Processo n.º 67/2022
(Autos de recurso cível)
Data: 12/Maio/2022
Recorrentes do recurso interlocutório:
- A, B e C (autores)
Recorrentes do recurso da decisão final:
- D e E (réus)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformados com a decisão que indeferiu o depoimento de parte dos réus, recorreram os autores A, B e C jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I. Os quesitos aos quais os Réus foram indicados a depor são-lhes todos desfavoráveis, na medida em que, se provados, conduzirão à procedência do pedido principal dos Autores na presente acção.
II. Em contrapartida, aqueles quesitos contêm factos favoráveis aos Autores.
III. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou a norma do artigo 345º do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita o depoimento de parte dos Réus-Recorridos aos quesitos indicados no requerimento probatório dos Autores-Recorrentes a fls. 170 ss.”
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Ao recurso não responderam os réus D e E.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença e julgada parcialmente procedente a acção.
Inconformados, da sentença recorreram os réus para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. 上訴人不認同被上訴判決,並認為其存有以下的瑕疵:
- 審查證據方面明顯有錯誤;
- 獲證明事實上之事宜不足以支持作出裁判;
- 法律解釋和適用方面有誤。
2. 首先,上訴人不認同存在租賃合同的租金過低及租期定為5年11個月的情況便屬虛偽行為,本案的租賃關係存有上述兩個因素是合情合理及符合一般經驗法則。
3. 在認定在本案單位的租金時,應採納財政局的估價報告即單位正常每月租金為MOP$22,166.67元。
4. 因現時租約的法定形式要件為須作出公證認定,而進行有關公證行為時,公證員均會向財政局作出申報及要求租賃合同已繳納稅項,其必然已擁有現時本澳全部實際租賃關係的資訊,其評估的結果必然最貼近當時的不動產租值,相信該部門對不動產的評估應當最具權威。
5. 再者,上訴人認為有關單位不應按巿場價格作為參考或比對。
6. 因為每一個店舖的條件都是獨一無二的,鄰近的店舖可能有更好的設備、裝修及面積,更何況,上述店舖於簽立租賃合同時處於第一上訴人與前妻進行分產的訴訟階段,有關不動產的所有權到底誰屬,仍具有極大的不確定性,該等混亂的狀態,自然阻卻許多有意承租的人士。
7. 而這亦正是由於上述舖位的條件難以尋得承租人,除非以較低的金額出租,否則巿面上根本無人願意承租該單位。
8. 所以,上訴人出租的價格不存在與巿場現價有過份大的差距或不合理的地方。
9. 訂立5年零11個月的租期,是因為當時第一上訴人與前妻正進行分產,按一般經驗而言,夫妻的婚姻關係達至離婚的境地,兩人的感情應該已經完全破裂。
10. 如訂立超過6年的租期,第一上訴人的前妻將不會作出配合,而當時第一上訴人的財務狀況已十分惡劣,根據卷宗第94、95、97頁的文件所示,其經營之商業企業年年虧損,因此,急於出租上述舖位以賺得租金維持生活所需。
11. 由此可見,上訴人訂立較低的租金並沒有與巿場價格相距太大及5年11個月的租期具自身合理理由,不存在欺騙任何第三人的目的。
12. 另外,上訴人均不認同被上訴判決指出下列輔助事實來認定該虛偽行為:
- 第一上訴人一直在店舖內工作;
- 商業企業轉讓後未有更改營業模式;
- 第一上訴人支付商業企業開支。
13. 透過卷宗第8至9頁、94頁至131頁、137、138頁、208-234頁及244頁的資料可以得知,第一上訴人受聘為該企業的經理,第一上訴人必須履行其工作的義務(包括開門營業、收取金錢、整理貨品及作出決定等)。
14. 至於證人指出店舖的裝飾、家具的佈置及售賣種類等沒有任何改變,其實從商業角度而言是十分合理。
15. 事實上,第二上訴人再頂讓上述商業企業後發現,以往的營運模式實際上是可行,虧損原因為近年疫情關係而使客戶不足。
16. 衹要多作廣告招攬、來增加客戶,應該可以轉盈為虧,實在沒有必要貿然大規模更改該商業企業的營運模式,投入資金對上述店舖進行裝修及更改工程,令其承擔不必要的失敗風險,第二上訴人的決定是無可非議的。
17. 最後,從卷宗131、180、183、186及189頁的文件可以得知,由於被上訴人拒絕向第二上訴人提供銀行帳戶,同時,第二上訴人將於2018年5月3日至2018年9月30日離境,為此,第二上訴人衹能將租金存入第一上訴人即原出租人的銀行帳戶以履行支付租金的義務,並由第一上訴人代為開立支票以支付相應月份的租金。
18. 因此,透過對卷宗內的資料作出分析,實在難以得出兩名上訴人之間的租賃合同為虛偽的結論。
19. 另一方面,上訴人也不認同已證事實cc)項能獲得證實,因上訴人在卷宗第135至136頁及第269至271頁中說明了即便單位中存在有關物品亦無阻被上訴人使用有關單位。
20. 被上訴人雖然提供卷宗第313-315頁的照片以描述不動產的狀況,但是照片並非單位內的真實情況,有關區域僅是不動產內的閣樓(卷宗第16頁亦見單內具閣樓結構),相片是被上訴人將上訴人的物品搬到細小的閣樓後拍攝所得,並非整個單位的全貌。
21. 照片中的物品也並非全屬上訴人所留下,透過卷宗第151頁背頁及152頁的證明書可見,上訴人僅留下雪櫃一部及飲品雪櫃一部,照片卻可見店舖中卻出面五部雪櫃,明顯與上訴人所留下的東西不一致。
22. 可見有關照片僅為被上訴人為誇大其受阻的情況,而堆積其他物品而作出的展示。
23. 於2021年7月兩名上訴人曾到單位內取回貨品時,觀察到被上訴人已更改不動產的間隔,將單位一分為二,其中一邊已出租予他人,另一邊留作自行經營並僭建一個細小的閣樓,上訴人的貨品全部擺放在上述閣樓,該閣樓當日的情況與313-315的相片相同。(文件一、二及三 – 收貨時的相片)
24. 因此,上訴人認為貨品非但未有妨礙被上訴人正常使用單位,事實上,被上訴人早已將單位改建及分租並從中獲得收益。
25. 綜上所述,被上訴判定不應裁定上訴人妨礙被上訴人使用有關單位。
26. 關於事宜不足以支持作出裁判的瑕疵,被上訴人認為基於已證事實第L、M、N、Y、AA、BB及CC項事實不足以認定上訴人需支付MOP1,850,000.00(澳門幣壹佰捌拾伍萬圓正)的賠償判決。
27. 如前述,上訴人對此早在卷宗內闡述即便單位中存在有關物品亦無阻被上訴人使用有關單位。
28. 透過卷宗第14-18頁的資料中,明顯可見有關單位的一平面實用面積為88.67,單位有閣樓結構,在313頁的照片中可見,上訴人所留下的參茸、藥材及乾貨僅佔有一個小房間約不足10平方的地方,根本沒有足夠的事實顯示,被上訴人受影響的範圍、情況及受佔用面積具體如何。
29. 更甚者,上訴人在卷宗內271頁已指出有關單位正在裝修,可見被上訴人被妨礙使用店舖的具體情況需要查明。
30. 原審法院僅在事實事宜判決中作出一個結論性的決定,「上述物件妨礙了被上訴人對相關單位的正常占用」(已證事實cc)項,沒有足夠的已證事實指整個單位都未能使用,且未能使用單位的原因與上訴人留下的物品有關。
31. 另一方面,即便原審法院可以得出上述「被上訴人被妨礙而未能使用整個舖位」這一事實,亦沒有足夠事實可以得出上訴人需要支付損害賠償至2021年5月23日。
32. 因為綜觀整個判決,根本沒有任何一項事實明確載明,被上訴人直至2021年5月23日仍未能完全使用該店鋪。
33. 所以,在欠缺上述的事實下,被上訴判決不應判處上訴人支付MOP1,850,000.00(澳門幣壹佰捌拾伍萬圓正)的損害賠償及判決起計至完全支付的利息,明顯是欠缺事實支持。
34. 關於法律解釋和適用方面有誤,上訴人認為基於已證事實第L、M、N、Y、AA、BB及CC項事實,不滿足《民法典》第477條第1款結第355條第1款的全部要件。
35. 除上述的事實外,被上訴人還要證明存在將該單位具有租出去從而獲得租金的“真正可能性”,否則不足夠判處有關賠償。
36. 卷宗內沒有任何資料顯示被上訴人已獲得第三者欲承租單位的要約、有具體租客曾向三名被上訴人要求租用該不動產或三名被上訴人採取任何具體措施欲出租,否則便不合乎《民法典》第477條的規定,終審法院第203/2020號案件亦具同樣的司法見解。
37. 根據《民法典》第335條第1款的規定,三被上訴人有責任具體且詳細地提出及證明具體損失,僅使用空洞籠統的言語表述是不夠的。
38. 三名被上訴人要自行證實其必然能以澳門幣伍萬整(MOP$50,000.00)或更高的價格成功出租。
39. 同時,根據《民法典》第1004條的規定,被上訴人取得單位所有權時需繼受出租人的權利及義務,即上指租賃關係,由於該不動產一直以澳門幣肆仟圓整(MOP$4,000.00)出租,因此三名被上訴人實際上並沒有任何損失。
40. 所以,被上訴判決在法律解釋和適用方面違反《民法典》第477條第1款結第355條第1款的規定。
綜上所述,請求 閣下認定載於本上訴理據陳述之全部事實及法律理由成立,並在此基礎上撤銷被上訴裁判,及裁定駁回三名被上訴人所有訴訟請求。
請求 閣下作出公正裁決!”
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Devidamente notificados, responderam os autores pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Os Autores adquiriram, em compropriedade, através de venda judicial, no âmbito do processo de inventário autuado sob o n.º FM1-10-0016-CDL-A, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada por AR/C, do rés-do-chão “A”, para comércio, do prédio sito em Macau, na Rua Nova da Areia Preta, números 167 a 179, Edifício XX, Bloco I, descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º 21969-I, pelo valor de MOP$30.288.888,00. (A)
Os Autores adquiriram a propriedade do 1º Réu e da sua ex-mulher, F, no processo de inventário subsequente ao divórcio destes, casados que haviam sido no regime da comunhão de adquiridos, o qual correu termos sob o n.º FM1-10-0165-CDL-A do Tribunal Judicial de Base da RAEM. (B)
A fracção havia sido adquirida pelo 1º Réu e pela sua ex-mulher, F, na constância do seu matrimónio, por escritura lavrada em 13 de Dezembro de 2000. (C)
O anúncio da venda judicial não mencionava a existência de qualquer ónus, encargo ou contrato de arrendamento incidente sobre a fracção dos autos. (D)
Os Autores pagaram o preço, que foi de MOP$30.288.888,00, e cumpriram todas as formalidades e obrigações tributárias resultantes da aquisição. (E)
A aquisição foi levada ao registo predial, pela apresentação n.º 127, de 6 de Abril de 2018, ficando a propriedade inscrita a seu favor sob o n.º 343787, do Livro G. (F)
No dia 23 de Abril de 2018, os Autores dirigiram-se à fracção adquirida, com a intenção de dela tomar conta, porém, não se conseguiu. (G)
O antigo proprietário, o 1º réu D, em nome de senhorio, arrendou a fracção autónoma à E, ora 2ª Ré, como arrendatária. (H)
Esse contrato foi assinado em 5 de Fevereiro de 2015, ou seja, já no decurso do processo de inventário n.º FM1-10-0016-CDL-A. (I)
O prazo do arrendamento é de cinco anos e onze meses, com início em 1 de Abril de 2015 e termo em 28 de Fevereiro de 2021. (J)
O valor da renda estipulado é de HKD4.000,00. (K)
O 1º réu nunca teve intenção de dar a fracção em arrendamento. (resposta ao quesito 1º)
A 2ª ré nunca teve intenção de tomá-la em arrendamento. (resposta ao quesito 2º)
O valor locativo de mercado da fracção dos autos é de, pelo menos, HKD60.000,00. (resposta aos quesitos 3º e 16º)
Foi o próprio 1º réu quem, após a celebração do contrato de arrendamento referido em H) e I) dos factos assentes, continuou, em proveito próprio, a explorar, na fracção dos autos, o estabelecimento comercial “Loja de Ginseng e Marisco Secos XX”, até 05/12/2019, data em que a fracção foi entregue aos autores por ordem judicial. (resposta ao quesito 4º)
O 1º réu explorou, na fracção dos autos, o estabelecimento comercial “Loja de Ginseng e Marisco Secos XX” desde que adquiriu a referida fracção no ano de 2000 até ao dia 05/12/2019. (resposta ao quesito 5º)
Até 05/12/2019 era o 1º réu quem, todos os dias, abria e fechava a loja. (resposta ao quesito 6º)
Até 05/12/2019 era o 1º réu quem se encontrava permanentemente atrás do balcão enquanto a loja estava aberta. (resposta ao quesito 7º)
Até 05/12/2019 era o 1º réu quem suportava todos os custos e recebia todos os proveitos do negócio. (resposta ao quesito 8º)
A 2ª ré não tem qualquer verdadeira relação com a fracção dos autos. (resposta ao quesito 9º)
A 2ª ré nunca tomou conta da fracção, nem o 1º réu lhe transmitiu. (resposta ao quesito 10º)
A 2ª ré não tem qualquer relação material com a fracção dos autos, não exerce lá qualquer actividade e nunca lá está. (resposta ao quesito 11º)
E nunca pagou qualquer renda ao 1º réu. (resposta ao quesito 12º)
Tendo-se limitado a colaborar com o 1º réu num estratagema para enganar terceiros, aceitando assinar um contrato de arrendamento falso. (resposta ao quesito 13º)
Os autores adquiriram a fracção dos autos com a intenção de dá-la em arrendamento. (resposta ao quesito 14º)
Os autores sofrem um prejuízo mensal igual ao valor locativo da fracção. (resposta ao quesito 15º)
Os réus já entregaram o mencionado imóvel aos autores no dia 5 de Dezembro de 2019. (resposta ao quesito 17º)
O 1º réu não procedeu à entrega do imóvel em estado devoluto, deixando lá os objectos enumerados a fls. 144 a 152 dos autos. (resposta ao quesito 18º)
Os referidos objectos obstruíram a ocupação normal pelos autores da fracção em causa. (resposta ao quesito 19º)
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Por o recurso interlocutório ser interposto pelo recorrido em recurso da decisão final e não incidir sobre o mérito da causa, ao abrigo do disposto n.º 2 do artigo 628.º do CPC, temos que apreciar primeiro o recurso da decisão final.
Os réus entendem que existia erro na apreciação das provas, uma vez que, no seu entender, o valor da renda fixada pelos réus (na qualidade de senhorio e arrendatária) não era demasiado baixo nem o prazo do arrendamento fixado em 5 anos e 11 meses era fictício, assim andou mal a decisão recorrida ao concluir pela verificação da simulação. Além disso, os factos instrumentais comprovados nos autos também não permitiram chegar à conclusão do preenchimento dos requisitos da simulação.
Com efeito, os réus pretendem impugnar a decisão proferida pelo presidente do tribunal colectivo sobre a matéria de facto.
Estatui-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 599.º do CPC que cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
Por outras palavras, tencionando os réus impugnar a decisão da matéria de facto provada, e havendo gravação da prova, eles terão que especificar, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo nele realizado, e neste último caso, indicar as passagens da gravação em que se funda o erro imputado.
Conforme referiu Lopes de Rego, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância manifestando genérica discordância com o decidido.”1
No presente caso, podemos verificar que os réus não lograram indicar quais os pontos concretos, com referência aos quesitos da base instrutória, que consideram terem sido incorrectamente julgados pelo presidente do tribunal colectivo, nem as passagens da gravação em que se funda o erro imputado.
Daí que implica, a nosso ver, a rejeição do recurso no tocante à questão de impugnação da decisão da matéria de facto provada relativamente à questão de simulação, por inobservância do disposto no artigo 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.
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Os réus vêm impugnar ainda a decisão sobre a matéria de facto provada vertida no quesito 19º da base instrutória e transcrita na sentença recorrida sob a alínea cc) da motivação de facto, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova produzida em sede dos presentes autos, mormente prova documental constante dos autos.
O tribunal recorrido respondeu ao referido quesito da seguinte forma:
Quesito 19º - “Os referidos objectos obstruíram a ocupação normal pelos AA. da fracção em causa?”, e a resposta foi: “Provado.”
Dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, acontece que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim sendo, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente a prova documental junta aos autos bem como a prova testemunhal, entendemos não terem razão os réus.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, o Tribunal recorrido já justificou, e bem, a sua decisão:
“Quanto ao facto de a loja não ter sido entregue devoluta e ao facto de estar impedida a sua normal utilização (quesitos 18º e 19º), foi determinante para a formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha G, que de forma credível por ter sido espontânea e clara, referiu que se deslocou à loja com os autores depois de estes a terem recebido e que a mesma estava desarrumada e com artigos diversos, tendo também referido que as fotografias de fls. 313 a 315 retratavam a situação da loja.”
No caso vertente, não se vislumbra qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação das provas, sendo que os recorrentes pretendem simplesmente sindicar a íntima convicção do tribunal recorrido formada a partir da valoração global das provas produzidas nos autos.
Improcede o recurso quanto a esta parte.
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Alegam ainda os réus que a matéria de facto provada é insuficiente para sustentar a decisão recorrida.
Vejamos.
No caso em apreço, os autores alegaram que os réus ocuparam ilegitimamente a sua fracção autónoma e, por isso, sofreram prejuízos correspondentes ao seu valor locativo. Os réus vieram alegar (e que ficou provado) que procederam à devolução do imóvel aos autores no dia 5.12.2019. Por seu turno, replicaram os autores que os réus não entregaram o imóvel em estado devoluto, antes deixaram objectos enumerados nos autos e que obstruíram a ocupação normal da fracção pelos autores.
Ora bem, provado está nos autos que os réus ocuparam sem qualquer título o imóvel dos autores até 5.12.2019. Nesse dia, os réus procederam à entrega do locado aos autores, mas deixaram lá objectos enumerados nos autos e que obstruíram a ocupação normal da fracção pelos autores.
Não há dúvidas de que os réus têm a obrigação de indemnizar os autores pelos danos sofridos até 5.12.2019, em consequência da privação do uso e fruição do seu imóvel.
Mas a partir dessa data, não vemos qualquer razão para os autores não poderem usar o seu imóvel, nomeadamente para se destinar a novo arrendamento.
Uma coisa é certa. Não obstante estar provado que existia na fracção vários objectos que impediram o uso normal da fracção, a verdade é que os objectos ali encontrados apenas ocuparam o espaço físico do imóvel, não estando os autores impedidos de, após realizada e obtida a entrega judicial do imóvel, tomarem medidas para fazer uso do seu imóvel.
A nosso ver, não bastaria alguém dizer que, por se encontrarem vários objectos deixados por outrem ocupando o seu espaço físico, de imediato passava a ter direito à indemnização correspondente ao seu valor locativo. Antes é necessário alegar e provar que esse impedimento é absoluto e irresistível, nomeadamente quando a remoção daqueles objectos for impossível ou muito difícil para o interessado.
No caso dos autos, é bom de ver que os objectos encontrados na fracção dos autores são comidas secas, vinhos, medicamentos tradicionais chineses, etc., daí que não vislumbramos por que razão os autores não chegaram a intimar os réus para levantarem as mercadorias ou arranjaram armazém para pôr as coisas cobrando as respectivas despesas junto dos réus.
Isto posto, salvo o devido e mui respeito por melhor opinião, somos a entender que a matéria dada como provada não é suficiente para sustentar a condenação dos réus no pagamento da indemnização devida aos autores pelos danos sofridos em consequência da privação do uso e fruição do seu imóvel a partir de 5.12.2019, uma vez que a partir dessa data os autores já retomaram a posse da imóvel, sendo-lhes possível remover os objectos ali encontrados para poder dar de arrendamento a fracção, pelo que procedem, assim, as razões aduzidas pelos réus nesta parte, devendo a indemnização ser reduzida para MOP966.666,70 correspondente a MOP50.000,00 por cada mês que decorra entre 23.4.2018 e 4.12.2019 (19 meses e 10 dias) e juros de mora à taxa legal contados sobre a quantia devida, desde a data da sentença de primeira instância até integral pagamento.
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Vejamos agora o recurso interlocutório interposto pelos autores.
Pediram os autores que os réus prestassem depoimento de parte, mas o requerimento foi indeferido pelo tribunal a quo.
É bem verdade que o depoimento de parte visa obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente. Entretanto, no caso presente, uma vez que os factos elencados pelos autores para ser respondidos pelos réus (mediante o depoimento de parte) foram basicamente dados como provados, o presente recurso interlocutório deixaria de ter utilidade, devendo, assim, ser julgado extinto o recurso por inutilidade superveniente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos réus D e E, revogando os pontos 3 a 5 constantes da parte decisória da sentença recorrida, passando os réus a ser condenados a pagar solidariamente aos autores A, B e C o montante de MOP966.666,70 e juros de mora à taxa legal contados sobre aquela quantia, desde a data da sentença de primeira instância até integral pagamento.
Custas do recurso da decisão final pelas partes na proporção do decaimento.
Mais acordam em julgar extinto o recurso interlocutório interposto pelos autores.
Custas do recurso interlocutório pelos autores.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 12 de Maio de 2022
Tong Hio Fong
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
1 Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, 2ª edição, Almedina, página 584
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Recurso Cível 67/2022 Página 2