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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -------------------------------
--- Data: 30/05/2022 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz Chan Kuong Seng ----------------------------------------------------------------------------------------


Processo n.º 298/2022
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Inconformado com a sentença proferida a fls. 99 a 104 do Processo Comum Singular n.o CR5-21-0381-PCS do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de fuga à responsabilidade, p. e p. sobretudo pelo art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), em cento e dois dias dias de multa, à quantia diária de cento e oitenta patacas, no total, pois, de dezoito mil e trezentas e sessenta patacas de multa (convertível em sessenta e oito dias de prisão, no caso de não pagamento nem substituição pelo trabalho), com inibição efectiva de condução pelo período de três meses, veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), assacando, na motivação apresentada em original a fls. 160 a 197 dos presentes autos correspondentes, àquela decisão condenatória penal, para pedir a sua absolvição penal, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) com simultânea alegada violação do princípio de in dubio pro reo (por, no seu entender, e na sua essência, ter o Tribunal recorrido chegado àquela decisão condenatória por via de configuração de meras suposições/presunções no respeitante à maioria dos factos, porque esse Tribunal não dispunha de elementos probatórios suficientes para fundadamente dar como provado e preenchido o requisito subjectivo do crime de fuga à responsabilidade em causa, ou, por outras palavras, das circunstâncias que acompanharam os factos objecto dos presentes autos, não resultam evidências que devam firmar na convicção do julgador que o próprio arguido efectivamente teve conhecimento do embate da sua viatura nos pinos de plástico e consequentemente se tentou furtar à responsabilidade civil e/ou criminal), e também o vício de erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do mesmo art.o 400.o do CPP (por, na sua óptica, os factos provados 3, 8 e 9 não deverem ser considerados provados, tendo o Tribunal recorrido violado o princípio da presunção da inocência, ao ter dado como provado, com falha grosseira e ostensiva na análise da prova produzida, algo que não se provou e que por sua vez seria insusceptível de ser concluído por via de presunção ou com recurso à experiência comum), para além de, em pedido subsidiário, rogar a suspensão da execução da sua pena de inibição de condução à luz do art.o 109.o, n.o 1, da LTR (porquanto sendo ele professor na XXX, com residência em Zhuhai, o seu veículo é essencial para ele poder deslocar-se diariamente de casa para o trabalho, por não existir transporte directo entre Zhuhai e esta Universidade, trazendo, assim, a pena efectiva de inibição de condução enorme inconveniente para ele, afectando de forma bastante violenta a sua vida, e o bom exercício da sua profissão).
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 202 a 215 dos presentes autos, no sentido de insubsistência dos argumentos do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer a fls. 225 a 228 dos autos, opinando pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre agora rejeitar o recurso, nos termos permitidos pelos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do CPP, dada a manifesta improcedência do mesmo, por razões a expor em seguida.
2. Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 99 a 104, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente decisor do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesse enquadramento, vê-se que o arguido recorrente começou por imputar à decisão condenatória penal recorrida a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova, como vícios respectivamente referidos nas alíneas a) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Entretanto, observa-se que os argumentos concretamente tecidos por ele na motivação do recurso para sustentar a alegada verificação daquele primeiro dos vícios se prendem materialmente com a questão de suficiência, ou não, da prova, e não com a questão de omissão de investigação, por parte do Tribunal recorrido, sobre o objecto probando do processo (sobre o sentido e alcance do vício elencado na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, cfr., por exemplo, de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 22 de Julho de 2010 no Processo n.o 441/2008, e de 17 de Maio de 2018 no Processo n.o 817/2014), pelo que é de considerar que, ao fim e ao cabo, o recorrente acabou por imputar à decisão condenatória penal em causa o vício de erro notório na apreciação da prova.
Sobre este materialmente esgrimido vício de erro notório na apreciação da prova, é de relembrar, desde já, os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador.
Com efeito, esse Tribunal já explicou congruente e convincentemente, sobretudo a partir do último parágrafo da página 5 até ao primeiro parágrafo da página 6 do mesmo texto decisório, a fl. 101 a 101v, as razões sustentadoras da sua livre convicção formada, sob aval do art.o 114.o do CPP, sobre os factos mormente respeitantes ao conhecimento, pelo arguido, do embate do veículo automóvel ligeiro então por si conduzido em pinos de plástico em causa nos autos.
Estando assente, pois, o conhecimento, pelo arguido, do referido embate, ocorrido às quatro horas e tal da tarde do dia 24 de Maio de 2021, e tendo o seu veículo deixado de imediato o local do acidente (como se viu aliás no vídeo – cfr. o referido no segundo parágrafo da página 5 do texto da sentença, a fl. 101), e tendo a danificação de pinos de plástico só vindo a ser descoberta, pelas nove horas e trinta minutos da noite do mesmo dia por um guarda policial que passou pelo local, é também razoável, por não violar qualquer norma jurídica acerca do valor legal da prova, nem violar qualquer regra da experiência da vida humana, nem tão-pouco quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o mesmo Tribunal recorrido a respeito dos factos finalmente dados por provados e descritos sob os pontos 3, 8 e 9 da fundamentação fáctica da sua sentença, pertinentes à verificação cabal do dolo do arguido na prática do crime de fuga à responsabilidade.
Daí que não pode o recorrente passar a ser absolvido deste delito penal.
Naufraga manifestamente a primeira parte do recurso, por o Tribunal sentenciador não ter cometido qualquer erro notório na apreciação da prova, nem violado o princípio de in dubio pro reo, nem o princípio da presunção da inocência.
E agora da rogada suspensão da execução da pena de inibição de condução:
Tem entendido o TSI, em muitos recursos anteriores congéneres, que só se colocará a hipótese de suspensão da execução da sanção de inibição de condução, quando a pessoa arguida for um motorista de profissão e tiver a sua subsistência a depender dessa profissão.
No caso, não sendo o arguido um motorista de profissão com subsistência da sua vida dependente desta ocupação, não se mostra plausível a pretendida suspensão da execução da sua pena de inibição de condução em sede do n.o 1 do art.o 109.o da LTR, sendo certo que todos os inconvenientes a resultar da execução da inibição de condução para a vida quotidiana dele poderão ser ultrapassados, por exemplo, através de prestação de serviço, por outrem para ele, de transporte privado.
Improcede evidentemente o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada, até também pelo espírito da norma do n.o 2 do art.o 410.o do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Após o trânsito em julgado, comunique a presente decisão, com cópia da sentença recorrida, à XXX.
Macau, 30 de Maio de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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