Processo nº 48/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 26 de Maio de 2022
ASSUNTO:
- Marcas
- Carácter distintivo
- Vocábulos para designar a espécie do produto
- Factos
- Prova
SUMÁRIO:
- A marca tem como função servir à identificação do produto e do produtor distinguindo-o de outros da mesma espécie;
- Os vocábulos comuns ou sinais genéricos podem ser distintivos e inovadores se tiverem adquirido o que a Doutrina classifica como “secondary meaning” ou se não tiverem relação ou conexão alguma com os produtos a que se destinam e que visa distinguir;
- Sendo a decisão sobre a matéria de facto deficiente, impõe-se que oficiosamente seja anulada ordenando a remessa dos autos ao tribunal “a quo” para que profira nova decisão sobre a matéria de facto invocada.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 48/2022
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 26 de Maio de 2022
Recorrente: A
Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que recusou o seu pedido de registo da marca nº N/166483 pedindo que seja revogado o despacho de recusa da DSEDT, sendo substituído por outro que conceda a marca objecto do presente recurso.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio a Requerente da marca e Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
1. Sendo a marca um sinal distintivo de comércio que tem por finalidade primordial a individualização de produtos ou serviços de uma empresa, distinguindo-os dos de outras empresas (art.º 197.º do RJPI), a eficácia distintiva da marca apresentada a registo estaria sempre assegurada porque não existe qualquer risco do consumidor ser induzido em erro, contrariamente ao afirmado no despacho da DSEDT e na Douta Sentença recorrida que, com a devida vénia, aplicaram mal a lei ao caso.
2. Com efeito, a composição da marca é tendencialmente livre sendo que o facto de esta conter palavras concretas e com significado não afasta, per se, a capacidade distintiva do sinal, pois seria absurdo que só pudessem constituir marcas nominativas expressões de fantasia.
3. Razão pela qual o facto de as palavras que compõem a marca registanda, escritas na língua inglesa “B” e “C” terem significado próprio, como acontece com todas as palavras que não sejam meramente fantasiosas, não é per se impeditivo do registo da marca se ela for capaz de sinalizar a proveniência do(s) produto(s) e de os diferenciar dos demais concorrentes, como é o caso.
4. Na verdade, a utilização da expressão C não pretende aludir sem mais ao produto caviar, mas sim constituir uma metáfora para uma experiência única, uma experiência de luxo que o consumidor dos produtos da marca registanda poderá usufruir se os comprar.
5. De facto, tudo nos produtos da gama B C convocam o luxo, esplendor, grandiosidade, opulência: desde o elevado preço, não acessível a todos; até à sofisticação das próprias embalagens dos produtos e bem assim aos próprios materiais publicitários e eventos de lançamento de produto, quase sempre em locais de requinte e dirigidos a um público convidado para o efeito (como resulta de forma muito clara da prova junta).
6. É, por isso, notório que o consumidor dos produtos com a marca B C não é um qualquer consumidor: desde logo é um consumidor que pode pagar os produtos de custo elevado e, por isso, é um consumidor que se movimenta em certos círculos restritos de luxo, requinte e sofisticação.
7. Efectivamente, não estamos perante um produto de consumo de generalizado, destinado a um qualquer consumidor, mas sim perante um produto exclusivo, de “colecção” e, por isso mesmo, o seu público relevante não é um consumidor qualquer e não é um consumidor que confunde os produtos da Recorrente com os produtos de um qualquer dos seus concorrentes;
8. é sim um consumidor bem informado, ponderado e que conhece e está informado sobre a origem e proveniência dos produtos B C da Recorrente e distingue-os facilmente dos seus demais concorrentes, não escolhendo estes produtos por impulso, muito pelo contrário, podendo por isso considerar-se o seu grau de atenção acima da média.
9. Daí que o consumidor, precisamente porque já conhece a Recorrente e a marca B C - de resto marca notoriamente conhecida a nível mundial - não irá deixar de entender a marca pedida a registo como um sinal distintivo de comércio adequado a distinguir os produtos assinalados pela Recorrente dos demais agentes no mercado, e não como uma mera referência a uma das possíveis matéria-prima do produto.
10. Tudo quanto supra se expôs sobre a capacidade distintiva do sinal registando em si mesmo é também demonstrado pelo facto de serem muitíssimas as jurisdições onde esta mesma marca B C foi concedida, e muitas delas onde a língua Inglesa é inclusivamente a língua materna e/ou língua oficial como é o caso do Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.
11. Na verdade, constitui ainda facto muitíssimo relevante a circunstância de a marca B C - Registo Internacional nº 1510685 - se encontrar registada e em vigor, para assinalar os mesmos produtos da classe 3ª em várias jurisdições, conforme se apura através da informação disponível na Organização Mundial da Propriedade Industrial.
12. Sem prejuízo do exposto, por outro lado ainda, acresce também que a lei contempla a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, um sinal que à partida poderia não ser idóneo para identificar a origem empresarial de um produto ou serviço possa, pelo uso que dele é ou tiver sido feito, adquirir capacidade distintiva (artigos 199º nº 2 e 214º, nº 3 do RJPI).
13. Na verdade, como melhor ficará demonstrado infra, na sequência do uso continuado e intensivo desde 2015 da marca B C em Macau e bem assim na China Continental e em Taiwan (os quais também devem ser tidos em conta para este efeito) essa expressão adquiriu eficácia distintiva, podendo por isso ser registada como marca.
14. Esta interpretação tem sido de resto seguida por vários Institutos de Marcas entre os quais, por exemplo, o Instituto Português e o Instituto de Marcas do Reino Unido, que entenderam que a marca B C tinha adquirido carácter distintivo pelo uso dela feito nos respectivos territórios, conforme cópia das respectivas decisões que se juntaram aos autos.
15. Para efeitos de prova do carácter distintivo adquirido da marca B C, a Recorrente possui uma panóplia diversa de elementos (facturas, eventos realizados, prémios granjeados, menções constantes na imprensa) quer por referência ao território de Macau, quer ainda à China Continental e a Taiwan, não só pela proximidade territorial que estes territórios apresentam, mas também pela proximidade cultural e linguística do consumidor, como de resto tem sido entendido jurisprudencialmente.
16. Assim, por todo o exposto, e atentas as diversas evidências juntas, entende a Recorrente que estão claramente verificados os requisitos previstos no RJPI para que a marca em apreço possa ser concedida para assinalar os produtos requeridos constantes do pedido de registo, porquanto não se verifica nenhuma das excepções e limitações à protecção registal como marca, nem nada mais existe que obste a tal concessão, tendo de resto a marca registanda adquirido carácter distintivo atenta também a notoriedade de que beneficia em todo o mundo.
17. Ora pronunciando-se sobre esta questão a Douta Sentença recorrida entendeu que a prova junta não seria suficiente para provar o carácter distintivo adquirido pela marca registanda na medida em que a prova apenas refere que esta apenas é usada desde 2017.
18. Ora esta apreciação e conclusão é, com a devida vénia, errada e, sem qualquer suporte na lei, jurisprudência ou doutrina.
19. Errada porque tal como a Recorrente alegou e demonstrou a marca é usada no referido espaço geográfico pelo menos desde 2015, como atesta a cobertura na imprensa, tendo até sido objecto de prémios já em 2016!
20. Acresce ainda que não existe qualquer limite temporal mínimo, legal ou jurisprudencial, para que tal uso possa relevar para este efeito.
21. Neste contexto, importa referir que segundo o artigo 6.º quinquies C n.º 1 da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, “para apreciar se a marca é susceptível de proteção deverão ter-se em conta todas as circunstâncias de facto, principalmente a duração do uso da marca”.
22. Porém, o legislador europeu e o de Macau não estabeleceram a duração mínima deste uso, fazendo prevalecer a apreciação casuística, de acordo com a posição adoptada também por alguns autores face ao sistema norte-americano.
23. E se a legislação de Macau não estabeleceu qualquer duração mínima para esse uso, pelo que não podia o Douto Tribunal recorrido substituir o legislador, ao exigir uma maior duração temporal de uso.
24. Ademais, por outro lado, se é verdade que a duração do uso da marca é um dos fatores a ter em conta na apreciação que importa efetuar não é o único factor.
25. Por exemplo, na União Europeia, a partir do acórdão de 14 de Dezembro de 2017, bet365 Group/EUIPO - Hansen, T-304/16, o Tribunal de Justiça da União Europeia passou a reconhecer que aquela apreciação depende de um conjunto de fatores, entre os quais se encontram “a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, o alcance geográfico e a duração da utilização desta marca, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, a proporção dos meios interessados que identificam o produto como sendo proveniente de uma determinada empresa graças à marca, bem como as declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais”.
26. Assim, a própria intensidade, alcance geográfico, promoção efectuada desse uso é extremamente relevante nesta apreciação, o que não foi tido em conta pela sentença recorrida.
27. Ora, tendo em conta a panóplia e diversidade de prova junta (comercialização, inúmeros eventos, prémios, referencias múltiplas e consecutivas desde 2015 até à presente data na imprensa, etc) que espelham a constância e intensidade desse uso quer em Macau, como na China Continental e em Taiwan, entende a Recorrente que a Douta Sentença recorrida errou na apreciação que efectuou, não tendo levado em conta esse conjunto de elementos e factores.
28. Assim, deveria a sentença recorrida ter atendido:
․Ao fato de os produtos que a marca registanda visa assinalar não se destinarem a consumo de massa, visando antes um público de produtos luxo, que é por norma atento e informado e que conhece bem a proveniência dos produtos que adquire;
․Ao fato de a expressão B C ser uma alusão ao conceito de luxo, requinte, sofisticação e exclusividade dos produtos da recorrente;
․E que, portanto, a marca registanda é capaz de indicar a proveniência dos produtos distinguindo-os dos demais concorrentes;
․Para além do mais, deveria ter tido em conta que graças ao uso desde o ano de 2015 e graças à intensidade desse uso (na imprensa, em lojas físicas, em promoção através da realização de eventos, a promoção constante na imprensa e a prémios obtidos) no espaço geográfico de Macau, Taiwan e China, a marca registanda adquiriu capacidade distintiva.
29. Pelo que, deverá ser revoga da a Douta Sentença recorrida ser revogada por errada aplicação dos artigos 197.º, 9.º, n.º 1, al. a) e 214.º, n.º 1 e ordenada a substituição por outra que admita o registo da marca N/166483, nos termos conjugados do disposto nos artigos 197º, 214º, nº 3, 199º, nº 1, alínea b) e 199º, nº 2 do RJPI,
Notificada a DSEDT das alegações de recurso veio esta oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
A) Em 11 de Março de 2020, a Recorrente A apresentou à DSE o pedido de registo da marca nº N/166483, cujo modelo é o seguinte: B C, fornecendo produtos na classe 3ª. tais como cosméticos não medicinais, produtos cosméticos para os cuidados da pele; produtos cosméticos para limpeza da pele.
B) O pedido em causa foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 19, II Série, de 6 de Maio de 2020.
C) O chefe do Departamento da Propriedade Intelectual recusou o pedido da Recorrente mediante o despacho proferido em 28 de Maio de 2021, cujo teor se encontra nos autos do processo administrativo e aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) O dito despacho de recusa foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 24, II Série, de 16 de Junho de 2021.
b) Do Direito
O registo da marca em causa foi recusado com base no disposto na alínea b) do nº 1 do artº 199º e nº 3 do artº 214º do RJPI.
Em sede de Recurso vem a Recorrente sustentar que as expressões em causa têm capacidade distintiva e adquiriram “secondary meaning” pelo uso que delas tem feito a Recorrente.
Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 214º do RJPI o registo da marca é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa previsto no nº 1 do artº 9º do mesmo diploma.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 9º do RJPI devem ser recusados os direitos de propriedade industrial quando o objecto não for susceptível de protecção.
Segundo a alínea b) do nº 1 do artº 199º do RJPI não são susceptíveis de protecção «os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comercio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos.».
Como é sabido a marca destina-se a distinguir a origem empresarial dos produtos ou serviços oferecidos ao consumidor, individualizando e distinguindo produtos, mercadorias ou serviços de outros da mesma espécie.
A marca para além de servir a identificação do produto/mercadoria/serviço com o produtor/fornecedor, tem vindo a assumir para além da sua função distintiva uma outra de carácter mais económico e que está directamente relacionada com a sua função publicitária e atractiva1.
Contudo, a função essencial da marca continua a ser o seu carácter distintivo.
Daí que não possam ser constituídas por expressões ou vocábulos comuns sem estarem associadas a qualquer outro sinal distintivo.
A propósito de marcas constituídas apenas por sinais genéricos veja-se Manual de Direito Industrial de Luís M. Couto Gonçalves, Almedina, pág. 171 a 173: «A marca deve, por definição e no cumprimento da sua função própria, ter capacidade distintiva o que significa que deve ser apta, por si mesma, a individualizar uma espécie de produtos e serviços.
A capacidade distintiva da marca, sendo um pressuposto essencial da função da marca, concretiza-se e garante-se, mas não se esgota, nas proibições que a lei expressamente consagra.
O legislador nas als. b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 223.º enumera as situações mais frequentes em que o sinal carece de capacidade distintiva.
a) Sinal Genérico do Produto ou Serviço
Sinal genérico é ou o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa, unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.
Esta proibição vem referida implicitamente na al. a) do n.º 1 do art. 223.º. O sinal genérico corresponde à “antítese de uma marca”.
Ao sinal genérico devem equiparar-se, igualmente, os nomes dos produtos ou serviços incorrectamente redigidos, ou simplesmente abreviados ou, ainda, compostos de simples aditamentos, irrelevantes ou inexpressivos, dos quais não resulte qualquer significado mais sugestivo ou qualquer capacidade individualizadora e, ainda, as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da Comunidade Europeia.
Por outro lado, se um produto ou serviços tiver mais de uma designação própria a proibição alarga-se a ambas as designações.
Ao contrário dos sinais usuais, de que trataremos adiante, a qualificação jurídica de uma denominação genérica depende mais da definição linguística do que do uso por parte do público consumidor. Um sinal pode ser genérico sem ser usual. Uma denominação é genérica quando se refere ao nome próprio (ainda que não o mais usual) do produto ou serviço que assinale ou, ainda, quando designe o conceito (económico ou natural) do género a que esse produto ou serviço pertença de um modo considerado relevante no mercado.».
No caso em apreço as marcas cujo registo se pretende traduzido para português significam “pele caviar”.
A classe para a qual a marca foi pedida foi a 03: Cosméticos não medicinais, produtos cosméticos para os cuidados da pele; produtos cosméticos para limpeza da pele.
Se fizermos uma busca do produto na internet verificamos que os produtos da Recorrente que usam a marca “B C” são produtos para a pele feitos com extracto de caviar.
Veja-se por exemplo: https://www.laprairie.com/en-int/firming-complex/95790-00230-97.html.
Tanto seria o bastante para fundamentar as decisões recorridas uma vez que os vocábulos escolhidos designam a espécie e a qualidade do produto ao identificarem a pele a que se destina o produto e o caviar que o compõe.
Pelo que, bem se concluiu ao entender que a marca em causa não era digna de protecção nos termos da al. b) do nº 1 do artº 199º do RJPI.
Contudo, esta conclusão pode ser afastada se a marca tiver adquirido capacidade distintiva, pelo que, a questão a decidir nesta sede é se a marca já adquiriu carácter distintivo nos termos a que se alude no nº 3 do artº 214º do RJPI.
Sobre esta questão diz-se na decisão sob recurso:
«Quanto à alegação da Recorrente de que a marca registando tem outro significado e tem adquirido carácter distintivo através da sua utilização concreta, entende o Juízo que apenas com as provas documentais apresentadas pela Recorrente não é suficiente para deduzir tal conclusão, porquanto as provas documentais apresentadas só comprovam que os seus produtos de cuidados de pele feitos com caviar começaram a circular no mercado de Macau pelo menos em 2017 e a Recorrente tem balcão no centro comercial em Macau e realizou algumas actividades. Porém, tais factos não sustentam a alegação de que o consumidor só pensa nos produtos da Recorrente quando ver o sinal “B C”, pois os outros concorrentes no sector também estão a usar ou vão usar caviar como o ingrediente dos seus produtos cosméticos e de cuidado de pele. Das provas apresentadas pela Recorrente, acredita o Juízo que o consumidor médio no mercado de produtos cosméticos e de cuidado de pele não vai associar o sinal “B C” à Recorrente (sic).».
Daquela decisão resulta que as provas documentais apresentadas só comprovam que os produtos só começaram a circular no mercado de Macau em 2017, que tem um balcão num centro comercial e realizou algumas actividades.
Contudo, da factualidade elencada na decisão recorrida nada consta sobre esta matéria, não tendo o que se diz qualquer substracto em factos que constem da decisão.
Por outro lado, do requerimento de recurso da decisão da DSEDT apresentado pela Recorrente constam inúmeros factos que a demonstrarem-se podem ser susceptíveis de demonstrar que a marca adquiriu carácter distintivo, tendo sido juntos documentos em formato digital e indicados links para eventual prova dos mesmos, relativamente aos quais na decisão recorrida nada se diz, seja no sentido de se terem provado e porquê, seja no sentido de não se provaram e porquê.
Ou seja, relativamente a toda a matéria de facto que é invocada no requerimento inicial de recurso relacionada com a capacidade distintiva que a marca eventualmente haja adquirido nada se diz, sendo a decisão totalmente omissa.
Face ao disposto no nº 3 do artº 279º do RJPI é entendimento pacífico da jurisprudência ser este um recurso de plena jurisdição, «Nomeadamente, ao nível da prova, o Tribunal pode considerar não só os factos trazidos à colação pela Recorrente e Recorrida, mas todos os outros factos que venham ao seu conhecimento através dos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos» (…) «Donde decorre que estes recursos são de plena jurisdição, em que o Tribunal procede à justa composição dos litígios que lhe são submetidos de uma forma positiva e não de mera legalidade. E o Tribunal não está vinculado à fundamentação da DSE para a sua decisão objecto de recurso, antes é o Tribunal inteiramente livre para apreciar todos os factos relevantes de que pode conhecer e decidir conforme o que entender ser a solução jurídica aplicável, sendo para isso que mesmo ao nível da prova o Tribunal se pode substituir a decisão da DSE e nessa medida exercer função materialmente administrativa, podendo considerar todos os factos que venham ao seu conhecimento através dos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos.» - cf. Acórdão deste Tribunal de 10.11.2011 proferido no processo 883/2009 -.
Ou seja, nada obstava ao tribunal “a quo” acrescentar à factualidade indicada na decisão proferida pela DSEDT outra que entendesse ser relevante para a decisão e que constasse dos autos.
Sendo a decisão do tribunal “a quo” omissa quanto a toda a factualidade que se invocava no requerimento inicial de recurso, bem como, aludindo na sua argumentação de direito a factos que não constam do elenco da factualidade apurada, entende este tribunal que se impõe a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que, - pese embora não tenha sido impugnada a decisão da matéria de facto (impugnando-se apenas as conclusões que se retiraram com base nessa alegada factualidade que não consta) - de acordo com a segunda parte do nº 4 do artº 629º do CPC anula-se oficiosamente a decisão proferida ordenando-se a remessa dos autos à primeira instância para ampliação da decisão sobre a matéria de facto, decidindo-se em face da prova apresentada sobre toda a factualidade invocada no requerimento inicial da Recorrente, proferindo-se posteriormente sentença em função do que se vier a apurar.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, anula-se a decisão recorrida, ordenando a remessa dos autos à 1ª instância para que se profira decisão sobre a matéria de facto invocada no requerimento inicial decidindo-se depois em conformidade.
Custas de acordo com o que vier a ser decidido a final.
Registe e Notifique.
RAEM, 26 de Maio de 2022
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Sobre esta matéria veja-se Carlos Olavo; Propriedade Industrial, Vol. I, pág. 74/75.
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48/2022 CÍVEL 14