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Processo nº 127/2021 Data: 08.04.2022
(Autos de recurso jurisdicional)

Assuntos : “Acção sobre contrato administrativo”.
Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros.
Tarifa de preços.
Suspensão.
Acto administrativo.
Abuso de direito.
Venire contra factum proprium.
Ilegitimidade.
Falta de interesse em agir.



SUMÁRIO

1. Se da matéria de facto dada como provada resultar que entre a entidade administrativa e as sociedades adjudicatárias houve a um “acordo” para a “suspensão” da entrada em vigor de uma nova tarifa de preços a fim de se efectuar uma “revisão do processo de ajustamento de preços”, claro se apresenta que da parte da aludida entidade administrativa não foi praticado nenhum “acto administrativo” (nos termos definidos pelo art. 110° do C.P.A.) com o qual se determinou a dita “suspensão”.

2. Uma das modalidades do “abuso de direito” manifesta-se na figura do chamado “venire contra factum proprium”, que se verifica, essencialmente, quando alguém exerce o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que, fundadamente, a outra parte tenha confiado.

Com efeito, o “princípio da confiança” é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia, e está presente, desde logo, ao se referir nos “limites impostos pela boa fé” ao exercício dos direitos, (cfr., art. 326° do C.C.M.), pretendendo-se, por essa via, assegurar, efectivamente, a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.

3. Age a sociedade adjudicatária (recorrida) em abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium” se, depois de ter concordado (expressamente) com a acordada “revisão do processo de ajustamento de preços”, reclama (judicialmente e sem justificação) o pagamento de quantias calculadas de acordo com a tarifa de preços que nem sequer chegou a vigorar porque acordou (suspender e) rever.

4. Verificado – provado – assim estando que concordou com a “suspensão” da nova tarifa de preços e que acordou na sua “revisão”, constatada fica a sua “falta de interesse em agir” na acção que propôs peticionando alegados pagamentos em falta calculados com base na referida tarifa de preços.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 127/2021
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“A1” ou “甲”), sociedade comercial com sede na [Endereço], propôs, no Tribunal Administrativo, “acção sobre contrato administrativo” contra:
- a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU;
- o CHEFE DO EXECUTIVO DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU; e,
- o DIRECTOR DA DIRECÇÃO DOS SERVIÇOS PARA OS ASSUNTOS DE TRÁFEGO (DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU).

A final da petição inicial que apresentou deduziu o seguinte pedido:

“A) Deve a RAEM ser condenada a proceder ao pagamento das facturas emitidas desde o dia 12.06.2012 até 31.05.2013, no âmbito dos serviços prestados pela Autora ao abrigo do Contrato, relativas ao valor da diferença entre o preço global calculado com base nos preços unitários inicialmente constantes do Contrato e o preço global calculado com base nos preços unitários aplicáveis a partir do dia 12.06.2012, por força do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, comunicado à Autora por carta datada de 21.06.2012 (facturas juntas como Doc. n.° 10), no valor total de MOP 39.960.050,75 (trinta e nove milhões, novecentas e sessenta mil e cinquenta patacas e setenta e cinco avos);
B) Deve o Exmo. Senhor Director da DSAT ser condenado a proceder à homologação/verificação das facturas referidas na alínea A);
C) Deve Sua Excelência o Chefe do Executivo ser condenado a praticar os actos necessários ao pagamento das facturas referidas na alínea A);
D) Deve ser definido um prazo, não superior a 15 dias úteis, para a realização do pagamento das facturas referidas na alínea A);
E) Deve ser determinada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, em montante a definir pelo Tribunal, por cada dia de atraso no pagamento das facturas referidas na alínea A);
F) Deve a RAEM ser condenada no pagamento de juros pelo atraso no pagamento das facturas referidas na alínea A), os quais, na presente data, se computam num valor de MOP 1.450.773,25 (um milhão, quatrocentas e cinquenta mil e setecentas e setenta e três patacas e vinte e cinco avos); e, por fim,
G) Deve a RAEM ser condenada a, no futuro e ao longo da vigência do Contrato, pagar os serviços prestados pela Autora ao abrigo do Contrato com base nos preços unitários vigentes na presente data, ou seja, e na presente data, com base nos preços unitários aprovados pelo Despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, comunicado à Autora por carta datada de 21.06.2012, devendo também, para esse efeito, o Exmo. Senhor Director da DSAT e Sua Excelência o Chefe do Executivo serem condenados a proceder à prática dos actos necessários à efectivação desse pagamento”; (cfr., fls. 2 a 24 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo “despacho saneador-sentença” onde, (no que para agora releva), admitindo uma entretanto requerida intervenção como Assistente do “B”, (“乙”), julgou – nomeadamente – procedente a excepção peremptória da ilegitimidade da A., absolvendo as RR. dos pedidos deduzidos; (cfr., fls. 657 a 672).

*

Do assim decidido, recorreram a A. (“A”, representada pelo “Administrador da Falência”) e o dito Assistente, (“B”), (cfr., fls. 692 a 722-v e 736 a 745), e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 22.04.2021, (Proc. n.° 1163/2019), concedeu-se provimento aos recursos, decidindo-se pela revogação da decisão recorrida, decretando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo para o normal prosseguimento da sua tramitação processual até decisão final; (cfr., fls. 995 a 1020-v).

*

Em representação da Região Administrativa Especial de Macau, traz agora o Ministério Público o presente recurso, alegando para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“1ª - No aresto em escrutínio (cfr. fls.995 a 1020v. dos autos), o Venerando TSI chegou a inequívoca decisão de "revogar o saneador-sentença ora recorrido, na parte que julgou procedente a excepção da ilegitimidade activa da Autora e absolveu os Réus dos pedidos, e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para a prosseguimento da sua tramitação."
2ª - O raciocínio e o processo argumentativo do Venerando TSI mostra que o fundamento fulcral da supramencionada decisão de revogação consiste em entender que os actos verbais, emanados do Chefe do Executivo e do STOP e determinantes da suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que aprovou as novas tarifas, tem o valor jurídico de acto administrativo e são juridicamente inexistente ou ao menos nulo, por virtude da "falta absoluta de todos os elementos essenciais quanto à forma e inobservância total da forma legal" e ainda do "incumprimento do dever de fundamentação".
3ª - Com todo e, aliás, elevadíssimo respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, inclinamos a colher modestamente que a qualificação jurídica operada pelo Venerando TSI dos sobreditos "actos verbais" enferma do erro de julgamento.
4ª - A Cláusula 7ª do Contrato de Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros celebrado entre a ora Recorrente/RAEM e a Recorrida/Autora estabelece, além de outras disposições, que "三、每年最多可調整單價一次,且擬調整單價的一方須於該年6月30日前提出。四、不論任何情況,僅在判給實體批准後方可執行本條所述擬調整的單價。"
5ª - À luz destas estipulações contratuais, parece-nos que o despacho lançado pelo Chefe do Executivo em 12/06/2012 e traduzido em aprovar os novos preços unitários constitui, para as três sociedades exploradoras de transportes colectivos passageiros, a oficial aceitação das propostas delas, e para a Administração da RAEM, o título bastante de pagamento de acordo com os novos preços unitários (quanto ao teor e lugar desse despacho, vide. o 2° facto provado delineado na sentença de fls.657 a 672 dos autos).
6ª - O que significa, a nosso ver, que na medida em que se consubstancia na aceitação das propostas das três sociedades para a actualização dos preços unitários consignados nos respectivos Contratos de Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros, o dito despacho preferido pelo Chefe do Executivo em 12/06/2012 tem por base e conteúdo o consenso paritário entre a RAEM e as três sociedades, por isso, não pode ser enquadrado no conceito de acto administrativo definido no art.110.° do CPA.
7ª - Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os 4.° a 9.° factos provados especificados na sentença de fls.657 a 672 destes autos, factos que, em boa verdade e sem sombra de dúvida, não foram impugnados no recurso interposto pela Autora e ora Recorrida junto do Venerando TSI.
8ª - Os 4.° e 5.° factos provados demonstram que o Exmo. Sr. Chefe do Executivo deu indicação verbal ao Exmo. Sr. STOP e, antes, este dera já ordem verbal à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego a quem incumbe a competência de fiscalização da execução dos três Contratos (cfr. a Cláusula 21ª), e tanto aquela indicação como essa ordem, ambas de forma verbal, exigiram só a revisão do procedimento relativo ao ajustamento das tarifas (ou preços unitários), sem ordenar ou impor directamente a suspensão das novas tarifas aprovadas pelo Exmo. Sr. Chefe do Executivo mediante o despacho de 12/06/2012.
9ª - O conteúdo ou substância das apontadas indicação e ordem implicam que ambas desencadeiam força vinculativa meramente interna, pelo que se explica porque é que se adoptaram a forma verbal, daí decorre que, na nossa modesta opinião, a indicação e ordem verbais não padecem da inexistência jurídica ou da nulidade.
10ª - Note-se que a suspensão aludida pela primeira vez no 6.° facto provado especificado na supramencionada sentença engloba todas as novas tarifas pretendidas pelas três sociedades exploradoras dos transportes colectivos rodoviários de passageiros e aprovadas pelo Exmo. Sr. Chefe do Executivo no seu despacho de 12/06/2012.
11ª - Ressalvado elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, os 6.° a 9.° factos provados elencados naquela sentença levam-nos a opinar que tal suspensão obteve não só a mera aceitação tácita da Recorrida/Autora, mas também e sobretudo, o acordo e consenso de todas as três sociedades, por isso e nesta medida, a mesma suspensão não tem a natureza de acto administrativo definido no art.110.° do CPA.
12ª - Em reforço da nossa simples opinião, aditamos que não sendo impugnados, os documentos de fls.255 e 258 dos autos fazem entender que a Recorrida/Autora se sentia decepcionada ou abafada tão só com a decisão de ajustar apenas as tarifas das restantes das sociedades.
13ª - Do acima exposto resulta, segundo nos parece, que a Autora e Recorrida não tinha legitimidade para propor a acção sobre contrato administrativo registada sob o n.°219/13-CA no Tribunal Administrativo”; (cfr., fls. 1033 a 1036-v).

*

Admitido o recurso nos termos legais, adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo foi considerada como assente a seguinte factualidade:

“1.º - Pela escritura pública outorgada aos 04/01/2011, foi celebrado entre a 1.ª R. e a A. o «Contrato do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau» para a prestação do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros de Macau das II e V Secções (adiante designada por “Contrato”), com efeitos a partir de 01/08/2011 até 31/07/2018 (vide fls. 32 a 51 dos autos de intimação para um comportamento deste Tribunal, autuando sob o processo n.º 85/13-IC, em anexo, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - Pelo despacho de “concordância” do 2.º R. datado de 12/06/2012 e lançado sobre a proposta n.º 795/DGT/2012, foram revistos e ajustados os preços unitários do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros de Macau prestados pelas três adjudicatórias, entre os quais, a A., com efeitos a partir da aprovação da referida proposta (vide fls. 773 a 779 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - Por ofício com n.º de referência: 1207168/3351/DGT/2012, de 21/06/2012, foi a A. notificada do despacho acima mencionado (vide fls. 302 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Pela instrução verbal dirigida ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o 2.º R determinou a revisão do processo de ajustamento de tarifas, no sentido de assegurar a qualidade de serviços das três companhias, garantir a segurança dos passageiros e corresponder às exigências da população, vindo a respectiva informação ser divulgada através do “website” do Gabinete de Comunicação Social em 07/07/2012 (vide fls. 518 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - O Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas ordenou à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) para rever o procedimento relativo ao ajustamento das tarifas e supervisionar, o mais rápido possível, a concretização do plano de melhoramento dos serviços das adjudicatárias bem como o lançamento do sistema de avaliação, vindo a respectiva informação ser divulgada através do “website” do Gabinete de Comunicação Social em 04/07/2012 (vide fls. 520 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6.º - Segundo a informação divulgada no “website” do Gabinete de Comunicação Social aos 12/07/2012, foi referido o seguinte: “O secretário para os Transportes e as Obras Públicas, Lau Si Io, indicou hoje (12 de Julho) que o governo está muito atento às opiniões da sociedade, relativamente ao aperfeiçoamento dos serviços das concessionárias de transportes públicos de autocarros, considerando-as como importante referência quando é preciso elevar a qualidade de serviços das companhias e proceder a ajustamento de tarifas.
No final de uma ocasião pública, Lau Si Io disse à comunicação social que os serviços competentes estão a analisar e estudar as deficiências do processo de actualização das tarifas de serviços das companhias de autocarros.
E, o ajustamento agora previsto fica suspenso por algum tempo, até à conclusão e melhoria de todo o processo, acrescentou.
O mesmo responsável salientou que a participação da população é um elemento importante para a melhoria dos serviços em causa e que o governo vai acelerar o trabalho da criação do mecanismo de avaliação de serviços prestados pelas companhias de transportes de autocarros, acrescentou o secretário.
Lau Si Io referiu ainda que os representantes da Secretaria para os Transportes e Obras Públicas e da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, estarão presentes, amanhã, na reunião da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas da Assembleia Legislativa, para esclarecimentos detalhados sobre a situação do ajustamento das tarifas e o sistema de avaliação da qualidade dos serviços de transportes públicos de autocarros para posterior divulgação ao público.” (vide fls. 522 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7.º - A A. foi informada verbalmente, através da DSAT, de que o pagamento dos novos preços unitários não seriam realizados atempadamente, pela “contestação social” que se fez sentir após a divulgação do ajustamento das tarifas.
8.º - Segundo a informação divulgada no “website” do Gabinete de Comunicação Social aos 17/07/2012, foi referido o seguinte: “O secretário para os Transportes e as Obras Públicas, Lau Si Io, disse, hoje (17 de Julho), que o governo compreende que a sociedade está atenta aos serviços que as companhias de autocarros oferecem, afirmando que não existe intenção de atrasar o processo de actualização das tarifas e que as insuficiências a colmatar irão ser melhoradas o mais rápido possível no sentido de melhorar a qualidade dos serviços prestados.
O mesmo responsável revelou ainda que a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) pretende trabalhar activamente com as três companhias de autocarros na melhoria dos serviços, tendo em conta que a actualização das tarifas depende dos trabalhos realizados para aumentar a qualidade oferecida à população.
Neste sentido o governo irá continuar a ouvir as opiniões da sociedade e de acordo com o conteúdo dos contratos pretende alterar o referido processo de ajustamento das tarifas e solicitar às companhias de autocarros para melhorar rapidamente o nível dos serviços, acrescentou Lau Si Io.” (vide fls. 524 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9.º - Em 26/07/2012, realizou-se uma reunião do Conselho Consultivo do Trânsito, em que participaram as representantes das três adjudicatárias (vide fls. 537 a 544 dos autos do processo n.º 85/13-IC, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10.º - Para os serviços prestados entre Junho de 2012 e Maio de 2013, foram emitidas as seguintes facturas pela A. à DSAT:
Secção
Período
Data de emissão da factura para os serviços prestados no período indicado
Data de emissão da factura para o pagamento da diferença**
II
06/2012
08/08/2012 (f. 304*)
20/11/2012 (f. 328*)
V
06/2012
08/08/2012 (f. 306*)
20/11/2012 (f. 328*)
II
07/2012
12/09/2012 (f. 308*)
20/11/2012 (f. 329*)
V
07/2012
12/09/2012 (f. 309*)
20/11/2012 (f. 329*)
II
08/2012
10/10/2012 (f. 310*)
20/11/2012 (f. 330*)
V
08/2012
10/10/2012 (f. 311*)
20/11/2012 (f. 330*)
II
09/2012
01/11/2012 (f. 312*)
20/11/2012 (f. 331*)
V
09/2012
01/11/2012 (f. 313*)
20/11/2012 (f. 331*)
II
10/2012
05/12/2013 (f. 314*)
31/12/2012 (f. 332*)
V
10/2012
05/12/2013 (f. 315*)
31/12/2012 (f. 332*)
II
11/2012
02/01/2013 (f. 316*)
31/12/2012 (f. 333*)
V
11/2012
02/01/2013 (f. 317*)
31/12/2012 (f. 333*)
II
12/2012
31/12/2012 (f. 318*)
31/12/2012 (f. 334*)
V
12/2012
31/12/2012 (f. 319*)
31/12/2012 (f. 334*)
II
01/2013
11/03/2013 (f. 321*)
05/06/2013 (f. 335*)
V
01/2013
11/03/2013 (f. 320*)
05/06/2013 (f. 336*)
II
02/2013
17/04/2013 (f. 322*)
05/06/2013 (f. 337*)
V
02/2013
17/04/2013 (f. 323*)
05/06/2013 (f. 338*)
II
03/2013
25/04/2013 (f. 325*)
05/06/2013 (f. 339*)
V
03/2013
25/04/2013 (f. 324*)
05/06/2013 (f. 340*)
II
04/2013
28/05/2013 (f. 326*)
05/06/2013 (f. 341*)
V
04/2013
28/05/2013 (f. 327*)
05/06/2013 (f. 342*)
II
05/2013
08/07/2013 (f. 25 dos autos)
08/07/2013 (f. 27 dos autos)
V
05/2013
08/07/2013 (f. 26 dos autos)
08/07/2013 (f. 28 dos autos)
** diferença da quantia a pagar calculada entre os preços unitários originais e os revistos
* autos do processo n.º 85/13-IC
11.º - Segundo a informação sobre a 1.ª reunião realizada aos 31/01/2013 e divulgada no “website” do Conselho Consultivo do Trânsito, foi referido o seguinte:
“DSAT apresenta ao CCT a actualização do preço de serviços dos autocarros
As duas comissões especializadas do Conselho Consultivo do Trânsito (adiante designado por CCT) convocaram uma reunião conjunta de trabalho, em que o director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) e vice-presidente do CCT, C, propôs aos vogais reiniciar-se o processo de actualização do preço da prestação de serviços de autocarros e auscultou as opiniões apresentadas pelos mesmos. Tendo em conta que as medidas adoptadas pela D (D1) e E atingiram os resultados esperados e satisfizeram as exigências do Governo, será reiniciado o referido processo.
C admitiu que a divulgação da actualização do preço da prestação de serviços de autocarros em Julho do ano passado foi polémica devido a falta de transparência no processo administrativo e insuficiência de esforços por parte da DSAT. Referiu ainda que tendo revisto o caso e auscultado as opiniões construtivas dos cidadãos, compreende as solicitações e expectativas por parte dos cidadãos, pelo que travou o processo administrativo da actualização e exigiu às três companhias de autocarros a apresentação de planos de melhoria dos serviços.
Passado mais de meio ano, concluiu-se que as companhias têm envidado esforços para implementar os seus planos de melhoria, designadamente, optimizar sucessivamente os equipamentos dos autocarros, adquirir novos equipamentos para os veículos, promover acções de formação para o pessoal, aumentar e ajustar a frequência dos autocarros e incrementar oportunamente o número de viaturas em circulação, tendo reduzido o tempo de espera nas paragens (sobretudo na Av. 1º de Maio, Av. Nordeste e Rua Ribeira Patane) durante a hora de ponta para facilitar os cidadãos. Por outro lado, as companhias concordaram que o ajustamento do preço da prestação dos seus serviços depende da qualidade dos mesmos (o reconhecimento desta estará sujeita à aprovação de um mecanismo de avaliação dos serviços).
Quanto à implementação dos planos da melhoria das três companhias dos autocarros, a D1 e E conseguiram um significativo melhoramento nos seus serviços, cujo nível se tem mantido estável, assim, tendo em consideração os resultados das análises dos dados relativos aos serviços, dos inquéritos sobre o grau de satisfação, dos contratos e de acordo com o princípio “governar segundo a lei”, a DSAT propõe que seja reiniciado o processo administrativo da actualização do preço da prestação de serviços dos autocarros da D1 e E. Quanto à A, o processo administrativo para tratar dos seus pedidos de ajustamento não será reiniciado, dado que tem ainda diversos processos em curso e os seus serviços não possuem o nível exigido. A DSAT salientou que vai reforçar os meios de fiscalização, auscultar as opiniões apresentadas pelos cidadãos para supervisionar a optimização dos serviços das companhias de autocarros…” (vide fls. 249 a 251 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
12.º - Por ofício com n.º de referência: 5.4.7.385 datado de 22/03/2013, a A. requereu junto do 2.º R. a aprovação do ajustamento das tarifas o mais rápido possível (vide fls. 258 a 259 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
13.º - Segundo a informação sobre a 4.ª reunião realizada aos 12/04/2013 e divulgada no “website” do Conselho Consultivo do Trânsito, foi referido o seguinte:
“O Governo reinicia o processo administrativo para a actualização do preço da prestação de serviços das duas companhias de autocarros
A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (daqui em diante designada por DSAT) relatou ao Conselho Consultivo do Trânsito (doravante designado por CCT) a situação dos trabalhos de actualização do preço da prestação de serviços de autocarros; após analisada e estudada a matéria, tendo por base o princípio de tratar a actualização depois da melhoria dos serviços, o Governo inicia a actualização do preço da prestação de serviços da E1 (de ora em diante designada, simplesmente, por E) e da D, (daqui em diante designada como D2), a referida actualização produz efeitos a partir de 1 de Janeiro do corrente ano, actualmente, o respectivo processo de financiamento está finalizado e será divulgado posteriormente.
As duas comissões especializadas do CCT realizaram uma reunião conjunta de trabalho, C, Director da DSAT e vice-presidente do CCT, apresentou, aos membros, os trabalhos prioritários recentemente realizados pela DSAT, incluindo nos quais, o andamento da actualização do preço da prestação de serviços de autocarros em 2012 e do plano de optimização dos serviços de táxis especiais. A DSAT demonstrou que, em finais do ano passado, o Governo depois de ter divulgado que reunia condições para reiniciar o procedimento administrativo da dotação financeira à actualização do preço da prestação de serviços de autocarros da E e D2, após auscultação e análise sintetizada das opiniões de diversos sectores sociais sobre a subsequente actualização do preço da prestação de serviços e os serviços em geral das empresas operadoras, sob o princípio de tratar a actualização depois da melhoria dos serviços, o Governo reiniciou o procedimento administrativo da dotação financeira à actualização do preço da prestação de serviços da E e da D2, com efeitos a 1 de Janeiro do corrente ano, actualmente, o respectivo processo de financiamento está finalizado e será divulgado posteriormente.
… … …
A DSAT agradeceu a todos os membros as opiniões formuladas em relação à actualização do preço da prestação de serviços de autocarros, compreendendo as preocupações e as necessidades do público sobre os serviços de autocarros. Para tal, a DSAT envidará ainda mais esforços para a melhoria dos serviços de autocarros, nomeadamente, mediante a criação do regime de avaliação dos serviços de autocarros, quantificará, de forma padronizada, a qualidade dos serviços em geral das companhias operadoras, aumentando a transparência de supervisão e impulsionando a elevação da qualidade dos serviços de autocarros. Durante o processo, a DSAT continuará a manter a comunicação com o CCT e os sectores da sociedade, para aperfeiçoar conjuntamente os serviços de autocarros da RAEM.…” (vide fls. 261 a 263 dos autos e https://www.cctrans.gov.mo/pt/news_ detail.aspx?a_id=50 “website” do Conselho Consultivo do Trânsito, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
14.º - Pelos Despachos do Chefe do Executivo n.º 85/2013 e 86/2013, respectivamente, publicado no B.O. da RAEM, de 15/04/2013, I Série-Suplemento, foi autorizado o aumento das despesas relativas à taxa de serviço para a prestação do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros de Macau das secções I, IV e III, segundo o preço unitário da taxa de serviço aprovado (vide fls. 265 e 267 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
15.º - Pela decisão judicial proferida aos 04/12/2013 nos autos do processo n.º CV1-13-0002-CFI, correndo junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, foi declarada a falência da A. (vide fls. 328 a 332 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito)”; (cfr., fls. 660 a 664 e 997-v a 1001-v).

Do direito

3. Vem o Ministério Público – em representação da R.A.E.M. – recorrer do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que, (como se viu), revogou a decisão do Mmo Juiz do Tribunal Administrativo e ordenou a devolução dos autos para o seu prosseguimento.

Tendo o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo julgado procedente a excepção da “ilegitimidade da A.”, (com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos), e atentas as conclusões do presente recurso, visto está ser (essencialmente) esta a “questão” sobre a qual importa emitir pronúncia.

Pois bem, antes de mais, cabe salientar que não estaremos longe da verdade se aqui se notar que a dita “questão” – e decisão sobre a “(i)legitimidade da A.” – surge no âmbito de uma “relação contratual”, (e, chamemos, algumas “vicissitudes”), no Acórdão agora recorrido nestes termos (sucintamente) descrita:

“- Por força do «Contrato do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau» (adiante simplesmente designado por Contrato) celebrado entre a 1ª Ré RAEM e a Autora A, mediante o qual esta se obrigou a prestar serviços de transporte público rodoviário de passageiros, com efeitos a partir de 01AGO2011 até a 31JUL2018;
- O contrato consagra um regime de preços unitários para o pagamento dos vários tipos de serviços prestados pela Autora, estando também prevista a possibilidade de tais preços unitários serem revistos, mediante proposta da adjudicatária, ora Autora e aprovação da entidade adjudicante;
- Pelo despacho datado de 12JUN2012 do Chefe do Executivo, o ora 2º Réu, foram revistos e aprovados os preços unitários dos serviços a prestar pela Autora no âmbito do contrato, com efeitos a partir da primeira rota de autocarro do dia 12JUN2012;
- Desse despacho foi notificado à Autora por ofício datado de 21JUN2012;
- Pela instrução verbal dirigida ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, adiante simplesmente designado por STOP, o Chefe do Executivo, o ora 2º Réu determinou que se suspendesse o pagamento dos novos preços unitários e que se realizasse a revisão do processo de ajustamento de tarifas, a fim de assegurar a boa qualidade de serviços das três concessionárias, incluindo a Autora, garantir a segurança dos passageiros e fazer a qualidade de serviços corresponder às exigências da população;
- O STOP deu ordem à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, o ora 3º Réu, adiante simplesmente designado por DSAT, para rever o procedimento de ajustamento das tarifas e supervisionar, o mais rápido possível, a concretização do plano de melhoramento dos serviços das adjudicatárias, bem como o lançamento do sistema de avaliação, e que se suspendesse os pagamentos dos novos preços unitários, enquanto não tiverem sido alcançados estes objectivos;
- No final de uma ocasião pública, o STOP disse à comunicação social que os novos preços unitários não seriam praticados e suspensos por algum tempo, até à conclusão e melhoria de todo o processo de ajustamento das tarifas;
- Houve reuniões em que participaram as três adjudicatárias, incluindo a ora Autora e onde foram tratados os assuntos sobre o processo de ajustamento das tarifas e a supervisão, o mais rápido possível, da concretização do plano de melhoramento dos serviços das adjudicatárias, bem como o lançamento do sistema de avaliação da qualidade de serviços;
- Após o que, foi reiniciado o processo administrativo para ajustamento das tarifas, em relação às duas outras adjudicatárias, mas não incluindo a ora Autora, com fundamento de que os serviços por esta prestados ainda não possuem o nível exigido;
- Com fundamento na violação grave dos deveres contratuais e manifesta execução defeituosa do Contrato, a Autora veio intentar a presente acção pedindo, inter alia, a condenação da RAEM, a ora 1ª Ré, a proceder ao pagamento das facturas emitidas desde o dia 12JUN2012 ate 31MAIO2013, no âmbito dos serviços prestados por ela prestados ao abrigo do Contrato, relativas ao valor das diferença entre o preço global calculado com base nos preços unitários inicialmente constantes do Contrato e o preço global calculado com base nos preços unitários aplicáveis a partir de 12JUN2012, por força do despacho do 2º Réu, Chefe do Executivo, no valor total de MOP$39.960.050,75”; (cfr., fls. 1011 a 1012-v).

E tendo (essencialmente) presente esta “súmula do sucedido”, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão agora objecto do presente recurso (que a seguir se transcreve na parte que agora interessa):

“Pelo saneador-sentença ora recorrido, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção peremptória de ilegitimidade da Autora e absolveu os Réus dos pedidos.

Essencialmente falando, os fundamentos que levaram o Tribunal a quo a julgar procedente a ilegitimidade activa da Autora foram a falta da reacção atempada contra as decisões que mandaram suspender os pagamentos segundo as tarifas revistas e aprovadas pelo Chefe do Executivo e a consolidação dessas decisões na ordem jurídica, nos termos prescritos no artº 67º do Decreto-Lei nº 63/85/M de 6JUL, que reza:
1. O cumprimento ou acatamento pelo adjudicatário de qualquer decisão tomada pelo adjudicante ou pelos seus agentes não se considera aceitação tácita da decisão acatada.
2. Todavia, se dentro do prazo de dez dias a contar do conhecimento da decisão, o adjudicatário não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão reputa-se aceite.

Ao que parece, foi a não reacção atempada, reputada como a aceitação tácita por parte da ora Autora das tais “decisões” que determinaram a suspensão dos pagamentos dos novos preços unitários aprovados e a sujeição da efectivação dos pagamentos ao melhoramento da qualidade de serviços, que deixou consolidadas na ordem jurídica aquelas decisões e que retirou à Autora a legitimidade de vir ao Tribunal reivindicar o seu direito aos pagamentos segundo as tarifas revistas e aprovadas por despacho do Chefe do Executivo datado de 12JUN2012.

Face ao fecho da acção nos termos assim decididos no saneador, a Autora, inconformada, veio defender, a título principal, que configurando uma declaração negocial e portanto insusceptível de revogação posterior sem que se tivesse verificado a situação a que se refere o artº 227º/2 do CC, o acto de aprovação da revisão dos preços já se consolidou na ordem jurídica, passando a vincular ambas as partes no decurso futuro da execução do contrato, e a título subsidiário, que a instrução verbal do Chefe do Executivo e a ordem do STOP que determinaram a revisão do processo de ajustamento de tarifas são juridicamente inexistentes, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos, e ainda subsidiariamente, que os actos são nulos, por não reuniram os elementos essenciais de um acto administrativo e/ou careceram em absoluto da forma legal, mais ainda subsidiariamente que, são anuláveis por erro de direito e erro nos pressupostos de facto e por falta de fundamentação, ou pelo menos, são actos ineficazes por os mesmos actos nunca foram notificados à Autora nos termos prescritos quer na lei quer no contrato.

Por sua vez, o Assistente B veio defender a inexistência jurídica dos actos orais que determinaram a suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que havia aprovado a revisão dos preços unitários, por carecerem em absoluto de todos os elementos essenciais de um acto administrativo, e subsidiariamente, a ineficácia dos actos por não terem sido notificados à Autora quer nos termos do artº 68º do CPA quer nos da cláusula 22ª do Caderno de Encargos.

Coincidentemente, quer a Autora, a título subsidiário, quer o Assistente, a título principal, encaram como verdadeiros actos administrativos os actos verbais do Chefe do Executivo e do STOP que determinaram a suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que aprovou a revisão das tarifas, e defendem a sua inexistência jurídica por carecerem em absoluto de todos os elementos essenciais de um acto administrativo.

Inteirados do que se passou e do enquadramento das questões suscitadas, vamos começar por apurar, tendo em conta o seu objecto, a qualidade e os poderes dos seus autores e em que contexto foram tomadas, quê natureza jurídica devem ter revestido as tais decisões verbais que determinaram a suspensão dos pagamentos.

E depois de apurada a natureza jurídica das tais decisões, iremos averiguar se as decisões, proferidas nos termos descritos na matéria de facto tida por assente na 1ª instância, poderiam ser consideradas válidas e juridicamente existentes, a fim de afinal ajuizar se a falta da reclamação atempada nos termos prescritos no citado artº 67º do Decreto-Lei nº 63/85/M de 6JUL, implica a aceitação táctica delas por parte da Autora e a consolidação do decidido na ordem jurídica, e em consequência conduz à ilegitimidade activa da Autora de vir aos Tribunais para exercitar o seu direito aos pagamentos de acordo com as tarifas revistas e aprovadas pelo Chefe do Executivo datado de 12JUN2012.

Então comecemos pela análise da natureza jurídica dessas decisões verbais, proferidas pelo Chefe do Executivo, o ora 2º Réu, e pelo STOP.

Ora, se o ajustamento das tarifas for algo já previsto no Contrato celebrado entre a RAEM e a ora Autora, a suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo datado de 12JUN2012 que aprovou as novas tarifas deve ser tida por algo determinado fora dos termos e condições previstas no contrato.

Ou seja, se a revisão dos preços unitários e a aprovação das tarifas devem sujeitar-se ao princípio de aplicação da regra pacta sunt servanda, a suspensão da execução do despacho que tem por objecto a revisão dos preços unitários e a aprovação das tarifas já se traduz numa manifestação do exercício de um poder de autoridade pública contratual da Administração, concretamente consistente no poder de praticar actos administrativos, propriamente ditos, relativos à execução do contrato administrativo, com vista à prossecução de interesses públicos.

A propósito da habilitação e legitimação da Administração para a prática de actos administrativos relativos à execução do contrato administrativo celebrado com particulares, fora dos termos e condições previstas no contrato, Pedro Gonçalves ensina que:
…… o contrato administrativo, enquanto instrumento da actuação administrativa, está dotado de um regime jurídico que pretende naturalmente vocacioná-lo como instrumento adequado à prossecução dos interesses públicos a cargo da Administração; efectivamente, colocar a Administração (rectius, o interesse público) dependente do princípio pacta sunt servanda seria perigoso para o interesse público e revelaria apenas o interesse de homenagear um princípio cujo carácter regulativo faz sobretudo sentido nas relações jurídicas entre cidadãos.
É exactamente por isso que, primeiro a doutrina e a jurisprudência, e depois o legislador, vieram a reconhecer que a posição da Administração contratante não pode ser equiparada à do particular com quem contrata: há uma diferença de monta, que resulta de a Administração estar ao serviço do interesse público e de o seu co-contratante pretender tão-somente realizar os seus interesses pessoais.
O regime jurídico específico do contrato administrativo vai, deste modo, ser modelado de modo a incorporar e traduzir aquela diferença real, extra-contratual, entre Administração e particular; essa especificidade do regime irá traduzir-se essencialmente num princípio de não-aplicação da regra pacta sunt servanda à Administração, isto é, no reconhecimento de que a Administração pode introduzir alterações no regime substantivo do contrato administrativo, sem que para isso necessite do consentimento do seu co-contratante (ou seja, as alterações introduzem-se sem necessidade de um contrato adicional, modificativo ou substitutivo), que podem mesmo traduzir-se na extinção unilateral da relação jurídica fundada no contrato fora dos termos e condições previstas.
Para se explicar este traço específico da instituição contrato administrativo fala-se em autoridade pública contratual da Administração, conceito que acaba por representar o diferente posicionamento jurídico das partes contratuais: a Administração traz para o contrato a sua posição relativa de partida, isto é, a posição supra-ordenada em relação ao particular; é, abrigada nessa posição, que pode praticar actos administrativos relativos à execução do contrato administrativo, que são justamente os actos de autoridade através dos quais vai exercendo a sua autoridade pública contratual.
Portanto, pelo menos algumas das declarações contratuais da Administração - não todas, como se verá a propósito dos designados actos opinativos - têm o valor jurídico de acto administrativo (portanto, declarações de autoridade) e não de declarações paritárias de vontade contratual, que o contraente particular pode aceitar ou não; nestes termos e em regra, o contraente particular assume, com a celebração do contrato, a obrigação (colocando-se em estado de sujeição) de acatar as declarações da Administração que se destinam a influir na vida do contrato.
É exactamente isso que se traduz na designada executividade das declarações administrativas contratuais com valor de acto administrativo: essas declarações impõem-se ao co-contratante, que, se as considerar ilegais, fica com o ónus de as impugnar na via contenciosa; a mais disso, para se eximir da obrigação de as acatar, terá de pedir a suspensão da sua eficácia.
- in Contrato Administrativo (A instituição contratual como forma de actuação da Administração Pública), pág. 33 e 34, SAFP, 1997.

De acordo com a matéria de facto assente, temos presente que a suspensão dos pagamentos dos novos preços unitários às três concessionárias, incluindo a aqui Autora, foi determinada por causa da reacção negativa por parte da população sobre a falta da transparência no procedimento dos ajustamentos das tarifas, e dos termos, reputados por desrazoáveis pela população, em que foram revistos preços unitários e aprovadas as novas tarifas dos serviços de transportes públicos rodoviários a prestar pelas concessionárias.

E a Administração acabou por ceder perante a pressão da opinião pública e no âmbito da execução dos contratos administrativos celebrados com as três concessionárias, decidir, em vez de emitir declarações paritárias de vontade contratual, exercer a sua autoridade pública contratual, ordenando suspender temporariamente a execução do despacho do Chefe do Executivo que aprovou as novas tarifas, a fim de rever primeiro todo o procedimento da revisão dos preços unitários, mediante a introdução nele de critérios objectivos capazes de avaliar a qualidade de serviços a prestar pelas concessionárias e fazer sujeitar a actualização dos preços unitários ao melhoramento da qualidade de serviços, ao aumento do grau de segurança dos passageiros e à elevação do grau de frequência das rotas de autocarros, nomeadamente nas horas de ponta e nas rotas onde os serviços são mais procurados.

Na esteira do douto ensinamento de Pedro Gonçalves, a prossecução dos interesses públicos confere à Administração a dita autoridade pública contratual que a habilita e legitima a praticar verdadeiros actos administrativos, ou declarações negociais com valor de acto administrativo, relativos à execução do contrato administrativo, sem que para isso necessite do consentimento do contratante particular, sem prejuízo, naturalmente, dos meios graciosos e contenciosos ao dispor do particular para defender os seus interesses pessoais e particulares.

Na esteira desse ensinamento doutrinário, entendemos que, atento ao seu teor, ao seu objectivo, à qualidade e aos poderes dos seus autores, aqueles actos verbais, emanados do Chefe do Executivo e do STOP, determinantes da suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que aprovou as novas tarifas, têm o valor jurídico de um acto administrativo e devem revestir a forma legal prescrita para os actos administrativos.

Assim sendo, não se mostra aplicável in casu o invocado artº 67º do Decreto-Lei nº 63/85/M, à luz do qual se dentro do prazo de dez dias a contar do conhecimento da decisão, o adjudicatário não reclamar ou não formular reserva dos seus direitos, a decisão reputa-se aceite, uma vez que, visando apenas regular as chamadas declarações negociais paritárias de vontade contratual sem valor de acto administrativo, no âmbito da execução de contrato, esta norma, inserida no regime legal dos contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços para os serviços públicos da Administração da RAEM, não tem a autoridade de derrogar o regime geral da impugnabilidade contenciosa dos actos administrativos.

Então, resta saber se a falta de impugnação desses actos verbais determinantes da suspensão dos pagamentos dos novos preços unitários implica a aceitação dos actos e a perda da legitimidade activa, por parte da ora Autora, de exercitar judicialmente o invocado direito aos pagamentos dos novos preços unitários.

Para ambos os recorrentes, pela forma como foram praticados, são juridicamente inexistentes os tais actos verbais, determinantes da suspensão do pagamento dos novos preços unitários aprovados.

E portanto, na óptica dos recorrentes, a não impugnação atempada ou mesmo a aceitação dita tácita não relevam para todos os efeitos jurídicos.

Como se sabe, a inexistência jurídica é uma figura criada pela doutrina e hoje em dia comummente aceite na jurisprudência, não obstante a sua ainda não regulação expressa no nosso CPA.

Tradicionalmente falando, a inexistência jurídica de um acto administrativo fica reservada para as hipóteses extremamente graves, anómalas e radicais de desconformidade com a lei substantiva e de inobservância das regras procedimentais prescritas na lei quanto à forma, são nomeadamente a total ausência de forma, a ininteligibilidade do seu conteúdo, a impossibilidade do objecto, a insusceptibilidade de atribuir a conduta a uma entidade administrativa.

Falando de inexistência jurídica de um acto administrativo, enquanto sanção jurídica para a grave violação da lei substantiva ou para a grave inobservância das regras procedimentais prescritas na lei quanto à forma de acto, é preciso que o acto em causa possa configurar-se um aparente acto administrativo, ou seja, ser voluntário e praticado por um órgão administrativo no exercício de um poder público, ter por objecto a produção de efeitos jurídicos num caso concreto e ter como fim a prossecução de interesses públicos a cargo do órgão que o praticou.

In casu, tendo em conta o contexto em que foram praticados os tais actos verbais, assim como a qualidade dos seus autores, não temos dúvida de que podem ser configuráveis como actos administrativos os tais actos, não obstante verbais, consistentes nas ordens determinantes da suspensão dos pagamentos de acordo as tarifas aprovadas pelo despacho do Chefe do Executivo.

Então podemos avançar para analisar a validade ou até a própria existência jurídica desses actos verbais, configuráveis como actos administrativos pelo seu conteúdo, pelo seu objectivo, e pela qualidade e pelos poderes dos seus autores.

De acordo com a matéria de facto tida por assente na 1ª instância, tanto a instrução-decisão do Chefe do Executivo dirigida ao STOP para suspender os pagamentos, como a ordem emanada à DSAT pelo STOP em cumprimento daquela instrução-decisão, carecem de todos os elementos essenciais quanto à forma e não revestem minimamente a forma legal, nos termos exigidos nos artºs 112º e 113º do CPA, que têm a seguinte redacção:
Artigo 112.º
(Forma dos actos)
1. Os actos administrativos devem ser praticados por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do acto.
2. A forma escrita só é obrigatória para os actos dos órgãos colegiais quando a lei expressamente a determinar, mas esses actos devem ser sempre consignados em acta, sem o que não produzem efeitos.
Artigo 113.º
(Menções obrigatórias)
1. Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas, devem sempre constar do acto:
a) A indicação da autoridade que o praticou;
b) A menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
c) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;
d) A enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes;
e) A fundamentação, quando exigível;
f) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respectivo objecto;
g) A data em que é praticado;
h) A assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane.
2. Todas as menções exigidas pelo número anterior devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do acto administrativo.
3. A publicação no Boletim Oficial de Macau dos diplomas de delegação de competências do Governador nos Secretários-Adjuntos dispensa a menção referida na alínea b) do n.º 1.
Indubitavelmente, as ora detectadas falta absoluta de todos os elementos essenciais quanto à forma e inobservância total da forma legal ferem a ordem jurídica de tal modo grave que não justifica senão uma sanção mais severa do que a invalidade do acto, que para nós é justamente a doutrinariamente preconizada inexistência jurídica.

Sendo juridicamente inexistentes, os tais actos não têm a potencialidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos, mesmo putativos.

E logica e naturalmente, a não impugnação atempada por parte da Autora das decisões, juridicamente inexistentes, que determinaram a suspensão dos pagamentos segundo as novas tarifas aprovadas pelo Chefe do Executivo, nunca pode ser tida por aceitação tácita por parte da Autora, ora recorrente, daqueles actos, nem tem a virtualidade de lhe privar a legitimidade de invocar o despacho do Chefe do Executivo, como causa de pedir, e formular os pedidos nos termos peticionados na petição inicial, dada a natureza mais do que insanável dos actos juridicamente inexistentes.

Antes de terminar, cabe tecer duas notas.

A primeira é: mesmo que se não aceitasse a extrema qualificação como juridicamente inexistentes daquelas decisões que determinaram a suspensão dos pagamentos segundo as novas tarifas aprovadas pelo Chefe do Executivo, mas sim como actos nulos, a solução não deixaria de ser a mesma, pois enquanto actos nulos, para além de não terem podido produzir quaisquer efeitos jurídicos, nunca se poderiam sanar, estariam a todo o tempo sujeitos à impugnação e poderiam ser declarados nulos ex oficio por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. Portanto, nunca caduca o direito de reagir por parte do particular visado contra a tal invalidade por via de acção ou por via contenciosa.

E a segunda nota é que, in casu, o incumprimento do dever de fundamentação, imposto pelos artºs 113/1-e) e 114º/1-a) do CPA, nas tais decisões, simplesmente verbais e reportadas na media, que determinaram a suspensão dos pagamentos segundo as novas tarifas aprovadas pelo Chefe do Executivo, deve ser gerador da nulidade, e não da mera anulabilidade, uma vez que, se tratando de actos negatórios ou restritivos dos direitos, já reconhecidos à Autora A, aos pagamentos segundo as novas tarifas, a fundamentação deles não pode deixar de assumir uma natureza própria de elemento essencial de actos administrativos a que se refere o artº 122º/1, primeira parte, do CPA. Portanto, a inércia por parte do visado e o simples decurso do prazo geral legalmente concebido para a impugnação contenciosa de actos anuláveis não têm a virtualidade de impedir o visado de invocar essa invalidade nos tribunais.

Procedendo assim os recursos nessa parte, fica prejudicado o conhecimento de todas as restantes questões colocadas.

É portanto de revogar o saneador-sentença ora recorrido, na parte que julgou procedente a excepção da ilegitimidade activa da Autora e absolveu os Réus dos pedidos, e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para a prosseguimento da sua tramitação.
(…)”; (cfr., fls. 1012-v a 1018).

Feito o relato que antecede, e crendo nós, na posse de todos os elementos que levaram à decisão proferida (e que viabilizam uma apreciação da sua adequação), é momento de decidir de que lado está a razão.

Vejamos.

Em síntese que se nos mostra adequada, considerou o Tribunal de Segunda Instância que:
- ao determinar a “suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que aprovou as novas tarifas” a Administração actuou ao abrigo de “poderes exorbitantes” pela lei conferidos à autoridade pública no âmbito de uma relação contratual administrativa, tendo, por isso, praticado um “acto administrativo”; e, assim que,
- aplicável não era o disposto no art. 67° do D.L. n.° 63/85/M, conforme havia sido entendido pelo Tribunal Administrativo.

Contudo, considerou também que:
- o dito “acto administrativo” carecia de todos os elementos essenciais exigidos pelos art°s 112° e 113° do C.P.A., sendo por isso de o considerar “juridicamente inexistente”; e,
- ainda que assim não fosse, sempre se teria de considerar que o mesmo acto era “nulo” por falta desses mesmos elementos essenciais, (a que acrescia a sua total ausência de fundamentação).

Des’arte, (e como já se referiu), decidiu pela revogação do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo (na parte em) que julgou procedente a excepção de “ilegitimidade activa da A.”, e, em substituição do assim decidido, julgou tal excepção improcedente, determinando a devolução dos autos à 1ª Instância para o prosseguimento da sua normal tramitação processual.

Por sua vez, com o presente recurso defende-se – resumidamente – que:
- o despacho do Chefe do Executivo de 12.06.2012 que aprovou os novos preços unitários constitui para todas as três sociedades exploradoras de transportes colectivos de passageiros, e assim, inclusivé, para a “A”, a aceitação (oficial) das propostas pelas mesmas antes apresentadas, e, para a Administração da R.A.E.M., o título bastante de pagamento de acordo com os novos preços unitários; e, assim,
- na medida em que consubstancia uma “aceitação das propostas” das três sociedades para a actualização dos preços unitários consignados nos respectivos Contratos de Prestação do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros, o referido despacho proferido pelo Chefe do Executivo em 12.06.2012 tem por base e conteúdo o “consenso paritário” entre a R.A.E.M. e as ditas três sociedades, pelo que não pode ser enquadrado no conceito de “acto administrativo” definido no art. 110° do C.P.A..

Advoga-se, também, que:
- os factos provados demonstram que o Chefe do Executivo deu indicação verbal ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, e, antes dera já ordem verbal à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, (a quem incumbe a fiscalização da execução dos referidos Contratos), e, tanto aquela “indicação” como essa “ordem”, (ambas, ainda que de forma verbal), veicularam a necessidade de se efectivar uma “revisão do procedimento” relativo ao referido ajustamento das tarifas (ou preços unitários), sem – vale a pena sublinhar – “ordenar” (ou “impor”) uma efectiva e imediata “suspensão das novas tarifas” antes aprovadas pelo aludido despacho de 12.06.2012 Chefe do Executivo; e que,
- os factos dados como provados demonstram também que a aludida “suspensão” obteve, não só a mera “aceitação tácita” da aludida “A”, ora recorrida, mas ainda, e sobretudo, o “acordo e consenso” de todas as três sociedades, não se podendo igualmente assim atribuir a tal suspensão a natureza de um “acto administrativo” (do art. 110° do C.P.A.).

E, (em síntese), desta forma conclui que à dita (“A”) não assiste “legitimidade” para propor a acção que propôs e que deu origem à presente lide recursória.

–– Atento o exposto, e antes de mais, importa efectuar uma “nota preliminar” e resolver uma “questão prévia(s)”.

A “nota prévia”, (tão só) para referir que a “acção administrativa” pela dita “A” proposta no Tribunal Administrativo e prevista no art. 97°, al. d) do C.P.A.C., constitui um “meio processual” que – contrariamente ao “recurso contencioso”, que é de “mera anulação” – é de “plena jurisdição”, seguindo, em geral, o figurino das acções cíveis, de que é paradigma o “processo comum de declaração”, na forma ordinária, regulado nos art°s 389° a 580° do C.P.C.M.; (cfr., v.g., V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 297, e, concretamente sobre a “acção sobre contratos administrativos”, sua finalidade e processamento, pág. 323 e segs., podendo-se também ver J. Cândido de Pinho in, “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, pág. 111 e segs.).

Continuando, debrucemo-nos, agora, sobre a “questão”.

É a seguinte.

Defende a ora recorrida (“A”) que com o presente recurso (apresentado pela R.A.E.M.) se coloca uma “questão nova”, sobre a qual este Tribunal de Última Instância não se pode pronunciar, (sob pena de incorrer em “excesso de pronúncia”; cfr., art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M.).

Ora, cremos que de sentido negativo deve ser a nossa resposta.

Na verdade, a posição sufragada no presente recurso está em (perfeita) consonância com o (sentido do) decidido pelo Tribunal Administrativo, (não se apresentando, assim, constituir uma “questão nova”).

E, em todo o caso, (e seja como for), não se pode olvidar da aludida “natureza da acção” que deu origem ao presente recurso, e que, em causa apenas está a interpretação e aplicação das “regras de direito” ao caso relevantes e adequadas, pelo que, até em face do princípio jura novit curia, evidente se nos apresenta que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes.

–– Passemos agora para a vexata quaestio a decidir no presente recurso e que é a respeitante à natureza jurídica do alegado “acto de suspensão” das novas tarifas.

Como cremos que resulta do que até aqui se deixou relatado, a “situação” sub judice exige atenta análise em face da “matéria de facto e de direito” em discussão, já que se parte (da noção) de um suposto “acto (administrativo)” pela ora recorrente, (R.A.E.M.), praticado na qualidade de “contraente público”, e que, (aparentemente), na opinião da ora recorrida, teria “suspendido” os efeitos de uma revisão de preços pelas partes antes (consensualmente) acordada.

Todavia, da reflexão que sobre a dita “questão” pudemos efectuar, e sem embargo do respeito devido a opinião em sentido diverso, não vislumbramos a existência (ou prática) de qualquer “acto administrativo”, (nos termos do seu “conceito” legalmente definido no art. 110° do C.P.A. e consensualmente entendido), afigurando-se-nos antes de ter até como (bastante) clara a existência de um “acordo de revisão” do processo de reajustamento das ditas novas tarifas.

Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.

Pois bem, de acordo com o teor da petição inicial pela “A”, ora recorrida, então apresentada no Tribunal Administrativo, em causa está uma suposta divergência quanto à “execução de um contrato” respeitante ao transporte público terrestre de passageiros entre ela e a R.A.E.M. celebrado no dia 05.11.2010 (e que entrou em vigor no dia 01.08.2011).

Verifica-se que no decurso da execução deste “contrato”, o Chefe do Executivo aprovou uma proposta de revisão dos preços pela dita recorrida apresentada para serem aplicados a partir do dia 12.06.2012; (cabendo aqui sublinhar que o assim sucedido decorreu, exactamente, nos termos e em conformidade com o estatuído na “cláusula 7ª” do aludido contrato, onde se estipula que ao interessado cabe apresentar um requerimento para a actualização do preço unitário que fica sujeita à apreciação da entidade adjudicante).

E, em face do que se deixou consignado, (em nossa modesta opinião, e sem se entrar desde já na apreciação da “natureza do contrato” celebrado entre a R.A.E.M. e a ora recorrida “A”), claro se nos apresenta que a referida “aprovação” pelo Chefe do Executivo de uma “proposta de revisão de preços” não constitui um “acto administrativo” no sentido que o aludido comando legal do art. 110° do C.P.A. lhe atribui.

Com efeito, o (simples) facto de haver uma “proposta de revisão de preços” – antes “acordados” em sede de um “contrato” – que veio a ser “aceite” pelo contraente público, demonstra, (em nossa opinião, cabalmente), que não se está perante um “acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta”; (cfr., v.g., Diogo Freitas do Amaral in, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2001, pág. 210).

Dito isto, interessa (então) responder à seguinte questão: terá a R.A.E.M., em momento imediatamente posterior, tentado praticar, ou praticado, (efectivamente), algum “acto administrativo” com vista à “suspensão” da antes acordada revisão de preços e conducente à “revisão” do (próprio) processo de ajustamento de tarifas?

Admite-se, obviamente, resposta em sentido afirmativo, (que desde já se consigna que muito se respeita).

Todavia, (e pelos motivos que se tentarão deixar explícitos), cremos que se impõe concluir que, na “matéria” e “procedimento” em questão, à R.A.E.M. não era possível a prática de um “acto administrativo”.

Desde logo, e antes de mais, porque ao contraente público não cabe, (não tem, nem lhe assiste), o “poder exorbitante” de “suspender”, ou “alterar”, o preço contratualmente fixado, ou fixado em sede de revisão contratualmente prevista, (pois que não existe esse “poder” ao abrigo do art. 167° do C.P.A., nem ao abrigo do – próprio – contrato ou de lei – especial – aplicável).

Com efeito, no Capítulo IV respeitante ao “Contrato administrativo”, e sob a epígrafe “Poderes da Administração” preceitua o (dito) art. 167° do C.P.A. que:

“Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode:
a) Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro;
b) Dirigir o modo de execução das prestações;
c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização;
d) Fiscalizar o modo de execução do contrato;
e) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato”.

E, em nossa opinião, cremos que não se pode (ou deve) confundir a possibilidade da Administração modificar unilateralmente o “conteúdo das prestações” a serem prestadas pelo co-contratante, (cfr., art. 167°, al. a) do C.P.A.), com uma “alteração ou suspensão do preço” – em favor de outro preço – a ser pago pelo contraente público por conta da prestação de serviços contratualmente acordada.

É que, embora, (e ainda que), a expressão “conteúdo das prestações” deva, (ou possa), ser interpretada extensivamente, “porque abrangem-se aí, também, as diversas condições ou termos convencionados para as prestações, de modificação muito mais frequente, de resto, que o seu conteúdo (stricto sensu)”, podendo por isso “respeitar, por exemplo, à modificação do projecto de obra contratada (ou aos materiais a empregar nela), aos preços a praticar junto dos utentes pelo concessionário de serviço ou obra pública, às exigências estéticas ou funcionais dos acessórios que se coloquem num espaço dominial ocupado privativamente aos espectáculos turísticos ou de variedades a apresentar nos casinos de jogo, etc., …”, (cfr., v.g., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, e J. Pacheco de Amorim in, “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª ed., pág. 825), essa “modificação” nunca pode incidir sobre a “cláusula de remuneração”, pois que, como se nos apresenta evidente, essa dita “alteração” ou “suspensão do preço acordado” entre as partes, diz (concreta e directamente) respeito ao “equilíbrio financeiro do contrato” que à Administração se impõe respeitar nos termos do mesmo art. 167°, al. a), “in fine”; (sobre a matéria, cfr., v.g., L. Rodrigues Ribeiro e J. Cândido de Pinho in, “C.P.A. de Macau Anotado Comentado”, pág. 931 e segs. e, J. A. Valente Torrão in, “Código do Procedimento Administrativo da R.A.E.M., Anotado e Comentado”, ed. digital, Vol. III, 2021, pág. 1733 e segs., com abundante doutrina e referências jurisprudenciais).

Muito menos se poderia – quiçá – considerar que em causa estaria o exercício de um “poder de direcção da execução das prestações” (eventualmente) conferido pelo transcrito art. 167°, al. b), do C.P.A., porquanto, como cremos que sabido é, o que aí está em causa é o direito de a Administração “dizer como quer o trabalho feito”, (cfr., v.g., Diogo Freitas do Amaral in, ob. cit., pág. 630), e não o direito de ditar o “quantum” a ser pago pelo serviço contratado.

Por sua vez, mostra-se-nos de dizer também que tal conclusão é igualmente imposta pelo facto de o “tipo de contrato” celebrado não permitir a prática de “actos administrativos” por parte do contraente público, (no caso, a R.A.E.M.).

Com efeito, sob a epígrafe de “Conceito de contrato administrativo” prescreve o art. 165° do C.P.A. que:

“1. Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2. São contratos administrativos, designadamente, os contratos de:
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
e) Fornecimento contínuo;
f) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública”.

Em face do seu “teor”, cremos que a qualificação do tipo de contrato celebrado entre a R.A.E.M. e a ora recorrida (“A”) tem de ser feita com respeito a dois tipos legais, podendo estar em causa:
i) um “contrato de concessão de serviços públicos”, (cfr., al. c) do n.° 2); ou, de outra banda,
ii) um “contrato de prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública”; (cfr., al. f) do n.° 2, podendo-se, em matéria de “contrato administrativo”, sua natureza, tipos e características ver, v.g., os autores e obras atrás já citados, e Pedro Gonçalves in, “O Contrato Administrativo. (A instituição contratual como forma de actuação da Administração Pública)”, Cadernos de Direito Administrativo de Macau, D.S.A.F.P., 1997, e, mais recentemente, “O Contrato Administrativo. Uma instituição do Direito Administrativo do Nosso Tempo”, Coimbra, 2003; J. E. Figueiredo Dias in, “Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau”, C.F.J.J., 2020; Marcello Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, 10ª ed., 1973, pág. 569 e segs.; L. Cabral de Moncada in, “O problema do critério do contrato administrativo e os novos contratos-programa”, Coimbra, 1979; Mário Esteves de Oliveira in, “Direito Administrativo”, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 633 e segs.; José Manuel Sérvulo Correia in, “Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos”, Coimbra, 1987, pág. 343 e segs., e in “Contrato administrativo”, D.J.A.P., III, 1990, pág. 54 e segs.; Maria João Estorninho in, “Requiem pelo contrato administrativo”, Coimbra, 1990; Marques Guedes in, “Os contratos administrativos”, R.F.D.U.L., Vol. XXXII, 1991; Diogo Freitas do Amaral in, “Curso de Direito Administrativo”, II, Coimbra, 2001, pág. 495 segs; Alexandra Leitão in, “Da natureza jurídica dos actos praticados pela Administração no âmbito da execução dos contratos”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.° 25, 2001, pág. 15 a 26; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos in, “Direito Administrativo Geral”, III, Coimbra, 2006, pág. 263 segs., e “Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral”, Tomo III, Dom Quixote, 2008, pág. 33 e segs.; R. Esteves de Oliveira in, “O Acto Administrativo Contratual”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.° 63, 2007, pág. 3 a 17; Carla Amado Gomes in, “A conformação da relação contratual no Código dos Contratos Públicos”, 2008; Mark Bobela-Mota Kirkby in, “Conceito e Critérios de Qualificação do Contrato Administrativo: (…)”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol. II, Coimbra, 2010, pág. 759 e segs.; e M. Aroso de Almeida in, “O Problema do Contrato Administrativo”, Almedina, 2018).

Como cremos ter-se como adquirido, a matéria e regulamentação dos contratos administrativos (de colaboração) foram profundamente influenciados pelo direito francês, sendo que para a doutrina francesa, “a concessão de serviço público é definida classicamente como a convenção pela qual uma pessoa colectiva de direito público (o concedente) encarrega uma empresa privada (a concessionária) de fazer funcionar o serviço público por sua conta e risco, pagando-se através de taxas cobradas aos utentes”; (cfr., Parecer n.° 1/94 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, in “https://www. ministeriopublico.pt”).

Esta é também a concepção (tradicional) que foi igualmente adoptada pela doutrina portuguesa, (cfr., v.g., Marcello Caetano in, “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, pág. 1099), podendo assim referir-se o “contrato de concessão de serviços públicos” como “aquele pelo qual um particular se encarrega de (montar e) explorar um serviço público, sendo retribuído pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente dos utentes”; (cfr., Diogo Freitas do Amaral in, ob. cit., pág. 537, podendo-se aqui notar, igualmente, que também Pedro Gonçalves define este tipo de “contrato administrativo” como “o acto constitutivo de uma relação jurídica administrativa pelo qual uma pessoa, titular de um serviço público, atribui a uma outra pessoa o direito de, no seu próprio nome, organizar, explorar e gerir esse serviço”; (in “Concessão de Serviços Públicos”, pág. 130).

Como na sua recente anotação ao C.P.A. nota o Conselheiro Valente Torrão:

“A concessão de serviços públicos é o contrato administrativo pelo qual alguém é investido por uma pessoa coletiva pública na tarefa de gerir, ou de montar e gerir, um serviço público, por sua conta e risco e no interesse geral.
«Temos aqui o mesmo fenómeno da concessão, mas agora aplicado a um serviço público: o particular vai primeiro montar o serviço, investindo os seus capitais, e depois põe o serviço a funcionar, cobrando dos utentes a respetiva taxa; ao fim de certo período, estará ressarcido do investimento inicial que fez e, portanto, o serviço pode ser recuperado pela Administração»”; (in ob. cit., pág. 1691).

No entanto, vale a pena observar que, como se refere no atrás referido “Parecer n.°1/94”: “(…) a doutrina jus-administrativa francesa tem vindo a entender que o contrato de concessão de serviço público, apesar de ter começado por integrar na sua definição o elemento da remuneração do concessionário através de taxas a cobrar dos utentes, acabou, na sequência da evolução registada, por ver alterado o seu tradicional quadro conceptual, em termos que permitem concluir que o pagamento de taxas ou prestações pelos utentes deixou de constituir a forma exclusiva de remuneração do concessionário. Como prova do que se afirma, basta atentar nos apoios financeiros que o concessionário pode receber do concedente, podendo ainda acrescentar-se outros recursos, não provenientes nem do concedente nem dos utentes. (…)”.

Aliás, cabe mesmo salientar que “(…) o acento tónico era tradicionalmente colocado sobre três elementos: o recurso pela Administração a um co-contratante privado, a atribuição a este da responsabilidade do serviço público com as consequentes responsabilidades económicas e financeiras e a remuneração pelos utentes.
Todavia, a evolução verificada afectou, de um modo ou de outro, os referidos vectores constantes do conceito tradicional de concessão de serviço público”, e como “apontamento no âmbito da evolução do regime de concessão, há que reconhecer, acompanhando os citados autores franceses, que também a responsabilidade do concessionário foi, por vezes, afectada. Em certas concessões, com efeito, o concessionário deixou de exercer um papel próprio, assegurando a exploração por sua conta e risco, e passou a intervir como um intermediário da entidade concedente que aí desempenha, em contrapartida, um papel directo, assumindo a responsabilidade do serviço.
O concessionário aproxima-se, então, do mandatário, agindo por conta da Administração. O conceito de concessão sofre profunda alteração, deixando de corresponder à atribuição à outra parte da obrigação de assegurar um serviço, muito em especial quando o desaparecimento do papel próprio do concessionário é acompanhado pela diminuição, ou, até, pela supressão da sua responsabilidade financeira.
Isto porque os concedentes têm sido progressivamente conduzidos a prestar importante auxílio económico, quer para o financiamento dos investimentos realizados, quer para suportar encargos durante a fase da exploração. Desaparece, assim, a álea financeira que parecia tradicionalmente inerente à concessão, dando lugar a uma solidariedade financeira entre concedente e concessionário”, útil sendo de, em todo o caso, atentar que “a concessão tem por objecto confiar o serviço público ao concessionário, a fim de que este assegure a respectiva exploração retirando a sua remuneração. Assim, o elo de ligação entre "exploração" e "remuneração" é essencial, visto que a remuneração do concessionário é retirada da exploração (…)”.

Partilhando deste ponto de vista considera também Freitas do Amaral que “Há (pelo menos) um aspecto na definição apresentada que carece de actualização, a saber, o que diz respeito ao modo de remuneração do concessionário. Como vem sendo afirmado, entre nós e além-fronteiras, pela lei, jurisprudência e doutrina, a cobrança de taxas junto dos utentes do serviço não pode mais ser apresentada como o modo exclusivo de remuneração do concessionário de serviços públicos, sendo apenas um de entre os vários possíveis: v.g., auxílios financeiros prestados pelo concedente ou por terceiros; receitas de publicidade, etc. Será porventura o principal modo de remuneração do concessionário, mas já não é, de todo, o único”; (in ob. cit., pág. 539 e 540).

E, mais adiante, concluindo, considera que ainda que a “Característica idiossincrática da concessão de serviços públicos é, no entanto, a atribuição ao concessionário da competência, por certo período de tempo, da gestão do serviço público concedido. Quer dizer, por ela transfere-se da esfera do público para a do privado o essencial do poder decisório relativo à organização e ao modus faciendi de certa actividade. A não ser assim, poderá estar-se apenas perante um contrato de prestação de serviços para fins de utilidade pública”, cabendo notar que no que concerne ao “contrato de prestação de serviços” a doutrina costuma defini-lo como sendo “aquele pelo qual um particular se vincula perante a Administração a exercer uma actividade de imediata utilidade pública”; (in ob. cit., pág. 541 e 550).

E, (como cremos que sabido igualmente é), relativamente a esta matéria, “Muito problemática pode ser a distinção em concreto entre esta figura e a concessão de serviços públicos. Julga-se poder dizer, em geral, o seguinte: o contrato de prestação de serviços distingue-se, tendencialmente, do contrato de concessão de serviços púbicos pelo facto de, ao invés do que sucede neste segundo, a actividade desenvolvida pelo co-contratante ter em princípio como destinatário imediato a Administração (ad intra) e não os cidadãos (ad extra). Tendencialmente, diz-se, porque se conhecem casos de prestações de serviços “para fora” e concessões de serviço público “para dentro”. (…) Assim, não há no direito português nenhum princípio ou norma jurídica que impeça de qualificar como concessão de serviços públicos o acto que «concede» a uma entidade o «o direito de gerir um serviço público» e que estabelece como contrapartida do gestor uma remuneração suportada exclusivamente pelo concedente. Desde que o acto em causa efectue a atribuição de um «serviço público» e seja a fonte de uma «relação jurídica administrativa», aquela qualificação não só se recomenda como se impõe. Como refere Pedro Gonçalves, “a prestação uti singuli (associada à criação de uma relação jurídica específica entre concessionário e utente) também deixou de ser um elemento essencial da concessão.
O critério de distinção decisivo é, assim, outro: na prestação de serviços não se altera a responsabilidade pela gestão do serviço, que se mantém na Administração (o particular apenas colabora na execução de determinadas condições de realização do serviço); na concessão, a Administração transfere para o co-contratante a responsabilidade pela gestão do serviço público. Em síntese: o concessionário gere o serviço por conta própria; o prestador de serviços auxilia, mediante retribuição, a Administração na execução de certas tarefas – note-se, no entanto, que o prestador de serviços pode também, tal como o concessionário, actuar em nome próprio (será o que sucede no contrato de mandato sem representação)”; (in ob. cit., pág. 551 e 552).

Ora, aqui chegados, e tomando por referência estas considerações doutrinárias – não obstante o disposto no art. 8°, al. a) do D.L. n.° 50/88/M, onde se preceitua que “Os transportes de aluguer para passageiros em veículos pesados só poderão ser explorados por: a) Concessionários de transportes públicos; (…)” – e tendo também presente o facto de estar em causa um “serviço público”, parece-nos que se deve concluir que o contrato celebrado entre a R.A.E.M. e a ora recorrida (“A”) se deve qualificar como um (típico) “contrato de prestação de serviços”.

De facto, e em primeiro lugar, importa ter presente que a “remuneração” da referida recorrida ao abrigo do “contratado” não lhe advinha de “taxas” cobradas aos utentes pelos serviços de transportes prestados, sendo antes suportada pela R.A.E.M., donde que se afaste da noção (clássica) de uma (pura) “concessão de serviços”, segundo a qual está em causa um contrato “pelo qual um particular se encarrega de (montar e) explorar um serviço público, sendo retribuído pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente dos utentes”.

Por outro lado, e em nossa opinião, mais relevantemente ainda, o “Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau” foi colocado em “concurso público” na modalidade de “aquisição serviços”, nos termos expressa e especialmente previstos no estatuído no D.L. n°s 122/84/M e 63/85/M, diplomas legais estes que, regulam, respectivamente, o “Regime das despesas com obras e aquisição de bens e serviços” e o “processo de formação do contrato relativo à aquisição de bens e serviços para a Administração do Território”, sendo também de se salientar que, em conformidade com a alínea i), da cláusula 10ª, se estabelecia (explicitamente) como obrigações da sociedade adjudicatária, “Observar a legislação vigente e aplicável na RAEM, mormente o Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho, o Decreto-Lei n.º 50/88/M, de 20 de Junho, a Lei n.º 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), (…)”, mostrando-se assim que evidente se apresenta de considerar que a aludida referência ao “D.L. n.° 63/85/M” só tem sentido (útil) em face de um “contrato de prestação de serviços”.

Isto dito, (e se bem ajuizamos), cremos que se impõe a conclusão de que, na situação descrita e em questão, à R.A.E.M. não era possível a prática de um “acto – administrativo – unilateral”, conformador da relação jurídico-administrativa que com a recorrida mantinha, visto até que o (próprio) art. 65°, n.° 1 do referido D.L. n.° 63/85/M determina que “As decisões ou deliberações proferidas pelo adjudicante após a celebração de contrato reduzido a escrito, sobre matéria deste, não são susceptíveis de recurso contencioso”.

Como a esse propósito – e em comentário aos “Poderes da Administração” (então previstos no art. 159° do C.P.A., na sua versão original) – consideram L. Rodrigues Ribeiro e J. Cândido de Pinho:

“No âmbito das relações emergentes dos contratos administrativos podem suscitar-se questões, como a de saber se os poderes de autoridade revestem sempre a natureza de actos administrativos executórios ou se o contrato administrativo pode ser utilizado como fonte originária dos referidos poderes.
Quanto à primeira questão dir-se-á que os poderes referidos no artigo 159.° implicam necessariamente a prática de actos administrativos. A possibilidade da prática de actos administrativos na execução do contrato é implicitamente admitida no n.° 3 do artigo 9.° do DL n.° 129/84, de 27/4 (artigo que se mantém em vigor por força do artigo 37.° da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau) que prevê a existência de actos administrativos «destacáveis» respeitantes à execução dos contratos administrativos, embora não com o sentido de cláusula geral, mas tão só com a finalidade de indicar o modo processual da sua impugnação.
Porém, a competência genérica que o artigo 159.° atribui para constituir poderes de autoridade sobre o co-contratante particular não implica o reconhecimento dum princípio geral que possibilite sempre à Administração contratante o poder de definir as situações emergentes do contrato através de actos administrativos executórios. Para. além do estatuído no artigo 165.° relativo à interpretação e validade do contrato, há contratos administrativos em que, por determinação da lei ou da natureza do contrato, a Administração não tem competência para emitir actos administrativos.
A natureza de muitos contratos de atribuição paritária (isto é, de contratos em que a prestação principal é a da Administração e em que a relação nascida do contrato não depende exclusivamente da vontade administrativa), não se compadece com a atribuição à Administração do poderes de interpretação, modificação, suspensão, rescisão ou execução mediante o exercício unilateral de autoridade.
Noutros casos, como nos contratos de empreitada de obras públicas, prestação de serviços para fins de utilidade pública e fornecimento contínuo, é a própria lei que afasta a competência para a emissão de actos administrativos no âmbito da execução do contrato. Os artigos 65.°, n.° 2 do DL n.° 63/85/M de 6/7 e 217.°, n,° 1 do Dl n.° 48871 de 19/2/69 prescrevem que «revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento do Tribunal Administrativo sobre interpretação, validade ou execução do contrato». Quer isto dizer que as questões emergentes daqueles contratos estão submetidas a um contencioso de plena jurisdição e não de mera anulação. Ora, sendo o objecto da jurisdição de mera anulação a declaração da invalidade ou anulação dos actos recorridos (cfr. art. 6.° do ETAF), a submissão à acção daquelas questões significa a proibição expressas da Administração praticar actos administrativos dotados doe obrigatoriedade e executoriedade. As posições que a Administração tome nessa matéria (v.g. rescisão do contrato, sanções contratuais, etc) correspondem a declarações negociais através das quais se exercem direitos potestativos que produzem efeitos jurídicos, mas desprovidos de autoridade. Em caso de discordância só o Tribunal Administrativo, através de sentenças, pode proceder a uma definição obrigatória. (…)”; (in ob. cit., pág. 932 a 933).

Em face do até aqui exposto, parece-nos que despiciendo é prosseguir com a indagação da (eventual) existência e/ou validade de um “acto administrativo de suspensão da actualização dos preços unitários”, pois que, como se crê ter-se deixado evidenciado, não era possível – ab initio – a prática de um “acto administrativo”, havendo, por sua vez, que se considerar que, a ter sido praticado um “acto unilateral”, em causa só poderia estar uma (mera) “declaração negocial”, (neste sentido, cfr., a “declaração de voto” junta ao Ac. recorrido a fls. 1020 e 1020-v).

Contudo, (e ressalvando, sempre, melhor opinião), adequado não se mostra de afirmar que na matéria em questão, pela R.A.E.M. foi tomada uma “decisão” (ou “deliberação”), já que não se vê como considerar que agiu exercitando um “direito potestativo (contratual)”, (e que, de imediato, produziu os seus efeitos jurídicos).

Com efeito, e em nossa opinião, o que dos presentes autos resulta ter ocorrido é algo (totalmente) distinto.

Na verdade, de acordo com a “matéria de facto dada como provada”, (não contestada e nenhum motivo existindo para alterar), o que – efectivamente – sucedeu foi que não obstante ter aceite uma proposta de “revisão das tarifas”, entendeu o Chefe do Executivo dirigir uma instrução (verbal) ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas para se dar início a uma “revisão do processo de ajustamento das tarifas” no sentido de assegurar a qualidade do serviço das três companhias de forma a melhor garantir a segurança dos passageiros e de corresponder às necessidades da população, vindo a respectiva “notícia” de tal iniciativa administrativa a ser divulgada através do “website” do Gabinete de Comunicação Social em 07.07.2012; (cfr., fls. 518 dos autos do Proc. n.° 85/13-IC, agora em apenso, e o “ponto 4°” dos factos dados como provados).

Entretanto, e igualmente através de informações públicas várias, ficou, desde logo, e especialmente claro que: “o governo irá continuar a ouvir as opiniões da sociedade e de acordo com o conteúdo dos contratos pretende alterar o referido processo de ajustamento das tarifas e solicitar às companhias de autocarros para melhorar rapidamente o nível dos serviços (…)”; (cfr., “ponto 8°” da matéria de facto dada como provada).

Por sua vez, sobre esta “matéria”, poucos dias depois, (no dia 26.07.2012), teve lugar uma reunião do “Conselho Consultivo do Trânsito”, na qual participaram as representantes das três adjudicatárias, (cfr., fls. 537 a 544 dos autos do Proc. n.° 85/13-IC, e “ponto 9°” da matéria de facto dada como provada), evidente se afigurando de assim concluir que o que sucedeu foi ter-se chegado a um “acordo” entre a R.A.E.M. e estas três adjudicatárias quanto à “suspensão” da antes aceite actualização dos preços, decidindo-se, (antes), pela realização de uma “revisão do processo de ajustamento de tarifas”.

Aliás, note-se, também, que foi – exactamente – nesta mesma reunião de 26.07.2012 que o representante legal da aludida “A” foi até objecto de elogios por ter apoiado a dita “medida de suspensão”, sendo, igualmente, de referir que, em momento posterior, (no dia 13.01.2013), uma nova reunião do Conselho Consultivo do Trânsito veio a ter lugar, na qual se referiu, nomeadamente, que se “propôs aos vogais reiniciar-se o processo de actualização do preço da prestação de serviços de autocarros (…)”, tendo-se aí decidido (nomeadamente) que:

“Quanto à implementação dos planos da melhoria das três companhias dos autocarros, a D1 e E conseguiram um significativo melhoramento nos seus serviços, cujo nível se tem mantido estável, assim, tendo em consideração os resultados das análises dos dados relativos aos serviços, dos inquéritos sobre o grau de satisfação, dos contratos e de acordo com o princípio “governar segundo a lei”, a DSAT propõe que seja reiniciado o processo administrativo da actualização do preço da prestação de serviços dos autocarros da D1 e E. Quanto à A, o processo administrativo para tratar dos seus pedidos de ajustamento não será reiniciado, dado que tem ainda diversos processos em curso e os seus serviços não possuem o nível exigido. A DSAT salientou que vai reforçar os meios de fiscalização, auscultar as opiniões apresentadas pelos cidadãos para supervisionar a optimização dos serviços das companhias de autocarros…”; (cfr., fls. 249 a 251, e o “ponto 11°” dos factos dados como provados).

A isto tudo, acresce, ainda – vale a pena referir e salientar – que no dia 22.03.2013, a dita recorrida até chegou a requerer ao Chefe do Executivo pedindo – não o “pagamento”, mas – “a aprovação do ajustamento das tarifas o mais rápido possível”, (cfr., “ponto 12°” dos factos dados como provados), e que, posteriormente, através dos Despachos do Chefe do Executivo n°s 85/2013 e 86/2013, publicados no B.O. de 15.04.2013, foi autorizado o aumento das despesas relativas à taxa de serviço para a prestação do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros de Macau das secções I, IV e III, segundo o preço unitário da taxa de serviço aprovado, (tudo conforme “ponto 14°” dos factos provados).

Ora, dos elementos factuais descritos, (totalmente) claro se nos apresenta que a R.A.E.M. e as (então) três sociedades exploradoras de transportes colectivos de passageiros chegaram a um “consenso – acordo – para a suspensão” da anteriormente (também consensual) actualização de preços unitários, decidindo, (conjuntamente), proceder a uma “revisão do processo de ajustamento de tarifas”, (com o qual se pretendeu sujeitar a actualização de preços à condição de uma melhoria nos serviços oferecidos ao público).

Na verdade, (e com o rigor e atenção que a questão naturalmente justifica e merece), tão só neste “contexto” é que se pode (ou consegue) compreender a conduta da Administração da R.A.E.M., que agiu no sentido de proceder, como anunciou, a uma “revisão do processo de ajustamento de tarifas” e de “alterar o referido processo de ajustamento das tarifas e solicitar às companhias de autocarros para melhorar rapidamente o nível dos serviços”, (e que, como se viu, corresponde, inteiramente, à matéria abordada nas “reuniões” que no Conselho Consultivo do Trânsito foram entretanto realizadas com as adjudicatárias, entre as quais, a ora recorrida).

Dest’arte, pretender agora fazer “tábua rasa” e descaso absoluto de todo o ocorrido, e em completo “apagamento” do (efectivamente) “acordado” (e reafirmado), e pretender-se, agora, o “pagamento de um preço” que, para além do demais, vai exacta e frontalmente contra o que havia sido clara e objectivamente acordado, corresponde, manifestamente, a uma situação de venire contra factum proprium, que não se pode de forma alguma acolher ou tolerar, impondo-se uma solução em conformidade; (aliás, foi por isso, cremos nós que o Tribunal Administrativo consignou expressamente na sua decisão que: “(…) como se pode explicar os comportamentos posteriores do lado da adjudicante e das adjudicatárias, incluindo a A., tudo desconforme à implementação da decisão originária de aprovação dos preços revistos e em conformidade ao princípio de “tratar a actualização depois da melhoria dos serviços” do Governo?
Não conseguiu a A. justificar a não dedução de impugnação ou reclamação contra qualquer medida diligenciada ou solicitada, quer pelos 2.º e 3.º RRs, quer pelo Senhor Secretário para os Transportes e as Obras Públicas ou DSAT, tudo no sentido de suspender os preços revistos e de reiniciar o processo de ajustamento das tarifas em causa, até mesmo requereu de novo a aprovação para o ajustamento”).

Na verdade, não se pode também olvidar que tão só depois da ora recorrida “A” não ter conseguido cumprir com a condição acordada com a R.A.E.M. para o ajustamento das tarifas em causa é que propôs a presente acção no Tribunal Administrativo, reclamando o cumprimento da revisão (antes) acordada no âmbito do Despacho do Chefe do Executivo de 12.06.2012, quando, como dos presentes autos resulta evidente, consciente estava de tudo o que posteriormente a esse Despacho sucedeu…

Ora, nos termos do estatuído no art. 326° do C.C.M.:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

E, como sabido cremos ser, uma das modalidades do “abuso de direito” manifesta-se na figura do chamado “venire contra factum proprium”, que se verifica essencialmente quando alguém exerce o direito em “contradição com uma sua conduta anterior, em que fundadamente, a outra parte tenha confiado”; (sobre o tema, sua origem, evolução e concretização, cfr., v.g., A. M. Cordeiro in, “Do Abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, e Hugo R. Galdino Araújo in, “Venire contra factum proprium: sua aplicabilidade, amplitude e delimitações”, com abundante referência doutrinal e jurisprudencial).

Na verdade, (e como igualmente nota A. M. Cordeiro), importa ter presente que o abuso do direito é uma expressão consagrada para traduzir, hoje, um “instituto multifacetado”, e que prossegue, os “objectivos últimos do sistema”, cabendo salientar que o “princípio da boa fé” tem de ser muito mais que (mero) idílico verbalismo jurídico, implicando, sempre, uma ponderação global da “situação em jogo”, sob pena de se descambar em puro formalismo de que se pretende fugir…

Por sua vez, não se pode olvidar também que a “proibição do comportamento contraditório” – “禁止不一致的行為”, “prohibition of inconsistent behavior”, ou “l’interdiction de se contredire na détriment d’autrui” – que visa proteger as pessoas com base nas proposições da confiança, da boa-fé, da lealdade e da coerência, apontando como inadmissível e ilegal o comportamento contraditório à conduta anteriormente assumida, configura já, actualmente, um instituto jurídico autonomizado, tendo como pressupostos:
- duas condutas de uma mesma pessoa, a primeira (“factum proprium”), contrariando a segunda;
- uma identidade de partes;
- uma situação contraditória produzida numa mesma situação jurídica, (ou entre situações jurídicas estreitamente coligadas);
- que a primeira conduta, (factum proprium), tenha um significado social minimamente unívoco;
- que o factum proprium seja apto a gerar a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta, (segundo as circunstâncias, usos, costumes e boa-fé); e, por fim,
- o caráter “vinculante” do aludido “factum proprium”.

Com efeito, o “princípio da confiança” é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia, e está presente, desde logo, ao se referir nos “limites impostos pela boa fé” ao exercício dos direitos, (cfr., art. 326° do C.C.M.), pretendendo, por essa via, assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.

Nesta conformidade, e tendo em vista o que se deixou exposto, mostra-se-nos de consignar assim que se constata que a ora recorrida “A” age em claro e manifesto “abuso de direito”, pois que procura valer-se de uma “(aparente) informalidade negocial” para (tentar) recuperar uma “posição jurídica” que, (em face de um anterior acordo a que chegou com a R.A.E.M.), já tinha deixado de existir, (até que desse efectivo cumprimento a uma condição de melhoria dos seus serviços).

Em face de todo o expendido, uma última e derradeira nota se nos apresenta necessária e adequada.

Apenas para clarificar se estamos em face de um pressuposto de “(falta de) legitimidade”, (propriamente dito; cfr., art. 114° do C.P.A.C.), ou (se estaremos antes) perante um “pressuposto processual autónomo”.

Ora, como já notava Vieira de Andrade, “(…) a aceitação do acto deve ser vista como um pressuposto processual autónomo, distinto da legitimidade e da falta de interesse em agir, devendo a “incompatibilidade com a vontade de recorrer” ser apreciada normativamente, isto é, em função da “inadmissibilidade” valorativa do recurso – por representar um “venire contra factum proprium” que implicaria um uso emulativo ou abusivo do direito de acção.
A aceitação não se pode confundir com a perda (não manutenção) dos requisitos de legitimidade e de interesse em agir, pois que, se implicasse sempre uma ilegitimidade superveniente, isto é, uma perda do interesse directo e pessoal, os preceitos que a prevêem seriam totalmente supérfluos, dado que a legitimidade é um pressuposto que tem de manter-se durante todo o processo”; (in “A Justiça Administrativa”, 14ª ed., pág. 258).

E, a este respeito, dizia, também, Vasco Pereira da Silva que “(…) das duas uma, ou se considera que a aceitação do acto administrativo constitui um «pressuposto processual autónomo, diferente da legitimidade e do interesse em agir» (Vieira de Andrade), ou se reconduz tal aceitação à falta de interesse processual. Da minha perspectiva, e acompanhando Vieira de Andrade na separação da aceitação do acto do pressuposto da legitimidade, não vejo quaisquer vantagens em autonomizar a aceitação como pressuposto autónomo, antes me parece mais adequada a recondução da questão ao interesse em agir, em termos similares aos do processo civil”; (in “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª ed., pág. 374).

Deat’arte, mostrando-se-nos de considerar que não houve uma “decisão”, (ou seja, a prática de um típico “acto administrativo”), mas antes um “acordo entre as partes” sobre determinada matéria e sentido, apresenta-se-nos de considerar que, a situação dos autos, se reconduz, mutatis mutandis, à “falta de interesse em agir” por parte da ora recorrida, (consignando-se, desde já, que tanto esta apontada “falta de interesse em agir”, que constitui excepção de conhecimento oficioso, como a pelo Tribunal Administrativo decidida “falta de legitimidade” não deixam de produzir o mesmo “efeito prático” para a pretensão pela ora recorrida aí apresentada e que, agora, se impõe declarar).

Nesta conformidade, tendo em atenção o regime legal previsto nos art°s 276° e segs. do C.P.C.M. quanto ao instituto de “assistência”, aqui aplicável ao recorrido “B”, e outra questão não havendo a apreciar ou decidir, vista está a solução para o presente recurso.
Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos recorridos com taxa de justiça (individual) que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo de novo, remetam-se os presentes autos ao Tribunal Administrativo com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 08 de Abril de 2022


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
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