Processo nº 192/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 9 de Junho de 2022
ASSUNTO:
- Responsabilidade solidária da concessionária
- Prescrição
- Prova
SUMÁRIO:
- Sendo a responsabilidade solidária das concessionárias consagrada no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2020 uma forma de responsabilidade objectiva o prazo de prescrição da mesma decorre do artº 491º “ex vi” artº 492º ambos do C.Civ.;
- Para que a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 192/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 9 de Junho de 2022
Recorrentes: A, B, C e D Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada
Recorridos: A, B, C e E Resorts (Macau) S.A.
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
i. RELATÓRIO
A, B e C, todos com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
D Entretenimento Sociedade Unipessoal Limitada e
E Resorts (Macau) S.A.
também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação destas:
Relativamente à 1ª Autora
1. As 1ª Ré e a 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pela restituição à 1ª Autora das fichas em numerário, no valor de HKD$3.000.000,00, ou o pagamento do mesmo valor em numerário;
2. As 1ª e 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pelo pagamento dos juros de mora à Autora, na taxa legal anual acrescido de taxa de juro comercial, ou seja, 11,75%, contados a partir do dia 10 de Setembro de 2015 até o integral pagamento da obrigação; e
Relativamente ao 2º Autor
3. As 1ª Ré e a 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pela restituição ao 2º Autor das fichas em numerário, no valor de HKD$10.500.000,00, ou o pagamento do mesmo valor em numerário;
4. As 1ª e 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pelo pagamento dos juros de mora ao Autor, na taxa legal anual acrescido de taxa de juro comercial, ou seja, 11,75%, contados a partir do dia 10 de Setembro de 2015 até o integral pagamento da obrigação; e
Relativamente ao 3º Autor
5. As 1ª Ré e a 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pela restituição ao 3º Autor das fichas em numerário, no valor de HKD$2.000.000,00, ou o pagamento do mesmo valor em numerário;
6. As 1ª e 2ª Rés responsabilizam-se solidariamente pelo pagamento dos juros de mora ao Autor, na taxa legal anual acrescido de taxa de juro comercial, ou seja, 11,75%, contados a partir do dia 16 de Setembro de 2015 até o integral pagamento da obrigação; e
7. As Rés devem pagar as custas judicias e de procuradoria originadas pelos presentes autos.
Proferida sentença a condenar a Ré D no pagamento das quantias ali indicadas, foi a Ré E absolvida dos pedidos formulados pelos Autores.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Ré D interpor recurso da mesma apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 8.º, 9.º, 16.º, 17.º, 21.º e 22.º da base instrutória e sobre a douta sentença que deu provimento ao - pedido formulado pelos Autores contra a ora Recorrente, ao pagamento do montante de HKD$3.000.000,00, HKD$10.500.000,00 e HKD$2.000.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, sobretaxa de 2%, a contar de 10 de Setembro de 2015 (1.ª Autora e 2.º Autor), e de 16 de Setembro de 2015 (3.º Réu).
2) A açcão que deu origem ao presente recurso, fundou-se em três -alegadoscontratos de depósito alegadamente realizados junto da 1.ª Ré, ora Recorrente, nos montantes supra melhor mencionado.
3) De forma a provar que os quesitos 8.º, 9.º, 16.º, 17.º, 21.º e 22.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados, a Recorrente lançou mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., a prova testemunhal produzida pela testemunhas da 1.ª Autora, F e G, testemunhas do 2.º Autor, H, testemunhas do 3.º Autor, I, J, K, L, em contraposição com a testemunha da 1.ª Ré, ora Recorrente, M, e a prova documental, mormente, os documentos apresentados como talões de depósito, juntos com a petição inicial, como documentos n.º 6, 7 e 9 da petição inicial, documento n.º 5 junto pela ora Recorrente e declarações prestadas junto da Polícia Judiciária a fls 280 e 281 pelo 3.º Autor.
4) Os quesitos 8.º, 9.º, 16.º, 17º, 21.º e 22.º da base instrutória foram quesitados da seguinte maneira:
8. “No dia 21 de Janeiro de 2015, no casino E, para tornar mais prático, a 1.ª Autora depositou as fichas em numerário do E, no valor de três milhões de dólares de Hong Kong (HKD3.000.000,00) na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E?”
9. “Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” da 1.ª Ré contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo à 1.ª Autora (doc. 6), e cujo valor de depósito é de HKD3.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1.ª Ré?”
16. “No dia 10 de Agosto de 2015, no casino E, para tornar mais prático, o 2.º Autor depositou as fichas em numerário da E, no valor de HKD$10.00.000,00 na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E?”
17. “Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” da 1.ª Ré contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 2.º A. (doc. 7), e cujo valor de depósito é de HKD10.500.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1.ª Ré?”
21. “No próprio dia, no casino E, o 3.º Autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD2.000.000,00 na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E?”
22. “Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” da 1.ª Ré contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 3.º A. (doc. 9), e cujo valor de depósito é de HKD2.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1.ª Ré?”
5) Tendo sido a resposta dada aos quesitos provados a seguinte:
8. “Provado que no dia 21 de Janeiro de 2015, no casino E, a 1.ª Autora depositou as fichas em numerário do E, no valor de HKD$3.000.000,00 na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E”
9. “A 1.ª Ré emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo à 1.ª Autora, e cujo valor de depósito é de HKD$3.000.00,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1.ª Ré”
16. “Provado que no dia 10 de Agosto de 2015, no casino E, o 2.º Autor depositou as fichas em numerário do E, no valor de HKD$10.500.000,00 na sua conta nº ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E.”
17. “Provado que a 1.ª Ré emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 2.º A., e cujo valor de depósito é de HKD$10.500.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1.ª Ré.”
21. “Provado que no próprio dia, no casino E, o 3.º Autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD$2.000.000,00 na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do casino E.”
22. “Provado que o funcionário da tesouraria emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 3.º A., e cujo valor de depósito é de HKD$2.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D.”
6) A convicção do tribunal baseou-se depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nomeadamente, I, N, H e F e na prova documental, os documentos apresentados como talões de depósito, a fls. 388 a 390 dos autos.
7) Como já referido, a açcão que deu origem ao presente recurso, fundou-se em três contrato de depósito alegadamente realizados entre 1.ª Autora, 2.º Autor e 3.º Autor e 1.ª Ré, no valor de HKD$3.000.000,00, HKD$10.500.000,00 e HKD$2.000.000,00, respectivamente.
8) Sucede que, não só estes contratos não foram celebrados, como estas quantias não foram entregues à 1.ª Ré.
9) Salvo melhor entendimento, não basta a mera apresentação de um talão de depósito alegadamente emitido pela 1.ª Ré, para se concluir pelo depósito, muito menos quando a prova documental é claramente insuficiente, a par da prova testemunhal existente de banda dos Autores, i.e., testemunhas que tivessem estado presentes aquando o depósito e que pudessem narrar os acontecimentos.
10) Por seu turno, temos, o depoimento de uma testemunha, ex-funcionária da ora Recorrente que vem suportar o já defendido pela Recorrente, e abalar fortemente qualquer convicção que ainda pudesse existir no sentido de depósito, como iremos demonstrar.
11) E, mesmo que se aceitasse, o que por mera hipótese se aventa, o depósito nos moldes em que foi alegado ter sido realizado, tal teria que ter sido feito junto das instalações onde a Recorrente exerce a sua actividade de promoção de jogos, o que não sucedeu, pois, inexistem registos nesse sentido.
12) Relativamente à prova testemunhal produzida pela 1.ª Autora, a 1.ª testemunha, F, apresenta, no mínimo, uma versão desorientante, pois, se num momento não se recorda do montante alegadamente depositado, mais à frente já se recorda, aplicando-se o mesmo à sua presença no momento em que a 1.ª Autora terá alegadamente realizado o depósito na tesouraria da D, conforme decorre das passagens acima melhor descritas, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, à 1hora 15minutos e 31segundos, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 1hora 16minutos e 22segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 1hora 19minutos e 44segundos.
13) Também é alegado um conhecimento presencial dos factos, mas esta testemunha só viu um documento e não o documento junto pela 1.ª Ré, ora Recorrente, uma cópia do cheque emitido a favor da 1.ª Autora, tudo conforme passagens Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 1hora 23minutos e 44segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 1hora 24minutos e 46segundos.
14) Já a 2.ª testemunha apresentada pela 1.ª Autora, O, não esteve presente aquando do depósito, conforme Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, à 1hora 42minutos e 50segundos, e também intentou uma acção contra a 1.ª Ré e 2.ª Ré, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, à 1hora 44minutos e 02segundos e.
15) Por seu turno, a testemunha M, antiga funcionária da tesouraria da 1.ª Ré, ora Recorrente, quando questionada sobre o procedimento dos depósitos na tesouraria da D, explica a necessidade de uma conta, quando entregue o montante há lugar à contagem, emitem o talão, o cliente assina, sendo que tesouraria fica com os 3 duplicados e inserem os dados no sistema informático, conforme Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 16minutos e 32segundos.
16) Explica também que o cliente fica na posse do talão original, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 17minutos e 35segundos, ao passo que a tesouraria com 3 duplicados, conforme Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 17minutos e 48segundos; nenhum dos duplicados tinha cor dos duplicados a cor branca, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 17minutos e 59segundos, sendo as cores, cor-de-rosa, verde e azul, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 18minutos e 05segundos.
17) O procedimento para levantar montantes passava pela exibição do talão original, verificar no arquivo e no sistema informático, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 18minutos e 57segundos; confirmação da necessidade da assinatura do depositante no campo para esse efeito, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 22minutos e 00segundos; identificação do cliente passava não só pelo nome do cliente, como também pelo preenchimento do campo específico para esse efeito, da conta cliente, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 22minutos e 55segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 23minutos e 36segundos;
18) Assim como, não eram entregues cheques a clientes na tesouraria da 1.ª Ré, ora Recorrente, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 24minutos e 53segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 28minutos e 01segundos; confirmação que o documento n.º 6 apresentado a juízo pela 1.ª Autora não estava conforme aos emitidos pela ora Recorrente, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 28minutos e 35segundos; súmula sobre os procedimentos, conta cliente, feita a contagem de dinheiro, emitido um talão de depósito, talão de depósito assinado pelos dois funcionários e depositante, talão original era entregue ao depositante e os duplicados ficavam com a D e o registo da transacção era lançado no sistema informático, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 14minutos e 45segundos e as regras que a emissão do talão de depósito obedecia, nomeadamente, assinaturas de funcionários e depositante, data, hora, número de conta, que não tinha carimbo, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 15minutos e 22segundos; e que os talões emitidos na tesouraria não tinham carimbo, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 15minutos e 29segundos.
19) Ora, em jeito de súmula, foi explicado sem sem grande dificuldade que os talões de depósito tinham que ser assinados pelo depositantes, que ficavam na posse dos duplicados, -três- enquanto os depositantes ficavam com os originais, que os duplicados tinha três cores, cor-de-rosa, verde e azul, que o montante depositado tinha que ser lançado no sistema informático e, que a não haver esse registo o montante não poderia ser devolvido ao depositante.
20) Bem como, a própria emissão do talão de depósito obedecia a regras, i.e., a assinatura dos funcionários e depositantes, o montante depositado deveria ser impresso à máquina, deveria ser colocado no talão o número de conta de cliente e não era aposto qualquer carimbo.
21) A isto acresce que, o documento n.º 6 junto com a petição inicial, documento que entendem conformar o depósito -alegadamente- realizado junto da ora Recorrente, apresenta várias falhas, sendo a primeira a falta de assinatura da depositante, a segunda não constar daquele documento o número de conta cliente.
22) E, para adensar a dúvida, consta dos autos um documento, uma cópia de um cheque emitido pela Sra. P a favor da 1.ª Autora, no mesmo valor que a 1.ª Autora diz ter depositado junto da 1.ª Ré.
23) Ponderada a prova realizada, temos perante nós um documento que não faz fé de que qualquer montante tenha sido depositado pela 1.ª Autora junto da ora Recorrente, a prova testemunhal, por seu turno, da parte da 1.ª Autora também não releva, sequer conforma no sentido de que tenha havido efectivamente um depósito, assim como, se desconhece a origem dos fundos.
24) Entendemos, com o devido respeito que, face à matéria (insuficiente) produzida nos autos pela 1.ª Autora, outra solução não restaria dar uma resposta no sentido de provar que não foi realizada qualquer entrega de montante junto da 1.ª Ré, ora Recorrente, sequer celebrado qualquer contrato de depósito.
25) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 8.º e 9.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
26) Relativamente ao 2.º Autor, a 1.ª testemunha apresentada, H, seu antigo funcionário, afirma que esteve presente aquando do depósito, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 52minutos e 28segundos; que a cor dos talões eram branco e verde, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 53minutos e 15segundos; e que tinham ficado com um talão verde, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, aos 53minutos e 45segundos.
27) A contrapor este depoimento, a testemunha da ora Recorrente, M quando lhe foi exibido o documento n.º 7 junto com a petição inicial, relativamente à data de vencimento que constava nas observações, confirma que tal não acontece na tesouraria da D, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 03minutos e 59segundos; que os talões de depósito são apresentados ao cliente para assinar, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 04minutos e 34segundos, e, no momento do depósito, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 04minutos e 57segundos; que o montante depositado tem que ser impresso, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 05minutos e 29segundos; que não havia arbitrariedade no modo de preenchimento dos talões por parte dos funcionários da tesouraria da D, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 08minutos e 23segundos; que o talão do 2.º autor não parece ter sido emitido na tesouraria da 1.ª Ré, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 09minutos e 28segundos; e que sabia que o montante peticionado pelo 2.º Autor não tinha sido depositado junto da D, de acordo com informações do gerente de sala, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 10minutos e 15segundos.
28) Perguntado em jeito de súmula a esta testemunha sobre os procedimentos da tesouraria da D, nomeadamente, se passavam pelo cliente ter uma conta cliente, feita a contagem de dinheiro, emitido um talão de depósito, talão de depósito assinado pelos dois funcionários e depositante, talão original era entregue ao depositante e os duplicados ficavam com a D e o registo da transacção era lançado no sistema informático, é confirmado pela testemunha, a Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 14minutos e 45segundos.
29) Relativamente às regras de preenchimento dos talões de depósito, nomeadamente, assinaturas de funcionários e depositante, data, hora, número de conta, que não tinha carimbo, o que a testemunha confirma a Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 15minutos e 22segundos; que tal talão também não tinha carimbo, ao que a testemunha também confirma Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 15minutos e 29segundos.
30) E, como referido anteriormente, quanto à cor dos duplicados, afirma que nenhum tinha cor branca Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 17minutos e 59 segundos e que as cores dos duplicados eram cor-de-rosa, verde e azul, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.41, às 2horas, 18minutos e 05segundos
31) Da prova testemunhal produzida em relação a este alegado depósito, temos uma testemunha que supostamente esteve presente aquando da realização do depósito, contudo, esta testemunha fala em talões de depósito verdes e brancos, e que ficaram com o duplicado, de cor verde, enquanto a tesouraria ficou com o talão original.
32) Versão essa, contrariada em toda a linha pela testemunha da ora Recorrente, e sua antiga funcionária, que refere quais são as cores dos duplicados, não sendo nenhuma delas a cor branca, e que os depositantes ficariam na posse do talão original, ao passo que a tesouraria ficaria com os duplicados.
33) No que concerne à prova documental, mormente, documento n.º 7 apresentado com a petição inicial, cumpre salientar as deficiências que este documento apresenta, a saber, não se encontra assinado pelo depositante, foi aposto um carimbo, bem como, uma nota nas observações em que é referida uma data de vencimento, tendo tal sido contrariado pelo depoimento da ex-funcionária da ora Recorrente.
34) Assim, entendemos que inexiste prova cabal e suficiente, cuja produção competia ao 2.º Autor, em virtude do ónus da prova, para provar que o depósito havia sido realizado nos moldes em que foi alegado.
35) A isto acresce que, os elementos aqui realçados do depoimento da testemunha da ora Recorrente, abalam o depoimento pouco crível da testemunha do 2.º Autor, bem como, a prova documental, que em nada sustenta a versão apresentada pelo 2.º Autor, entendemos, pois, que outra solução não restaria que não dar os quesitos como não provados.
36) Entendemos, com o devido respeito que, face à matéria (insuficiente) produzida nos autos pelo 2.º Autor, outra solução não restaria dar uma resposta no sentido de provar que não foi realizada qualquer entrega de montante junto da 1.ª Ré, ora Recorrente, sequer celebrado qualquer contrato de depósito.
37) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 16.º e 17.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
38) Relativamente ao 3.º Autor, do depoimento das quatro testemunhas, retira-se que nenhuma teve conhecimento directo dos factos, pois não presenciariam o depósito, conforme Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.06.15, aos 19minutos e 10 segundos, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.06.15, aos 31minutos e 38segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.21, aos 08minutos e 25segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 10.46.21, aos 21minutos e 49segundos.
39) Já do depoimento da testemunha da ora Recorrente, M, decorre que não era normal receberem (D) depósitos contra a prestação de juros Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 11minutos e 43segundos e Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 12minutos e 34segundos; que o montante alegadamente depositado pelo 3.º Autor não havia sido devolvido porque na conta não havia esse dinheiro, Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 13minutos e 16segundos; a existência de procedimentos específicos de depósito Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 13minutos e 58segundos; a sua descrição Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 14minutos e 45segundos; que a emissão dos talões obedecia a regras Recorded 27 Apr 2021, Translator 1, 15.03.38, aos 15minutos e 22segundos.
40) Ora, bem resulta do depoimento das testemunhas que nenhuma esteve presente aquando do depósito, sendo o conhecimento dos factos adquirido pelas testemunhas de forma indirecta.
41) Por seu turno, o depoimento da testemunha da Recorrente decorre sem hesitação, explicando os procedimentos habituais da tesouraria.
42) A isto acresce que, o documento apresentado a juízo, documento n.º 9 da petição inicial, como talão de depósito é um duplicado e não um original. E, como dito pela testemunha da ora Recorrente ex-funcionária da Recorrente, os depositantes ficavam na posse do talão original e, não, dos duplicados.
43) Outro aspecto curioso e que releva, é que nas declarações prestadas na Polícia Judiciária pelo 3.º Autor, constantes dos autos a fls. 280 a 281, disse que o depósito era retribuído a uma taxa de juros de 2 % mensalmente, aspecto esse que já havia sido negado pela testemunha da Recorrente e facto que não foi mencionado nesta acção.
44) Que o montante tivesse sido depositado em pessoa diversa da ora Recorrente, isso já não nos espantaria, mas imputar este depósito à Recorrente parece-nos excessivo, especialmente face às declarações prestadas pelo 3.º Autor.
45) Face aos elementos aqui realçados que resultam do depoimento da testemunha da ora Recorrente, e do facto das testemunhas apresentadas terem um conhecimento indirecto dos factos, bem como, a prova documental, que em nada sustenta a versão apresentada pelo 3.º Autor, entendemos, pois, que outra solução não restaria que não dar os quesitos como não provados.
46) Entendemos, com o devido respeito que, face à matéria (insuficiente) produzida nos autos pelo 3.º Autor, também outra solução não restaria que dar uma resposta diversa.
47) Pelo que, ao dar como provados os quesitos 21.º e 22.º da base instrutória nos termos em que o fez, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
48) Termos em que, deverá ser revogado o acórdão proferido sobre a matéria de facto por violação dos artigos 370.º e 386.º e ss do Código Civil e do n.º 5 do artigo 566.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, com base nos meios de prova supra melhor mencionados, os quesitos 8.º, 9.º,16.º,17.º, 21.º e 22.º da base instrutória sejam dados como não provados, ou, subsidiariamente, caso não se entenda pela solução dada aos quesitos em questão, deverá ser anulada a sentença no que a estes quesitos concerne e ordenado um novo julgamento da matéria de facto.
49) Com o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao condenar a ora Recorrente, pois, a relação de depósito pressupõe que haja uma obrigação de entrega e uma obrigação de restituição, tudo nos termos do artigo 1111.º do Código Civil.
50) A ora Recorrente, não pode devolver aquilo que nunca esteve consigo, sob pena de estarmos perante uma situação de enriquecimento sem causa.
51) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 2010, reza o seguinte: “- O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
II - A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos quatro seguintes requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.”
52) A ora Recorrente não se encontra numa situação de enriquecimento sem causa, por não se encontrarem preenchidos cumulativamente os quatro requisitos, i.e., não há um enriquecimento, sem razão atendível, à custa do empobrecimento de outrém, e quanto à questão de outro mecanismo da lei, facto é que não se pode indemnizar/restituir algo que não está na sua esfera.
53) Mesmo que estes depósitos tivessem sido realizados junto da Recorrente, existem regras pelas quais a Recorrente norteia a sua actividade, sendo uma delas devolver depósitos contra a apresentação de título que foi emitido nas suas instalações contra um depósito também ele realizado nas suas instalações onde exerce a sua actividade comercial.
54) Título esse que também respeita regras, como já referido, do talão tem que constar o número de conta do cliente, e também tem que constar a assinatura do depositante, assim como tem que estar impresso o montante depositado e não escrito à mão, como é o caso dos presentes autos.
55) Não nos podemos bastar com: “Vem comprovado que os Autores eram membros da sala VIP D, tendo cada um aberto uma conta de depósito de fichas com os n.º .... , as quais se serviam para depósito, troca de fichas bem como recebimento de comissão pela troca de fichas”.
56) Tratamos de operações de montantes elevados, e, salvo melhor entendimento, não nos podemos bastar com os “títulos” apresentado a juízo.
57) A isto acresce que, a ora Recorrente não está autorizada a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, tudo nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 16.º do Regime Jurídico do Sistema Financeiro aprovado pelo DecretoLei n.º 32/93 de 5 de Julho.
58) As promotoras de jogo exercem a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau e, de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 6/2002, artigo 23.º “Após a atribuição de uma licença de promotor de jogo, o promotor de jogo só pode exercer a sua actividade se estiver registado junto de uma concessionária.”, autorização que decorre através de contrato celebrado com a concessionária, tudo nos termos do artigo seguinte do referido Regulamento Administrativo.
59) E, nos termos gerais da Lei 16/2001, artigo 5.º “A exploração de jogos de fortuna ou azar em casino é confinada aos locais e recintos autorizados pelo Governo”.
60) Ora, a actividade da 1.ª Ré, ora Recorrente, cinge-se à actividade de promoção de jogos de fortuna e de azar, e não está autorizada nos termos do Regime Jurídico do Sistema Financeiro para recepcionar fundos do público.
61) A isto acresce que, um alegado ,contrato de depósito, a decorrer nas condições supra melhor referidas, sem qualquer outra sustentação factual, sem testemunhas que tivessem assistido ao depósito, e com títulos insuficientes e desprovidos de qualquer exequibilidade, não é de conceder que tais depósitos tenham ocorrido.
62) À cautela e sem prescindir, o que por mera cautela de patrocínio se aventa, cumpre dizer o seguinte.
63) A relação entre os Autores e a 1.ª Ré, ora Recorrente, foi qualificada como uma situação de depósito, sem se verificarem preenchidos os requisitos do contrato de depósito e a que título- a terem sido entregues os montantes- havia sido realizado.
64) A entrega de fundos pode ter várias explicações, sendo as mais comuns o empréstimo e o depósito, assim como a associação em participação e da prova produzida, não é claro que “... as fichas de jogo entregues pelos Autores à 1.ª Ré eram para a 1.ª Ré as guardar e conservar”.
65) Lá porque os Autores dizem que depositaram os montantes e lá ficaram, não se pode assumir que os montantes tenham lá ficado à guarda da 1.ª Ré, ora Recorrente, até pelo que transpirou da prova testemunhal produzida pelos Autores, que em nada vem apoiar o entendimento de guarda de valores, assim como as declarações prestadas à Polícia Judiciária,
66)1 Sem se saber quem beneficiava desta entrega de fundos, qual o destino prosseguido com esta entrega, não se pode fazer uma qualificação segura. (sublinhado e negrito nosso)
67) Fosse um contrato de contrato de depósito, o interesse prosseguido seria a guarda dos valores, e caso não fosse gratuito, os depositantes, os Autores, teriam que pagar pelo serviço prestado pelo depositário, à 1.ª Ré, nos termos conjugados dos artigos n.º 1112.º e 1084.º do Código Civil, sendo tal informação quanto à vontade das partes omissa,
68) E, salvo melhor entendimento, a consequência é que estaríamos perante um contrato de depósito gratuito.
69) Mesmo que a 1.ª Ré prestasse o serviço de custódia de forma gratuita, facto é que enquanto sociedade comercial carece de capacidade jurídica para a prática de tais actos, pois, está delimitada pelo princípio da prossecução do fim lucrativo, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 177.º do Código Comercial, prossecução que repugna os actos gratuitos, e, por isso, a lei os proscreve, salvo as limitações previstas na própria lei, conforme o preceituado no n.º 2 do mesmo preceito legal, que no caso não se verificam.
70) Tal depósito, a ser gratuito, será necessariamente nulo, por não comportado pela capacidade jurídica da 2.ª Ré, nos termos do artigo 177.º do Código Comercial.
71) Mesmo que o interesse fosse do accipiens, i.e., da 1.ª Ré, que se financiaria junto dos Autores e que retribuía, conforme afirmado com o pagamento de uma taxa de juros mensal de 2%, tal situação seria entendida como um empréstimo e qualificada como mútuo, situação que não mereceu cuidado.
72) Atentas as implicações que qualquer uma das qualificações jurídicas acarreta, vai contra as regras da experiência comum que montantes tão avultados, como já referido, ficassem depositados, parados junto de um promotor de jogo, sem mais! A menos que existisse algum tipo de retribuição, que, neste caso, seriam os juros mensais de 2%! (sublinhado e negrito nosso)
73) Com o devido respeito, a sentença final não olhou à realidade material e não retratou e classificou a situação jurídica condignamente, como se retira do supra exposto.
74) Pelo exposto, o acórdão recorrido padece do vício de aplicação errada da lei, por não ter classificado o negócio que estava em causa e as respectivas consequências jurídicas, nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, devendo o douto acórdão ser revogado.
75) No que concerne ao pagamento de juros de mora e sobretaxa de 2%, decaindo a obrigação de restituição, terá que decair a responsabilização da Recorrente, porque não estão reunidas as condições para que a ora Recorrente seja obrigada a restituir qualquer valor aos Autores, ora Recorridos.
76) No que aos juros de mora concerne, semelhante raciocínio se impõe, i.e., por se entender que a obrigação de restituição não existe, não poderia a Recorrente ter sido condenada ao pagamento de juros a contar a partir de 10 de Outubro de 2015, 30 de Outubro de 2015 e 30 de Janeiro de 2016.
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) sejam alterados as resposta aos quesitos 8.º, 9.º, 16.º, 17.º, 21.º e 22.º da base instrutória no sentido de serem dados como não provados; (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição dos mesmos; e (iii) que seja revogada a sentença recorrida, determinando a improcedência do pedido da condenação da Recorrente.
Contra-alegando vieram os Autores apresentar as seguintes conclusões:
1. No acórdão do processo referido, o Tribunal a quo condenou a recorrente a pagar uma quantia de HKD$3.000.000,00, uma de HKD$10.500.000,00 e uma de HKD$2.000.000,00 respectivamente aos 3 recorridos, não se conformando, a recorrente recorreu para o TSI, sustentando que tem erro ou vício o reconhecimento pelo Tribunal a quo dos factos dos quesitos 8, 9, 16, 17, 21 e 22 da base instrutória. Além disso, a recorrente entende que o acórdão a quo padece de vício na aplicação da lei, pelo que, pediu revogar o acórdão a quo, proferir uma nova decisão da matéria de facto ou absolver a ré da instância.
2. Salvo o devido respeito, os recorridos não concordam, mas sim entendem que o recurso deve ser rejeitado pela manifesta improcedência.
3. Para ilidir o referido reconhecimento do Tribunal a quo, a recorrente apontou uns factos infundamentados ou juridicamente irrelevantes:
* As provas documentais são insuficientes para provar a conduta de depósito;
* Nos autos não há qualquer registo das respectivas contas e depósitos;
* Imperfeição da formalidade de depósito e lacuna do conteúdo dos talões de depósito de fichas;
* A cor do papel dos talões e dos seus duplicados é diferente; e
* O teor dos depoimentos das testemunhas não resulta do conhecimento pessoal ou directo.
4. Antes de mais, cabe salientar que, os recorridos já juntaram à petição inicial as públicas-formas dos 3 talões de depósito de fichas e, por conseguinte, a pedido do Tribunal a quo, entregaram o original dos 3 talões.
5. O contrato de depósito irregular não tem requisito legal, a recorrente nem impugnou a autenticidade dos 3 documentos de forma nenhuma, isto é, não existe a questão de insuficiência da força probatória dos documentos ou dúvida sobre a sua autenticidade; a força probatória dos documentos está sujeita à convicção livre do Tribunal.
6. É de lembrar que, em 7 de Maio de 2021, os recorridos já juntaram ao processo o original dos 3 talões de depósito de fichas e o Tribunal a quo admitiu-o.
7. Ponderando que nos autos não há qualquer documento ou prova oposta às referidas provas documentais, nem se verificando qualquer facto oposto àquelas, pode-se concluir que os documentos entregues pelos recorridos não são desvalorizáveis quanto à sua força probatória.
8. Segundo, no tocante ao registo das contas e depósitos, além dos talões acima mencionados, cabe lembrar que, os recorridos já especificaram na petição inicial os dados das suas contas (incluindo o nome do titular e o número da conta), juntaram aos anexos 4, 5 e 8 todos os seus documentos detidos relacionados às contas (incluindo os extratos mensais, cartões de membro e impressos de abertura da conta).
9. Todavia, a recorrente, que devia guardar para os clientes os dados do registo da conta e depósito, nunca entregou no processo (até em todos os outros processos semelhantes em que se envolve a sala VIP “D”) qualquer registo de conta e depósito dos clientes da sala VIP “D”.
10. Cumpre assinalar que, mesmo não havendo o registo das contas, não obsta a que o Tribunal a quo verifique e dá assente, em face dos talões de depósito de fichas emitidos pela sala VIP “D” explorada pela recorrente, que os recorridos praticaram a conduta de depósito nessa sala VIP.
11. Outrossim, a recorrente citou por várias vezes o depoimento de M, testemunha da defesa, funcionária da sala VIP “D”, que afirmou que, a formalidade de depósito devia abranger a existência das contas para depósito de fichas, a emissão dos talões de depósito, a assinatura dos clientes, a guarda dos duplicados dos 3 talões de depósito pela sala VIP e o registo no sistema informático, por conseguinte, argumentou que há lacuna e imperfeição da formalidade de depósito e do conteúdo dos talões de depósito de fichas dos 2º e 3º recorridos.
12. Mas tal argumentação não afecta a validade do depósito apesar da formalidade imperfeita, uma vez que a sala VIP “D” só emitiu aos clientes os talões de depósito após ter contado e recebido as fichas.
13. É de apontar que, a conduta de depósito já se considera praticada no momento de recepção das fichas, o contrato de depósito celebra-se até independentemente de emissão ou não do talão de depósito, que serve apenas como título para levantar as fichas depositadas e como prova da conduta de depósito no processo.
14. E mais, a testemunha Q não foi o funcionário que tratou pessoalmente os depósitos dos 3 recorridos, não sabe, portanto, se o outro funcionário procedeu aos depósitos das fichas dos clientes nas suas contas da maneira desconforme às regras internas referidas.
15. Foi R, chefe da tesouraria, que tratou os depósitos dos recorridos, a sua competência é evidentemente superior à de M, que é funcionário comum.
16. De resto, a referida formalidade de depósito é somente regras internas da companhia da recorrente, que não produzem ao externo qualquer força vinculativa sempre que a lei não fixe requisito ou trâmite legal do depósito de fichas.
17. Pelo que, não se pode negar com o depoimento da testemunha M a existência da conduta de depósito de fichas.
18. A testemunha M é funcionário da recorrente, a credibilidade do seu depoimento é duvidosa, uma parte do depoimento também viola as regras de experiência comum, até testemunhou expressamente que o Sr. Wong disse que os 2º e 3º recorridos não tinham depositado fichas, portanto, não deixa de levar-nos questionar a veracidade do depoimento dessa testemunha.
19. Além disso, a recorrente argumentou que, ao prestar depoimento, a cor do papel dos talões e dos seus duplicados, respondida pela testemunha, é diferente da cor exibida nos autos, deste modo, concluiu que eram insuficientes as provas dos recorridos.
20. Cabe realçar que, o depósito de fichas se concentra na conduta de depósito própria, mas não no teor do talão de depósito, tampouco cor do papel do talão e dos seus duplicados, mesmo se verificando que a testemunha se lembrou ou atestou incorrectamente a cor do papel dos talões de depósito, não se afecta o reconhecimento da conduta de depósito e celebração do contrato de depósito.
21. Além disso, a partir de 2014 ou 2015, já passaram mais de 6 anos, tendo em conta o decurso do longo tempo, não deixa de ser difícil para um homem comum lembrar-se da cor do papel.
22. “A cor do papel dos talões e dos seus duplicados” não é facto essencial, nem sequer facto instrumental no processo.
23. No fim, a recorrente pretendeu transcrever só uma parte dos depoimentos de várias testemunhas (até só uma ou duas frases), ignorar a outra parte bastante relevante para proferir uma boa decisão, deste modo, ilidir todos os depoimentos delas.
24. Para ilidir os depoimentos das testemunhas ou impugnar o seu teor, a recorrente devia apresentar impugnação, contradita ou acareação ao abrigo dos art.º 537.º, 543.º ou 545.º do CPC, em vez de transcrever só uma parte dos depoimentos na fase de recurso.
25. De facto, as testemunhas I, S e N sabem bem que o 3º recorrido depositou fichas na sala VIP “D”, segundo o depoimento da testemunha I, ele transportou pessoalmente o 3º recorrido à porta do Hotel E no dia de fazer o seu depósito.
26. Em conjugação com os depoimentos das testemunhas, é fácil saber o valor das fichas do 3º recorrido e a data do depósito na sala VIP “D”, então, como podia a recorrente concluir, puramente com base nos depoimentos só parcialmente transcritos por ele, que os factos não resultam do conhecimento pessoal ou directo das testemunhas?
27. Pelo exposto, através de suscitar umas dúvidas irrazoáveis sobre a decisão da matéria de facto, a recorrente está a questionar a convicção livre do Tribunal a quo, referente às 3 provas documentais no primeiro, e depois aos depoimentos de várias testemunhas.
28. A convicção livre do Tribunal a quo não pode ser impugnada à discrição, o TSI sustenta a mesma jurisprudência em vários acórdãos (vide os acórdãos n.º 551/2012 e n.º 332/2015 do TSI).
29. No acórdão n.º 240/2021, o TSI justifica que:
“A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.”
30. Isto é, o TSI só pode alterar o reconhecimento dos factos mediante a livre convicção pelo Tribunal a quo quando houver erro grave e notório na decisão a quo.
31. Mas, em vista dos fundamentos da recorrente, obviamente não está em apreço a situação acima descrita.
32. A formalidade de depósito, o teor dos talões e a cor do seu papel, como acima disse, não insuficientes para influenciar o reconhecimento dos factos pelo Tribunal a quo, não se pode negar o depósito de fichas pelos recorridos, nem a emissão dos talões pela recorrente aos recorridos.
33. Com base nisso, é impossível que os fundamentos da recorrente abalem a convicção livre do Tribunal a quo, as suas dúvidas suscitadas não juridicamente irrelevantes, não está preenchido o pressuposto de proferir uma nova decisão da matéria de facto, portanto, deve-se julgar improcedente a sua impugnação sobre a matéria de facto.
34. E mais, a recorrente deduziu 3 fundamentos na parte do Direito: os autores não têm direito a demandar a devolução do dinheiro, as prestações e contratos não podem ser juridicamente qualificados como contrato de depósito irregular e são incorrectas as datas iniciais para contagem dos juros de mora.
35. Por um lado, a recorrente argumentou que os recorridos não têm direito a demandar a devolução do dinheiro, invocou os 4 fundamentos, apoiados pela jurisprudência de Portugal, como pressuposto de demandar a devolução, entretanto, os fundamentos são pressupostos legais do enriquecimento sem causa, não têm nada a ver com o presente processo, portanto, não merecem discussão.
36. Por outro lado, em vários processos semelhantes (como o acórdão n.º 475/2018 do TSI), os tribunais de Macau já decidiram que aqueles que tenham depositado fichas têm o direito de demandar à sala VIP devolver a equivalente em numerários, os respectivos fundamentos jurídicos constam dos art.º 35.º e ss. da petição inicial.
37. Deste modo, quando a recorrente sustentou que a demanda de devolução não satisfazia as exigências legais, os seus fundamentos deduzidos não estão conforme à situação concreta do presente processo.
38. Segundo, a recorrente acrescentou que as prestações e contratos não podem ser juridicamente qualificados como contrato de depósito irregular.
39. A única questão a considerar consiste em se as condutas da recorrente e dos recorridos satisfazem as regras sobre o contrato de depósito.
40. Tendo em conta os factos provados, os recorridos depositaram as fichas em numerários na sala VIP “D” e a recorrente emitiu-lhes os talões de depósito, as condutas das partes estão evidentemente conformes aos requisitos do contrato de depósito.
41. No fim, a recorrente indicou que, são incorrectas as datas iniciais para contagem dos juros de mora, fixadas pelo acórdão a quo.
42. Como disse o acórdão a quo, constituiu-se mora respectivamente em 10 de Outubro de 2015, 30 de Outubro de 2015 e 30 de Janeito de 2016, pelo que, não são incorrectas as datas iniciais para contagem dos juros de mora de forma nenhuma.
43. Com base nisso, deve-se julgar improcedente o recurso nesta parte e, por conseguinte, rejeitar os pedidos.
Por sua vez vieram os Autores interpor Recurso da sentença quanto à absolvição da Ré E apresentando as seguintes conclusões:
1. Na sentença o tribunal recorrido considerava a responsabilidade solidária da 2.ª Ré como responsabilidade pelo risco dentro da responsabilidade civil extra-contratual, à qual se aplica o prazo de prescrição de 3 anos previsto pelo art.º 491.º do CC. Convencido da prescrição dos recorrentes no presente caso em relação à 2.ª Ré, julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelos autores contra a 2.ª Ré e absolveu esta segunda.
2. Salvo o devido respeito pelo veredicto recorrido, os recorrentes discordam da tal decisão do tribunal a quo, entendendo que quanto à norma de prescrição aplicável à obrigação solidária assumível pela 2.ª Ré se aplica aquela aplicável à obrigação principal ou o regime de prescrição ordinária; além disso, a responsabilidade solidária aqui em discussão diferencia-se fundamentalmente da responsabilidade civil por factos ilícitos ou da responsabilidade pelo risco, pelo que não se aplica o regime de prescrição previsto pelos art.º 491.º e art.º 492.º do CC.
3. Portanto, segundo os recorrentes a sentença recorrida enferma do vício de erro na aplicação e na interpretação da lei.
4. Nos termos do art.º 506.º do CC, a solidariedade de deveDs ou creDs só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
5. Nos termos do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, as concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis.
6. É de deixar claro aqui que o que a 2.ª Ré, na qualidade de concessionária, deve assumir é a responsabilidade solidária resultante da lei. Por outras palavras, a obrigação solidária por que a 2.ª Ré deve responder resulta da obrigação subjacente que a 1.ª Ré deve assumir. São absolutamente idênticas a obrigação da 2.ª Ré e a da 1.ª Ré em termos de conteúdo de prestação.
7. O motivo fundamental por que a concessionária deve assumir a responsabilidade é que a concessionária se obriga a fiscalizar as actividades dos promotores de jogos, sobretudo quaisquer actividades desenvolvidas dentro do casino.
8. Sabe-se que toda e qualquer actividade realizada pelos promotores de jogos dentro do casino, seja a de operação, seja a de receber fichas em depósito ou outras actividades ainda, é seguramente sob consentimento e autorização por parte da concessionária e tais actividades de exploração são directamente para vantagem da concessionária (incluindo angariar e engatar jogaDs).
9. Tal como indica o TSI no acórdão n.º 475/2018:
“achamos que o espírito normativo é no sentido de atribuir maior responsabilidade às concessionárias no controlo das actividades desenvolvidas nos seus casinos pelos promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, pois sendo beneficiárias das actividades dos promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, é razoável e lógica exigir-lhes o dever de fiscalização dessas actividades, bem como assumir, em solidariedade com os promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, as responsabilidades decorrentes das mesmas.
Nesta conformidade, ainda que um promotor de jogo obtenha de forma ilegal financiamento para manter o funcionamento da sala VIP de jogo, esta actividade tem reflexo directo na actividade da exploração de jogo da concessionária.
Se a concessionária não cumprir o seu dever de fiscalização, permitindo ou tolerando o promotor de jogo desenvolver este tipo actividade no seu casino, não deixará de ser considerada como responsável solidária pelos prejuízos decorrentes daquela actividade, nos termos do art.º 29º do citado Regulamento Administrativo.”
10. Sem dúvida, a 2.ª Ré, na qualidade de concessionária, deve ser solidariamente responsável pelas actividades desenvolvidas no seu casino pela 1.ª Ré enquanto promotor de jogo. Portanto, cá a 2.ª Ré deve assumir responsabilidade inexorável pelo facto de a 1.ª Ré ter recusado restituir as fichas depositadas.
11. Então, quanto ao regime de prescrição por aplicar à responsabilidade solidária acima referida, é de abordar a questão de vários pontos de vista tais como o de regime de defesa na obrigação solidária e o de pressupostos do regime de responsabilidade pelo risco, para que se possa julgar se deve ser aplicado o regime de prescrição aplicável à responsabilidade pelo risco.
1) regime de defesa na obrigação solidária:
12. Nos termos do art.º 507.º do CC, "1. O devedor solidário demandado pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condeveDs; 2. Ao credor solidário são oponíveis igualmente não só os meios de defesa comum, como os que pessoalmente lhe respeitem."
13. Voltando ao presente caso, quer dizer que segundo a lei, a 2.º Ré que é devedora solidária pode defender-se mediante todos os meios que pessoalmente lhe competem ou mediante os que são comuns a todas as condevedoras, ou seja, à 2.ª Ré e à 1.ª Ré.
14. No entanto, a lei não presta atenção às eventuais diferenças entre a obrigação solidária e a obrigação subjacente de per si quanto à fonte obrigacional e ao conteúdo de prestação. O regime de obrigação solidária, ao conferir ao devedor solidário os meios de defesa, não divide ou separa a obrigação solidária da obrigação subjacente, e ainda menos institui um regime de defesa especial para o caso específico de obrigação solidária.
15. Então pode-se tirar a conclusão de que relativamente aos meios de defesa, segundo os legislaDs, a obrigação solidária deve seguir o modelo da obrigação subjacente.
16. Além disso, dada a identidade das obrigações assumíveis pelo devedor principal e pelo devedor solidário e do seu conteúdo de prestação, a obrigação solidária não é capaz nem de mudar a obrigação subjacente em si, nem de levar a uma diferenciação entre o regime aplicável e aquele correspondente à obrigação subjacente.
17. Visto que cá a obrigação subjacente consiste na relação de "contrato de depósito irregular" estabelecida entre a 1.ª Ré e os recorrentes, dada a identidade das obrigações da 1.ª Ré e da 2.ª Ré tanto em termos de natureza obrigacional como de conteúdo, segundo os recorrentes a regra de prescrição aplicável à responsabilidade solidária da 2.ª Ré deve seguir aquela aplicável à obrigação subjacente.
2) pressupostos do regime de responsabilidade pelo risco:
18. Segundo o que aponta o Dr. Antunes Varela na sua obra intitulada «Das Obrigações em Geral»,2 “Na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízos a outrem (responsabilidade extra-contratual).”
19. Por outras palavras, lato sensu, a responsabilidade civil compreende não apenas responsabilidade contratual, mas também vários géneros de responsabilidades extra-contratuais. Nos termos do art.º 477.º a 503.º do CCM, a responsabilidade civil por factos ilícitos e a responsabilidade pelo risco baseada na disposição legal não são senão dois tipos de responsabilidade civil (extra-contratual) previstos pelos legislaDs. Não representam todos os tipos de responsabilidades extra-contratuais.
20. Portanto, não se aplica directamente a outros tipos de responsabilidades civis extra-contratuais o regime de prescrição previsto pelos art.º 492.º e art.º 493.º do CC válido para a responsabilidade civil por factos ilícitos e para a responsabilidade pelo risco baseada na disposição legal.
21. Para indagar qual regime de prescrição a aplicar-se à responsabilidade solidária ora em questão, deve-se determinar necessariamente de qual tipo de fonte obrigacional em concreto provém a responsabilidade solidária e se é previsto um prazo de prescrição especial para tal caso, prazo esse diferente do prazo ordinário da prescrição previsto pelo art.º 302.º do CC.
22. A tal respeito, somente com base na relação entre a concessionária e o promotor de jogo, juntamente com as definições constantes da Lei n.º 16/2001 da concessionária e do promotor de jogo, o tribunal a quo ficou convicto de que a obrigação entre os dois sujeitos tem origem em responsabilidade pelo risco. Em seguida julgou que é uma "responsabilidade pelo risco" a responsabilidade solidária assumível pela 2.ª Ré na qualidade de concessionária pelas actividades desenvolvidas pela 1.ª Ré enquanto promotor de jogo.
23. Juridicamente, seja a jurisprudência seja a doutrina, já estão definidos claramente a responsabilidade pelo risco / responsabilidade objectiva e os respectivos requisitos.
24. Segundo o acórdão n.º 293/2010 do TSI, a responsabilidade pelo risco é denominada também como responsabilidade objectiva. Nos termos do art.º 477.º, n.º 2 do CC, é de natureza excepcional pois só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
25. Ou seja, a responsabilidade pelo risco é uma prescrição excepcional, cuja constituição pressupõe, para além da culpa, ainda os outros requisitos da responsabilidade civil, incluindo o acto, a ilicitude e o nexo de causalidade entre o prejuízo e o facto.
26. Tal como o que aponta o Dr. Antunes Varela na sua obra «Das Obrigações em Geral»3, “Assim o entendeu o novo Código Civil, proclamando a responsabilidade baseada na culpa como regime geral e limitando a responsabilidade objectiva (fundada no risco) aos casos de danos causados pelo comissário, pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, por animais, por veículos e por instalações de energia eléctrica ou de gás.”
27. Quanto à responsabilidade pelo risco, citando Vaz Serra, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho indicam na sua obra «Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência»4, “impõe-se a alguém uma responsabilidade independente de culpa porque essa pessoa exerce uma actividade criadora de perigos especiais, devendo, assim, responder pelos danos causados por essa actividade, ainda que não culposa, como compensação das vantagens que tira dela.”
28. Almeida Costa explica de maneira semelhante na sua obra «Direito das Obrigações»5, “compreende-se que se alguém exerce uma actividade criadora de perigos especiais possa responder pelos danos que ocasione a terceiros, será como que uma contrapartida das vantagens que aufere do exercício de tal actividade. Nesse caso, o dever de indemnizar resulta de uma conduta perigosa do responsável”
29. No caso em apreço, todavia, a responsabilidade solidária pela 2.ª Ré na qualidade de concessionária não é uma “responsabilidade pelo risco” prevista especificamente pelo CC nos art.º 492.º e seguintes; aliás, de acordo com a expressão do art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 sobre a responsabilidade solidária, os legislaDs não indicaram nada, a título excepcional, que a responsabilidade assumível pela concessionária fosse responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objectiva.
30. Além disso, o regime de responsabilidade pelo risco incide sobre actividades e actos contendo riscos especiais (ou seja, capaz de serem danosos a outrem); por exemplo acidentes de trabalho durante a prestação de serviço, acidentes de viação ocorridos nas estadas públicas e prejuízos ocasionados a outrem pelo próprio animal de estimação, etc. A responsabilidade provém precisamente dos riscos inerentes à actividade, a qual convém ao seu agente ou praticante ou ainda da qual estes tiram proveito. O agente ou o beneficiário deve então responder pelos eventuais prejuízos ocasionados pela actividade, por exemplo, se o trabalhador age para benefício do empregador então o empregador deve assumir riscos pelo acto do trabalhador; o condutor, gozando da facilidade providenciada por um meio de transporte, deve então assumir riscos pela utilização do veículo na estrada e assim por diante.
31. Assim sendo, será que há qualquer situações capazes de provocar riscos especiais na relação entre a concessionária e o promotor de jogo (em particular na promoção de jogo)?
32. É irrefutável que no presente caso, conforme o acordo de cooperação estipulado entre a concessionária e a sala de jogo enquanto promotor de jogo e o modo de operação real, a concessionária tirava decerto proveito das actividades promocionais de jogo realizadas pelo promotor de jogo (i.e. gerindo a sala de jogo e facilitar o jogo aos jogaDs)
33. Deve-se porém salientar que as actividades de promoção ou de intermediação realizadas pelo promotor de jogo (especialmente na relação contratual típica de natureza comercial estipulada entre o promotor e o jogador durante a intermediação empreendida pelo promotor de jogo) de per si não apresentam riscos especiais, como quando a sala de jogo compra bilhetes de avião e de barco, reserva o hotel em nome dos sócios e recebe fichas depositadas pelos jogaDs, entre outras actividades relacionadas. Facilitações tais colocadas ao dispor dos jogaDs não ocasionam nem trazem como acessório qualquer risco especial, o que é valido para toda a gente, ou seja, para o próprio jogador, para terceiro, para o promotor de jogo e para a concessionária.
34. O motivo reside no facto de que o acto resulta do contrato bilateral que uma vez estipulado, naturalmente exclui actos / actividades criadoras de riscos / perigos especiais. O cumprimento das obrigações contratuais ou não já não apresenta riscos; a esfera jurídica contratual é estabelecida antes através do acordo entre ambas as partes, a qual será suplementada depois com as cláusulas gerais do contrato.
35. Regressando ao presente caso, para julgar se a responsabilidade assumível pela 2.ª Ré era responsabilidade pelo risco, o tribunal a quo devia indicar se no acto entre a 1.ª Ré e os recorrentes existia um risco concreto.
36. No entanto, como o tribunal a quo já deu por assente a relação contratual de depósito existente entre os recorrentes e a 1.ª Ré, então a questão de a 1.ª Ré restituir ou não as fichas depositadas concerne o cumprimento do contrato, não tendo nada a ver com riscos.
37. Deve-se saber que pela natureza, os prejuízos emergentes de actos com riscos especiais distinguem-se do cumprimento de contrato ou não em si. Na realidade, basta que o contrato seja válido, os contraentes obrigam-se a proceder atendo-se a quanto estipulado no contrato, exercendo direitos ou cumprindo deveres para com a contraparte.
38. Portanto, de acordo com a responsabilidade solidária prevista pelo art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, não é de modo algum responsabilidade pelo risco aquela assumível pela 2.ª Ré pelas actividades promocionais de jogo realizadas pela 1.ª Ré no seu casino.
39. Daqui é derivada a questão da fonte obrigacional da responsabilidade da 2.ª Ré.
40. De acordo com a interpretação verbal da disposição respeitante do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, parece que os legislaDs não delimitaram rigorosamente a fonte obrigacional de tal responsabilidade, dando certa margem de liberdade ao interpretador para chegar a um juízo em função das circunstâncias concretas.
41. Daqui segue-se que a responsabilidade assumível pela 2.ª Ré na qualidade de concessionária pode ser responsabilidade contratual, ou ainda responsabilidade civil por factos ilícitos, responsabilidade pelo risco ou outras responsabilidades.
42. Tal como dito atrás, dada a característica inerente à responsabilidade solidária, não se tem como definir a fonte obrigacional da 2.ª Ré, ou seja, segue necessariamente a fonte obrigacional da obrigação subjacente.
43. Quer dizer que à responsabilidade solidária da 2.ª Ré é aplicável, naturalmente, o regime de obrigação subjacente e o prazo de prescrição calcula-se conforme o regime de obrigação subjacente.
44. Quanto ao cálculo do prazo de prescrição, o tribunal a quo aplicou o prescrito no art.º 491.º do CC, remetendo-se ao art.º 492.º. Ora nos termos do art.º 492.º do CC, são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos.
45. Visto que a responsabilidade solidária assumível pela 2.ª Ré não é responsabilidade pelo risco, não se aplica o art.º 492.º do CC. Além disso, não há disposição legal que estabeleça um prazo de prescrição especial para o "contrato de depósito irregular". De acordo com o prazo ordinário da prescrição previsto pelo art.º 302.º do CC, o prazo da prescrição da responsabilidade solidária da 2.ª Ré é de 15 anos.
46. Caso o Mm.º Juiz discorde de quanto exposto atrás, entendendo que a obrigação solidária não deve seguir a fonte da obrigação subjacente e outras disposições, então pelo menos vamos supor que a obrigação solidária assumível pela 2.ª Ré não seja responsabilidade pelo risco, nem, ao mesmo tempo, obrigação contratual.
47. Nesse caso, vamos qualificar, para já, a obrigação solidária da 2.ª Ré como de outra fonte obrigacional no senso lato do termo obrigação. Na falta de um prazo de prescrição especial, aplica-se sempre o regime ordinário do prazo de prescrição.
48. Além disso, merece uma menção especial o seguinte: o regime do prazo de prescrição no direito civil de Macau visa salvaguardar a estabilidade do direito e punir o titular indolente. No entanto, na falta de uma disposição legal clara sobre o prazo de prescrição concreto, o titular não pode de modo algum tomar conhecimento do prazo no qual o seu direito é exercível. Em virtude dos princípios da imparcialidade e da justeza, a lei não pode privar o titular desinformado do direito de acção.
49. Portanto, a única interpretação razoável a atingir é que os legislaDs não intenderam estabelecer um prazo de prescrição para a responsabilidade solidária prevista pelo art.º 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 que seja diferente do prazo de prescrição ordinário, principalmente porque perante factos e disputas legais tão intricadas, os lesados, que são cidadãos ordinários, não sabem suficientemente da lei.
50. Nesta conformidade, segundo os recorrentes, a responsabilidade solidária assumível pela 2.ª Ré não é responsabilidade pelo risco, não tendo nada de riscoso. O tribunal a quo qualificou mal a responsabilidade e em seguida aplicou erradamente o prazo de prescrição previsto no art.º 491.º, ex vi, art.º 492.º do CC; antes devia-se ter aplicado o prazo ordinário da prescrição previsto pelo art.º 302.º do CC, ou seja, o de 15 anos para o efeito de cálculo.
Contra-alegando veio a Ré E apresentar as seguintes conclusões:
I. Vem o recurso sub judice da sentença de fls. 410 e ss., na parte em que julgou procedente a excepção de prescrição arguida pela 2.ª Ré;
II. Atentos os factos alegados e a configuração da causa de pedir, tal qual apresentada pelos Recorrentes, a responsabilidade da 2.ª Ré-Recorrida tem fonte exclusivamente extracontratual;
III. A responsabilidade solidária dos concessionários da exploração de jogos de fortuna e azar prevista no artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 assume natureza extracontratual, não sendo consumida pela responsabilidade contratual dos promotores de jogo;
IV. Sendo aquela responsabilidade de índole extracontratual, incumbe aos lesados fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado nos termos dos artigos 335.º a 337.º do Código Civil de Macau;
V. Por aplicação do disposto no artigo 492.º do Código Civil de Macau, são de aplicar à responsabilidade extracontratual as normas da responsabilidade civil por factos ilícitos, previstas nos artigos 477.º e seguintes do mesmo Código;
VI. A responsabilidade solidária dos concessionários da exploração de jogos de fortuna e azar, a que alude o artigo 29.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, atento o disposto no n.º 1 do artigo 491.º do Código Civil de Macau;
VII. Tendo os presentes autos sido propostos no dia 17 de Maio de 2019 e os Recorrentes alegado que solicitaram, infrutiferamente, a devolução dos seus depósitos à 1.ª Ré em 10 de Outubro de 2015, 30 de Outubro de 2015 e 30 de Janeiro de 2016, o direito que aqueles invocam contra a Recorrida já se encontra prescrito.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
São vários os recursos interpostos, a saber:
- Recurso interposto pela Ré D quanto às respostas dadas aos quesitos 8º, 9º, 16º, 17º, 21º e 22º da Base Instrutória e decisão de direito.
- Recurso da decisão na parte em que reconheceu prescrito o direito dos Autores relativamente à Ré E absolvendo esta do pedido.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a. Dos factos
Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
Da Matéria de Facto Assente:
- No dia 24 de Junho de 2006, a 2a Ré, E Resorts (Macau), S.A., na qualidade de concessionária, celebrou com o Governo da RAEM um Contrato de Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos em Casino na RAEM (vide Boletim Oficial da RAEM n.o 27, do ano 2002), tornando-se empresa concessionária para a exploração de jogos de fortuna ou azar (adiante designada por “concessionária” ). (alínea A) dos factos assentes)
- Posteriormente, com a autorização e consentimento da 2a Ré, a 1a Ré passou a ser promotora de jogo no Casino E (adiante designada por “promotora de jogo” ). (alínea B) dos factos assentes)
- Para efeitos de desempenho da sua actividade de promoção de jogo, a 1a Ré, sob autorização e consentimento da 2a Ré, abriu uma sala VIP, designada por D para a exploração de jogos de fortuna ou azar no Casino E. (alínea C) dos factos assentes)
- De igual modo, sob autorização e consentimento da 2a Ré, a 1a Ré instalou na D uma tesouraria autónoma para providenciar gratuitamente aos seus membros, o serviço de troca, o depósito e levantamento de fichas bem como a prestação de demais serviços de conveniência aos seus membros. (alínea D) dos factos assentes)
- Por outro lado, segundo o Contrato de Promoção de Jogo e o Acordo celebrado entre a 1a e a 2a Rés, a 1a Ré responsabilizava-se por promover, orientar e atrair clientes para jogarem no Casino E; as mesmas ainda convencionaram a proporção de percentagem sobre a partilha de lucros de jogo obtidos na sala VIP da “D” (a 1a Ré ficava com 40% e a 2a Ré com 60%), ambas as partes assumiam o dinheiro de ganho ou perda nas mesas de jogo na sala VIP. (vide anexo 3, Contrato de Promoção de Jogo celebrado entre as 1a e 2a Rés). (alínea F) dos factos assentes)
- Conforme o aludido modo de cooperação, a 1a Ré explorava a sala VIP “D”, que estava em funcionamento desde o ano 2006 até, pelo menos, finais do ano 2015, no Casino E da 2a Ré. (alínea G) dos factos assentes)
- Nos termos da certidão comercial da 1ª R., a partir de Março de 2014, com inscrição em Maio, até à data, era a mesma detida unipessoalmente por T e seu único administrador. (alínea I) dos factos assentes)
- Nos termos do respectivo estatuto a 1ª R obriga-se pela assinatura do administrador e único sócio. (alínea J) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- As mesas de jogo, croupiers e fichas de jogo6 utilizadas na sala VIP “D” no Casino E foram fornecidas pela 2ª Ré. (resposta ao quesito 1º-A da base instrutória)
- A 1ª Autora abriu uma conta de depósito de fichas, n.º..., na tesouraria da sala VIP “D” da E, cuja sala explorada pela 1ª Ré, passando assim, a ser membro da D. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Aludida conta era servida para o depósito, troca de fichas bem como o recebimento de comissão pela troca de fichas. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Quando a 1ª Autora depositava fichas, o funcionário da tesouraria da 1a Ré emitia um “talão de depósito de fichas” com valor correspondente à respectiva quantia, para servir de comprovativo. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- E quando a 1ª Autora levantava as fichas, necessitava de devolver o “talão de depósito de fichas” ao funcionário da tesouraria da Sala VIP “D”. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- No dia 21 de Janeiro de 2015, no casino E, a 1ª Autora depositou as fichas em numerário do E, no valor de HKD$3.000.000,00 na sua conta n.º..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- A 1ª Ré emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo à 1ª Autora, e cujo valor de depósito é de HKD$3.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª Ré. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Um destes funcionários se denominava por R, chefe da Sala VIP “D” da 1ª Ré. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- No dia 10 de Setembro de 2015, a 1ª Autora deslocou-se à tesouraria da Sala VIP da “D” explorada pela 1ª Ré, no Casino E, para levantar as fichas em numerário, no valor de HKD3.000.000,00, no entanto, foi recusado o levantamento pelo funcionário da tesouraria da 1a Ré. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- O 2º Autor abriu uma conta de depósito de fichas, n.º..., na tesouraria da “sala VIP D” da E, cuja sala explorada pela 1ª Ré, passando assim, a ser membro da D. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- A aludida conta era servida para o depósito, a troca de fichas bem como o recebimento de comissão pela troca de fichas. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Quando o 2º Autor depositava fichas, o funcionário da tesouraria da 1a Ré lhe emitia um “talão de depósito de fichas” com valor correspondente à respectiva quantia, para servir de comprovativo. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- E quando o 2º Autor levantava as fichas, necessitava de devolver o “talão de depósito de fichas” ao funcionário da tesouraria da Sala VIP “D”. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- No dia 10 de Agosto de 2015 no casino E, o 2º Autor depositou fichas em numerário da E no valor de HKD$10.500.000,00 na sua conta n.o..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A 1ª Ré emitiu em nome da Sala VIP “D” um “talão de depósito de fichas de jogo” ao 2º Autor, e cujo valor de depósito é de HKD$10.500.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª Ré. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Um destes funcionário se designava por R, chefe da sala VIP “D” da 1ª Ré. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Em Setembro de 2015, o 2º Autor deslocou-se à tesouraria da Sala VIP da “D” explorada pela 1ª Ré, no Casino E, para levantar as fichas em numerário, no valor de HKD$10.500.000,00, no entanto, foi recusado o levantamento pelo funcionário da tesouraria da 1a Ré. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- No dia 6 de Março de 2014, o 3º Autor abriu uma conta de depósito de fichas, n.º..., na tesouraria da Sala VIP “D” da E, cuja sala explorada pela 1ª Ré, passando assim, a ser membro da D. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- No próprio dia, no casino E, o 3º Autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD$2.000.000,00 na sua conta n.o..., no balcão da tesouraria da sala VIP “D” do Casino E. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- O funcionário da tesouraria emitiu, em nome da sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 3º Autor, e cujo valor de depósito é de HKD$2.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- Em final do ano de 2015, o 3º Autor deslocou-se à tesouraria da Sala VIP da “D” explorada pela 1ª Ré, no Casino E, para levantar as fichas em numerário, no valor de HKD$2.000.000,00, no entanto, foi recusado o levantamento pelo funcionário da tesouraria da 1a Ré. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Consta no talão de depósito de fichas de jogo emitido pela Sala VIP “D” da 1ª Ré aos 1ª e 2º Autores, o caracter “Chao” (周) no local destinado para “assinatura da testemunha presente no local”, tratando-se de assinatura de R, chefe da sala VIP “D” da 1ª Ré. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- A Chefe da tesouraria responsabiliza-se sobretudo pelos trabalhos de direcção e comando bem como a organização dos trabalhos dos funcionários da tesouraria e fixação do âmbito de competência…. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Cabendo à chefe da tesouraria a administração e supervisão do funcionamento da tesouraria, possuindo também poder em representar a 1.ª Ré e Sala VIP “D” para aceitar o depósito de fichas por parte dos membros bem como a assinatura e emissão do talão de depósito de fichas de jogo. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Recurso interposto pela Ré D quanto às respostas dadas aos quesitos 8º, 9º, 16º, 17º, 21º e 22º da Base Instrutória e decisão de direito.
É do seguinte o teor dos indicados quesitos:
8º
No dia 21 de Janeiro de 2015, no casino E, para tornar mais prático, a 1ª Autora depositou as fichas em numerário do E, no valor de três milhões de dólares de Hong Kong (HKD3.000.000,00) na sua conta nº ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E?
9º
Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” da 1ª Ré contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo à 1ª Autora (doc. 6), e cujo valor de depósito é de HKD3.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª Ré?
16º
No dia 10 de Agosto de 2015 no casino E, para tornar mais prático o jogo, o 2º Autor depositou fichas em numerário da E no valor de dez milhões e quinhentos mil (HKD10.500.000,00) na sua conta nº ..., no balcão da tesouraria da Sala VIP “D” do Casino E?
17º
Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” da 1ª Ré contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um “talão de depósito de fichas de jogo” ao 2º Autor (doc. 7), e cujo valor de depósito é de HKD10.500.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª Ré?
21º
No próprio dia, no casino E, o 3º Autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD2.000.000,00 na sua conta nº ..., no balcão da tesouraria da sala VIP “D” do Casino E?
22º
Após o funcionário da tesouraria da Sala VIP “D” contar e receber as fichas em numerário, para efeitos de comprovativo, emitiu, em nome da Sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 3º Autor (doc. 9), e cujo valor de depósito é de HKD2.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª Ré?
As respostas dadas a estes quesitos foram:
Quesito 8
É provado que no dia 21 de Janeiro de 2015, no casino E, a 1ª autora depositou as fichas em numerário do E, no valor de HKD$3.000.000,00, na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da sala VIP “D” do Casino E.
Quesito 9
É provado que a 1ª ré emitiu, em nome da sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo à 1ª autora, e cujo valor de depósito é de HKD$3.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª ré.
Quesito 16
É provado que no dia 10 de Agosto de 2015, no casino E, o 2º autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD$10.500.000,00, na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da sala VIP “D” do Casino E.
Quesito 17
É provado que a 1ª ré emitiu, em nome da sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 2º autor, e cujo valor de depósito é de HKD$10.500.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D e nele se apondo o carimbo da companhia da 1ª ré.
Quesito 21
É provado que no próprio dia, no casino E, o 3º autor depositou fichas em numerário da E, no valor de HKD$2.000.000,00, na sua conta n.º ..., no balcão da tesouraria da sala VIP “D” do Casino E.
Quesito 22
É provado que o funcionário da tesouraria emitiu, em nome da sala VIP “D”, um talão de depósito de fichas de jogo ao 3º autor, e cujo valor de depósito é de HKD$2.000.000,00, talão assinado pelos dois funcionários presentes na tesouraria da D.
Quanto a esta matéria a fundamentação do tribunal recorrido é a seguinte:
«Ponderando e analisando os depoimentos das testemunhas, em conjugação com os documentos constantes das fls. 14 a 119, 191 a 195, 278 a 330, 338 a 390 e 397 dos autos, o Tribunal deu assentes os respectivos factos.
(…)
O Tribunal deu assente que os autores depositaram fichas na sala VIP “D” da 1ª ré com fundamento em:
I, N, H e V, testemunhas dos 3 autores, viram que eles depositavam fichas na sala VIP “D” ou jogavam nela. E mais, H e U, testemunhas dos autores, declararam que R era chefe da sala VIP “D”, o depoimento de M, testemunha das rés, também confirmou isso, portanto, pode-se dar assentes os factos relacionados a R.
Mais importantemente, os 3 autores detêm respectivamente um talão de depósito de fichas com sinalizações e exemplares da 1ª ré e da sala VIP “D” (o original consta das fls. 388 a 390 dos autos), os 3 talões têm a assinatura do funcionário, 2 talões têm o carimbo da 1ª ré, mostrando-se que os autores depositaram fichas na sala VIP da 1ª ré.
A 1ª ré não negou directamente que os talões de depósito de fichas eram seus, nem que a assinatura foi aposta pelo seu funcionário ou o carimbo era seu.
W, testemunha da 1ª ré, declarou que a maneira de preenchimento dos talões de depósito de fichas era diferente da comum, só confirmou que a maneira de preenchimento e emissão do talão do 3º autor estava conforme à maneira comum da sua companhia, mas esta testemunha também afirmou que R era o responsável supremo da sala VIP, detinha o selo da “D”, guardava os talões de depósito de fichas e apresentava aos funcionários como preencher os talões. Embora os talões não sejam preenchidos como de costume, têm a assinatura do responsável e do funcionário da sala VIP bem como o carimbo da companhia, isto é, o funcionário aceitou o depósito em nome da companhia, não se pode negar que os talões foram emitidos pela companhia meramente com base em diferença da forma de preenchimento ou omissão de uns brancos. Além disso, esta testemunha também justificou que, se o registo interno da companhia não tivesse o registo de depósito, não iria realizar o pagamento, pelo que, mesmo sendo preenchido da forma reconhecida pela companhia o talão do 3º autor, não lhe seria efectuado o pagamento. Mas, mesmo sendo funcionário da tesouraria, essa testemunha declarou que nunca viu o registo interno da companhia, era um outro gerente que lhe informava se existia o depósito, não sabia a situação verdadeira. Conforme o proc. n.º CR2-18-0382-PCC, antes de investigação criminal da Polícia, o registo informático da sala VIP já foi eliminado, faltando elementos relevantes, o teor do registo da companhia só é descrito pela ré, não há qualquer prova material, de resto, ninguém sabe a forma de operação interna da 1ª ré, o talão de depósito de fichas é o único título, não pode ser suprimido puramente com base na inexistência do registo alegada pela 1ª ré.
A 1ª ré pretende implicar, com um cheque no valor de $3.000.000,00 emitido por R à 1ª autora (fls. 195 dos autos), a existência duma determinada relação entre elas. O cheque próprio não pode justificar que relação existe entre estas. É relação pessoal? Envolve-se a 1ª ré? Tem a ver com as fichas depositadas pela autora? Foi por vontade própria ou mediante a autorização da 1ª ré que o funcionário emitiu o talão em nome da 1ª ré? Não deixa de ser necessário apresentar mais provas materiais para apoiar que a 1ª ré completamente não concordou ou autorizou a emissão, o depoimento fraco de apenas 1 testemunhas é evidentemente insuficiente para suportar que o talão de depósito de fichas não foi emitido pela sala VIP explorada pela ré.
Após feita uma análise sintetizada das provas documentais e depoimentos das testemunhas, o Tribunal deu assente que os 3 autores depositaram fichas na sala VIP e não conseguiram levantar o dinheiro, pelo que, deu assentes os factos dos quesitos 2 a 24 e 25 a 27.».
Toda a argumentação da Ré D e aqui Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto, assenta naquele que é o seu entendimento daquela que haveria de ter sido a resposta do tribunal.
Pese embora reproduza parte dos depoimentos das testemunhas o que da análise feita dos mesmos pela Recorrente resulta é que esta acredita no depoimento da sua testemunha mas não acredita nos depoimentos das dos autores nem na isenção daquelas que têm acções idênticas à dos autos.
Contudo, como resulta da fundamentação usada pelo tribunal “a quo” não tendo sido irrelevante o depoimento das testemunhas para enquadrar a situação, a sua convicção quanto aos depósitos terem sido realizados resulta essencialmente do documento apresentado, o talão de depósito, a cerca do qual se diz : «Embora os talões não sejam preenchidos como de costume, têm a assinatura do responsável e do funcionário da sala VIP bem como o carimbo da companhia, isto é, o funcionário aceitou o depósito em nome da companhia, não se pode negar que os talões foram emitidos pela companhia meramente com base em diferença da forma de preenchimento ou omissão».
As testemunhas podem não ter assistido à entrega das fichas nem assistido à contagem das mesmas o que até se entende pelo decoro social em que alguém que acompanha outrem a fazer um depósito não vai ficar ali a olhar e a contar o valor numa total devassa da vida alheia, sendo certo que, na vida normal ninguém admite que tenha de vir a ser testemunha de tal acto.
No entanto o que estas sabem e viram com os documentos existentes permite alicerçar a conclusão que o tribunal “a quo” retirou.
Por outro lado o registo informático que se invoca e do qual o depósito não consta nunca foi apresentado, pelo que, na ausência de melhor prova, não resultando da fundamentação usada que se haja cometido erro grosseiro ou violado regras de prova tarifada, não cabe a este tribunal fazer um novo julgamento da matéria de facto, mas apenas apreciar se daquele que foi feito resulta ter havido erro, e na ausência deste confiar no juízo feito o qual beneficiou do princípio da imediação, isto é, do contacto pessoal do julgador com a prova produzida – cf. Viriato Lima, Manual de Processo Civil, Acção Declarativa Comum, 3ª Edição, pág. 39 -.
A fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” mostra-se, assim, coerente e suficiente para extrair a conclusão a que ali se chegou.
Sobre esta matéria veja-se Acórdão deste Tribunal de 15.10.2021 proferido no processo nº 240/2021:
«Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.».
Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória objecto do recurso, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 599º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso nesta parte.
No que concerne à decisão de direito no essencial a argumentação da Recorrente resulta de pressupor que obteria provimento quanto ao recurso da decisão sobre a matéria de facto, o que não logrou conseguir, para além de considerar errada a qualificação jurídica constante da sentença recorrida e a sobretaxa de 2% sobre os juros de mora.
Sobre esta matéria consta da decisão recorrida o seguinte:
«Relação jurídica estabelecida entre os Autores e a 1ª Ré
Os Autores alegaram que depositaram as fichas em numerários no valor de HK$3.000.000,00, HK$10.500.000,00 e HK$2.000.000,00 na sala VIP D explorada pela 1ª Ré, tendo este emitido talões de depósito.
Dispõe-se o art°1111° do C.C., “Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que o guarde, e a restitua quando for exigida.”
Prevê-se, por outro lado, o art°1131° C.C., “Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis.” A este é aplicável o regime de contrato de mútuo, na medida possível. (art°1132° C.C.)
Vem comprovado que os Autores eram membros da Sala VIP D, tendo cada um aberto uma conta de depósito de fichas com os n° ..., (1ª Autora), n° ... (2° Autor) e n°... (3° Autor), as quais se serviam para o depósito, troca de fichas bem como o recebimento de comissão pela troca de fichas.
Os três Autores depositaram, em 21 de Janeiro de 2015, 10 de Agosto de 2015 e 6 de Março de 2014, fichas em numerários da E no valor de HK$3.000.000,00, HK$10.500.000,00 e HK$2.000.000,00, respectivamente, nas acima referidas contas no balcão da tesouraria da Sala VIP D da 1ª Ré, tendo esta lhes emitido talões de depósito de fichas, pelos funcionários da sala VIP.
Ora, as contas fornecidas pela 1ª Ré aos membros da sala VIP se serviam ao depósito das fichas e recebimento das comissões pela troca das fichas, dúvidas não deverão haver que as fichas de jogo entregues pelos Autores à 1ª Ré eram para a 1ª Ré as guardar ou conservar. Assim, entre os Autores e a 1ª Ré foi estabelecida a relação de depósito regular, assumindo a 1ª Ré a qualidade de depositário, com a obrigação de guardar as fichas e de as restituir quando for exigida.
Sendo as fichas de jogo coisas fungíveis nos termos do art°197° do C.C., a relação é qualificada como depósito irregular. A essa relação é aplicável o regime jurídico do mútuo, por força do disposto do art°1132° do C.C., portanto, é sob esse regime jurídico é que determina o vencimento da obrigação e se ocorrer o incumprimento.
Assim, ao abrigo do disposto do n°1 do art°1075° do C.C., após a devida adaptação, “Na falta de estipulação de prazo, a obrigação do depositário, se for gratuito, só se vence 30 dias após a exigência do seu cumprimento.
No caso, nada consta dos factos assentes a fixação do prazo para o depósito, nem da remuneração pelo depósito das fichas, o contrato é considerado gratuito.
Sendo contrato gratuito, a obrigação de restituição por parte do depositário só se vence 30 dias após a interpelação do cumprimento. Vem comprovado que os Autores exigiram à 1ª Ré a restituição das fichas nas seguintes datas: 10 de Setembro de 2015 (1ª Autora), Setembro de 2015 (2° Autor) e final do ano 2015 (3° Autor). A obrigação da 1ª Autora venceu-se em dia 10 de Outubro de 2015, enquanto as dos 2° e 3° Autores só se consideram vencidas após o decurso de 30 dias sobre o último dia de Setembro e do ano 2015, pelo que tem a 1ª Ré a obrigação de lhe devolver as fichas ou valor equivalente, com o decurso o prazo acima referido.
Dos factos assentes não vem comprovado que a 1ª Ré procedeu ao pagamento, cujo ónus de prova lhe incumbiu, visto que o pagamento é facto extintivo do direito invocado pelos Autores. A inobservância do ónus tem como consequência que a decisão se soluciona em desfavor dela, portanto, é considerado verificado o incumprimento por parte dela na restituição das fichas. O incumprimento é também imputável à 1ª Ré, uma vez que não se mosta ilidida a presunção a que se refere o artº 788º do C.C..
Nestes termos, julga-se procedente o pedido de restituição em relação à 1ª Ré.
Juros de mora
Para além da quantia depositada, peticionam os Autores os juros moratórios à taxa legal acrescida de sobretaxa de 2%, contados a partir de 10 de Setembro de 2015 (1ª Autora e 2° Autor) e de 16 de Setembro de 2015 (3° Réu).
Nos termos do art°793° do C.C., “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
Como se refere acima, a 1ª Ré tinha que devolver as fichas em numerários aos Autores em 10 de Outubro de 2015, 30 de Outubro de 2015 e 30 de Janeiro de 2016, decorrido o prazo sem ter mostrado a realização de pagamento, incorreu-se em mora no cumprimento da sua obrigação.
“A mora é o atraso culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível.” (Antunes Varelas, in Das Obrigações em geral, Vol. II. pag. 112)
De acordo com o disposto do n°1 e 2 do art°795° do C.C., conjugado com a ordem executiva n°29/2006 de 6 de Julho, por se tratar de obrigação pecuniária, a indemnização corresponde ao juros à taxa de 9.75% a contar do dia da constituição em mora.
Em relação à sobretaxa de 2%, a 1ª Ré pugnou que não é aplicável ao presente caso o disposto do art°569°, n°2 do Código Comercial, com fundamento de que só os créditos concedidos no âmbito do art°4° da Lei 5/2004 emergem obrigações civis.
Para já, os créditos dos Autores são originados por incumprimento do contrato de depósito irregular, não tendo nada a ver com os empréstimos para jogo, portanto, é completamente impertinente a argumentação da 1ª Ré.
Preceitua-se o n°2 do art°569° do Código Comercial que “aos créditos de natureza comercial acresce, no caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2% sobre a taxa fixada nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto em lei especial.”
Flui desse preceito que a aplicação da sobretaxa de 2% para os juros moratórios afere-se pela natureza comercial ou civil dos créditos.
No caso em apreço, a 1ª Ré é uma sociedade que se dedica ao exercício da actividade de promoção de jogo, para esse efeito, tendo sido autorizada pela 2ª Ré, sub-concessionária do jogo para explorar a sala VIP D no casino deste.
As contas de depósito de fichas abertas pelos Autores na referida sala VIP serviam-se justamente para o depósito de fichas de jogo, troca de fichas de jogo e recebimento das comissões provenientes de troca das fichas, o que faz parte da actividade explorada pela 1ª Ré no âmbito da promoção de jogo. Pelo que os actos praticados pela 1ª Ré no âmbito da promoção de jogo têm natureza comercial, as obrigações resultantes desses actos assumem também a natureza comercial.
Portanto, para além dos juros, é devida ainda a sobretaxa de 2%, a título de juros de mora.
Assim, os Autores têm direito a juros de mora, a taxa legal, com a sobretaxa de 2%, a contar desde os dias seguintes: 10/10/2015 (1ª Autora), 30/10/2015 (2° Autor) e 30/01/2016 (3° Autor).».
Acompanhamos integralmente a decisão recorrida de que a situação de facto subjacente a estes autos configura a existência de um depósito irregular, conclusão também por nós sempre defendida em situações idênticas nada havendo a acrescentar à fundamentação que daquela consta, à qual aderimos sem reservas.
O mesmo se diga quanto à aplicação da sobretaxa de 2% dos juros comerciais, a qual resulta do acto se presumir comercial nos termos da al. b) do nº 1 do artº 3º do C.Com., aderindo-se em tudo o mais fundamentação constante da decisão recorrida quanto a esta matéria.
Destarte, reparo algum há a fazer à decisão recorrida, sendo, também, de negar provimento ao recurso nesta parte.
- Recurso da decisão na parte em que reconheceu prescrito o direito dos Autores relativamente à Ré E absolvendo esta do pedido.
É o seguinte o teor da decisão recorrida quanto à excepção da prescrição:
«Responsabilidade da 2ª Ré
Alegaram os Autores que impende sobre a 2ª Ré a obrigação solidária de indemnização por força do disposto do art°29° do Regulamento Administrativo n°6/2002.
Invocou a Ré com a excepção de prescrição do direito dos Autores, e, a inaplicabilidade da regra prevista no R.A. n°6/2002, ao presente caso.
Prescrição
Debruçamos, em primeiro lugar, sobre a questão de prescrição, visto que o seu conhecimento faz extinguir do direito invocado pelos Autores.
Argumenta a 2ª Ré que a responsabilidade solidária referida no art°29° do R.A. n°6/2002, é extra-contratual, estando sujeito ao prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art°491° do C.C., no momento da instauração da presente acção pelos Autores, já se encontrou decorrido o prazo de prescrição.
Refutando os Autores que a razão de ser da solidariedade das obrigações dos concessionários imposta pelo art°29° do R.A. n°6/2004 não reside na omissão do dever de fiscalização por parte dos concessionários mas no dever de escolha, com rigor, dos seus colaboraDs, para promoção de jogo, o que não pressupõe a conduta culposa dos concessionários, não sendo aplicável o prazo de prescrição relativo à responsabilidade por factos ilícitos.
Vejamos.
Conforme os factos assentes, a 1ª Ré era promotora de jogo autorizada pela 2ª Ré e a ela foi permitida a instalação da Sala VIP D no estabelecimento explorado por esta, em que aquela tinha tesouraria autónoma destinada à troca, depósito e levantamento das fichas de jogo aos seus membros.
No exercício da actividade de promoção de jogo, a 1ª Ré aceitou o depósito de fichas de jogo em numerários realizados pelos Autores.
A obrigação da 1ª Ré de restituir as fichas de jogo nasce do contrato de depósito irregular. A fonte dessa obrigação é, sem dúvida, responsabilidade contratual.
Mas, os contratos foram apenas celebrados entre os Autores e a 1ª Ré, sendo a 2ª Ré alheia em relação a estes vínculos, portanto, os contratos de depósito irregular não poderão produzir qualquer efeito em relação à 2ª Ré.
Porém, estatui-se o art°29° do R.A. n°6/2002 “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normais legais e regulamentares aplicáveis.”
Como é consabido, a actividade de promoção de jogo é componente essencial na ecologia de jogo de RAEM, a principal função dos promotores de jogo é angariar clientes para jogar nos casinos da concessionária, sendo uma das condições do acesso ao exercício da actividade de promoção de jogo o registo junto de uma das concessionárias.
A exploração da actividade de promoção de jogo está condicionada com a autorização das concessionárias ou subconcessionárias. Razão pela qual as concessionárias têm que apresentar uma lista dos promotores de jogo que vão operar no seu casino ao D.I.C.J por cada ano. (art°23°, n°5 da Lei n°16/2001)
Parece ser pacífico que não existe entre os promotores de jogo e concessionárias uma relação de dependência, a actividade de promoção de jogo prestada pelos promotores de jogo não está sujeita às ordens ou instruções das concessionárias. A relação entre elas não é considerada como comitente e comissário.
Sendo certo que a actividade prestada pelos promotores de jogo é em benefício das concessionárias, pois todas as facilidades prestadas pelos promotores de jogo aos clientes/jogaDs têm o único objectivo de estes jogarem no casino das concessionárias, a partir daí estas poderão obter lucros.
As concessionárias gozam do direito exclusivo de explorar os casinos, os seus proveitos principais provêm dos jogaDs que façam apostas de jogo e azar nos seus casinos. A procura dos jogaDs a jogar no casino é relevante para que as concessionárias obtenham lucros da exploração de jogo.
O legislador não ignora o papel desempenhado pelos promotores de jogo na exploração de jogo de fortuna ou azar, assim, no momento da regulamentação do regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino prevista pela Lei n° 16/2001, tem previsto a figura dos promotores de jogo, permitindo às concessionárias, em vez de angariar por si próprias os clientes para jogar, a serem colaborados por terceiros, por escolha sua. Os promotores de jogo são, sob essa perspectiva, colaboraDs ou auxiliares das concessionárias.
É justamente por essa relação especial entre as concessionárias e promotores de jogo, o legislador exige àquelas a responsabilidade solidária pelas actividades desenvolvidas no casino pelos dos promotores jogos.
Julgaremos que essa opção legislativa se baseia na ideia semelhante da responsabilidade pelo risco ou objectiva, sobre a qual só se poderá aplicar o regime jurídico da responsabilidade extra-contratual.
Entretanto, a solidariedade dessas obrigações dos promotores do jogo e dos concessionários não irá alterar a fonte das obrigações da cada um nem do regime jurídico que lhe é aplicável.
Com efeito, a noção de solidariedade consagrada na nossa lei é ampla. São notas típicas da solidariedade passiva o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos deveDs e o efeito extintivo recíproco da satisfação, dado por qualquer deles aos direitos do credor. (Antunes Varelas, in Obrigações em Geral, Vol. I., pg. 747)
Portanto, nada impede que a causa da obrigação de cada responsável seja diferente para cada um dos responsáveis solidários e que as obrigações nasçam de factos distintos.
A solidariedade das obrigações do promotor de jogo e dos concessionários não resulta da causa das obrigações de qualquer deles mas sim da lei que entende haver interesse de arcar os concessionários com a responsabilidade pelos actos praticados pelos promotores de jogo escolhidos por elas.
No caso em jogo, a 1ª Ré assumirá a responsabilidade contratual e a 2ª Ré só assumirá a responsabilidade extra-contratual ou pelo risco, sendo a cada uma aplicável o regime jurídico correspondente à sua responsabilidade.
Assim, atenta à natureza jurídica da responsabilidade extra-contratural que a 2ª Ré eventualmente assumirá, é-lhe aplicável a regra de prescrição mais curta de três anos prevista no art°491°, ex vi, art°492° do C.C..
Volvido ao caso, os direitos dos Autores encontra-se vencidos, respectivamente, em 10 de Outubro de 2015, 30 de Outubro de 2015 e 30 de Janeiro de 2016, o prazo de três anos para exercer o direito contra a 2ª Ré terminou, respectivamente, em 10 de Outubro de 2018, 30 de Outubro de 2018 e 30 de Janeiro de 2019, mas a presente acção só deu entrada em 17 de Maio de 2019, cerca de 3 anos e 7 meses, 3 anos e 6 meses e 3 anos e 3 meses depois.
Assim, o direito que os Autores invocam contra a 2ª Ré já se encontra prescrito, nos termos do disposto do art°491°, n°1 do C.C.M.
Verificada está a prescrição do direito invocado pelos Autores, outra solução não poderão ser senão julgarem-se improcedentes os pedidos do Autores em relação a esta.».
Nas suas conclusões de recurso entendem os Autores que aos deveDs solidários se aplica a mesma regra da prescrição que à relação subjacente independentemente da causa responsabilidade, excluindo que a responsabilidade da Ré E o seja pelo risco, mas que, se não fosse pelo risco nem contratual, então como o legislador do regulamento Administrativo nº 6/2002 não fixou prazo de prescrição, este seria o ordinário.
Invocam os Autores/Recorrentes e bem, que o devedor solidário pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condeveDs, nos termos do nº 1 do artº 507º do C.Civ., mas, não faz correcta aplicação do conceito.
A circunstância dos meios de defesa pessoais entre os condeveDs poderem não ser iguais decorre, entre muitas causas, precisamente de a fonte da obrigação poder não ser a mesma para todos.
Invocam os Autores como fonte da obrigação da Ré E o disposto no artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
Óbvio fica que a responsabilidade civil da 2ª Ré não decorre de qualquer contrato pois nada se alega que haja sido celebrado entre si e os Autores, igualmente não se invoca que decorra da prática de factos ilícitos.
Logo, estão excluídas a responsabilidade contratual e a extracontratual.
A ser assim, apenas nos resta a responsabilidade objectiva, que mais não é do que uma forma de responsabilidade pelo risco prevista em legislação especial avulsa para além das que resultam nos artº 492º e seguintes do C.Civ..
A responsabilidade objectiva resulta de se entender que determinadas actividades pela sua natureza envolvem um risco para terceiros que justifica a responsabilização independentemente de culpa.
Veja-se Antunes Varela em Das Obrigações em Geral Vol. I, 4ª Ed. pág. 557 a 562:
«Há largos e importantes sectores da vida em que as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de sobrepôr às considerações de justiça, alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
Torna-se necessário, quando assim seja, temperar o pensamento clássico da culpa com certos ingredientes sociais de carácter objectivo.
Foi no domínio dos acidentes de trabalho que primeiro se chegou a tal conclusão.
(…)
Ao lado da doutrina clássica da culpa, um outro princípio aflorou assim neste sector: o da teoria do risco.
Quem utiliza em seu proveito coisas perigosas, quem introduz na empresa elementos cujo aproveitamento tem os seus riscos; nunca palavra, quem cria ou mantém um risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais do seu emprego, já que deles colhe o principal benefício (ubi emolumentum, ibi ónus; ubi commodum ibi incommodum). Quem aufere os (principais) lucros da exploração industrial, justo é que suporte os encargos dela, entre os quais se inscreve, como fenómeno normal e inevitável, o dos acidentes no trabalho.
A imposição desta responsabilidade constituirá, por outro lado, um estímulo eficaz ao aperfeiçoamento da empresa, tendente a diminuir o número e a gravidade dos riscos na prestação de trabalho, bem como a segurar os empregados contra os acidentes a que continuamente se encontram expostos.
(…)
A partir da evolução registada nestes dois sectores, muitos foram os autores que pretenderam ampliar o domínio da responsabilidade objectiva a outras actividades também consideradas perigosas, transplantando para o âmbito delas o mesmo critério de justiça distributiva (ubi commoda ibi incommoda), que serve de fundamento ao regime excepcional da responsabilidade no capítulo dos acidentes de trabalho e dos acidentes de viação.».
É essa a situação dos autos quanto à Ré E.
A sua responsabilidade é meramente objectiva, isto é, responsabilidade pelo risco.
Nos termos do artº 492º do C.Civ. aplicam-se à responsabilidade pelo risco as regras da responsabilidade pelos factos ilícitos (na falta de disposição legal em contrário) a qual no artº 491º do mesmo diploma legal consagra que o prazo de prescrição do direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a partir do momento que o Autor teve conhecimento do direito e da pessoa do responsável.
É este o sentido da decisão recorrida, a qual pelas razões expostas nenhum reparo nos merece, aderindo-se mais uma vez à fundamentação que da mesma consta.
Não desconhecemos que há jurisprudência comparada que tem vindo a sustentar que respondendo o comitente nos mesmos termos do comissário a responsabilidade daquele se deve manter durante todo o tempo que este estiver obrigado a indemnizar.
No entanto para se estender este entendimento à situação sub judice pressupõe que a responsabilidade emergente do artº 29º do regulamento Administrativo nº 6/2002 é análoga à responsabilidade do comitente, posição com a qual não concordamos.
A responsabilidade objectiva ou responsabilidade pelo risco, já definida supra, está prevista no Código Civil para várias situações, vg. danos causados por animais, acidentes causados por veículos, danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás, também em direito especial do trabalho no caso dos acidentes de trabalho, mas nada impede que o modelo de responsabilidade sem culpa se estenda a outras actividades ou eventos.
Quer com isto dizer-se que não têm de se fazer corresponder a situação do indicado artº 29º a qualquer um dos modelos do Código Civil, mas apenas extrair da responsabilidade pelo risco as regras gerais que se aplicarão a outras tantas situações que possam ser criadas em legislação avulsa de responsabilidade objectiva, isto é, que não seja contratual nem por factos ilícitos.
Se não vejamos o que se diz a respeito da responsabilidade do comitente no C.Civ. artº 493º:
Artigo 493.º
(Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 490.
Ora, na situação dos autos o promotor de jogo, de acordo com a actual legislação, para o poder ser tem de estar autorizado pelo governo no âmbito de uma licença especialmente emitida para o efeito e mediante a verificação de determinados requisitos.
O mesmo governo que como se explica no Acórdão do TUI de 19.11.2021 proferido no processo nº 45/2019 através de um contrato administrativo – o contrato de concessão – concede a um ente particular a autorização para o exercício de uma actividade que apenas à RAEM é permitida.
Veja-se no indicado Acórdão quando se diz: «é ter igualmente presente que, o que em bom rigor agora em causa está, não consiste em apurar tão só e apenas dos “efeitos patrimoniais” de uma (mera) “relação jurídica do foro – puramente – pessoal”, mas sim, de ponderar e decidir da existência, (ou não), da atrás já referida “responsabilidade solidária”, tendo-se presente que a mesma diz respeito a “factos” ocorridos no âmbito do (normal) exercício de uma “actividade” que, (como se viu, para além de essencial ao turismo, economia e finanças da R.A.E.M.), tem “características” (especiais e muito) “próprias”: precisamente, a actividade de “promoção de jogo”, necessariamente – licenciada e – exercida no âmbito e em “conexão” com uma “concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino”.
Nesta conformidade, oportuno e pertinente se afigura desde já de convocar – e salientar – o estatuído no art. 7°, n.° 1 da (atrás referida) Lei n.° 16/2001, onde se prescreve que “A exploração de jogos de fortuna ou azar é reservada à Região Administrativa Especial de Macau e só pode ser exercida por sociedades anónimas constituídas na Região, às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, nos termos da presente lei”, sendo de se ter igualmente presente que – como já afirmava Marcello Caetano – uma “concessão” traduz-se na “transferência de poderes próprios de uma pessoa administrativa para um particular”, (…), que por isso, pela sua própria natureza, não pode deixar de ser “temporária” e “parcial”, conservando, necessariamente, o órgão administrativo concedente “poderes de vigilância e de defesa do interesse público”; (cfr., Marcello Caetano in, “Estudos de Direito Administrativo, Subsídios para o estudo da teoria da concessão de serviços públicos”, pág. 92 e segs.).
A propósito do tema, e em nossa opinião, com plena aplicabilidade ao regime localmente estabelecido, escrevem também Freitas do Amaral e Lino Torgal que:
“(…)
No ordenamento jurídico-positivo português, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar perfila-se, inequivocamente, como um contrato administrativo, isto é, como um acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
É-o, em primeiro lugar, por determinação de lei (…)
E é-o, depois, por natureza: tem por objecto a transferência (temporária e parcial) para um particular do exercício de um direito legalmente reservado à Administração, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral. Trata-se, pois, de uma concessão em sentido técnico: por seu intermédio, fica um sujeito privado habilitado a exercer temporariamente uma actividade de interesse público por lei integrada na esfera de atribuições do concedente. (…)”; (in “Estudos sobre Concessões e outros actos da administração, Concessão de Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar: da Prorrogação do Prazo e outras alterações do contrato”, pág. 533 e 534).».
De igual modo, e no âmbito da mesma reserva à Administração de exercício da actividade, apenas os promotores autorizados pelo governo nos termos do artº 6º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 podem exercer a actividade.
E podem exercer essa mesma actividade com várias concessionárias e subconcessionárias.
O exercício de uma actividade que fazem em nome próprio.
Destarte, os promotores de jogo embora colaborem, contribuam para o exercício da actividade da concessionária/subconcessionária não o fazem porque hajam sido encarregues por estas de uma “comissão”, isto é, de uma incumbência ou encargo7.
Veja-se ainda o nº 2 do artº 493º do C.Civ. em que é claro que o “comissário” actue segundo as “instruções” do comitente e no exercício da “função” que lhe foi confiada.
Ainda sobre a relação de comissão veja-se Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., pág. 564/565:
«Para que haja responsabilidade objectiva deste, o primeiro requisito é que haja comissão – que alguém tenha encarregado outrem de qualquer comissão (art. 500.º, I).
O termo comissão tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc..
A comissão pressupõe uma relação de dependência (droit de direction, de surveillance et de controle, na expressão da jurisprudência francesa) entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. É o caso do criado em face do patrão, do operário ou empregado em relação à entidade patronal, do procurador quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo.
Por falta de tal relação não podem considerar-se comissários do dono da obra as pessoas que o empreiteiro contrata para execução desta, nem o empreiteiro em face do proprietário, nem o motorista de táxi em face do cliente ou passageiro. Também o médico que trata o doente não é comissário deste, mas já pode funcionar como tal, relativamente ao dono da casa de saúde em que preste serviços.
A relação de subordinação pode ter carácter permanente ou duradouro, como quando provém de um contrato de prestação continuada ou periódica, ou ser puramente transitória, ocasional, limitada a actos materiais ou jurídicos de curta duração (condutor que é encarregado de levar o veículo de um local para outro; operário que se manda executar um conserto ou fazer uma reparação).».
Ora, não é a esta a situação do promotor de jogo.
A actividade de promoção de jogo está definida no artº 2º do Regulamento nº 6/2002 e «considera-se de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designada por promoção de jogos, a actividade que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogaDs, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento, em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária.».
O promotor de jogo não actua no âmbito de uma incumbência previamente definida pela concessionária, mas no exercício de uma actividade de angariação de clientes que lhe é própria e gerida por si autónoma e independentemente da concessionária.
Veja-se a propósito o indicado Acórdão do TUI: «Regulamento Administrativo n.° 6/2002, (que nos termos do art. 1°, e quanto ao seu “Âmbito” preceitua que “O presente regulamento administrativo regula a actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, nomeadamente os processos de verificação da idoneidade e de licenciamento dos promotores de jogo de fortuna ou azar em casino, adiante designados por promotores de jogo, o registo destes junto de concessionárias para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino, adiante designadas por concessionárias, bem como o pagamento das comissões ou outra remunerações que sejam pagas aos promotores de jogo”).
Em face do consignado, evidente (e inquestionável) se nos apresenta a acentuada relevância (e directa influência) que o “direito público”, em especial, o “administrativo”, tem sobre a “matéria” (e “questão”) a tratar na presente lide recursória, (não se mostrando assim de todo adequada uma sua abordagem como se de uma pura (e mera) “relação de direito-privado” se tratasse), pois que não se pode olvidar que em causa não deixa de estar o “interesse público” (e de toda uma colectividade), e que, nos termos do art. 2°, n.° 1, alínea 6), da dita Lei n.° 16/2001, os “promotores de jogo”, (no caso, a 1ª R.), são definidos como “«agentes» de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino, (…)”, (no mesmo sentido, vd., art. 2° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002), e que, preceitua o art. 6°, n.° 1 deste (mesmo Regulamento Administrativo n.° 6/2002) que: “O acesso à actividade de promoção de jogos depende da atribuição pelo Governo, através da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, de uma licença de promotor de jogo”, prescrevendo também o seu art. 24°, n.° 1 que: “Os promotores de jogo exercem a sua actividade nos termos do contrato celebrado entre si e uma concessionária”».
Porém, dadas as características da actividade em si, da relevância para a economia e do interesse público em causa, impende sobre a concessionária/subconcessionária que contrata com o promotor de jogo o dever/obrigação de fiscalização da forma como a actividade é exercida vindo a ser responsabilizada pelas obrigações que o promotor de jogo assumir e não cumprir por lhe estar subjacente o benefício da actividade deste, isto é, a máxima da responsabilidade objectiva “ubi commodum, ibi incommodum”.
O princípio subjacente à responsabilidade da concessionária na situação subjudice é o mesmo que subjaz à responsabilidade da entidade patronal no acidentes de trabalho, ambas porque não podem ser imputáveis a título de culpa e ambas sem que tenha de haver equiparação a alguma das situações previstas no Código Civil como de responsabilidade pelo risco, mormente a relação comitente/comissário.
Como resulta do Acórdão do TUI supra indicadao «“Perante o Governo, é sempre uma concessionária a responsável pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo, seus administraDs e colaboraDs e pelo cumprimento por parte deles das normas legais e regulamentares, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade”.
(…)
Por sua vez, dispõe o art. 29° do mencionado Regulamento Administrativo, (que tem como epígrafe “Responsabilidade das concessionárias”) que:
“As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administraDs e colaboraDs destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”.
(…)
Assentando em “motivos objectivos” e “razões de partilha dos benefícios e riscos”, tem – essencialmente – em vista, beneficiar o “ofendido”, permitindo-lhe a faculdade de eleger, de entre os “responsáveis”, aquele que se lhe apresente com maior resistência económica para suportar o encargo ressarcitório que reclama e pretende vir a obter, equiparando-se, por assim dizer, “quem fez” com “quem não fez e devia fazer”, “quem deixou de fazer e não se importou que se fizesse”, “quem financiou para que se fizesse”, ou ainda, “quem beneficia quando os outros fazem”…
Porém, como já se referiu, (e no que para aqui, agora, especialmente releva), impõe-se ter presente que necessária não é uma “identidade de causa” – “fonte” – para que se possa estar perante uma “obrigação solidária”.».
Aqui chegados temos por assente a situação prevista no artº 29º do indicado Regulamento Administrativo sendo de responsabilidade pelo risco ou objectiva, como se entenda chamar-lhe, não carece de ser equiparada à relação comitente/comissário, a qual vai muito para além do dever de fiscalização que impende sobre as concessionárias sobre os promotores de jogo.
Pelo que, não descurando que há jurisprudência comparada que sustenta que o comitente responde independentemente do decurso do prazo enquanto a obrigação for exigível do comissário, entendemos que, a situação dos autos não se enquadra naquele quadro, cabendo ao devedor escolher e decidir o tempo em que o faz, quando no caso em apreço quiser exigir o cumprimento da obrigação não só daquele com quem contratou mas também daquele que por força da responsabilidade objectiva é solidariamente responsável.
À semelhança do que ocorre com a situação prevista no artº 514º do C.Civ., deixando o devedor decorrer o tempo em que pode exigir o cumprimento da obrigação de quem é solidariamente responsável nos termos do artº 29º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, apenas a si (devedor) se lhe pode imputar a inércia, nada justificando em nosso modesto entender que se estenda o prazo de prescrição sem que tal encontre suporte na letra da lei, sempre sem prejuízo de em termos de direito a constituir se vir optar por essa solução, mas que não cabe no direito constituído.
Assim sendo, impõe-se decidir em conformidade negando provimento a este recurso e mantendo a decisão recorrida que julgou procedente a excepção da prescrição quanto à Ré E absolvendo-a do pedido.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos negando-se provimento aos recursos interpostos, mantêm-se as decisões recorridas nos seus precisos termos.
Custas pelos Autores e Ré Recorrentes quanto aos recursos por cada um interposto.
Registe e Notifique.
RAEM, 9 de Junho de 2022
Rui Pereira Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 A partir deste número, correcção de numeração porque se omitiu o nº. 66.
2 João de Matos Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», Vol. I, (trad.) Tong Io Cheng, P. 342
3 João de Matos Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», Vol. I, (trad.) Tong Io Cheng, P. 419
4 João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, «Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, Jurisprudência» Vol. VII, 2020, P. 347
5 Mário Júlio de Almeida Costa, «Direito das Obrigações», Almedina, 10.ª edição, P. 613
6 Consta aqui na resposta dada a palavra “1ª Ré” que foi inscrito por mero lapso, como se resulta, obviamente, do sentido da resposta, que a eliminou oficiosamente.
7 Veja-se Dicionário da Língua Portuguesa, 2009, Dicionários Editora
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192/2022 CÍVEL 1