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Processo n.º 188/2021 Data do acórdão: 2022-5-26
Assuntos:
– crime de dano
– coisa alheia
– coisa não pertinente à propriedade exclusiva do agente
– art.º 206.o do Código Penal
S U M Á R I O
Desde que a coisa danificada pelo agente não seja pertinente à propriedade exclusiva dele aquando da conduta de danificação, a mesma coisa deve ser considerada ainda, nessa altura, como uma coisa alheia para ele, para efeitos da possível aplicação da norma do art.o 206.o do Código Penal sobre o crime de dano.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 188/2021
(Recurso em processo penal)
Recorrente (assistente): A
Recorrido (arguido): B




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I. RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 470 a 473v do Processo Comum Colectivo n.° CR1-19-0189-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, absolutório do arguido B da prática, em autoria material, na forma consumada, de seis crimes de dano, p. e p. pelo art.o 206.o, n.o 1, do Código Penal (CP), veio a ofendida assistente A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para pedir, na motivação apresentada a fls. 484 a 489 dos presentes autos correspondentes, que se passasse a condenar o arguido nos ditos seis delitos penais então pronunciados pelo Juízo de Instrução, alegando, para o efeito, e na sua essência fulcral, que o Tribunal recorrido errou quando decidiu absolver o arguido por entender pressupor o conceito de “coisa alheia” não ser o agente titular em comunhão do bem em causa, e quando considerou não ter o arguido agido com dolo de danificar, a despeito de o estabelecimento “XX Equipamentos Médicos” estar registado em nome da própria assistente, ex-mulher do arguido.
Ao recurso, respondeu a fls. 493 a 497 dos presentes autos o Digno Procurador-Adjunto junto da Primeira Instância, no sentido de não provimento do recurso, e respondeu também o arguido a fls. 498 a 508 a defender a manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 519 a 520v, opinando pela procedência do recurso, com consequente também medida da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 470 a 473v dos autos, cuja fundamentação fáctica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. O Tribunal autor desse acórdão afirmou aí (concretamente, nas linhas 12 a 16 da página 6 do próprio texto decisório, a fl. 472v dos autos) que não se pode julgar sem dúvida que o arguido agiu com dolo na prática de actos de danificação, porque o arguido provavelmente julgou que não estava a danificar coisa de outrem, por a loja em causa ser bem comum dele e da ofendida assistente no momento da prática dos factos e ter já ele chegado a ser absolvido anteriormente da prática de crime de dano contra a mesma loja conforme o teor de fls. 224 a 227 dos autos.
3. A fls. 224 a 227 dos autos, consta uma cópia da sentença proferida em 22 de Maio de 2015 pelo Tribunal Judicial de Base, absolutória do mesmo arguido da acusada prática, em 15 de Janeiro de 2011, do crime de dano na mesma loja, com fundamento no seguinte entendimento: não é crime, e constitui mero ilícito civil, a danificação de bens comuns do casal, feita por um dos cônjuges em detrimento do outro.
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na motivação do recurso, a assistente chegou a tecer vários argumentos para sustentar o seu pedido de condenação do arguido nos seis crimes de dano então pronunciados pelo Juízo de Instrução Criminal.
Observa-se que o cerne do recurso tem a ver com:
– a questão de saber se a loja dos autos, danificada, por diversos actos do arguido praticados em diversas datas do mesmo mês de Outubro de 2017, em parede exterior, no orifício da fechadura da porta metálica e em vidro da própria loja, deve ser considerada como coisa alheia para efeitos da aplicação, contra o arguido, da norma incriminadora do art.o 206.o do CP, que preceitua, no seu n.o 1, que quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa;
– e a questão de saber se o arguido agiu com dolo na prática de diversos actos de danificação na loja dos autos em diversas datas do mesmo mês de Outubro de 2017.
Quanto àquela primeira questão, a resposta não pode deixar de ser positiva, porquanto a loja dos autos, por não ser pertinente à propriedade exclusiva do próprio arguido na altura dos factos ora em causa, deve ser considerada ainda, nessa altura, como uma coisa alheia para o arguido, para efeitos da aplicação da norma incriminadora da conduta de danificação do art.o 206.o do CP – neste sentido, cfr. a seguinte posição exposta por MANUEL DA COSTA ANDRADE, na página 212 do Tomo II do COMENTÁRIO CONIMBRICENSE DO CÓDIGO PENAL, dirigido por JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Editora, 1999: <>
E agora da segunda questão acima especificada:
Como o arguido chegou a ser absolvido, por sentença de 22 de Maio de 2015, da prática, em 15 de Janeiro de 2011, do crime de dano na mesma loja, com fundamento em que não é crime, e constitui mero ilícito civil, a danificação de bens comuns do casal, feita por um dos cônjuges em detrimento do outro, e tendo os factos de danificação na mesma loja em causa nos presentes autos penais ocorrido depois da data daquela sentença absolutória, afigura-se ser de subscrever o entendimento do Tribunal ora recorrido segundo o qual o arguido provavelmente julgou que não estava a danificar coisa de outrem.
Daí que não se pode passar a condenar, na presente lide recursória, o arguido como autor material dos seis crimes consumados de dano por que vinha pronunciado pelo Juízo de Instrução Criminal, por falta de verificação cabal, na mente da própria pessoa do arguido na altura dos factos ora em causa, do elemento intelectual (sobre o carácter alheio da coisa objecto de danificação) do dolo deste tipo legal de crime. Entretanto, nota-se, com o presente acórdão de recurso, o arguido já deve passar a estar ciente da posição jurídica deste TSI sobre a questão de definição de coisa alheia para efeitos do tipo legal de crime de dano.
Improcede o pedido de condenação do arguido formulado no recurso, não sendo mister conhecer de todo o restante alegado na motivação do recurso, por desnecessário ou prejudicado.
IV. DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o pedido de condenação do arguido formulado na motivação do recurso da assistente.
Pagará a assistente uma UC de taxa de justiça pelo recurso, por decaimento na questão de dolo dos crimes de dano.
Macau, 26 de Maio de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)



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