo é que tal omissão não exime a responsabilidade da Recorrente na falta de aproveitamento do terreno concedido, visto que o legislador prevê o mecanismo de indeferimento tácito para as situações da falta de resposta dentro do prazo legal por parte da Administração.
- Assim, decorrido o prazo legalmente fixado para a Administração decidir sobre pretensão da alteração de finalidade, a Recorrente, ou exerce o respectivo meio legal de impugnação do indeferimento tácito, ou começa imediatamente as obras de construção anteriormente aprovadas, e não é sem fazer nada por mais de 10 anos.
- Se a apreciação da existência ou não da culpa no incumprimento do prazo do aproveitamento pode traduzir-se num exercício do poder discricionário, o mesmo já não acontece com a consequente declaração da caducidade da concessão legalmente imposta, que é uma actividade administrativa vinculada.
- Os princípios da boa fé, proporcionalidade e adequação não são operantes nas actividades administrativas vinculadas.
O Relator,
Ho Wai Neng


















Processo nº 681/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 02 de Junho de 2022
Recorrente: Sociedade A União Comercial e Industrial, Limitada
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Sociedade A União Comercial e Industrial, Limitada, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 16/06/2021 que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 2178m2, situado na península de Macau, na Rua do Dr. Lourenço Pereira Marques, Ponte-Cais nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., concluíndo que:
1. O presente Recurso vem interposto do Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 16 de Junho, no uso das competências executivas que lhe estão delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019, que concordou com o proposto no processo n.º 23/2021 da Comissão de Terras, e no respectivo Parecer n.º 59/2021, tornado público por Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 20/2021, de 25 de Junho, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, II Série, de 7 de Julho de 2021, devidamente notificado à ora Recorrente no dia 9 de Julho de 2021, por Ofício n.º 168/DAT/2021, de 7 de Julho, da DSSOPT, que vem declarar a caducidade da concessão do terreno com a área de 2178 m2, situado na península de Macau, na Rua do Dr. Lourenço Pereira Marques, Ponte-Cais n.º..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o sob o n.º ..., com inscrição a seu favor sob o n.º ..., por falta de realização do aproveitamento do terreno nas condições contratualmente definidas imputável à concessionária ora Recorrente.
2. Em consequência da referida caducidade, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno reverterão, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização por parte da Recorrente, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. A Recorrente não se conforma com tal decisão, pugnando no presente recurso pela sua anulação por esse Venerando Tribunal.
4. No dia 13 de Agosto de 1996 a Recorrente pediu a conversão da licença de uso privativo (licença de ocupação a título precário) em concessão, por arrendamento, do terreno concessionado, para nele construir um edifício destinado a comércio e serviços.
5. Por Despacho n.º 41/SATOP/98, de 20 de Maio, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 20, II Série, foi convertida em concessão, por arrendamento, a licença de ocupação de que a Recorrente era titular, relativa ao referido terreno.
6. Nos termos do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do sobredito despacho, ou seja, até 19 de Maio de 2023, podendo o mesmo, contudo, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049, cfr. n.º 2 da cláusula segunda.
7. O terreno seria aproveitado com a construção da Ponte-Cais n.º... e de um edifício com 4 pisos, adstritos à função económica dos Portos, a explorar directamente pela concessionária, cfr. previsto na cláusula terceira do contrato.
8. De acordo com o número um da cláusula quinta do contrato, o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 30 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial do despacho que titula o respectivo contrato, ou seja, até 19 de Novembro de 2000.
9. A Recorrente pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP5,876,200.00.
10. A Recorrente de imediato deu início aos procedimentos necessários ao aproveitamento do terreno.
11. Por requerimentos T-673, de 29 de Janeiro de 1997, e T-9870, de 12 de Setembro de 1997 (Ref/CLC/97/0178), a Recorrente submeteu à DSSOPT o pedido de aprovação do Projecto de Obra e o de alteração de obra.
12. O Projecto de Obra veio a ser aprovado por Despacho do Sr. Subdirector da DSSOPT, de 10 de Julho de 1998, tendo sido comunicado à Recorrente em 21 de Julho de 1998, ou seja, decorridos mais de 10 meses sobre a data do pedido.
13. Por requerimento T-3090, de 9 de Setembro de 1998, a Recorrente solicitou junto da DSSOPT a emissão da respectiva Licença de Obras, juntando para o efeito as declarações de responsabilidade, cópia da apólice de seguro e cópia da licença de tapumes.
14. Por Ofício n.º 5891/DURDEP/98, de 23 de Setembro, foi autorizada a emissão da licença para obras de construção (Licença de Obras N.º 294/98), a qual foi emitida a 18 de Setembro de 1998.
15. Por requerimento T-3292, de 28 de Setembro de 1998, a Recorrente apresentou junto da DSSOPT o pedido de início de obra, nos termos previstos no artigo 44.º do DL 79/85/M, de 21 de Agosto.
16. Por Despacho de 5 de Novembro de 1998, a DSSOPT autorizou o início da obra, conforme Ofício n.º 6725/DURDEP/98, de 16 de Novembro.
17. Por Ofício n.º 2835/DURDEP/99, de 2 de Junho, a Recorrente foi notificada de que devia iniciar imediatamente a obra, ou apresentar justificação aceitável da não execução da mesma, sob pena de caducidade da licença de obras.
18. Em resposta ao referido Ofício, a Recorrente, através do requerimento T-5225, de 11 de Junho de 1999, informou a DSSOPT que já tinha iniciado as obras de construção em 6 de Setembro de 1998, tendo ainda concluído sucessivamente as obras de demolição da antiga Ponte-Cais, os trabalhos de limpeza de objectos, de escavação, entre outros, porém, devido a uma reorganização interna, a Recorrente suspendeu todas as suas obras de construção desde Dezembro de 1998, incluindo a obra de construção da Ponte-Cais n.º...,
19. Prevendo que o trabalho de auditoria resultante da referida reorganização interna terminaria em Julho de 1999, a Recorrente informou a DSSOPT que retomaria a execução da obra de construção da Ponte-Cais 5-B nessa data, isto é, em Julho de 1999.
20. A Recorrente justificou atempadamente perante a DSSOPT um ligeiro atraso na execução da obra de construção da Ponte-Cais n.º....
21. Por requerimento de 27 de Março de 2000, a Recorrente veio requerer, junto do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a alteração da finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores, i.e., a Recorrente requereu a alteração da finalidade da concessão do terreno, pedido reiterado por requerimento de 8 de Novembro de 2000.
22. Para surpresa da Recorrente, por Ofício n.º 350/DURDEP/2001, de 22 de Janeiro, a Recorrente foi notificada que o prazo de validade da Licença de Obras N.º 294/98 já tinha caducado, solicitando-lhe que tratasse das formalidades para a prorrogação da mesma.
23. Na sequência deste pedido, por requerimento T-1263, de 15 de Fevereiro de 2001, a Recorrente deu conhecimento à DSSOPT do pedido de alteração de finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores, e de que ainda não tinha obtido qualquer resposta, tendo para o efeito juntado os requerimentos de 27/03/2000 e 8/11/2000.
24. A Recorrente nunca recebeu resposta a esse seu pedido, motivo pelo qual não podia executar as obras de construção, que se encontravam assim necessariamente suspensas.
25. Em 20 de Março de 2002, a Recorrente apresentou o requerimento T-1028 junto do Gabinete do Exmo. Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pedindo a alteração do projecto de construção da Ponte-Cais n.º....
26. Este pedido da Recorrente foi atendido pela DSSOPT, tendo-lhe sido dado o carácter urgente e remetido às entidades competentes para emissão de Parecer.
27. A Recorrente também não obteve até à data qualquer resposta a este pedido por parte da DSSOPT.
28. Desde então a Recorrente ficou a aguardar que fosse decidido o seu pedido.
29. Perante a falta de respostas e do silêncio da Administração, a Recorrente não se manteve inerte, e sempre procurou diligenciar pelo aproveitamento do terreno, e sempre demonstrou interesse e vontade no aproveitamento do terreno e na execução do contrato de concessão,
30. A Recorrente submeteu projectos de construção, dirigindo missivas ao Gabinete do Exmo. Secretário para os Transportes e Obras Públicas no sentido de procurar obter decisões que eram necessárias tomar para que se pudesse avançar para a conclusão do aproveitamento do terreno, como é exemplo a carta dirigida ao Exmo. Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 2006, dando conta da elaboração e submissão do Estudo Prévio de reorganização do troço do Porto Interior compreendido pelas Ponte-Cais n.ºs…, alegando que já tinha formalizado o pedido à DSSOPT em finais de Julho de 2006.
31. A Administração apenas se dignou tocar neste assunto em 2011, através da Comunicação de Serviço Interno n.º 562/DPU/2011, e seguintes, ou seja, decorreram 9 (nove) anos de absoluta inacção da DSSOPT.
32. É notório a responsabilidade da Administração pelos atrasos verificados no presente processo administrativo.
33. No dia 30 de Junho de 2015, a Recorrente, tomando a iniciativa de procurar dar andamento ao processo, enviou uma carta ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo, apresentando um Estudo Prévio, e requerendo a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 30 meses.
34. Em 17 de Julho de 2015, a Recorrente veio requerer a emissão da Planta de Condições Urbanísticas, tendo apresentado um Estudo Prévio por requerimento T-8408, de 20 de Julho de 2015.
35. O pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno foi atendido e considerado pela DSSOPT, tendo estes serviços desencadeado o respectivo procedimento.
36. Através do Ofício n.º 12849/DURDEP/2015, de 21 de Setembro, a DSSOPT informou a Recorrente de que não estavam reunidas as condições para a apreciação desse Estudo Prévio, uma vez que não foi apresentada uma Planta de Condições Urbanísticas válida, tendo solicitado à Recorrente que esta apresentasse os documentos comprovativos da titularidade sobre o terreno, as plantas urbanísticas e cadastrais e o projecto de construção, mais a tendo informado que assim que se obtivesse o despacho "passível de aprovação", poderia ser requerida a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno.
37. A Recorrente sempre manifestou o propósito de garantir a possibilidade de investir no terreno concessionado, tendo cumprido pontualmente com todas as suas obrigações enquanto concessionária, nomeadamente, tomando todas as diligências necessárias ao seu aproveitamento, submetendo os requerimentos e pedidos necessários para esse efeito, e pagando pontual e assiduamente a respectiva renda de concessão à Direcção dos Serviços de Finanças, as quais foram sempre cobradas pelo Governo.
38. Através do Ofício n.º 141/DSO/2021, de 9 de Fevereiro, e concordando com a Proposta n.º 039/DSODEP/2021, de 3 de Fevereiro, a DSSOPT notificou a Recorrente da intenção da Administração em declarar a caducidade da concessão.
39. A Recorrente foi completamente apanhada de surpresa com esta decisão inesperada.
40. A Recorrente, através dos seus mandatários, apresentou à DSSOPT a sua audiência escrita no dia 1 de Março de 2021, tendo pugnado pela reversão deste sentido de decisão.
41. No dia 9 de Julho de 2021, por Ofício n.º 168/DAT/2021, de 7 de Julho, foi a Recorrente notificada da decisão ora recorrida que vem declarar a caducidade da concessão do terreno.
42. É inegável que os atrasos objectivamente verificados no âmbito do contrato de concessão sub judice se ficaram a dever em exclusivo à postura assumida pela Administração ao longo de todos estes anos, de completa inércia face aos sucessivos pedidos que a Recorrente fez junto da Administração, e que a impediram de aproveitar o terreno por mais de 20 anos, pedidos que, até à presente data, a Recorrente não logrou obter qualquer resposta por banda da DSSOPT.
43. A Recorrente é a destinatária directa do acto administrativo recorrido, e tem legitimidade activa para impugná-lo, na medida em que é titular de um interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do recurso, designadamente por ser lesada pelo acto de declaração de caducidade, que é recorrível contenciosamente.
44. A decisão recorrida, sustentada no Parecer da Comissão de Terras n.º 59/2021, omite circunstâncias essenciais para a decisão de caducidade e parte de pressupostos errados, de facto e de direito.
45. A Recorrente, no âmbito da execução do Contrato de Concessão sub judice, cumpriu com todas as suas obrigações, agindo sempre com zelo e diligência, respondendo às solicitações da DSSOPT e demonstrando, a todo o tempo, que sempre foi sua vontade aproveitar o terreno concessionado dentro do prazo contratualmente estipulado.
46. A decisão recorrida fez tábua rasa de circunstâncias factuais ocorridas na execução do contrato que apenas à Administração são imputáveis, designadamente o silêncio perante os sucessivos pedidos da Recorrente, e as expectativas criadas ao longo do tempo, circunstâncias essas que, a serem consideradas, afastam o elemento de culpa da Recorrente no não aproveitamento do terreno em questão.
47. No direito administrativo é possível distinguir dois tipos de caducidade, enquanto formas de extinção dos actos administrativos: a caducidade preclusiva e a caducidade sanção.
48. A caducidade sanção, prevista na Lei de Terras, exige da Administração a verificação e confirmação de dois pressupostos sine qua non, objectivos e subjectivos. Do lado dos pressupostos objectivos o decurso do tempo, isto é, o decurso do prazo da concessão, e bem assim o não aproveitamento. Do lado dos pressupostos subjectivos o incumprimento, ou dito de outra forma, os elementos de culpa que motivam a cessação do direito concedido, ou seja, que o não aproveitamento se ficou a dever a culpa do concessionário.
49. De acordo com o princípio da investigação o órgão da Administração competente teria, uma vez decorrido o prazo da concessão, de verificar no caso concreto se o concessionário estava em condições de aproveitar o terreno, isto é, de executar a obra, e se, não estando, se essa impossibilidade se lhe era imputável ou não.
50. Necessário é que se faça uma avaliação da situação concreta, um juízo de imputação de responsabilidades pelo não aproveitamento atempado do terreno concessionado, e se se concluir que o terreno não foi aproveitado, nos prazos e termos contratuais, por circunstâncias apenas imputáveis à Administração, nomeadamente por não ter respondido atempada mente a pedidos do Concessionário, então o não aproveitamento não se ficou a dever a uma actuação culposa do Concessionário, e a Administração não poderá declarar a caducidade da concessão com este fundamento, isto é, com fundamento na caducidade-sanção plasmada na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei de Terras, porquanto este normativo legal exige esse apuramento de responsabilidades pelo não aproveitamento atempado do terreno concessionado.
51. O não aproveitamento do terreno aqui em causa apenas poderá ser imputado à Administração, na medida em que foi a mesma que causou o não aproveitamento com a ausência de resposta aos sucessivos pedidos da Recorrente, impedido assim a execução das obras de construção, isto é, o aproveitamento do terreno concessionado, afastando o elemento de culpa da Recorrente.
52. A Recorrente apresentou sucessivos pedidos à Administração, e perante todos esses pedidos a Administração assumiu uma postura de completa inércia, de ausência de resposta, o que impediu a Recorrente de aproveitar o terreno por mais de 20 anos.
53. A decisão recorrida parte de pressupostos errados, como seja o facto de que foi a Recorrente que deixou a licença de obra caducar, o que não é verdade.
54. A Recorrente requereu alteração da finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores, tendo dado conhecimento à DSSOPT em 15 de Fevereiro de 2001.
55. A DSSOPT não deu resposta ao pedido da Recorrente, pelo que as obras estavam necessariamente suspensas, nada podendo a Recorrente fazer.
56. Ainda assim, posteriormente a Recorrente pediu a alteração do projecto de construção.
57. Uma vez mais, a Recorrente não obteve qualquer resposta por parte da Administração.
58. A Recorrente requereu a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, apresentando um Estudo Prévio, e mais requereu a emissão da Planta de Condições Urbanísticas.
59. Esse pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno foi atendido e considerado pela DSSOPT, tendo estes serviços desencadeado o respectivo procedimento, pois que, do Ofício n.º 12849/DURDEP/2015, de 21 de Setembro, resulta que, em Setembro de 2015, a Administração não só não se manifestou contra as pretensões da Recorrente há muito requeridas, como também mostrou completa abertura para a prorrogação do prazo de aproveitamento.
60. Esse ofício é um reconhecimento claro por parte da Administração que, não obstante o prazo inicial do aproveitamento ter expirado em 2000, tal não se deveu a facto imputável à Recorrente.
61. No seguimento da referida comunicação da Administração, reconhecendo a viabilidade do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, a Recorrente apresentou tudo quanto da sua parte havia a apresentar.
62. Até à presente data a Planta de Condições Urbanísticas não foi emitida, e sem ela o Estudo Prévio nunca veio a ser considerado ou apreciado.
63. A Administração ficou silente até ao envio do Ofício n.º 141/DSO/2021, que notificou a Recorrente da intenção da Administração em declarar a caducidade da concessão.
64. Decorreram mais de 5 anos e nada se soube por parte da Administração.
65. A inércia em todo este processo é exclusivamente imputável à Administração, que não se pronunciou sobre os sucessivos pedidos da Recorrente, sem nunca ter manifestado qualquer oposição aos mesmos.
66. Foi a inércia e ausência de respostas da Administração durante todos estes anos que levou a que a Licença de Obras N.º 294/98 caducasse.
67. A Recorrente sempre cumpriu com todas as suas obrigações, agindo sempre com zelo e diligência, respondendo às solicitações da DSSOPT e demonstrando a todo o tempo que sempre foi sua vontade aproveitar o terreno concessionado, pelo que, estar a imputar à Recorrente uma responsabilidade por um qualquer atraso causado pela falta de resposta da Administração é manifestamente ilegal.
68. A Recorrente não pode ser responsabilizada por uma demora causada por actos (ou omissões) da própria Administração.
69. Há uma divergência entre os factos que a Administração teve em conta para decidir como decidiu, pela declaração de caducidade da concessão, e a sua real ocorrência.
70. O pressuposto de que o acto recorrido partiu - isto é, de que o aproveitamento contratualmente estabelecido não se mostrava verificado e de que esse não aproveitamento se ficou a dever a culpa da Recorrente - está errado, não se tendo verificado nenhum incumprimento contratual por banda da Recorrente.
71. A decisão recorrida parte de pressupostos de facto manifestamente errados, que não aconteceram, pelo que está inquinada com o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que gera a anulabilidade do acto recorrido.
72. Há ainda igualmente um erro nos pressupostos de Direito, porquanto não se tem por preenchido o pressuposto/elemento subjectivo de imputação de culpa ao Concessionário, a Recorrente, pelo não aproveitamento do terreno no prazo contratualmente fixado, como exigem os artigos 166.º, n.º 1, alínea 1) e 215º, alínea 3), da Lei de Terras.
73. Se são os serviços da Administração que não praticam os actos devidos e necessários ao cumprimento, por parte do concessionário, do dever de aproveitamento, é a própria Administração quem dá causa a perturbações que impedem o aproveitamento dentro do prazo previsto, e, dessa forma, não poderão ser imputados à Recorrente quaisquer factos culposos pelo não cumprimento do contrato de concessão.
74. Não se têm por preenchidos os requisitos necessários das referidas disposições legais e que determinaram a decisão de declaração da caducidade-sanção.
75. Há uma inadequação do regime jurídico e normas jurídicas aplicadas pela entidade administrativa recorrida à base factual in casu, o que constitui um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que gera a anulabilidade do acto recorrido.
76. A Administração ignorou ou quis ignorar o facto de o não aproveitamento do terreno ser impossível de exigir da Recorrente, porquanto foi motivado pela própria Administração.
77. Foi a Administração que criou todo o status quo impeditivo desse aproveitamento, e, nessa medida, a decisão incorre em manifesto abuso de direito, pois resulta dos factos que a Administração investiu a Recorrente numa confiança de que iria ser prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno, para depois pretender derrogar a sua própria palavra, sendo manifesto aqui o venire contra factum proprium que impede, por abusivo, que a Administração exerça o direito (se o houvesse) de declarar a dita caducidade.
78. A Administração criou na Recorrente legítimas expectativas que justificaram que esta tenha investido tempo e dinheiro neste seu projecto, porquanto a Recorrente ficou todos estes anos a aguardar que a Administração respondesse aos seus sucessivos pedidos, acreditando que o terreno pudesse vir a ser aproveitado.
79. A Recorrente tudo fez para desenvolver o terreno concessionado, recorrendo, ao longo de todos estes anos, aos serviços de arquitectos, engenheiros e projectistas a fim de pôr em prática o efectivo aproveitamento do terreno, incorrendo em avultadas despesas, nomeadamente com planeamentos de obra, projectos de arquitectura e engenharia e despesas de obras, cujo montante ascendeu a HKD12,850,282.82, o equivalente a MOP13,235,791.00.
80. Além destas despesas, a Recorrente pagou o prémio no valor de MOP5,876,200.00, e rendas e licenças no valor de MOP724,774.00.
81. A Recorrente despendeu/investiu o total de MOP19,836,765.00 neste projecto.
82. O comportamento da Administração ao longo de todo este processo, além de ter motivado a tutela da confiança do Recorrente, gerou também legítimas expectativas e a convicção de que a Administração nunca iria decidir como efectivamente acabou por decidir, tomando uma decisão puramente formalista, sem atender ao caso concreto.
83. A decisão recorrida constituiu, in casu, uma decisão completamente inesperada, uma decisão surpresa.
84. A Administração violou o Princípio da Protecção da Confiança Legítima, corolário do Princípio da Boa-Fé.
85. Desde a década de 1970 que a Recorrente explora a Ponte-Cais n.º..., mesmo ao lado do terreno concessionado, sendo essa a primeira ponte-cais de carga a granel em Macau, e a de maior escala e com a maior capacidade do funcionamento, recebendo desde então os navios que vêm dos portos do China Interior, e, ulteriormente, os navios vindos de Hong Kong.
86. Desde 1984 a Recorrente explora a Ponte-Cais n.º...-A (a sul da Ponte-Cais n.º...), sendo responsável pelo transporte de contentores entre Hong Kong e Macau e entre Macau e China Continental.
87. A Actividade que nessas Pontes-Cais tem vindo a ser exercida pela Recorrente tem desde os anos de 1970 contribuído fortemente para o sustento dos residentes de Macau, e para o desenvolvimento económico de Macau, apoiando fortemente o rápido desenvolvimento de sectores como o vestuário, flores artificiais, electrónica e outras indústrias de Macau.
88. As Pontes-Cais da A são uma marca sobejamente conhecida em Macau, e que assumiram diferentes tarefas históricas em diferentes períodos, e desempenharam um papel insubstituível no desenvolvimento económico de Macau e na protecção dos meios de subsistência dos seus residentes.
89. A Recorrente pretende alargar essa sua exploração ao terreno concessionado, ali pretendendo explorar a sua actividade, com o objectivo de continuar a dar o seu contributo para o desenvolvimento económico e sustentável da RAEM, valendo-se da sua vasta experiência e reputação neste sector.
90. Foi com esse espírito de missão que a Recorrente tudo fez para desenvolver o terreno concessionado, o que lhe foi vedado pela Administração.
91. É manifestamente desajustada e desproporcional a decisão de declarar a caducidade da concessão, quando é manifesto que o não aproveitamento do terreno não pode ser imputado à Recorrente.
92. É inadmissível que a Administração actue de forma obscura, dando, por um lado, a aparência de que o processo terá um deferimento das pretensões da Recorrente, gerando-lhe legítimas expectativas, e, por outro, decidir de forma inesperada, em contradição com a factualidade ocorrida, bloqueando o direito da Recorrente ao aproveitamento do terreno e de contribuir, deste modo, para o desenvolvimento da RAEM.
93. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas desrespeitou os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, bem como o princípio da proporcionalidade e adequação, configurando uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 230 a 253 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
*
O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 311 a 312v dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se regularmente patrocinadas.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. No dia 13 de Agosto de 1996 a Recorrente pediu a conversão da licença de uso privativo (licença de ocupação a título precário) em concessão, por arrendamento, do terreno situado na Rua do Dr. Lourenço Pereira Marques, Ponte-Cais nº..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., para nele construir um edifício destinado a comércio e serviços.
2. Por Despacho n.º 41/SATOP/98, de 20 de Maio, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 20, II Série, foi convertida em concessão, por arrendamento, a licença de ocupação de que a Recorrente era titular, relativa ao referido terreno, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 6/86/M, de 26 de Julho.
3. E nos termos do n.º 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do sobredito despacho, ou seja, até 19 de Maio de 2023.
4. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a construção da Ponte-Cais n.º... e de um edifício com 4 (quatro) pisos, adstritos à função económica dos Portos, a explorar directamente pela concessionária, nos termos da legislação aplicável, nomeadamente das Portarias n.º 218/90/M, de 30 de Outubro e n.º 171/95/M, de 12 de Junho.
5. De acordo com o número um da cláusula quinta do contrato, o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 30 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial do despacho que titula o respectivo contrato, ou seja, até 19 de Novembro de 2000.
6. A Recorrente pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP5,876,200.00 (cinco milhões oitocentas e setenta e seis mil e duzentas patacas).
7. Por requerimentos T-673, de 29 de Janeiro de 1997, e T-9870, de 12 de Setembro de 1997 (Ref/CLC/97/0178), a Recorrente submeteu à DSSOPT o pedido de aprovação do Projecto de Obra e o de alteração de obra, respectivamente.
8. O Projecto de Obra veio a ser aprovado por Despacho do Sr. Subdirector da DSSOPT, de 10 de Julho de 1998, tendo sido comunicado à Recorrente em 21 de Julho de 1998, ou seja, decorridos mais de 10 (dez) meses sobre a data do pedido.
9. Por requerimento T-3090, de 09 de Setembro de 19981 a Recorrente solicitou junto da DSSOPT a emissão da respectiva Licença de Obras, juntando para o efeito as declarações de responsabilidade, cópia da apólice de seguro e cópia da licença de tapumes.
10. Por Ofício n.º 5891/DURDEP/98, de 23 de Setembro, foi autorizada a emissão da licença para obras de construção (Licença de Obras N.º 294/98), a qual foi emitida a 18 de Setembro de 1998.
11. Por requerimento T-3292, de 28 de Setembro de 1998, a Recorrente apresentou junto da DSSOPT o pedido de início de obra, nos termos previstos no artigo 44.º do DL 79/85/M, de 21 de Agosto.
12. Por Despacho de 05 de Novembro de 1998, a DSSOPT autorizou o início da obra, conforme Ofício n.º 6725/DURDEP/98, de 16 de Novembro.
13. Por requerimento de 27 de Março de 2000, a Recorrente veio requerer, junto do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, a alteração da finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores.
14. Pedido que foi reiterado por requerimento de 08 de Novembro de 2000.
15. Por requerimento T-1263, de 15 de Fevereiro de 2001, a Recorrente deu conhecimento à DSSOPT do pedido de alteração de finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores, e de que ainda não tinha obtido qualquer resposta, tendo para o efeito juntado os requerimentos de 27/03/2000 e 08/11/2000.
16. A Recorrente nunca recebeu resposta a esse seu pedido.
17. No dia 30 de Junho de 2015, a Recorrente enviou uma carta ao Exmo. Senhor Chefe do Executivo, apresentando um Estudo Prévio, e requerendo a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por mais 30 (trinta) meses.
18. Ao mesmo tempo, em 17 de Julho de 2015, a Recorrente veio requerer a emissão da Planta de Condições Urbanísticas, cfr. certidão N.º 001/DPU/2021, do Chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT.
19. Tendo apresentado um Estudo Prévio por requerimento T-8408, de 20 de Julho de 2015.
20. Através do Ofício n.º 12849/DURDEP/2015, de 21 de Setembro, a DSSOPT informou a Recorrente de que não estavam reunidas as condições para a apreciação desse Estudo Prévio, uma vez que não foi apresentada uma Planta de Condições Urbanísticas válida.
21. Em 02 de Junho de 1999, a Entidade Recorrida notificou a Recorrente, pelo ofício n.º 2835/DURDEP/99, de 02 de Junho, que havia constatado que o aproveitamento do terreno não tinha ainda sido iniciado, pelo que lhe transmitiu que deveria iniciar a obra de imediato ou apresentar justificação para a não execução da mesma.
22. A Recorrente informou a DSSOPT, pelo requerimento com o registo de entrada n.º T-5225 de 11 de Junho de 1999, de que tinha iniciado as obras de construção em 06 de Setembro de 1998, tendo concluído as obras de demolição da antiga ponte-cais, os trabalhos de limpeza de objectos e de escavação entre outros, porém, tinha dado início a uma reestruturação interna da empresa e, como tal, tinha suspendido todos os trabalhos, desde Dezembro de 1998, prevendo a retoma da obra para Julho de 1999, o que não veio a suceder.
23. Uma vez mais, verificando a Entidade Recorrida que o aproveitamento não foi iniciado na data em que a Recorrente havia estimado o recomeço dos trabalhos, foi aquela, de novo, intimada pelos serviços mediante o ofício n.º 350/DURDEP/2001, de 22 de Janeiro, apesar de nesta data haver já expirado o prazo de aproveitamento, o que ocorreu em 19 de Novembro de 2000.
24. Defendeu-se a Recorrente dizendo que tinha submetido ao STOP um pedido de autorização para alteração da finalidade da Ponte-Cais n.º..., para terminal de contentores, pedido esse submetido em 27 de Março de 2000 e reiterado em 08 de Novembro de 2000, ao qual ainda não tinha obtido qualquer resposta, pelo que era seu entendimento que a obra se encontrava suspensa.
25. Pelo do ofício n.º 350/DURDEP/2001, de 22 de Janeiro, a ora Recorrente foi notificada de que a licença de obras se encontrava caducada pelo que deveria iniciar as formalidades para obter a dita licença.
26. A Recorrente deu conhecimento à Entidade Recorrida, pelo requerimento com o registo de entrada n.º T-1263, de 15 de Fevereiro de 2001, de que tinha submetido o pedido de alteração de finalidade de construção da Ponte-Cais n.º... para a construção de um terminal de contentores e, porque não tinha ainda obtido qualquer resposta, entendeu não executar as obras estipuladas no contrato de concessão outorgado.
*
IV – Fundamentação
Sobre as questões suscitadas no presente recurso contencioso, o Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“…
Na petição e nas alegações facultativas, a recorrente pediu a anulação do despacho declarativo da caducidade da concessão proferido pelo Exmo. Sr. STOP, invocando a violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, por ofender sobretudo o disposto nos arts.104.º, n.º5, 166.º, n.º1, alínea 1) e 215.º, alínea 3) da Lei n.º10/2013, e os princípios da protecção da confiança legítima, da boa-fé e da proporcionalidade e adequação, previstos respectivamente nos art.5.º, n.º2 e 8.º do CPA.
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1. Da assacada violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito
   1.1. Interpretando o despacho recorrido de acordo com o disposto no n.º1 do art.115º do CPA e em coerência com o Parecer n.º59/2021 da Comissão de Terras, podemos inferir que esse despacho consiste em declarar a caducidade da concessão de terreno, com fundamento de que se verificou o não aproveitamento imputável à respectiva concessionaria – ora recorrente. Daí decorre que é de sanção a caducidade declarada pelo despacho em escrutínio.
   Bem, preconiza a brilhante jurisprudência que se o concessionário não realizar o aproveitamento no prazo acordado contratualmente para o efeito, é vinculada a actividade administrativa da declaração de caducidade com esse fundamento (por alguns designada caducidade-sanção), independentemente de não ter havido aplicação de multa (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º672/2015). Com efeito, parece-nos ser unânime a jurisprudência de que é vinculado o poder administrativo para declarar a caducidade, seja de preclusão seja de sanção, das concessões de terrenos (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º62/2017 e 111/2018, do TSI nos n.º433/2015, n.º436/2015 e n.º574/2016).
   Para o alto TUI, é igualmente vinculada a interpretação da “culpa” prescrita na norma da alínea 3) do art.215.º da Lei n.º10/2013, visto que a palavra “culpa” constitui um conceito indeterminado cuja densificação comporta a mera interpretação da lei, temos por certo que esta brilhante doutrina se aplica à “culpa” prescrita nos arts.104.º e 166.º desta Lei.
   Parece-nos também prudente a tese de que a alínea 1) do n.º1 do art.166.º da Lei n.º10/2013 é clara no sentido de que a caducidade da concessão provisória por falta de aproveitamento no prazo fixado opera-se independentemente de ter sido aplicada ou não a multa, em lado algum da lei se prevê a necessidade da precedência da aplicação da multa para o efeito (vide. Acórdão do TS1 de 07/07/2016, no Processo n.º434/2015).
   1.2. Ora, por natureza da concessão, o cumprimento do dever legal de aproveitamento é por conta e risco próprios dos concessionários, por isso importa ter presente que “Entretanto, a concessionária não aproveitou o terreno no prazo de aproveitamento fixado no contrato de concessão, não se vislumbrando ter ela agido diligentemente realizando atempadamente os trabalhos e as obras de aproveitamento, pelo que verificada está a culpa da concessionária na falta de aproveitamento do terreno concedido.” (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º499/2015)
   No caso sub judice, o Parecer n.º59/2021 da Comissão de Terras apontou que “綜上所述,本委員會認為承批人提出沒有依照合同所訂定的期間及條件履行義務而進行土地利用的理據,並不屬不可抗力或產生被證實為不受控制的其他重要情況,公司內部重整是私人事務,與批給實體無關,此外,儘管早於1998年已具備條件開始利用土地,但是承批人任由建築准照失效,以及在利用期間即將屆滿時才提出修改用途的申請,並於利用期屆滿後的15年後,亦即2015年才提交土地利用的延期申請。” Verifica-se ainda que “根據2021年1月18日於現場拍攝的照片,顯示題述土地仍為一片水域,顯示並未進行土地的利用。” A recorrente não conseguiu abalar o incumprimento do prazo de aproveitamento, pois “根據批給合同第五條款的規定,土地利用的總期間為30個月,因此,於2000年11月19日已屆滿。”
   Avaliando tal facto, afigura-se-nos que a decisão no sentido de o não aproveitamento ser culposo e imputável à concessionária é impecável, não enfermando do qualquer erro de facto ou de direito, nem da total desrazoabilidade.
*
2. Da arguição de violação dos princípios referidos pela recorrente
   Na petição, a recorrente assacou, ao despacho em questão, ainda a violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da boa-fé, da proporcionalidade e da adequação.
   No ordenamento jurídico de Macau encontram-se firmemente consolidada a brilhante jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e de boa-fé se aplicam apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante para os actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. arestos do TUI nos Processos n.º32/2016, n.º79/2015 n.º46/2015, n.º14/2014, n.º54/2011, n.º36/2009, n.º40/2007, n.º7/2007, n.º26/2003 e n.º9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido)
   Assim sendo e, na medida em que o despacho criticado no presente recurso contencioso é da natureza de acto administrativo vinculado, não podemos deixar de colher que o mesmo não infringe os princípios da boa-fé, da igualdade, da eficiência e da justiça. E convém não olvidar que do princípio da desburocratização e da eficiência previsto no art.12.º do CPA, os interessados não tiram mais do que uma protecção jurídica reflexa no procedimento. (vide. Acórdão do TUI nos Processos n.º54/2011 e n.º29/2014)
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
…”.
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim e em nome do princípio da economia, fazemos, com a devida vénia, como nossos fundamentos para julgar improcedente o presente recurso contencioso.
Na verdade, não obstante a Administração não ter respondido os pedidos de alteração de finalidade e do projecto de construção formulados pela Recorrente em 15/02/2001 e 20/03/2002, respectivamente, o certo é que tal inércia não exime a responsabilidade da Recorrente na falta de aproveitamento do terreno concedido.
Em primeiro lugar, tais pedidos de alteração só foram deduzidos depois de ter verificado o termo do prazo de aproveitamento.
A Recorrente não pode invocar acontecimentos ocorridos em 15/02/2001 e 30/03/2002 para justificar a sua falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo verificada em 19/11/2000.
Em segundo lugar, ainda que admitisse, por hipótese, a possibilidade de invocação, a sua pretensão também não pode prosseguir.
Vejamos.
Como é sabido, o legislador prevê o mecanismo de indeferimento tácito para as situações da falta de resposta dentro do prazo legal por parte da Administração.
Consagra o artº 102º do CPA que:
1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação.
2. O prazo a que se refere o número anterior é, salvo o disposto em lei especial, de noventa d/ias.
3. Os prazos referidos no número anterior contam-se, na falta de disposição especial:
a) Da data da entrada do requerimento ou petição no serviço competente, quando a lei não imponha formalidades especiais para a fase preparatória da decisão;
b) Do termo do prazo fixado na lei para a conclusão daquelas formalidades ou, na falta de fixação, do termo dos três meses seguintes à apresentação da pretensão;
c) Da data do conhecimento da conclusão das mesmas formalidades, se essa for anterior ao termo do prazo aplicável de acordo com a alínea anterior.
Como se vê, decorrido o prazo legalmente fixado para a Administração decidir sobre pretensão da alteração de finalidade, a Recorrente, ou exerce o respectivo meio legal de impugnação do indeferimento tácito, ou começa imediatamente as obras de construção anteriormente aprovadas, e não é sem fazer nada por mais de 10 anos.
Não ter agido de forma devida, tem de suportar as respectivas consequências legais.
Quanto à alegada violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da boa-fé, da proporcionalidade e da adequação, bem observou o Dignº Magistrado do Mº Pº que tais princípios “se aplicam apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperantes para os actos administrativos vinculados”.
Dispõe o nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013 (Nova Lei de Terras) que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.”.
Por sua vez, o artº 166º da mesma Lei estabelece que:
1. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
1) Não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa;
2) Suspensão, consecutiva ou intercalada, do aproveitamento ou reaproveitamento pelo período fixado no contrato ou, no silêncio deste, por prazo superior a metade do previsto para a sua conclusão.
2. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias de terrenos rústicos caducam quando:
1) O aproveitamento não seja iniciado dentro de seis meses após a concessão ou no prazo contratual fixado;
2) O aproveitamento seja suspenso, consecutiva ou intercaladamente, por um período superior a 12 meses.
Conjugados os preceitos supra transcritos, podemos retirar as seguintes conclusões:
- A suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento só tem lugar quando o incumprimento do prazo do aproveitamento não é imputável ao concessionário, mediante requerimento escrito dirigido ao Chefe do Executivo e sob autorização deste; e
- Se o concessionário tiver culpa no incumprimento do prazo do aproveitamento, é declarada a caducidade da concessão provisória, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa a que se refere o nº 3 do artº 104º da Lei nº 10/2013.
Como se vê, uma vez verificado que o incumprimento do prazo do aproveitamento é imputável ao concessionário, a lei impõe-se, sem qualquer alternativa, a declaração da caducidade da concessão.
Se a apreciação da existência ou não da culpa no incumprimento do prazo do aproveitamento pode traduzir-se num exercício do poder discricionário, o mesmo já não acontece com a consequente declaração da caducidade da concessão legalmente imposta, que é uma actividade administrativa vinculada.
Assim sendo, a alegada violação dos princípios em causa nunca é operante no caso sub justice.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
*
Custas pela Recorrente com 8UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 02 de Junho de 2022.
Ho Wai Neng
Tong Hio Fong
Rui Pereira Ribeiro
Mai Man Ieng


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681/2021