Processo nº 1157/2020
(Autos de outros processos em matéria administrativa, fiscal e aduaneira)
Data : 05 de Maio de 2022
Requerente : A
Entidade Requerida : Conselho Superior de Advocacia (律師業高等委員會)
Contra-Interessado : Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:
Processo nº 1157/2020-I
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, advogado devidamente identificado nos autos, vem instaurar acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, contra o Conselho Superior de Advocacia (doravante simplesmente designado por CSA, pedindo a condenação do CSA na prática do acto consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar contra ele instaurado e consequentemente, da sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
Citado, o CSA contestou pugnando pela improcedência da acção.
Findos os articulados, veio o Réu CSA suscitou a ilegitimidade passiva por não ter sido pedida a citação da Associação dos Advogados de Macau (doravante simplesmente designado por AAM) para intervir na acção como contra-interessada, pedindo com fundamento nisso a absolvição dele da instância.
Cumprido o contraditório, por Acórdão datado de 25NOV2021, foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade passiva e determinar a notificação do Autor para o seu suprimento no prazo de 10 dias, sob pena de absolvição do Réu da instância.
Notificado veio o Autor pedir o chamamento da Associação dos Advogados de Macau a intervir na acção, na qualidade de contra-interessado.
Deferido o seu chamamento e citada a AAM, veio esta contestar pugnando pela improcedência da acção, mediante o requerimento a fls. 155 e s.s., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Em sede de vista final, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer pugnando pela improcedência da acção:
Na petição inicial (cfr. fls.26 a 33 dos autos), o autor A formulou o pedido de “Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104.º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar n.º22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.”
Sustentando o seu pedido, o autor arrogou que se tinha completado a prescrição do procedimento disciplinar em 12/08/2020 em virtude de se consumar em 12/08/2002 a sua conduta que veio concomitantemente dar lugar a crime e infracção disciplinar.
Quid juris?
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Antes de mais, realce-se que os arts.28.º a 40.º da petição inicial mostra, de forma nítida e concludente, que o autor arrogou a prescrição superveniente do procedimento disciplinar - isto é, prescrição surgida na pendência do recurso contencioso, daí decorre naturalmente que basta in casu indagar se em 12/08/2020 teve lugar à reivindicada prescrição.
Ora, é consolidada a sábia jurisprudência que reza “Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar supletivamente e mutatis mutandis o regime correspondente consagrado no direito penal, por remissão expressa operada pelo artº65°-a) do Código Disciplinar dos Advogados.” (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º580/2006, n.°11472013 e n.°429/2014)
Dispõe imperativamente o n.º4 do art.10.º do Estatuto do Advogado aprovado pelo D.L. n.º31/91/M e republicado pelo D.L. n.º42/95/M: O recurso é processado como agravo e tem efeito suspensivo se ao arguido tiver sido aplicada pena de suspensão. Vale destacar que este efeito suspensivo ipso jure constitui uma das raríssimas excepções à regra geral consagrada no art.22.º do CPAC (o recurso contencioso não tem efeito suspensivo).
No nosso prisma, o sobredito efeito suspensivo ipso jure justifica reforçadamente a aplicação da jurisprudência do douto TUI, no sentido de que “Não há lugar à aplicação supletiva, por meio da remissão prevista no art.º277.º do ETAPM, do limite máximo do prazo de prescrição previsto no n.º3 do art.º 113.º do Código Penal para o procedimento disciplinar” (cfr. Acórdão no Processo n.º30/2008. no mesmo sentido veja-se o decretado no Processo n.º61/2020). O que permite a extrair a desaplicação supletiva, no seio de processo disciplinar, do limite máximo do prazo de prescrição fixado no n.º2 do art.112.º do ETAPM.
Com efeito, o Venerando TUI vem asseverando, constante e incansavelmente, que “O prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou, nos termos do artigo 111.º do Código Penal. aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 65.º, alínea a) do Código Disciplinar dos Advogados, e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso.” (cfr. arestos nos Processos n.º37/2015 e n.º30/2016, no mesmo sentido o tirado no Processo n.º30/2021)
Em esteira da autorizada jurisprudência supra citada, e tomando em devida consideração os doutos argumentos constantes dos arts.27.º a 84.º da contestação, inclinamos a colher que em 12/08/2020 não se verificou a peticionada prescrição, daí flui o decaimento da acção em apreço.
Sem prejuízo do merecido respeito pelo melhor entendimento em sentido diferente, afigura-se-nos que a conduta processual do autor não chega a cair na litigância de má fé.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência da presente acção.
Pretende o Autor com a instauração da presente acção que ao CSA seja dada a ordem para praticar um acto consubstanciado na declaração da extinção do procedimento disciplinar em que ele foi disciplinarmente punido, com fundamento no decurso de 18 anos, 2 meses e 29 dias, sobre o momento dos factos que tiveram na origem da punição disciplinar.
Estando em causa uma questão de direito e existindo factos não controvertidos suficientes para a boa decisão da acção, não houve lugar à realização das diligências probatórias.
Cumprir decidir.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é próprio e inexiste nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.
Inexistem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito do presente recurso.
De acordo com as provas juntas aos autos e os elementos constantes do processo instrutor, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão da presente acção:
* O Autor é advogado inscrito na AAM;
* Pelos factos praticados em 2002, o Autor foi criminalmente condenado, em última instância, por Acórdão do TSI, de 14JUL2016, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos;
* No âmbito do procedimento disciplinar contra ele instaurado, por deliberações do CSA datadas de 06JUL2017 e de 27JUL2017 e pelos factos que motivaram a condenação criminal, o ora Autor foi punido disciplinarmente pelo CSA com a pena de suspensão do exercício da advocacia pelo período de dois anos, suspensa, na sua execução por um período de três anos;
* Notificado da condenação disciplinar, o ora Autor não reagiu quer por via graciosa quer contenciosa;
* Da mesma sanção, a AAM reclamou para o CSA, tendo pedido a agravação da pena disciplinar;
* Em sede de reclamação, o CSA deliberou manter a pena reclamada;
* Contra a deliberação do CSA que manteve a sanção disciplinar, foi interposto pela AAM recurso contencioso de anulação para o TSI, onde foi registado sob o nº 776/2017 e se encontra actualmente pendente;
* Da deliberação que manteve a sanção disciplinar objecto do recurso contencioso de anulação nº 776/2017, o ora Autor interpôs recurso contencioso de anulação para o TSI, onde foi registado sob o nº 690/2018;
* Por Acórdão do TSI proferido em 13JUN2019, no processo nº 690/2018, foram julgadas procedentes as excepções de ilegitimidade activa e de intempestividade e determinada a absolvição da entidade recorrida CSA e da contra-interessada AAM;
* Desse Acórdão foi interposto pelo ora Autor recurso jurisdicional para o TUI, onde actualmente se encontra pendente;
* Mediante o requerimento datado de 01SET2020, o Autor suscitou junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar – cf. as fls. 8 – 13 dos p. autos;
* Mediante o requerimento datado de 01DEZ2020, o Autor voltou a suscitar junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar – cf. as fls. 14 dos p. autos;
* Até à data de instauração da presente acção mediante a petição que deu entrada na Secretaria do TSI em 10DEZ2020, o CSA não conheceu os requerimentos; e
* Na pendência de ambos os recursos, o Autor intentou contra o CSA a presente acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, pedindo a condenação do CSA na prática do acto consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar e consequentemente, da sanção disciplinar nele aplicada.
Ora, a única questão que se nos coloca consiste em saber, se, perante a factualidade material assente, o procedimento disciplinar contra o Autor instaurado deve ser declarado por extinto pelo decurso do tempo.
Trata-se de uma questão falsa e a acção não pode deixar de improceder.
Senão vejamos.
Ora, não obstante a aplicabilidade subsidiária ao procedimento disciplinar contra advogados das normas do Código Penal do Código de Processo Penal reguladoras da matéria da prescrição do procedimento criminal e das penas, o certo é que dadas a diferença estrutural existente entre os dois processos ou procedimentos e a natureza dos órgãos decisores neles intervenientes, aquelas normas têm de ser adaptadas para se aplicar subsidiariamente ao procedimento disciplinar.
É justamente por essas diferenças que temos de ter muito cuidado ao aplicar a título subsidiário ao procedimento disciplinar instaurado contra um advogado o regime da prescrição do procedimento criminal e das penas regido no Código Penal do Código de Processo Penal.
Em termos estruturais, o processo penal (em regra regido pelos princípios da oficialidade e da legalidade) inicia-se com a abertura do inquérito, com a acusação ou a pronúncia entra na fase da audiência de julgamento, e realizado o julgamento é proferida a sentença final de 1ª instância. O processo penal pode terminar aqui ou entra na fase de recurso nos tribunais superiores com a interposição do recurso ordinário por qualquer dos sujeitos processuais, inconformados com o decidido na 1ª instância.
Assim, uma vez iniciado com a abertura do inquérito, se o processo não parar com o arquivamento do inquérito ou a não pronúncia, o procedimento criminal contra determinado arguido terminará, ou com o trânsito em julgado da sentença de 1ª instância ou com o trânsito em julgado do Acórdão proferido em última instância por qualquer dos Tribunais superiores, consoante o caso, nos termos prescritos na lei do processo penal.
Já no aspecto subjectivo do processo penal, todos os sujeitos processuais com competência para decidir são órgãos jurisdicionais, quais são os Juízos Criminais do TJB, competentes para julgar em 1ª instância, a Secção de Processos em Matéria Criminal do TSI, competente para julgar em 2ª ou última instância e o TUI competente para julgar em última instância.
O que significa que o procedimento penal é no seu todo jurisdicionalizado e só terminará com a prolação de uma decisão judicial que põe termo ao processo, proferida ou em 1ª instância ou em recurso e que a tramitação desencadeada pelas eventuais impugnações por via jurisdicional não deixa de ser uma fase processual integrante do procedimento criminal no seu todo.
Comparando com o procedimento criminal, um procedimento disciplinar difere-se dele quer no seu aspecto subjectivo quer estrutural.
Em termos subjectivos, sendo procedimento administrativo que é, o procedimento disciplinar é dirigido e decidido só por órgãos administrativos.
Estruturalmente falando, o procedimento disciplinar é composto por uma fase instrutória ou investigatória e uma fase decisória, e eventualmente ainda uma fase impugnatória graciosa.
Assim sendo, se não parar antes com o arquivamento, o procedimento disciplinar terminará com a decisão a proferir pelo órgão decisor, ou do 1º grau ou em sede de impugnação graciosa.
Na esteira desse raciocínio, as eventuais impugnações por via contenciosa, judicial e jurisdicional nunca fazem parte integrante do procedimento de natureza puramente administrativa, ao contrário do que sucede com o processo penal, onde, havendo recurso, o procedimento criminal contra um determinado arguido só se concluirá com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal de recurso que conhece as impugnações jurisdicionais.
Dito por outras palavras, enquanto o controlo das decisões penais se faz somente intra-processualmente através do mecanismo endógeno que é o recurso ordinário, o direito de reagir contenciosamente por parte do visado contra uma sanção disciplinar contra ele imposta é assegurado extra-procedimentalmente por meio de impugnação exógeno que é justamente o recurso contencioso.
Isto é, as eventuais impugnações contenciosas das decisões administrativas ditadas no procedimento disciplinar não se tramitam nesse procedimento de natureza puramente administrativa, mas sim numa nova relação jurídico-processual que nasce após o terminus do procedimento disciplinar.
Eis a grande diferença existente entre o poder de proceder criminalmente e o poder de proceder disciplinarmente.
Com a aplicação da pena disciplinar, o titular do poder disciplinar já exerceu o seu poder de punição.
Como se sabe, a prescrição do procedimento disciplinar significa a extinção do direito de punição disciplinar pelo seu não exercício pelo seu titular por um determinado intervalo de tempo.
Quando o procedimento disciplinar tiver culminado com a aplicação de uma sanção ao visado, o poder de punição deve ser tido por exercido e o procedimento concluído.
Assim, só faz sentido falar de prescrição de um procedimento disciplinar, como uma das formas da sua extinção, enquanto o procedimento estiver ainda por terminar e o poder de punição ainda por ser exercido.
Voltando ao caso em apreço.
O Autor já foi disciplinarmente punido pelo CSA, enquanto órgão decisor com competência para proferir a última palavra sobre a culpa da conduta do Autor no procedimento disciplinar, este não pode deixar de ser considerado já terminado.
Terminado o procedimento disciplinar, este, já deixou de existir, logicamente não pode ser declarado extinto por prescrição ou por qualquer outra causa de extinção.
Pois não se pode declarar extinta uma coisa já finda.
Cumulativamente o Autor pediu também a declaração da extinção da pena disciplinar por arrastamento da pretensa declaração da extinção do procedimento disciplinar.
Tendo nós concluído pela impossibilidade da declaração da extinção do procedimento disciplinar, necessariamente fica prejudicada a questão da prescrição da pena.
Antes de terminar, quanto à questão de litigância da má-fé suscitada pelo Réu CSA, é de acompanhar a douta posição do Ministério Público, a atitude processual do Autor não é mais do que fazer alicerçar a defesa dos seus interesses nas teses jurídicas por ele construídas que, não obstante não acolhidas por nós, não se apresentam subsumíveis a qualquer das situações previstas no artº 385º/2 do CPC e portanto não deve ser objecto da censura.
Resumindo e concluindo:
Não se pode declarar extinto o procedimento disciplinar por prescrição na pendência das impugnações contenciosas da sanção nele imposta, ou seja, numa altura em que a sua tramitação já se encontra concluída e o próprio procedimento deixou de existir.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente a acção, absolvendo o Réu do pedido.
Custas pelo Autor, com a taxa de justiça fixada em 10 UC.
Registe e notifique.
* * *
Submetido à discussão e votação, tal projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
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I - RELATÓRIO
A, Requerente, devidamente identificada nos autos, vem instaurar acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, contra o Conselho Superior de Advocacia (doravante simplesmente designado por CSA, pedindo a condenação do CSA na prática do acto consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar contra ele instaurado e consequentemente, da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, dele veio, em 04/02/2021, interpor recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 26 a 33, tendo formulado as seguintes conclusões:
Factos
1. O autor foi condenado pelo CSA em pana disciplinar de suspensão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, ainda não cumprida, por deliberações de 6-Julho-2017 e de 27-Julho-2017 (esta após reclamação da Direcção da AAM) (docs. Constantes do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requer).
2. O processo disciplinar respeita a factos ocorridos e consumados em 12-Agosto-2002, com base nos quais havia sido condenado pelo Tribunal Criminal, como cúmplice, por sentença de 02/12/2013, confirmada pela TSI em 14/07/2016, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, a qual se encontra cumprida (doc. constante do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requer).
3. O processo disciplinar ficou suspenso até ao trânsito em julgado da sentença proferida no judicial (doc. constante do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requer).
4. Das deliberações referidas no ponto 1 supra foi interposto recurso contencioso de anulação. A direcção da AAM interpôs recurso contencioso que deu lugar aos Autos Recurso Contencioso nº 776/2017. O aqui autor interpôs recurso contencioso que deu lugar aos Autos de Recurso Contencioso nº 690/2018. Estes dois processos de recurso contencioso encontram-se pendentes junto do TSI e TUI (documentos que protesta juntar como docs. nºs 3 e 4, após obtenção da respectiva certidão).
5. No dia 1-Setembro-2020, o autor suscitou junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar (doc. nº 1).
6. No dia 1-Novembro-2020, o autor voltou 9 suscitar junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar (doc. nº 2).
7. Até à data de instauração desta acção, o CSA não conheceu dos requerimentos do autor (conforme resulta do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requer).
8. Passaram, entre a data da prática dos factos objecto da condenação disciplinar e a data de instauração desta acção (10-Dezembro-2020), 18 anos, 2 meses e 29 dias.
Direito
9. Nos termos do art. 11º/2 do Código Disciplinar dos Advogados (CDA) e do art. 7º/2 do Estatuto do Advogado (EA), "As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior”.
10. O processo crime respeitava a um crime previsto no art. 11º/1 e 2 da Lei nº 2/90/M, punido com pena de prisão de dois a oito anos.
11. Nos termos do art. 110º/1-c) do Cód. Penal, "O procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido (...) 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos".
12. O art.111º/1 do Cód. Penal estatui que "O prazo de prescrição do procedimento penal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado", o que, no caso em apreço, ocorreu em 12/08/2002.
13. Nos termos do art. 112º/1-b) e 2 do Cód. Penal, o processo disciplinar suspende-se por um período máximo de 3 anos.
14. O art. 113º/1 do Cód. Penal determina que a prescrição se interrompe com a notificação do interrogatório como arguido ou do despacho de pronúncia.
15. Nos termos do art. 113º/1 do Cód. Penal, "A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade".
16. Sendo o prazo normal de prescrição de 10 anos, a prescrição ocorre no prazo máximo de 15 anos, a que acrescem os 3 anos da suspensão.
17. Logo, a prescrição verifica-se sempre, independentemente de ter ocorrido a interrupção e a suspensão do prazo, ao fim de 18 anos.
18. Aplicando-se conjugadamente os artigos 111º, 112º e 113º do Cód. Penal, a data de prescrição do processo crime é 12/08/2020, uma vez que:
a. Em 12/08/2002, dia da prática do facto, iniciou-se o decurso do prazo prescricional;
b. Em 12/08/2012 decorreu o prazo prescricional de 10 anos;
c. Em 12/08/2015 terminou o período de suspensão do prazo prescricional;
d. Em 12/08/2020 terminou o período de interrupção do prazo prescricional.
19. Em suma, a data de prescrição do processo crime é o dia 12/08/2020, data que constitui a referência para a prescrição do procedimento disciplinar.
20. De facto, como vimos, nos termos dos arts. 11º/2 do Código Disciplinar dos Advogados e 7º/2 do Estatuto do Advogado, as infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo em que o processo crime prescreveria, caso, de acordo com as regras de prescrição aplicáveis ao processo crime, o ilícito penal prescreva em data posterior ao ilícito disciplinar.
21. Passaram mais de 18 anos desde a data da prática da alegada infracção disciplinar, mantendo-se o processo disciplinar pendente e a pena respectiva por cumprir, após o decurso desse prazo.
22. Assim, a condenação disciplinar aplicada ao autor não constitui caso decidido, por estar sujeita a recurso contencioso, tendo sido interpostos dois recursos contenciosos cujos termos correm pelo TSI e pelo TUI.
23. A própria direcção da AAM, recorrente num dos processos de recurso contencioso de anulação, afirma no parágrafo introdutório das suas alegações num dos processos em apreço que o processo disciplinar está "sujeito a prazo prescritivo" (negrito e sublinhados no original).1
24. De resto, o procedimento disciplinar prescreveu em consequência da pendência, não de um, mas de dois recursos contenciosos de anulação. Bastaria a pendência de um destes dois processos para que tivesse ocorrido a prescrição. No entanto, há dois processos que provocaram, cada um por si, autonomamente a prescrição que aqui se invoca.
25. Resulta evidente dos arts. 112º e 113º do Cód. Penal que o prazo de prescrição do processo crime continua a correr na pendência dos recursos judiciais.
26. Caso contrário, não faria sentido a lei afirmar que o prazo de prescrição se suspende e interrompe com a prática de actos judiciais.
27. De resto, a jurisprudência do TUI afirma-o expressamente, quer quanto ao processo penal, quer quanto ao procedimento disciplinar (e especificamente no que respeita a processos disciplinares instaurados pelo CSA).
28. É jurisprudência firmada nos Acórdãos do TUI nºs 37/2015 e 49/2015 que:
" ... quando o prazo de prescrição do procedimento disciplinar se completa após decisão punitiva e antes de se formar caso decidido, designadamente na pendência do recurso contencioso daquela decisão, cabe ao interessado suscitar a questão ao órgão decisor, não podendo fazê-lo no recurso contencioso, por falta de jurisdição do Tribunal".
29. O autor, seguindo esta jurisprudência, invocou a prescrição no procedimento disciplinar, junto do CSA.
30. Igualmente, no Acórdão nº 30/2016, o TUI concluiu que:
"Nos termos do art.º 111.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente, por força do disposto no art.s 65.º, al. a) do Código Disciplinar dos Advogados, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar dos advogados começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso."
31. A jurisprudência citada no ponto anterior segue precisamente o que foi determinado nos Acórdãos do TUI nºs 37/2015 e 49/2015.
32. Em sentido similar, no Acórdão do TSI nº 183/2016, e por referência ao Parecer do MP, onde o Tribunal se louvou, lê-se:
"Em 26 de Junho de 2015, na pendência do recurso contencioso, portanto antes de se haver formado caso decidido, o autor requereu ao réu que declarasse extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar de que era alvo".
33. Ou seja, é jurisprudência assente na RAEM que o caso decidido só se forma no momento do trânsito em julgado da sentença judicial que vier a ser proferida no âmbito do recurso contencioso de anulação da decisão disciplinar.
34. O facto de ser jurisprudência assente tem relevância óbvia, desde logo, em face do disposto no art. 7º/3 do Cód. Civil, onde se estipula que "Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito".
35. Diga-se, aliás, que só por desconhecimento se poderia, por exemplo, sustentar que o facto de a decisão disciplinar constituir acto definitivo - e, pois, recorrível - implicaria a constituição de caso decidido, ou seja, irrecorrível: "definitivo" é a qualidade de um acto que permite que dele seja interposto recurso; "caso decidido" é a qualidade de um acto que já não permite que dele seja interposto recurso. O acto definitivo só coincide com o acto decidido quando não está pendente qualquer recurso contencioso, pois a interposição de recurso torna caso não decidido o acto definitivo.
36. No supra aludido Acórdão do TSI nº 183/2016 mais se determinou que:
"Se se verificarem os pressupostos da prescrição do procedimento disciplinar, tendo o advogado sancionado recorrido judicialmente da aplicação da sanção disciplinar, na sequência do entendimento do tribunal, e requerido a prescrição do procedimento junto do Conselho Superior da Advocacia, mesmo na pendência daquele recurso, há que anular o acto de indeferimento tácito do órgão decisor, relativo ao pedido de prescrição formulado pelo requerente, devendo a entidade recorrida praticar o acto devido de deferimento desse pedido, através da declaração de extinção, por prescrição, do procedimento disciplinar, estando em causa uma actuação vinculada decorrente da aplicação das regras prescricionais respectivas".
37. Neste mesmo Acórdão do TSI, e por referência ao Parecer do MP, onde o Tribunal se levou, lê-se ainda:
"Na falta de deliberação, e consequente impossibilidade de reclamação, há que seguir as regras gerais do Código do Procedimento Administrativo, sob pena de, perante a inércia do CSA, os administrados que com ele se relacionam, ficarem despidos de tutela jurisdicional efectiva".
38. Ou seja, aplicam-se as regras do indeferimento tácito ao pedido em que suscita a prescrição do processo disciplinar, cabendo acção para determinação de prática de acto legalmente devido.
39. Tendo sido suscitada a prescrição por requerimento de 1-Setembro-2020, o deferimento tácito ocorreu em 1-Novembro-2020, nos termos do art. 102º/2 do CPA.
40. A decisão tácita de indeferimento é susceptível de acção para determinação de prática de actos administrativo legalmente devido, nos termos do art. 103º/1-a) do CPAC. De facto, formou-se o acto tácito de indeferimento, para além de que a declaração da prescrição constitui um acto vinculado (vide passagem do Acórdão do TSI nº 183/2016 acima transcrita no ponto 36).
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Citada a Entidade Requerida, Conselho Superior de Advocacia (律師業高等委員會) veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 42 a 58, tendo formulado as seguintes conclusões:
Da presente acção
1. O Autor intenta a presente acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, com o fundamento de que requereu no dia 1 de Setembro de 2020, no âmbito do processo disciplinar n.º 22/2010/CSA, fossem declarados extintos, por prescrição, o referido processo e a sanção que ali lhe foi aplicada pelo CSA,
2. mais alegando para tanto que, até à data de instauração desta acção, o Réu CSA não conheceu daquele requerimento,
3. de onde conclui, nos artigos 39.º e 40.º da sua petição inicial, que «o deferimento tácito [sic] ocorreu em 1 de Novembro de 2020 (...), com o que se formou «o acto tácito de indeferimento (...)».
Da tomada de decisão e aplicação de pena disciplinar
4. Sem prejuízo dos direitos e das garantias que cabem ao advogado arguido, aqui Autor, naquele processo - nomeadamente de recurso (cfr. artigo 44.°, n.º 3, do Código Disciplinar dos Advogados2 (CDA) -, importa todavia salientar que o processo disciplinar em causa, stricto sensu3, está-terminado, por estar esgotado o poder jurisdicional do CSA e nada mais haver ali a decidir (cfr. artigo 569.°, n.º 1, do CPC).
5. Com efeito, o CSA deu já por verificada a infracção disciplinar, decidindo-se pela aplicação de uma pena ao aqui Autor e indeferimento da respectiva reclamação. A pena foi decidida e existe, pelo que as decisões que os Tribunais Superiores vierem a tomar nos processos n.º 776/2017 (ora pendente no Tribunal de Última Instância (TUI) sob o n.º 88/2020) e n.º 690/2018 (ora pendente no TUI sob o n.º 131/2019), apenas poderão vir a modificar a medida da pena aplicada e/ou a sua aplicação efectiva.
6. Ou seja, baixando o processo ao CSA (cfr. artigo 50.° do CDA), a única questão que se suscita é a da execução da pena.
7. O que existia (e continua a existir), no momento em que o Autor suscitou a questão da prescrição junto do CSA, são dois processos jurisdicionais, sujeitos às suas próprias regras de interrupção e deserção.
8. Ao nível do procedimento disciplinar, com a tomada de decisão da pena, o que passou a haver foi apenas a questão da sua execução, em virtude da interposição de recurso, pelo que a prescrição só pode referir-se à pena aplicada e já não ao processo.
9. De resto, o próprio Autor parece ter disso noção, pois requer perante o CSA sejam declarados extintos, por prescrição, quer o procedimento disciplinar, quer a sanção aplicada.
10. Sucede que a prescrição das penas, como o Autor bem sabe, só «começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena», tal como estatui o n.º 2 do artigo 114.° do Código Penal.
11. Ora, se os processos jurisdicionais em que se discute a medida da pena e sua efectiva execução estão pendentes no TUI por recursos interpostos pelo Autor, é evidente que a decisão que aplicou a pena ainda não transitou nem começou a correr o prazo prescricional, com o que é prematuro invocar a sua prescrição.
Da natureza do "processo disciplinar" e oportunidade de decisão
12. Mas ainda que assim não fôsse, importa todavia não perder de vista que o processo disciplinar, enquanto meio destinado a apurar e efectivar a responsabilidade do agente (in casu, o advogado) por infracção praticada no exercício das suas funções,
13. é uma sequência contínua e ordenada de actos, que apresentam uma unidade, destinados à justa composição de um conflito de interesses ou litígio, por um órgão imparcial dotado de autoridade.
14. Mesmo quando visto unicamente sob o prisma do direito administrativo, o processo disciplinar, enquanto procedimento administrativo especial, não deixa de consistir uma «sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade» da autoridade disciplinar, composta por um conjunto de documentos, devidamente ordenados, que traduzem todos os actos a cuja documentação a lei obriga (cfr. artigo 1.° do Código do Procedimento Administrativo).
15. Assim sendo, impõe-se então perguntar: estará a autoridade a quem foram cometidos os poderes disciplinares obrigada a tomar uma decisão cada vez que o participado ou arguido formula um requerimento?
16. Ou, ao invés, no âmbito do poder de direcção do processo e do princípio do inquisitório, cabe-lhe providenciar pelo seu regular andamento e tramitação, permitindo que a decisão – que se impõe seja tomada, face aos princípios da decisão e de obrigação de julgar - tenha lugar, mas no momento oportuno, ou seja, na respectiva fase processual?
17. A este propósito, note-se então que o processo disciplinar lato sensu, tal como o processo penal, comporta diversas fases: a da acção disciplinar, a da instrução do processo; a de inquérito; a da acusação e defesa; a do julgamento; a da reclamação e recurso; e, a da execução da pena.
18. Quer-se com isto dizer que num processo há um período de tempo oportuno para cada acção: há o momento para investigar; o momento para acusar; o momento para o contraditório; o momento para reunir provas e instruir a causa; o momento para julgar e ... o momento próprio para decidir.
19. Ora, como o Autor muito bem sabe, com a interposição dos recursos para este Tribunal Superior subiram os autos do processo disciplinar e foi fixado efeito suspensivo à decisão recorrida - que lhe aplica uma pena - e, assim, não pode ser executada (cfr. artigo 398.° do CPP).
20. E, enquanto durarem tais efeitos, não só não começa a correr o prazo prescricional relativo à pena aplicada, como os «prazos processuais não correm» e «só podem praticar-se os actos urgentes destinados a reparar dano irreparável;» - cfr. artigo 225.° do CPC.
21. Que não há prejuízo algum para o Autor já este Tribunal assim o decidiu, por decisão de 23 de Novembro de 2020, proferida no processo n.º 776/2017, em que aquele veio requerer a suspensão da causa até que o CSA proferisse decisão sobre a prescrição do processo disciplinar4.
22. Assim, até que a decisão de aplicação da pena tomada pelo CSA transite em julgado – o que só acontecerá depois dos recursos jurisdicionais serem conhecidos e julgados -, não só o Réu deverá abster-se de tomar qualquer decisão (exceptuando actos urgentes destinados a reparar dano irreparável),
23. como não poderá formar-se tacitamente qualquer decisão, pois os prazos processuais não correm.
24. Mais. Estando junto aos autos que correm termos por este Tribunal Superior o processo disciplinar, até formalmente o CSA estaria impedido de tomar uma decisão (sem prejuízo de pedir a extracção de traslado, assim o considerasse urgente).
25. Acresce que nos termos do n.º 3 do artigo 11.° do CDA, «a prescrição é de conhecimento oficioso (...)», pelo que sempre o CSA estará obrigado a verificá-la no momento próprio: aquando do trânsito em julgado da decisão de aplicação da pena ao Autor.
26. Face ao exposto, crê o Réu que nenhum acto lhe poderá ser determinado, seja porque o prazo para a sua prática se encontra suspenso, seja porque, no respectivo iter processual, o mesmo não é ainda devido.
Da génese da "prescrição" no procedimento disciplinar-criminal
27. Sem prejuízo do que antecede, sempre se dirá que a infracção disciplinar cometida pelo aqui Autor não prescreveu. Desde logo face à própria génese do instituto da prescrição.
28. A este propósito importa reter que, conforme decorre do artigo 65.º do CDA, na interpretação e integração de lacunas deste Código Disciplinar aplicar-se-á o direito penal vigente em Macau, o Código de Processo Civil e, por último, as instruções emanadas do Conselho Superior da Advocacia.
29. Assim, na interpretação do artigo 11.° do CDA - que regula, precisamente, a prescrição do processo disciplinar -, e eventual integração de lacunas, serão subsidiariamente aplicáveis os princípios gerais de direito penal e processual penal, nomeadamente os artigos 110.° a 113.° do Código Penal, sem prejuízo dos princípios gerais de Direito que presidem ao Ordenamento Jurídico (cfr. artigos 8.° e 9.° do Código Civil).
30. Ora, o procedimento criminal, ou, no caso concreto, a acção disciplinar, configura-se como o modo de afirmação instrumental do jus imperium puniendi do Estado (in casu através do CSA, enquanto órgão de disciplina profissional dos advogados a quem o Estado cometeu essas funções) e compreende, em geral, tudo quanto cabe no próprio iniciar e desencadear da acção penal/disciplinar, enquanto modo de realização, afirmação e concretização do direito penal/disciplinar.
31. O Estado, porém, não guarda para si, ilimitadamente no tempo, a actuação do seu direito de punir. Decorrido que seja certo lapso de tempo sobre a infracção - maior ou menor consoante as situações previamente definidas na lei -, não poderá ser desencadeada ou prosseguir a acção disciplinar por esses factos passados porque o procedimento disciplinar prescreve.
32. A prescrição do procedimento criminal constitui um instituto que, exclusiva ou ao menos predominantemente, se situa na dimensão material e não processual, e tem vindo a ser historicamente justificada, nos sistemas onde é acolhida, seja por razões processuais, seja por outras de natureza substancial e material, seja ainda por outras - sem grande relevância – de carácter empírico.
33. Ao nível processual apontam-se, para além de certos limites temporais, os efeitos negativos sobre a produção das provas, especialmente tratando-se de prova testemunhal, não só quanto ao esquecimento dos factos pelas testemunhas, mas principalmente pelo perigo na deturpação inconsciente no relato dos factos.
34. Invoca-se ainda a impossibilidade de movimentar todos os processos, por mais antigos que fossem e, consequentemente, a necessidade de imposição de um limite para o passado que não o mero acaso na determinação das causas antigas que poderiam vir a ser movimentadas.
35. Porém, o pequeno valor destas razões processuais leva a considerar as razões de natureza substancial como fundamentalmente justificadoras da ocorrência da prescrição do procedimento criminal, na medida em que esta se traduz na renúncia do Estado ao seu jus imperium puniendi, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal.
36. Têm assim sido indicadas razões que se relacionam com o objectivo da própria punição: «a acção do tempo torna impossível ou inútil a realização destes fins»; «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer»; «passados anos o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena perdeu o interesse e o significado»5.
37. Soma-se também a circunstância de o decurso do tempo apagar a utilidade preventiva, quer geral quer especial, das penas.
38. Estes fundamentos da prescrição do procedimento criminal são comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto6 e, nos sistemas de matriz Portuguesa, pode considerar-se hoje como jurisprudencialmente aceite a teoria jurídico-material da prescrição; neste sentido, já o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de Portugal, de 19 de Novembro de 1975, considerava que «a lei sobre a prescrição é de natureza substantiva (...)» e «que se traduz na renúncia do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionada ao decurso de um certo lapso de tempo.»7
39. Aceita-se, assim, que a prescrição do procedimento criminal, quer seja de natureza substantiva, quer se considere de natureza mista (substantiva e processual), há-de considerar-se sempre ligada à infracção e à valoração da relação da vida que a norma incriminadora disciplina, isto é, à dignidade punitiva do facto, de tal modo que se justifica inteiramente que valham para a sua aplicação os mesmos princípios que valem para aplicação das leis substancialmente tipificadoras.
40. Todavia, revertendo a prescrição ao decurso do tempo, importa compreender se a mesma se verifica decorrido que esteja certo lapso tempo e ope legis, ou está operativa mente dependente da consideração e dos efeitos de momentos e actos processuais determinantes.
41. A resposta é unívoca: é nesta dimensão - dos tempos processuais relevantes - que a prescrição do procedimento há-de verificar-se. A prescrição não opera na substância do mero decurso do tempo nem ope legis, mas depende do processo e dos seus actos.
42. Nesta medida, embora na substância não seja mutável, a conexão intrínseca processo-conteúdo material é, por natureza, contingente, dependendo da dinâmica dos actos do processo e dos efeitos induzidos que cada acto (dies a quo; dies ad quem; tempos de suspensão) produza em determinada situação concreta.
43. Nesta correlação processo-tempo, a prescrição, com tempo material definido e fixado na lei, depende então de pressupostos processualmente dinâmicos, a apreciar pelo julgador.
44. Acresce que o regime jurídico aplicável a uma qualquer infracção de natureza penal é constituído por um complexo de normas jurídicas em que se inscrevem, entre outras, normas legais que se referem à qualificação jurídica; à determinação da sanção e seus efeitos; à extinção do procedimento; às causas de justificação; e, à prescrição do procedimento. Estando esta, por seu lado, sujeita a outro conjunto de normas quanto à sua suspensão e interrupção.
45. Deste modo, a verificação da prescrição do procedimento criminal-disciplinar pressupõe um procedimento metodológico complexo, dependendo da consideração de vários elementos, quer directamente materiais (o tempo da prescrição), como da conjugação do tempo com os actos processuais relevantes e de cujos efeitos depende a contagem do tempo da prescrição.
46. Por isso, a apreciação é dinâmica e só pode ser realizada no preciso momento em que a questão possa ser suscitada e está tributária da relevância dos factos determinantes em cada momento em que processualmente seja possível uma decisão.
47. Ora, traduzindo-se a prescrição na renúncia do Estado ao jus imperium puniendi, na sua apreciação o julgador deve ter sempre como pressuposto o contrário: i.e., a inexistência da prescrição do procedimento criminal-disciplinar, de modo a efectivar a responsabilidade do agente. Só assim se faz Justiça.
48. Ou seja, o julgador não deve promover nem facilitar uma interpretação que contrarie a realização da Justiça, mas procurar que esta efectivamente se faça.
49. Serve o que antecede para, em face das vicissitudes processuais a que o processo disciplinar n.º 22/2010/CSA esteve sujeito, melhor se aquilatar da sua invocada prescrição e da invocada prescrição da pena aplicada ao Autor.
50. Vejamos então. Por a infracção disciplinar cometida pelo aqui Autor constituir simultaneamente ilícito penal, impunha-se - importa não esquecer a razão: face à unidade do Ordenamento Jurídico e prevenindo decisões contraditórias - que o referido processo ficasse a aguardar pelo desfecho do processo-crime.
51. O processo-crime correu os seus termos e o Estado, no exercício do jus imperium puniendi, condenou ali o Autor.
52. Pergunta-se: pode daqui retirar-se alguma acção comissiva ou omissiva da qual resulte o mais leve indício de renúncia do Estado, seja através do CSA, do Ministério Público ou dos Tribunais, ao seu poder punitivo? Não.
53. Decidido o ilícito penal em segunda instância, por recurso interposto pelo aqui Autor, o CSA deu seguimento ao processo disciplinar e acordou em sancionar o advogado arguido.
54. Pergunta-se: pode daqui retirar-se alguma acção comissiva ou omissiva da qual resulte o mais leve indício de renúncia do Estado, ora através do CSA, ao seu poder punitivo? Também não.
55. Notificado da decisão proferida no processo disciplinar, o advogado arguido achou por bem dela reclamar; e, indeferida a reclamação pelo CSA, recorrer para os Tribunais Judiciais - está no seu direito -, o mesmo tendo feito a Associação dos Advogados de Macau (AAM), enquanto órgão público regulador do exercício da advocacia.
56. Pergunta-se uma vez mais: pode daqui retirar-se alguma acção da qual resulte o mais leve indício de renúncia do Estado ao seu poder punitivo? Definitivamente, não.
57. No decurso do processo-crime, do processo disciplinar e dos processos jurisdicionais, o Autor foi notificado para interrogatório, como arguido; da aplicação de medida de coacção; do despacho de pronúncia; da data para julgamento; da sentença judicial; e, do acórdão deste Tribunal Superior. Foi também notificado do acórdão do CSA e da deliberação do CSA quanto à reclamação por si apresentada. Foi igualmente notificado das alegações recursórias apresentadas pela AAM, às quais contra-alegou, e da contra-alegação ao seu próprio recurso.
58. Impõe-se nova pergunta: pode daqui retirar-se algum indício, da parte do Autor-arguido, que leve a concluir-se que o mesmo não deseja o prosseguimento do processo?
59. É certo que invoca a sua prescrição e a prescrição da pena e pretende vê-las declaradas, a todo o custo. Mas vejamos com atenção as suas acções: notificado do Acórdão do Tribunal Judicial de Base (que o condenou por ilícito criminal), o que fez o Autor-arguido? Recorreu para este Tribunal. Notificado do Acórdão do CSA, o que fez o Autor-arguido? Reclamou. Notificado da deliberação que recaiu sobre a reclamação, o que fez o Autor-arguido? Recorreu para os Tribunais.
60. Mais. Decorrido pretensamente o prazo prescricional, que fez o Autor-arguido? Requereu ao CSA que declarasse a prescrição e aos Tribunais Superiores que declarassem suspensas as instâncias, com o argumento, entre outros, de que «de facto, não se justificaria prosseguir com um processo judicial respeitante a um processo disciplinar já prescrito ou em que a questão da prescrição está a ser ponderada pelo próprio órgão recorrido no processo judicial.»
61. Sabe-se o que viria a seguir: inutilidade superveniente da(s) lide(s). Provocada por quem? Pelo próprio Autor-arguido.
62. Aqui chegados, importa então trazer à colação a figura do abuso de direito prevista no artigo 326.° do Código Civil, bem como da litigância de má fé, a que alude o artigo 385.º do CPC.
63. Afinal, o que quer o Autor-arguido? Que os Tribunais Superiores conheçam das razões por si alegadas no recurso - e o mais rapidamente possível -, ou que o recurso seja apenas o meio processual com o fim de entorpecer a acção da Justiça e protelar o trânsito em julgado da decisão punitiva, visando a prescrição?
64. Que sinal estaremos a transmitir - todos nós: Advogados, Magistrados, a "Justiça", o próprio Autor-arguido como servidor da Justiça que deve ser - à Sociedade, quando se toleram condutas destas, permitindo que alguém condenado pela prática de um crime saia ileso disciplinarmente? Mais a mais um Advogado?
65. Não deve um Ordenamento Jurídico que privilegia a susbtância sobre a forma, impedir expedientes destes, em que o impulso processual é utilizado com intuitos prescritivos que acabam por redundar na inutilidade superveniente da própria lide que gera a prescrição?
66. O Autor-arguido, que se recorda ser Advogado e está representado por outro Ilustre Colega, propôs a presente lide em 10 de Dezembro de 2020. Não parece estranho que se tenha esquecido de juntar procuração? E que tenha formulado dois pedidos incompatíveis entre si? Era mesmo necessário o despacho de fls. 20?
67. No processo jurisdicional que corre termos neste Tribunal Superior, o Autor-arguido recorre do despacho do Juíz Relator, em vez de reclamar para a Conferência?
68. Estamos a falar de um Ilustre Advogado com mais de 20 anos de experiência!
69. O instituto da prescrição do procedimento disciplinar/penal não foi criado com este intuito e o Ordenamento Jurídico na sua (im)perfeição tem mecanismos que lhe ponham cobro, assim queiramos, porque a Justiça é feita por Homens e para os Homens.
Da inexistência de regra que encurte a recontagem do prazo interrompido
70. Sem embargo do já exposto, sempre se deverá estender ao regime disciplinar dos advogados o entendimento do Tribunal de Última Instância, tirado nos processos n.º 30/2008 e, muito recentemente, no processo n.º 61/20208, no sentido de que a norma do n.º 3 do artigo 113.° do Código Penal - que determina que a prescrição ocorre sempre que esteja decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, sem prejuízo do período da sua eventual suspensão -, não é aplicável aos processos disciplinares instaurados a funcionários públicos ao abrigo do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública ("ETAPM").
71. Com efeito, decidiu ali o TUI que a remissão constante do artigo 277.° do ETAPM (ao "Direito Penal vigente no Território"), como direito supletivo em matéria do regime disciplinar dos funcionários públicos, visa o instituto concreto existente ao tempo da entrada em vigor do ETAPM, que era o do Código Penal de 1886, no qual não havia norma que travasse a partir de certo momento a plena recontagem do prazo prescricional resultante da ocorrência dum factor de interrupção do mesmo.
72. Ora, semelhante situação se verifica no âmbito do regime disciplinar dos advogados, pois que a remissão ali feita para o "Direito Penal vigente no Territórío" e anunciada pela alínea a) do artigo 65.º do CDA, tem ainda em vista o Código Penal de 1886, porque a elaboração e início de vigência do actual Código Penal lhe é posterior.
73. Assim sendo, a regra do n.º 3 do artigo 113.° do Código Penal não se aplica aos processos disciplinares dos advogados que sejam desencadeados no âmbito do CDA.
74. E sendo essa regra o suporte do pedido formulado pelo Autor nestes autos, decorre da respectiva inaplicabilidade ao processo disciplinar em causa que o CSA só poderia constatar o não decurso do prazo prescricional e só a isso conduziria qualquer determinação para a prática de acto que esse Venerando Tribunal houvesse por bem decretar, o que esvaziaria a decisão de racionalidade jurídica e interesse prático.
Do prazo prescricional
75. Para sustentar a sua posição e deitar por terra a suspensão e as sucessivas interrupções da prescrição, o Autor invoca a seu favor o disposto no n.º 3 do artigo 113.° do Código Penal9, concluindo que o prazo normal de prescrição, in casu, seria de 10 anos, pelo que, mesmo atento o período de suspensão, o prazo aplicável ao caso é de 18 anos (10+5+3).
76. Com o devido respeito, não se nos afigura que tenha razão. Não é esta a sede - e, como dissemos anteriormente, nem o momento processual - para se verificar da prescrição do procedimento disciplinar. Porém, partindo do referido pressuposto da sua inexistência, vejamos se os factos dos autos poderiam levar a concluir diferentemente.
77. Invoca o Autor o n.º 2 do artigo 11.° do CDA, nos termos do qual «as infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior».
78. Alega então que o crime por si praticado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.° ("falsificação de documentos"; da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, aplicável ao tempo do crime.
79. Assim era, efectivamente. Sucede que o artigo 15.° da mesma Lei estatui ainda que «as penas correspondentes aos crimes previstos na presente lei, quando praticados por funcionário público ou membro das Forças de Segurança, são agravadas em metade da diferença entre os seus limites máximo e mínimo.»
80. O Autor, ali arguido, é Advogado, e foi no exercício da sua actividade que praticou o crime. A este propósito determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 336.° do Código Penal ("conceito de funcionário") que «a expressão funcionário abrange quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar ou colaborar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional.»
81. Com efeito, a colaboração no exercício de funções públicas jurisdicionais e a tutela governativa (sobre a AAM) conduzem à configuração do Advogado como preenchendo o conceito de funcionário para efeitos da lei penal, nos termos do referido inciso - a este propósito veja-se o estudo intensivo no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.IV.201510, para o qual remetemos.
82. Assim, a pena abstractamente aplicável ao ali arguido, aqui Autor, era de 5 a 11 anos de prisão,
83. pelo que o procedimento disciplinar, em virtude do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 110.º do Código Penal, só se extinguirá, por efeito de prescrição normal, decorridos que estejam 15 anos sobre o dia em que o facto se tiver consumado,
84. o que significa, por seu turno, que o prazo-limite de prescrição do procedimento disciplinar que resulta do n." 3 do artigo 113.° do mesmo Código será, não de 18 anos, como defende o Autor, mas sim de 25 anos e meio (15+7,5+3), com o que não está ainda decorrido.
*
A, Requerente, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 63 a 92, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Os factos e fundamentos em que assenta a alegação de litigância de má fé estão repletos de falsidades, omissões, interpretações sinuosas e imputação injusta de conduta processual deontologicamente censurável ao autor e ao seu mandatário.
2. Não existe um único fundamento sensato que explicasse intenção de atrasar o processo com vista à obtenção da prescrição.
3. Dos oito factos despejados na contestação do CSA, quatro são preocupantemente falsos. Falsidade que induziria o Tribunal em erro, acreditando num Conselho Superior que veio relatar factos por si praticados ou perante si praticados num processo administrativo por si dirigido. Não é fácil adjectivar o carácter destas falsidades mantendo a cortesia que julga dever a este Tribunal.
4. Os outros quatros factos foram praticados após a ocorrência da prescrição (ou à beira da sua ocorrência), pelo que nunca poderiam ter contribuído para a prescrição do processo disciplinar. Em três destes factos, o TSI deu um prazo ao autor, em dois o autor cumpriu no mesmo dia da notificação, no terceiro facto três dias úteis depois da notificação. No outro facto (pedido de suspensão da instância formulado no Proc. nº 1157/2020), acabou por merecer a concordância do TSI (segundo requerimento) - pelo que a crítica não tem qualquer fundamento: mais, neste caso, o CSA não se opôs ao pedido de suspensão da instância (doc. nº 3).
5. Um facto final no que respeito ao entorpecimento da justiça. O autor apresentou o seu pedido de prescrição em 01/09/2020 (doc. 1 da p.i.). O CSA pediu parecer à direcção 120 dias depois! Demorou 4 meses para fazer e entregar um ofício à direcção com quem partilha as instalações. É este o Conselho Superior que nós temos? Que acusa, num rol de falsidades, o autor e o seu mandatário de atrasarem a justiça, quando sob a sua alçada a justiça tropeça nos seus próprios pés? É uma conduta deontologicamente louvável...
6. Este Conselho Superior termina o seu rol de acusações indignas com a frase "porque a Justiça é feita por Homens e para os Homens." Qual justiça? Certamente não a do Conselho Superior tal como reflectida neste processo. A questão que parece se poderia colocar ao CSA é, eventualmente: Justiça feita por quais homens e relativamente a quais homens (na verdade, quais pessoas)?
7. Como o filósofo John Rawls escreveu na 1ª página da sua influente obra, "A Theory of Justice": "Justice is the first virtue of social institutions, as truth is of systems of thought". Neste caso, do CSA não veio, nem "justiça", nem "verdade". O autor e o signatário desejam que aqueles que o acusam consigam adormecer pacífica e descansadamente - pois estes, autor e mandatário, não o conseguiriam se tivessem escrito o que este Conselho escreveu.
RÉPLICA
8. O autor vem apresentar Réplica, nos termos dos arts. 99º/1 do CPAC e 420º/1 do CPC, à matéria de excepção constante da contestação do réu.
Inexistência do dever de decisão
9. Nos artigos 12º a 26º da contestação, o CSA avança com uma tese inusitada. A de que não tem o dever de decidir de um requerimento que lhe foi dirigido. Trata-se de uma excepção peremptória por constituir um facto que vista impedir os efeitos jurídicos visados pelo autor com esta acção (art. 412º/3 do CPC).
10. Pergunta o CSA no artigo 152 da contestação se está obrigado "a tomar uma decisão cada vez que que o participado ou arguido formula um requerimento?". A resposta é simples: sim, está. Determina o art. 11º/1 do CPA: "Os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares (...)".
11. Só não têm esse dever quando pedido idêntico tenha sido feito nos últimos dois anos (art.11º/2 do CPA), excepção que, ainda assim, não se aplica em dois domínios: (i) nos pedidos de declaração de prescrição (com é jurisprudência do TUI); (ii) nas acções de prestação de informação (como é jurisprudência do TSI).
12. No caso, não foi feito nenhum pedido igual, sequer, nos dois anos anteriores. Se tivesse sido feito, ainda assim o CSA teria de responder. Basta ler a jurisprudência do TUI citada pelo autor, que é de conhecimento comum na RAEM.
13. Está tal dever sujeito a prazo peremptório? Sim, está. Como sucede com qualquer outro prazo do CPA: vejam-se os arts. 73º e 102º/2 do CPA.
14. Nos artigos 19º e 23º, o CSA alega que, tendo sido interposto recurso da decisão disciplinar, ficou suspensa a sua execução até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser tomada nos processos judiciais. Esta parte é verdade. E revela que o CSA confessa que a pena não foi executada porque a decisão condenatória não fez caso decidido.
15. No artigo 20º diz que os prazos processuais não correm. Será que o CSA entende que a prescrição - que consta do Código Penal (e no Código Civil) e não nos códigos de processo - é um prazo processual? Noutro lado da sua contestação parece saber, neste lado parece não saber.
16. Ora, o prazo de prescrição corre sempre, excepto quando se suspende e interrompe - não quando o CSA acha que tal sucede - mas quando a lei o determina. Onde é que a lei determina que o prazo da prescrição não corre? Nos artigos 112º e 113º do Cód. Penal. O prazo de 18 anos já contabilizou essa suspensão, pois, como denotam esses preceitos legais, mesmo nesses casos existe um limite de tempo a partir do qual o prazo de prescrição volta a correr. Ou seja, o CSA está seriamente equivocado.
17. Alega, ainda, no artigos 21º que não há qualquer prejuízo para o autor em que o seu requerimento seja ignorado pelo CSA. E louva-se em mais um facto falso. O que o TSI decidiu foi que não suspender a instância no processo judicial, enquanto o processo de declaração da prescrição decorria, não causava prejuízo. O TSI não disse que a não tramitação do pedido de prescrição no processo administrativo não causava prejuízo ao autor. Naturalmente que causa prejuízo. É por situações como esta, em que as autoridades administrativas abusivamente usam o seu poder para não decidir, nem sim, nem não (o que não denota grande elevação), que o CPA prevê a formação do acto tácito e o CPAC prevê a acção para a prática de acto legalmente devido.
18. Nos artigos 20º, 22º e 24º alega o CSA que não pode tomar qualquer decisão sobre a prescrição porque a instância está suspensa e o processo administrativo está junto a processo judiciai. É difícil saber por onde começar ...
19. A instância que foi objecto de despacho de suspensão da instância foi o processo judicial, que corre termos pelo TSI; no qual o CSA é recorrido, não é decisor. O processo disciplinar já se concluiu, não tem a instância suspensa ...
20. Aliás, no artigo 4º da contestação, o CSA afirma "importa todavia salientar que o processo disciplinar em causa, stricto sensu, está terminado, por estar esgotado o poder jurisdicional do CSA e nada mais haver ali a decidir (...)” (negrito e sublinhados da autoria do CSA). Ora, se o processo "está terminado" e "nada mais [há] ali a decidir", como é que o CSA pode vir dizer a V. Exªs que a instância se encontra suspensa? Como se poderia suspender uma instância que já foi extinta? Estas contradições são deontologicamente questionáveis. O CSA não deveria dizer uma coisa num lado e outra, incompatível, noutro lado do mesmo articulado. Isto é, por si só, ou demonstração de desconhecimento de princípios elementares de direito ou via que poderia induzir o Tribunal em erro.
21. O que está suspensa é a execução da decisão condenatória. São duas coisas diferentes. Uma é a instância, ou seja, a tramitação de um processo pendente. Outra é a decisão. O recurso contencioso da decisão sancionatória tem efeito suspensivo da eficácia do acto sancionatório. Isto quer dizer que o processo destinado à prolação de uma decisão sancionatória ou não sancionatória terminou, não está suspenso, mas a sanção não pode ser executada (como o CSA admitiu expressamente na sua contestação). Esse processo reabrir-se-á, naturalmente, se a decisão for anulada.
22. E é exactamente por a decisão não ter formado caso decidido (não haver trânsito em julgado) que o prazo de prescrição continua a correr. Temos aqui a admissão deste facto essencial pelo réu ao qual basta aplicar a jurisprudência do TUI e do TSI.
23. Mesmo que a instância estivesse suspensa, poder-se-ia sempre decidir da extinção da instância por prescrição, como se pode após a prolação da decisão final, porque se trata de um acto a proferir após a decisão do processo e que lhe põe termo "logo que" tiver decorrido o prazo da prescrição.
24. A jurisprudência do TSI e do TUI é, ao que cremos saber, unânime nesse sentido. Como dita a jurisprudência, o pedido de declaração de prescrição deve ser feito perante a entidade administrativa, não perante o Tribunal (entre outros, Acs. do TUI 37/2015 e 49/2015). E, necessariamente (se houver recurso contencioso), após a prolação da decisão sancionatória. Ou seja, antes do trânsito em julgado.
25. Como consta a fls. 3 do Ac. do TSI proferido no processo nº 183/2016, o TUI suspendeu a instância no âmbito do processo nº 49/2015 para que fosse decidido do pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar.
26. Veja-se, também com relevo, o Processo n.º 37/2015 do TUI.
27. Estes acórdãos só fazem sentido se o CSA tiver a obrigação de conhecer do decurso da prescrição. Caso contrário, nenhum processo prosseguiria. Por outro lado, após o trânsito em julgado do processo judicial já não poderia haver prescrição.
28. Seria um absurdo dizer que a prescrição só deve ser decidida após o trânsito em julgado, como o réu faz de novo no artigo 25º, pois o procedimento disciplinar só pode prescrever antes do trânsito em julgado. Esta posição tornaria os arts. 110º e ss. do CPA inúteis e, com eles, toda a jurisprudência da RAEM (que é consistente com a jurisprudência do STA de Portugal). Certo é que é este o sentido da lei e da jurisprudência da RAEM. A posição do CSA é infundada.
29. No artigo 24º, o CSA diz estar impedido de decidir em matéria de prescrição por o processo disciplinar estar apenso em Tribunal. O autor não quer acreditar, que o CSA não guarde cópia do processo quando o entrega, pois não denotaria grande responsabilidade. Tendo cometido esse erro, bastar-lhe-ia solicitar cópia do processo ao Tribunal. Argumentos desta natureza não são próprios de um Conselho Superior, podendo eventualmente afectar o prestígio da classe perante o Tribunal.
30. Acresce que o CSA está a contrariar aqui a sua própria jurisprudência, o que não é compreensível, pois não é dada qualquer justificação para o efeito. No processo do TUI nº 55/2015, por despacho de 19/10/2018, lê-se "Face à prescrição do respectivo processo disciplinar decretada pelo Conselho Superior da Advocacia, julga-se extinta a instância do presente recurso, por inutilidade superveniente da lide" (doc. nº 5, em anexo).
31. O processo estava pendente no TUI, em sede de recurso jurisdicional, o prazo de prescrição continuou a correr na pendência do recurso contencioso junto do TSI e do recurso jurisdicional junto do TUI, o visado requereu ao CSA que declarasse a prescrição do processo por requerimento de 26/02/2018 (doc. nº 6, em anexo), informou o TUI desse facto na mesma data, o CSA por deliberação de 31/05/2018 decretou a prescrição do processo (doc. nº 7, em anexo). A deliberação foi tomada com parecer favorável do Dr. Manuel Mendes e foi decidida nos seguintes termos: “o Conselho confirmou unanimemente a prescrição nos termos requeridos". Os termos requeridos eram precisamente a aplicação dos artigos 110º e ss. do Código Penal. A deliberação do Conselho foi aprovada unanimemente pelos seguintes membros: XXX.
32. A situação era similar à destes autos, excepto na duração do prazo de prescrição: havia decisão disciplinar condenatória, havia recurso contencioso no TSI e recurso jurisdicional pendente no TUI (da decisão do TSI que não conheceu do recurso). E o CSA conheceu do pedido de prescrição e decretou-a.
33. Ou seja, o CSA toma decisões em reunião de Conselho num sentido e vem para os Tribunais - por motivo que se desconhece - dizer o oposto do que é a sua jurisprudência. Trata-se de uma postura que não beneficia a imagem da classe junto dos Tribunais.
34. Ademais, no processo disciplinar em referência nestes autos, quando recebeu os requerimentos, o CSA deu um sinal claro de que iria deferi-lo ou indeferi-lo, como resulta do documento junto a estes autos em 12/01/2021, onde o CSA escreveu à direcção da AAIVI dizendo: “(...) a fim de serem confirmadas as datas apresentadas no primeiro dos referidos requerimentos e os comentários que eventualmente os mesmos possam suscitar àquele órgão sobre a questão da alegada prescrição" (sublinhados nossos).
35. Ou seja, o Conselho nunca colocou a questão de não ter dever de decisão, tendo prosseguido com a tramitação do pedido e revelado que se iria pronunciar sobre a questão da prescrição, perguntando mesmo à direcção a sua opinião sobre se a deveria decretar ou não. Veio agora usar esta novel posição contra os direitos do autor.
36. Em suma, os argumentos do CSA falecem de todo, são inconsistentes com o teor da lei e colidem com a jurisprudência do CSA e a jurisprudência da RAEM. Ademais, são uma lamentável violação do dever da colaboração ínsito no art. 9º do CPA e no art. 8º do CPC. Como tal, o Tribunal deverá considerar negar provimento a esta defesa por excepção.
Abuso de Direito e o seu contexto
37. No artigo 62º da contestação, o réu alega abuso de direito, citando o art. 326º do CC, a qual constitui uma excepção peremptória (art. 412º/3 do CPC). A alegação é pobre, pois não concretiza o que pretende.
38. Como é do conhecimento jurídico comum, o abuso de direito respeita ao exercício abusivo de um direito de que se dispõe. Ainda que o réu o não diga, resulta, porém, do contexto que o direito a que se refere é o direito de beneficiar da prescrição ocorrida.
39. A alegação de abuso de direito assenta nos mesmos factos que a alegação de litigância de má-fé. Ora, que não existe exercício abusivo do aludido direito resulta claramente do invocado pelo autor na resposta à alegação de litigância de má-fé. O autor remete para os argumentos aduzidos supra nesse capítulo anterior deste requerimento e considera-os aqui integralmente reproduzidos com as devidas adaptações: designadamente, onde se refere "litigância de má-fé", deverá considerar-se "abuso de direito".
40. O Tribunal deverá negar provimento à excepção do abuso de direito.
41. Numa medida, porém, esta alegação ilumina o processo. É que, uma vez que só pode haver exercício abusivo de um direito de que a parte goze, o CSA está a admitir perante o Tribunal que a prescrição de facto ocorreu (mas que o autor a não deve poder alegar porque agiu em abuso de direito ao entorpecer a justiça para que tal ocorresse).
42. De facto, e como dissemos no artigo 23º da nova petição inicial, a própria direcção da AAM, recorrente num dos processos de recurso contencioso de anulação, alertava no parágrafo introdutório das suas alegações num dos processos em apreço que o processo disciplinar está "sujeito a prazo prescritivo" (negrito e sublinhados no original).
43. Note-se que esta conclusão do autor é razoável. Pois, os membros do CSA sabem que para evitar tal dedução teriam de o ter alegado subsidiariamente. Mas não o fizeram. O CSA não escreveu ao Tribunal: "a prescrição não ocorreu, mas alegamos aqui subsidiariamente que, caso tivesse ocorrido, a sua alegação não deveria ser admitida por constituir um exercício abusivo daquele direito (o benefício da prescrição)".
44. Não o tendo feito, estamos perante uma contestação eivada de contradições, pois, por um lado o CSA admite que ocorreu a prescrição, por outro nega-o. Isto constitui o que nos Manuais de Introdução ao Estudo do Direito se apela de "interpretação ab-rogante".
45. O demais alegado entre os artigos 27º e 69º da contestação é de difícil compreensão. Mas parece tratar-se de defesa por impugnação, a que não cabe resposta articulada nesta fase. Em rigor, parece que o CSA está a dirigir-se ao legislador dizendo que ele deveria ter escrito o art. 110º/1 do Cód. Penal - "O procedimento penal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos" - de modo diferente, acrescentando à sua redacção clara como a água um sem número de condicionantes abstractas e um pouco enigmáticas com que o CSA se expressa ao longo daquela secção da contestação. Em vez do "logo que" deveria ser "Iogo que, excepto quando: (...)", seguida das ditas condicionantes enigmáticas que o CSA supõe deveriam ser adoptadas pelo legislador. Como não é um texto claro, caso o mesmo constitua qualquer outra excepção, vai daqui impugnado.
Da inaplicabilidade do art. 113º/3 do Cód. Penal
46. O CSA alega a inaplicabilidade do art. 113º/3 do Cód. Penal e a aplicabilidade do anterior Código Penal, de 1886, o que teria o efeito de impedir a prescrição. O modo como o Conselho Superior cita c Acórdão do TUI é mais uma manifestação de conduta censurável, reprovável e lamentável, visando induzir o Tribunal em erro. O Acórdão nº 61/2020 assenta no facto de "A matéria da contagem do "prazo da prescrição" em processo disciplinar de trabalhador da Administração Pública está - toda - regulada no art. 289°, do E.T.A.P.M.".
47. Tal não é o caso do art. 11º do Cód. Disciplinar, o qual determina somente no seu nº 1 "O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção". Contrariamente ao art. 289º do ETAPM, o articulado da AAM não tem qualquer disposição sobre a suspensão ou a interrupção da prescrição.
48. O fundamento do Ac. nº 61/2000 não é directamente o Código Penal de 1886, é o art. 289º do ETAPM. A diferença é que, quanto a um (ETAMP), o TUI declara que a questão "está - toda - regulada no art. 289°, do E.T.A.P.M." (Ac. nº 61/2000), quanto a outro (AAM), o TUI declara que é omisso e manda aplicar subsidiariamente o Código Penal vigente. Vejamos quanto ao segunto:
"O prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou, nos termos do artigo 111.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 65.º, alínea a) do Código Disciplinar dos Advogados, e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso" (Acs. TUI nºs 49/2015 e 37/2015).
49. Como se lê a fls. 21-22 do Ac. 49/2015, é pelo facto de o art. 11º do Cód. Disciplinar só conter urna norma sobre o prazo de prescrição e, portanto, não regular toda a matéria necessária para a contagem do prazo de prescrição que se recorre ao Código Penal. E, naturalmente, ao Código Penai vigente. Está lá tudo explicado, não vale a pena referir aqui. As duas situações são exactamente opostas. Numa (ETAPM) há norma sobre a interrupção. Noutro (AAM) não há. É triste que o Conselho Superior se tenha prestado a este lamentável contorcionismo jurídico.
50. De resto, ainda que houvesse algum paralelo de situações, e, corno o CSA alega, devesse aplicar-se o Código de 1886, aplica-se em direito disciplinar, tal como em penal, a lei mais favorável. Com a entrada em vigor do novo Código Penal, aplicar-se-ia este. O Conselho Superior não conhecerá esse princípio? O autor convida o CSA a ler, a título de direito comparado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/1989, Proc. nº 038546, de FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, aprovado pela unanimidade dos Conselheiros11, onde se fixa a seguinte jurisprudência: "Em matéria de prescrição do procedimento criminal deve aplicar-se o regime mais favorável ao réu, mesmo que no momento da entrada em vigor do Código Penai de 1982 estivesse suspenso o prazo de prescrição por virtude de acusação deduzida".
51. Este Conselho Superior, não pode ignorar o princípio penal de aplicação da lei mais favorável, pois é o titular do poder de fazer justiça aos advogados da RAEM.
Medida máxima da pena e prazo de prescrição
52. Nos artigos 75º a 84 da contestação, o CSA volta à alegar uma falsidade. Alega que o autor estava sujeito a uma pena maior do que a que alega, pois estava sujeito, não ao crime que o autor refere, mas a um outro, qualificado (pela qualidade de funcionário). Tal é mais uma falsidade.
53. Consta do processo disciplinar, que o CSA não pode desconhecer, a acusação criminal (por autoria) e a sentença condenatória (por cumplicidade) que o crime em questão era o do art. 11º, nºs 1 e 2, da Lei nº 2/90. Não existe qualquer referência, nem na acusação, nem na sentença, ao art. 15º da Lei nº 2/90, ou ao art. 336 do Cód. Penal.
54. O procedimento criminal prescreve no prazo que resulta do crime pelo qual foi acusado ou, se diferente, pelo qual foi sentenciado.
Outras falsidades com relevância para a decisão da causa e a apreciação da conduta deontológica do Conselho Superior da Advocacia
55. No artigo 5º da contestação, o Conselho Superior da Advocacia de Macau diz algo extraordinário, contendo não somente um facto falso, como parecendo poder revelar desconhecimento de princípios elementares de direito.
56. Diz o CSA que "os decisões que os Tribunais Superiores vieram a tomar nos processos nºs 7766/2017 (...) e 690/2018 (...), apenas poderão vir a modificar a medida da pena aplicada e/ou a sua aplicação efectiva" (negrito nosso). É falso que as decisões do TSI ou o TUI possam modificar a medida da pena. Os pedidos nos recursos contenciosos são de anulação da decisão. Como o Tribunal está adstrito ao princípio do pedido, a única coisa que poderia fazer seria anular ou não anular a decisão do CSA (art. 77º. do CPAC). É por isso que são comumente conhecidos por autos de recurso contencioso de anulação.
57. Por outro lado, mesmo que tivesse sido algo diferentemente pedido ao TSI, este nunca poderia alterar a medida da pena. A jurisprudência do TUI é clara a este respeito:
“A aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente ...”; “No âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração" (Ac. TUI 71/2015);
"Quanto às penas disciplinares, a sua aplicação, graduação e escolha da medida concreta cabem na discricionariedade da Administração" (Ac. TUI 26/2014);
" ... cabendo à Administração escolher livremente a pena que achar mais adequada" (Ac. TUI 23/2013);
"Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pelo Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais" (Ac. TUI 68/2012; no mesmo sentido, Ac. TUI 74/2016).
58. A jurisprudência do TSI é também inequívoca:
"Se no que respeita à subsunção dos factos na cláusula geral punitiva a actividade da Administração está sujeita à sindicabilidade do Tribunal, o mesmo já não se pode dizer quanto à aplicação da pena, sua graduação e escolha da medida concreta, existindo, neste âmbito, discricionariedade por parte da administração, a qual passa pela opção entre emitir ou não o acto sancionatório e ainda pela escolha entre vários tipos e medidas possíveis" (Ac. TSI 1169 (R); Ac. TSI 964/2010; Ac. TSI 137/2004);
“Daí que neste último campo, e por causa do princípio da separação de poderes, não há controlo jurisdicional sobre a justeza da pena aplicada dentro do escalão respectivo, em cuja fixação o juiz não pode sobrepor o seu poder de apreciação ao da autoridade
investida do poder disciplinar ... " (Ac. TSI 1169 (R));
“No domínio das penas concretas em matéria disciplinar, não pode o Tribunal substituir-se ao órgão sancionador, sob pena de ingerência no seu exclusivo campo de poderes e, portanto, sem quebra de violação do princípio da separação e independência de poderes, visto que o tribunal não pode fazer administração activa" (Ac. TSI 1011/2015; Ac. TSI 456/2015);
“O princípio da separação de poderes é justificado nestes casos por se estar no âmbito de uma tareia da Administração incluída na chamada discricionariedade administrativa ... " (Ac. TSI 1011/2015; Ac. TSI 456/2015);
"Quanto à moldura da pena, não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena, ou a justiça e oportunidade da punição, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa e uma tarefa cio Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativo” (Ac. TSI 719/2007);
Em sentido similar, Acs. TSI 23/2012, 412/2010, 695/2009 e 654/2007, entre outros.
59. Portanto, é falso e é errado que as decisões do TSI ou do TUI em sede de recurso contencioso possam vir a modificar a mediria da pena aplicada. A única entidade que poderia vir a modificar a medida da pena é o próprio CSA.
60. No artigo 6º, o CSA refere (em eventual contradição com o artigo 5º), que "ou seja, baixando o processo ao CSA (...), a única questão que se suscita é a da execução da pena". Errado. A questão a suscitar seria a da execução da pena se o CSA fosse parte vencedora nos recursos em que é recorrida. Se a direcção vencer (num processo) e o ora autor vencer (noutro processo) a deliberação disciplinar condenatória é anulada. Podendo ser anulada; é errado dizer que "a única questão que se suscita é a da execução da pena" (negrito nosso). Suscitam-se várias questões. A questão da execução da pena, caso o CSA vença as duas acções. A questão de prolação de nova deliberação disciplinar do CSA, cujo sentido será determinado pelo CSA discricionariamente.
61. Com a anulação os actos deixam de produzir efeitos, sendo necessário produzir novo acto, antecedido de direito de contraditório dos interessados.
62. Alegar no artigo 8º da contestação que a prescrição só se pode reportar à pena e não ao processo, porque o processo terminou com a aplicação de uma sanção disciplinar significa contrariar frontalmente, sem fundamentar, a posição anteriormente assumida pelo CSA (doc. nº 7), a jurisprudência do TSI e a jurisprudência do TUI.
63. Ora, quando um órgão administrativo muda a sua posição, tem obrigação de fundamentar o motivo da mudança de posição. Chama-se "regra do precedente" e é consequência do princípio da igualdade, com protecção constitucional.
64. Como é jurisprudência da RAEM, via Ac. do TUI nº 40/2007 (negritos nossos):
II - O princípio da igualdade constitui um limite interno da discricionariedade, cuja violação por parte da Administração pode ser sindicada pelos tribunais, embora a intervenção do juiz na apreciação deste princípio (e de outros, como os da justiça, proporcionalidade e imparcialidade) só deva ter lugar quando as decisões administrativas, de modo intolerável, os violem.
III - A Administração está autovinculada no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos (regra do precedente), sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade.
IV - A regra do precedente exige a verificação de requisitos subjectivos e objectivos. A identidade subjectiva exige que se trate do mesmo órgão ou dos seus sucessores legais na matéria em apreço. A identidade objectiva das duas situações (quanto aos tos relevantes) deve verificar-se. Deve, ainda, ocorrer identidade normativa (identidade da disciplina jurídica) das situações em causa.
V – A regra do precedente pode ser afastada por razões de boa administração ou de alteração das circunstâncias, se o interesse público justificar hoje uma conduta administrativa diferente daquela que antes foi adoptada na resolução de casos semelhantes ou idênticos.
VI - O afastamento da regra do precedente obriga a fundamentar as razões de facto e direito que justificam uma tal preterição do precedente.
65. O alegado no artigo 9º não abona muito a favor do CSA: a prescrição do procedimento implica, ope legis, a prescrição da sanção, questão que é de conhecimento jurídico elementar assente em inúmeros acórdãos dos Tribunais da RAEM.
66. De facto, como escreve o TSI, noutros autos, a propósito deste processo: “ Efectivamente, não obstante se tratarem de dois processos judiciais com objecto diferente, mas conforme o alegado pelo contra-interessado, com já decorreram 19 anos desde a prática da infracção disciplinar e que foi intentada acção para prática de acto administrativo legalmente devido, é provável que o procedimento disciplinar virá a ser declarado prescrito." (doc. nº 3).
*
Citada a Contra-Interessada, Associação dos Advogados de Macau (澳門律師公會) veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 155 a 163, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Autor foi condenado pelo Conselho Superior da Advocacia (doravante “CSA”), em pena disciplinar de suspensão, pelo período de 3 anos, por deliberação de 6 e de 27 de Julho de 2017.
2. A 1 de Setembro de 2020, no âmbito do processo disciplinar n.º 22/2010/CSA, o Autor requereu junto do CSA que fossem declarados extintos, por prescrição, o referido processo e a respectiva sanção que lhe havia sido aplicada.
3. Segundo a teoria do Autor, o procedimento disciplinar estaria prescrito desde 12 de Agosto de 2020 (vd. artigo 19.º da petição inicial);
4. A presente Acção para a Determinação da Prática de Acto Administrativo Legalmente devido foi intentada porque, alegadamente, até à data da sua propositura, o CSA não se havia pronunciado sobre o aludido requerimento.
5. Pelo que, segundo o Autor, o silêncio do CSA deu lugar à faculdade deste presumir indeferida a sua pretensão - Indeferimento Tácito (Cfr. Art.º 102.° do Código do Procedimento Administrativo).
6. Em 14 e Abril de 2021, o CSA, Réu nos presentes autos, apresentou a sua Contestação, a cujo conteúdo a AAM manifesta, desde já, a sua completa concordância, aderindo a tudo o que ali se encontra, mui douta mente, versado.
II DO PROCESSO DISCIPLINAR
7. Os Processos disciplinares são regidos pelas disposições do Código Disciplinar dos Advogados (doravante o "CDA") e, supletivamente, pelo Direito penal vigente no Território, pelo Código de Processo Civil e pelas instruções emanadas pelo CSA (Cfr. Art.º 65 do CDA).
8. Por sua vez, tais processos podem revestir a forma de Processo Disciplinar Comum ou de Inquérito (Cfr. Art.º 12.º n.º 1 do CDA); e
9. O iter processual do procedimento, importa a prática de uma vasta série de actos - comunicação ao arguido do início do procedimento, resposta do arguido, audição de testemunhas e verificação de outros meios de prova, despacho de acusação, defesa do arguido, audição de eventuais interessados, eventuais diligências complementares, relatório final e julgamento.
10. A final, o CSA lavra acórdão; notificando-o ao arguido, aos eventuais interessados, os tribunais e demais entidades que tenham participado a infracção e à AAM, que poderão sobre o mesmo pedir aclaração, reclamar ou recorrer para o Tribunal de Segunda Instância.
11. No que importa aos prazos de prescrição, determina o n.º 1 do Art.º 11.° do CDA que o "procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção";
12. "As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior" (Cfr. Art.º 11.º n.º 2 do CDA); e
13. "A prescrição é de conhecimento oficioso, sem prejuízo de o arguido poder requerer o prosseguimento do processo" (Cfr. Art.º 11.° n.º 3 do CDA).
14. Pelo exposto, parece ser consentâneo, e o Autor não o contraria, que à data em que o CSA produziu os respectivos acórdãos decisórios - 6 e de 27 de Julho de 2017 - o procedimento não estava prescrito.
15. Razão essa, aliás, que justifica que o Autor nunca tivesse invocado tal prescrição durante a tramitação do referido Procedimento Disciplinar.
16. Mas o Autor vem agora alegar que o mesmo prescreveu em 12 de Agosto de 2020. Será isso possível?
Vejamos,
17. Porque o CDA é omisso, poderemos verificar que o n.º 1 do Art.º 258.º do Código de Processo Penal determina que o inquérito encerra quando é arquivado ou é deduzida acusação.
18. De modo semelhante, determina o n.º 1 do Art.º 289.° do Código de Processo Penal que, a fase de instrucão encerra quando o Juiz profere despacho de pronúncia ou de não-pronúncia.
19. Em igual sentido se pode verificar o que vem determinado pelo Art.º 99.º do Código do Procedimento Administrativo, i.e. "O procedimento extingue-se pela tomada da decisão final..." (negrito e sublinhado nosso).
20. Ora, por maioria de razão, e por imperativo da unidade de ordem jurídica, aos Procedimentos disciplinares ter-se-á de aplicar a mesma lógica - i.e. depois do CSA proferir acórdão final, o Procedimento finda ou, se se quiser, extingue-se.
21. Ora, o Processo disciplinar acima referido, em que o Autor era Arguido, como este muito bem sabe e não pode desconhecer, encontra-se findo, na medida em que decorreram todas as fases processuais relevantes - i.e. foi elaborado acórdão no qual o ora Autor foi condenado ao cumprimento de uma sanção.
22. No entanto, tal como afirma o Autor no artigo 4.º da sua Petição, a referida condenação deu lugar a dois Recursos Contenciosos - Processos n.º 776/2017 e n.º 590/2018 - interpostos pela AAM e pelo Autor, respectivamente.
23. Ambos o Recursos acima referidos, continuam a correr termos nos Tribunais de Segunda e Última Instância, não tendo, até ao momento, sido alvo de qualquer decisão.
24. Sendo verdade que a sanção disciplinar aplicada ao Autor ainda não foi cumprida, tal fica-se a dever ao facto de a mesma se encontrar suspensa na sua execução, por força dos Recursos que se encontram a tramitar.
25. Isto é, pode afirmar-se que o procedimento disciplinar está, efectivamente, findo, apenas faltando a fase da execução da pena, cuja efectivação, com nos parece óbvio, só poderá ter lugar após o trânsito em julgado dos supracitados recursos.
26. Aliás, recorde-se, ambos os Recursos que se encontram a tramitar incidem sobre a pena aplicada ao Autor, e não sobre quaisquer nulidades processuais que tenham enfermado o respectivo procedimento disciplinar.
27. Assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, ao contrário do afirmado pelo Autor, o procedimento disciplinar não está, nem nunca poderia estar prescrito.
28. Ou seja, não pode prescrever um procedimento que se encontra findo!
III DA EXECUÇÃO DA PENA
29. Tal como anteriormente referido, por força dos Recursos Contenciosos interpostos, a Execução da Pena a que foi condenado o Autor ficou, naturalmente, suspensa até ao trânsito em julgado das decisões que viessem a ser proferidas nos supramencionados autos.
30. Destarte, o CSA apenas aguarda a decisão dos Tribunais por forma a que, caso as mesmas sejam no sentido de confirmar a condenação do Autor, possa levar a cabo todos os actos materiais necessários à execução da pena que vier a ser determinada.
31. Assim, importa verificar se assiste razão ao Autor quando afirma que a pena a que foi condenado se encontra prescrita.
32. Uma vez mais, por o CDA ser omisso, a solução reside no que se encontra determinado no Código Penal de Macau;
33. A esse propósito o n.º 2 do Art.º 114.º determina que "O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transite em julgado a decisão que tiver aplicado a pena".
34. Ora, também por aqui se pode verificar não ter razão o Autor, ou seja, a pena não se encontra prescrita porquanto tal prazo ainda não começou a decorrer, por força de não existirem decisões transitadas em julgado dos Recursos interpostos.
35. Por fim, só se concebe concluir que o Requerimento apresentado pelo Autor seria sempre de indeferir, quer explicita, quer tacitamente, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos por si alegados, na medida em que, quer o procedimento, quer a pena, não se encontram prescritos.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 169 a 170, pugnando pelo improvimento do recurso.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS:
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
São os constantes do projecto do acórdão vencido.
*
IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
Na petição inicial (cfr. fls.26 a 33 dos autos), o autor A formulou o pedido de “Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104.º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar n.º22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.”
Sustentando o seu pedido, o autor arrogou que se tinha completado a prescrição do procedimento disciplinar em 12/08/2020 em virtude de se consumar em 12/08/2002 a sua conduta que veio concomitantemente dar lugar a crime e infracção disciplinar.
Quid juris?
*
Antes de mais, realce-se que os arts.28.º a 40.º da petição inicial mostra, de forma nítida e concludente, que o autor arrogou a prescrição superveniente do procedimento disciplinar - isto é, prescrição surgida na pendência do recurso contencioso, daí decorre naturalmente que basta in casu indagar se em 12/08/2020 teve lugar à reivindicada prescrição.
Ora, é consolidada a sábia jurisprudência que reza “Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar supletivamente e mutatis mutandis o regime correspondente consagrado no direito penal, por remissão expressa operada pelo artº65°-a) do Código Disciplinar dos Advogados.” (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º580/2006, n.°11472013 e n.°429/2014)
Dispõe imperativamente o n.º4 do art.10.º do Estatuto do Advogado aprovado pelo D.L. n.º31/91/M e republicado pelo D.L. n.º42/95/M: O recurso é processado como agravo e tem efeito suspensivo se ao arguido tiver sido aplicada pena de suspensão. Vale destacar que este efeito suspensivo ipso jure constitui uma das raríssimas excepções à regra geral consagrada no art.22.º do CPAC (o recurso contencioso não tem efeito suspensivo).
No nosso prisma, o sobredito efeito suspensivo ipso jure justifica reforçadamente a aplicação da jurisprudência do douto TUI, no sentido de que “Não há lugar à aplicação supletiva, por meio da remissão prevista no art.º277.º do ETAPM, do limite máximo do prazo de prescrição previsto no n.º3 do art.º 113.º do Código Penal para o procedimento disciplinar” (cfr. Acórdão no Processo n.º30/2008. no mesmo sentido veja-se o decretado no Processo n.º61/2020). O que permite a extrair a desaplicação supletiva, no seio de processo disciplinar, do limite máximo do prazo de prescrição fixado no n.º2 do art.112.º do ETAPM.
Com efeito, o Venerando TUI vem asseverando, constante e incansavelmente, que “O prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou, nos termos do artigo 111.º do Código Penal. aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 65.º, alínea a) do Código Disciplinar dos Advogados, e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso.” (cfr. arestos nos Processos n.º37/2015 e n.º30/2016, no mesmo sentido o tirado no Processo n.º30/2021)
Em esteira da autorizada jurisprudência supra citada, e tomando em devida consideração os doutos argumentos constantes dos arts.27.º a 84.º da contestação, inclinamos a colher que em 12/08/2020 não se verificou a peticionada prescrição, daí flui o decaimento da acção em apreço.
Sem prejuízo do merecido respeito pelo melhor entendimento em sentido diferente, afigura-se-nos que a conduta processual do autor não chega a cair na litigância de má fé.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência da presente acção.
*
Quid Juris?
Ora, é uma acção proposta com base no artigo 103º e seguintes do CPAC, que estipula:
(Pressupostos)
1. A acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos pode ser proposta quando:
a) Tenha havido lugar a um indeferimento tácito;
b) Tenha sido praticado um acto administrativo de recusa da prática de acto de conteúdo vinculado;
c) Tenha sido praticado um acto administrativo de recusa de apreciação de pretensão cuja decisão envolvesse o exercicio de discricionariedade ou o preenchimento valorativo de conceitos jurídicos indeterminados.
2. A acção prevista no número anterior apenas pode ser proposta quando do indeferimento tácito ou do acto administrativo praticado não tenha sido interposto recurso contencioso.
Nesta acção as Partes vieram a suscitar várias questões de natureza diversa, sendo uma de natureza substantiva, cuja apreciação não se situa nesta sede. Porém, importa frisar aqui que a questão nuclear reside em saber se o Réu (Conselho Superior da Advocacia) tem ou não obrigação legal de decidir a pretensão formulada pelo Autor: apreciar a prescrição do procedimento administrativo e a das penas, caso se entenda que se verifiquem todos os requisitos legais.
Independentemente das posições que se defenda, parece-nos que é de admitir um dado comum neste ponto: quer no processo disciplinar, quer no processo penal, há de ter o “terminus” do respectivo procedimento, este nunca pode durar eternamente! Muito menos este tem efeitos perpétuos.
A propósito de prescrição, escreveu-se (cfr. Jorge Figueredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime (Parte Geral), Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 699 e seguintes):
“(...)
b) Fundamentos
§ 1125 A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a pratica de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.
Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade12.
§ 1126 Também do ponto de vista processual, aliás, como tem sido geralmente notado, o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo o instituto da prescrição do procedimento, na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidoso a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários13. A conclusão vale, também, para o instituto da prescrição da pena14, por isso que é a sua própria execução que e torna inadmissível e deve, portanto, ser impedida. ”
Cabe realçar que a prescrição do procedimento, quer no processo-crime, quer no administrativo, é uma causa de extinção deste que opera oficiosamente, portanto sem necessidade de requerimento ou invocação por parte do arguido, que a ela não pode renunciar.
Ora, neste termos, perante o pedido do Autor, não resta dúvida que o Réu deve formar o seu juízo valorativo e ditará a sua justiça do caso concreto. Estas ideias já vêm proclamadas pelo venerando TUI quando decidiu situações semelhantes em vários processos:
– Acórdãos do TUI proferidos nos processos nºs 37/2015 e 49/2015, em que se defende que o pedido de declaração de prescrição deve ser feito perante a entidade administrativa, não perante o Tribunal (entre outros, Acs. do TUI). E, necessariamente (se houver recurso contencioso), após a prolação da decisão sancionatória. Ou seja, antes do trânsito em julgado.
- No Ac. do TSI proferido no processo nº 183/2016, o TUI suspendeu a instância no âmbito do processo nº 49/2015 para que fosse decidido do pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar.
Seguido este raciocínio, não resta dúvida que o Réu deve apreciar o pedido do Autor e decidir em conformidade com os fundamentos respectivos.
A propósito desta acção, anotou-se (cfr. Jose Cândito de Pinho, in Notas e Comentário ao CPAC, Vol. II, 2018, pág. 22 e seguintes):
“(...)
5 - E quando se deve falar em dever de decisão, para efeito de densificação do requisito da alínea a)?
A resposta está em parte no art. 11 ° do CPA.
Não pode a Administração furtar-se a tomar posição sobre a pretensão concreta do particular. Tem sempre que emitir pronúncia, qualquer que seja o momento em que a pretensão é apresentada. Eis o que emana do artigo (nº1). A Administração tem que dar resposta ao pedido, tem que dizer qualquer coisa, eventualmente sim ou não ao requerimento, e fundamentar a resposta.
A necessidade de pronúncia não decorre apenas de petições, mas também de outras formas de exprimir o desejo de intervenção da Administração no caso concreto, assim cabendo as representações, as queixas, reclamações e recursos formulados em defesa da legalidade e do interesse geral (nº1, al. b)).
Todavia, o nº2 fala em dever de decisão, ao passo que o nº1 se refere ao dever de pronúncia.
Então, é assim: se há menos de dois anos - entre a prática do acto anterior e a apresentação de novo requerimento - o caso tiver sido decidido ao mesmo requerente, sobre o mesmo pedido e com os mesmos fundamentos e no quadro da mesma situação de facto e de direito, deixa de haver dever de decisão. Portanto, o caso está decidido; não merece nova decisão, ou seja, novo acto administrativo.
Quer isto dizer que, se o requerimento não vier a ser decidido, uma vez que não existe o dever de decisão, não se forma aí indeferimento tácito e o recurso contencioso que vier a ser interposto deverá ser rejeitado por inexistência de objecto.
Se, não obstante, ainda assim vier a ser produzido um novo acto, ele ou será diferente, e no sentido de responder aos anseios do requerente, ou manterá a decisão anterior. No primeiro caso, a necessidade de tutela ficou resolvida a contento do particular. No segundo, o acto é meramente confirmativo do outro e dele não há recurso contencioso, a não ser que decida com fundamentos novos. Em relação a estes, nada parece obstar, efectivamente, a recurso contencioso.
Quando existe o dever de decisão (na verdade, um dever de reapreciação, conforme Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário, pág. 445), - após o decurso do prazo de dois anos -, a ausência de decisão equivale a indeferimento tácito, o que abre imediatamente o recurso à via contenciosa do recurso (a não ser que dele haja lugar a uma impugnação administrativa necessária) ou da acção a que respeita o art. 103°.
Alerta-se, por último, que o dever de decisão também não existe se a entidade a quem é formulado o pedido não tem competência para tal (ver, no entanto, art. 36º do CPA).
É preciso acrescentar que o dever de decidir não existe apenas em relação ao procedimento de 1° grau, mas também em relação ao dever de decidir, em 2° grau, uma qualquer impugnação administrativa necessária. A ausência de decisão expressa neste caso corresponderá, por isso, a indeferimento tácito e permitirá o uso da acção em análise.”
Velem estas ideias, mutatis mudantis, para o caso dos autos.
Tal como se refere anteriormente, em sede de contestação o Réu veio a invocar vários argumentos para tentar justificar a sua não actuação perante o requerimento do Autor, ex.: o argumento de que como existem recursos jurisdicionais no TUI e estes têm efeito suspensivo, o Réu fica impedido de tomar qualquer decisão nesta matéria; o argumento de que o prazo máximo da prescrição no caso seria 25 anos e meio (e não 18 anos como o Autor defende!), estes argumentos só podem ser apreciados pelo Tribunal em sede de recurso contencioso e não nesta acção, razão pela qual ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
Pelo expendido, por se verificarem os pressupostos legalmente exigidos, deve o Réu ser condenados a praticar o acto devido no prazo de 60 dias, contados a partir da data de trânsito em julgado desta decisão, atendendo às pretensões em tempo formuladas pelo Autor.
Vai assim atendido o pedido do Autor, julgando-se assim procedente acção em causa.
* * *
Síntese conclusiva:
Uma vez que a prescrição faz extinção do poder punitivo, quer em matéria criminal, quer em administrativo, e que opera pelo mero decurso de tempo nos termos previstos na lei, e a ela não pode renunciar nem o órgão administrativo titular do poder punitivo nem o próprio infractor, quando este formulou junto daquele o pedido de apreciar e declarar a prescrição do respectivo procedimento infracional e também eventualmente as sanções aplicadas, decisão esta que ainda não transitou em julgado por estar pendente recurso jurisdicional, o órgão administrativo (no caso, o Conselho Superior de Advocacia) competente para aplicar sanções tem a obrigação legal de apreciar o pedido e tomar a respectiva decisão, sob pena de violar o dever de decidir (cfr. artigo 11º do CPA) e assim o particular (Requerente) está legitimado para lançar mão de mecanismo de uma acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido nos termos previstos no artigo 103º e seguintes do CPAC.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data de trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal.
*
Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 05 de Maio de 2022.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Vencido nos termos do projecto do Acórdão por mim apresentado à conferência.
Lai Kin Hong
Mai Man Ieng
1 Fá-lo dizendo que o ora requerente usou manobras dilatórias, quando se trata de um processo instaurado pela Direcção da AAM, o que revela o absurdo da alegação.
2 Homologado pelo Despacho n.º 53/GM/95, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 37-I Série, Suplemento, de 11 de Novembro de 1995.
3 Dizemos stricto sensu, porque em sentido lato o dito processo disciplinar se convolou em dois processos jurisdicionais que correm ainda termos pelo Tribunais Superiores.
4 O despacho do Ex.mo Senhor Juiz Relator referia a este propósito que «além de que independentemente de este TSI julgar procedente ou improcedente o recurso contencioso, o recorrente não vai ficar prejudicado desde que logre obter a declaração de prescrição dos respectivos procedimento e sanção disciplinares.»
5 Cfr. Prof. BELEZA DOS SANTOS, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 77.°, p. 321 e ss.
6 Vide inter alia JESCHECK, "Tratado de Derecho Penal", p. 1238 e ss.; CUELLO CALÓN, "Derecho Penal", vol. II, pp. 758 e ss.; Roger MERLE e André VITU, "Traité de Droit Criminel", II vol., pp. 50 e ss.; Pierre BOUZAT e Jean PINATEL, "Traité de Droit Pénal et de Crimtnologie'', tomo II, pp. 1008 e ss.
7 Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.° 251, pp. 75 e ss.
8 Consultar os Acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos nos processos n.º 30/2008 e n.° 61/2020, disponíveis em < http://www.court.gov.mo/pt/subpage/researchjudgments?coult=tui> sob o respectivo número.
9 Que determina a prescrição do procedimento penal sempre que esteja decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, sem prejuízo do período da sua eventual suspensão.
10 Consultado em 13 de Abril de 2021, na página das Bases Jurídico-Documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, do Ministério da Justiça, em , disponível sob o processo n.° 1/13.9YGLSB.S1
11 Votaram-no, unanimemente, os seguintes Juízes Conselheiros:
- Pedro de Lemos e Sousa Macedo
- Adelino Barbosa de Almeida
- José Alexandre de Paiva Mendes Pinto
- Vasco Eduardo Crispiano C. de Lacerda Abrantes Tinoco
- João Solano Viana
- Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny
- Silvino Alberto Villa-Nova
- António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro
- Augusto Tinoco de Almeida - Júlio Carlos Gomes dos Santos
- José Alfredo Soares Manso Preto
- Manuel Augusto Gama Prazeres
- José Manuel Meneres Sampaio Pimentel
- Alberto Baltazar Coelho
- António Alexandre Soares Tome
- Salviano Francisco de Sousa
- Joaquim José Rodrigues Gonçalves
- Cesário Dias Alves
- Abel Pereira Delgado
- Jorge de Araújo Fernandes Fugas
- José Saraiva
- José Isolino Enes Calejo
- José Manuel de Oliveira Domingues
- Eliseu Rodrigues Figueira Junior
- Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva
- Flávio Parreira da Trindade Pinto Ferreira
- Fernando Heitor Barros de Sequeiros
- Jorge da Cruz Vasconcelos
- António de Almeida Simões
- Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo
- José Henriques Ferreira Vidigal
- Mário Sereno Cura Mariano
- Claúdio Cesar Veiga da Gama Vieira
- João Alcides de Almeida
- Mário Augusto Fernandes Afonso
- Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro
- João de Deus Pinheiro Farinha.
12 Decididamente nesta via SANTOS, J. Beleza dos, cit. RLJ 77 323 ss. Extremamente céptico quanto aos fundamentos político-criminais da prescrição - numa linha que vem de Beccaria e passa pela Escola positiva -, no entanto, PRADEL n.º 704.
13 SANTOS, J. Beleza dos, cit. RLJ 77 322.
14 Contra, no entanto, JESCHECK § 86 II 1, para quem a prescrição da sanção (diversamente da do procedimento) só pode ter fundamentação jurídico-material, não jurídico-processual.
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