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Processo nº 780/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 16 de Junho de 2022

ASSUNTO:
- Revogação da autorização de residência
- Cessação de vida em comum entre os cônjuges
- Princípio do inquisitório
- Actividade vinculada

SUMÁRIO:
- Demonstrada a cessação da comunhão de vida entre os cônjuges está demonstrado o pressuposto da caducidade da autorização de residência cujo pressuposto havia sido a reunião familiar do requerente com o seu cônjuge;
- Uma vez desenvolvidas as diligências probatórias possíveis e razoáveis, como sucedeu no procedimento que culminou com o acto administrativo recorrido, já não há que falar de violação do dever inquisitório resultante do n.º 1 do artigo 86.º do CPA;
- A violação dos princípios gerais da actividade administrativa só tem relevância autónoma no âmbito da actividade discricionária da Administração, não quando está em causa o exercício de uma actividade vinculada.



______________
Rui Pereira Ribeiro




















Processo nº 780/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 16 de Junho de 2022
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 15.07.2021 que cancelou a sua autorização de residência em Macau, formulando as seguintes conclusões:
O presente recurso contencioso tem por objecto o despacho do Secretário para a Segurança de 15/07/2021 que declarou caducada a autorização de residência do recorrente contencioso (vd. anexo 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
1) O recorrente contencioso entende que a decisão recorrida padece dos vícios de erro na apreciação de facto, violação do princípio da legalidade, princípio do inquisitório, princípio da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, princípio da proporcionalidade e princípio da boa fé, devendo, portanto, ser declarada nula.
Erro nos pressupostos factuais
2) Primeiro vamos apresentar as alegações sobre a apreciação de facto.
3) A decisão recorrida estribou-se no facto relativo à vida amorosa do recorrente contencioso. Importa apontar que o recorrente contencioso já voltou a se dar bem com a mulher B, os dois cuidam juntos do filho menor C (nascido em **/**/2014, tem actualmente 7 anos de idade). O ambiente familiar é saudável e harmônico (Anexo 2, o original é o Anexo 3 do processo de suspensão da eficácia nº 736/2021 do TSI).
4) A Autoridade Administrativa reconheceu o facto de que não se vê, por enquanto, a possibilidade de os dois voltarem a ficar juntos, incorrendo em erro nos pressupostos de facto, o que conduziu a erro na aplicação de direito e na conclusão, sendo vícios insupríveis.
5) Pelo facto de os dois viverem separadamente, entendeu a Autoridade Administrativa que não se vê a possibilidade de voltarem a ficar juntos. Deste modo, tendo tido em consideração os factores indicados no nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003, sobretudo o factor a que se refere a al. 3), decidiu declarar a caducidade da autorização de residência concedida ao recorrente contencioso, incorrendo assim em erro nos pressupostos de facto.
Violação do princípio do requisitório
6) Por outro lado, a Autoridade Administrativa entendeu que não há, por enquanto, a possibilidade de o recorrente contencioso e a sua mulher voltarem a ficar juntos, no entanto, o recorrente contencioso e a sua mulher já estão juntos de novo.
7) A Autoridade Administrativa deveria efectuar investigação suficiente antes de dar como assente o facto referido. Acresce que a Autoridade Administrativa alicerçou a sua decisão na relação amorosa do casal. Mas a relação amorosa é uma coisa que muda sempre. Segundo os dados constantes nos autos, da investigação realizada no início de 2021, a Autoridade Administrativa concluiu que quase não havia a possibilidade de os dois ficarem juntos novamente.
8) Todavia, os dois ficam juntos novamente há algum tempo, facto este conduziu a erro na apreciação de facto. Tal vício foi causado pelo incumprimento por parte da Autoridade Administrativa do princípio do requisitório estabelecido no artº 86º do CPA.
9) A decisão recorrida foi proferida pelo Secretário para a Segurança em 15/07/2021 e a notificação foi emitida em 06/08/2021. Nesta altura o recorrente contencioso e a sua mulher já ficaram juntos outra vez. Segundo a regra de experiência, as relações conjugais mudam sempre, tal como o tempo, às vezes nublado, às vezes ensolarado. Alguns casais estavam bem ontem e amanhã tornam-se inimigos ou vice-versa. Como a Autoridade Administrativa baseou a sua decisão na vida amorosa do recorrente contencioso, caso a mesma agisse a partir do ponto de vista do residente (interessado), deveria investigar de novo e da forma adequada o relacionamento entre o recorrente e a sua mulher. Infelizmente, a Autoridade não a fez, senão, poderia tomar uma decisão mais adequada.
10) A situação actual do amor conjugal entre o recorrente contencioso e a mulher demonstra que a Autoridade não cumpriu o princípio do requisitório estabelecido no artº 86º do CPA.
Princípio da legalidade
11) O fundamento de direito da Autoridade Administrativa é o nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003, sobretudo a al. 3).
12) Quanto à finalidade do recorrente contencioso de residir em Macau e a respectiva viabilidade (al. 3) do número anteriormente citado), antes de mais é necessário invocar os seguintes factos:
13) Após obtido a autorização de residência (por motivo de reunião familiar com o seu cônjuge B) em 19/05/2015 o recorrente contencioso vive sempre em Macau como a sua residência habitual.
14) O recorrente contencioso vive em Macau há mais de 6 anos, actualmente trabalha no restaurante XX手作料理 como cozinheiro (vd. anexo 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15) Tal como disse o artº 12º desta petição, actualmente o recorrente contencioso e a mulher B vivem juntos, cuidando em conjunto do filho menor C. A vida familiar é saudável e harmônica.
16) O seu filho C está a estudar na escola primária Hou Kong de Macau. C, bem cuidado e educado pelo recorrente contencioso, tem boa avaliação, tendo obtido pontuação superior a 80 pontos. Segundo a avaliação dada pelos professores o seu filho tem bom carácter (vd. anexo 4).
17) Na altura de pandemia é elevado o custo para a família sair de Macau. De facto, o recorrente contencioso e os familiares querem viver apenas em Macau, isso pode ser provado através do facto de o recorrente contencioso trabalhar em Macau e do facto de deixar o filho estudar aqui.
18) Dos factos referidos resultou saber que o recorrente contencioso considera Macau como a sua única residência.
19) Por isso, a vida familiar é o motivo do recorrente contencioso de residir em Macau, não sendo para praticar delito.
20) E o recorrente deve continuar a viver assim em Macau por tempo muito longo.
21) Tendo em conta as disposições do artº 9º, nº 2 (sobretudo a al. 3) da Lei nº 4/2003, deve ser considerado positivo o comportamento do recorrente contencioso.
22) Mesmo que aprecie o caso com base nas disposições do artº 9º, nº 2 da Lei nº 4/2003, deve ainda renovar a autorização de residência do recorrente contencioso.
23) Importa referir que, presume-se que o recorrente contencioso esteja separado da mulher, entendemos que o mesmo ainda preenche os requisitos previstos no artº 9º, nº 2 da Lei nº 4/2003.
24) Em primeiro lugar, o casamento entre o recorrente contencioso e a sua mulher não é “fictício”, não tendo não a ver com o crime de falsificação de documentos. Os dois separam-se por causa dos factores relativos à relação amorosa, não se podendo excluir a possibilidade de restabelecimento da vida conjugal. Em segundo lugar, o seu filho está a viver em Macau, por isso, o recorrente contencioso necessita de residir aqui para cuidar do filho. Em terceiro lugar, para poder cuidar do filho e suportar as despesas da família, o recorrente contencioso tem que ficar em Macau para trabalhar.
25) A situação do recorrente contencioso deve satisfazer os requisitos no artº 9º, nº 2 da Lei nº 4/2003, independentemente do facto de o recorrente contencioso estar separado da mulher ou não. É ainda legal o seu motivo de residência, além disso, é para assegurar o interesse da família.
26) Ademais, actualmente não se encontra qualquer sentença condenatória contra o recorrente contencioso, assim, sob o princípio da presunção da inocência, deve considerar que o recorrente contencioso não praticou qualquer delito em Macau.
27) Porém, pelos factos de que “o recorrente contencioso e a sua mulher não vivem juntos” e “não se vê a possibilidade de os dois voltarem a ficar juntos” a Autoridade Administrativa entende que a situação do recorrente contencioso não satisfaz os requisitos previstos no artº 9º, nº 2 da Lei nº 4/2003, declarando, em consequência, a caducidade da autorização de residência do recorrente contencioso. Tal acto violou as disposições do artº 9º, nº 2 da Lei nº 4/2003, enfermando assim de vício de violação do princípio da legalidade.
Princípio da protecção dos direitos e interesses dos residentes, princípio da proporcionalidade e princípio da boa fé
28) A Autoridade Administrativa decidiu declarar caducada a autorização de residência do recorrente contencioso pela razão de que o recorrente contencioso e a sua mulher tinham vivido separadamente, o que não satisfaz os pressupostos (por reunião familiar em Macau com o seu cônjuge) para a concessão de autorização de residência.
29) Importa referir que as relações entre pessoas não são como máquinas, discussão é muito comum entre casais. O recorrente contencioso não se divorcia da mulher até agora, eles voltaram a ficar juntos.
30) Discussão entre casal e facto de separação são comportamentos sociais (sic). O recorrente contencioso nunca fez declaração falsa ou participou no delito de falsificação de documentos, também não existe nenhuma prova de que o recorrente contencioso tenha praticado o acto de falsificação de documento. Assim sendo, segundo os dados constantes dos autos, é grande a possibilidade de o requerente ser absolvido do crime de falsificação de documentos de que é acusado. E até à presente data não foi proferida sentença condenatória contra ele.
31) Juridicamente, a separação pode ser considerada como período de esfriamento antes de decidir divorciar-se. Com a separação por mais dois anos pode o casal pedir divórcio nos termos do CC e CPC.
32) No entanto, neste processo, o recorrente contencioso não se divorciou da sua mulher, eles optaram por ficar juntos novamente. Assim, quanto ao direito relativo à imigração (Lei nº 6/2004 ou Lei nº 4/2003), não é relevante o facto de os cônjuges terem separado uma vez. A reunião familiar inclui, de facto, a convivência na vida conjugal, o que mais importante é que a relação matrimonial não foi dissolvida.
33) Caso se declare a caducidade da autorização de residência do recorrente contencioso só por causa de brigas entre o casal, acto este promove, a certo nível, a destruição da harmonia da vida conjugal na sociedade (sic), porquanto a caducidade da autorização de residência pode resultar em separar os cônjuges em dois locais diferentes, o que enfraquece a possibilidade de recuperar a relação conjugal (pode imaginar-se que caso não deixasse o recorrente contencioso continuar a viver em Macau antes do restabelecimento da vida conjugal, o recorrente contencioso não teria a oportunidade de ficar outra vez com a sua mulher).
34) A Autoridade Administrativa deveria considerar o interesse dos interessados (a família do recorrente) aquando da prática do acto. O recorrente contencioso não praticou nenhum acto que prejudicasse o interesse público, o acto da Autoridade Administrativa vai, sem dúvida, separar a família do recorrente contencioso (este não pode residir e trabalhar em Macau, tem que viver separadamente da mulher e do filho em dois locais diferentes), prejudicando gravemente o interesse familiar deles.
35) Assim sendo, a decisão da Autoridade Administrativa viola os princípios da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da proporcionalidade e da boa fé consagrados nos artºs 3º, 5º e 8º do CPA de Macau.
36) Face ao exposto, a decisão recorrida padece de erro na apreciação de facto e de vícios de violação do princípio da legalidade, princípio do inquisitório, princípio da protecção dos direitos e interesses dos residentes, princípio da proporcionalidade e princípio da boa fé e por tal deve ser anulada nos termos do artº 124º CPA.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do Recurso Contencioso.
  
  As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas, tendo silenciado.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) O ora Recorrente obteve, por despacho do Secretário para a Segurança de 19.05.2015, autorização de residência para se juntar à sua esposa residente em Macau - cfr. fls. 28-29 do PA apenso -;
b) Após ter visto deferidos os pedidos de renovações dessa autorização e terminando a validade da última em 18.05.2020, o Recorrente veio em 21.04.2020 solicitar nova renovação, nos termos do art. 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 - cfr. fls. 50 e 52, 72 e 73, 107 e 109 do PA apenso -;
c) No decurso do respectivo procedimento, perante a inexistência, entre Maio de 2018 e Março de 2020, de registos de entrada/saída conjunta do Recorrente e do seu cônjuge, foi encetada uma investigação a fim de confirmar o estado civil e se vivem maritalmente - cfr. fls. 165 do PA apenso -;
d) No âmbito dessa investigação foram realizadas diversas diligências, desde deslocações ao domicílio a inquirições ao casal, tendo ambos admitido que desde o início do ano de 2018 que vivem separados devido a incompatibilidades de personalidade - cfr. fls. 159-164 e 170-173 do PA apenso -;
e) Não obstante tal circunstância, o casal ainda confessou junto das autoridades ter assinado e entregue junto das autoridades, em Abril de 2018 e Abril de 2020, a “Declaração de Manutenção da Relação Conjugal/União de Facto”, documento esse necessário na instrução dos procedimentos de autorização de residência e respectivas renovações - cfr. fls. 66, 102 do PA apenso -;
f) A situação foi reportada, em Janeiro de 2021, ao Ministério Público para apuramento de possíveis ilícitos criminais, designadamente o crime de falsificação de documentos - cfr. fls. 162-164 do PA apenso -;
g) Em 08.02.2021, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra o Recorrente e o seu cônjuge pela prática do crime de falsificação de documentos, previsto no art. 18º da Lei nº 6/2004 - cfr. fls. 152-154 do PA apenso -;
h) Por Acórdão datado de 03.03.2022 proferido no processo crime que correu termos no TJB sob o nº CR5-21-0066-PCC o Recorrente e o seu cônjuge foram absolvidos dos crimes que resultavam da acusação referida na alínea anterior – cfr. fls. 93 a 97 destes autos -;
i) Após o terminus da referida investigação, as autoridades administrativas competentes concluíram que o Recorrente e o seu cônjuge não vivem juntos em Macau como marido e mulher desde Janeiro de 2018 - circunstância, aliás, confessada pelo Recorrente - cfr. fls. 170-173 do PA apenso -;
j) Por tal situação significar o decaimento do pressuposto que tinha fundado a autorização de residência concedida, em 19.05.2015, ao Recorrente, em concordância com o Director Interino do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, foi proposta pelo CPSP, em 07.06.2021, a declaração de caducidade dessa autorização, ao abrigo do art. 24º, 1) do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e art. 9º, nº2, 3) da Lei nº4/2003, tudo conforme consta da proposta a fls. 170-173 do PA apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
k) Tal proposta foi submetida à consideração do Secretário para a Segurança, o qual proferiu, em 15.07.2021, o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se conforme proposto.” - cfr. fls. 173 do PA apenso -.

b) Do Direito.
  
  Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança, datado de 15 de Julho de 2021, que declarou a caducidade da sua autorização de residência da Recorrente em Macau, pedindo a respectiva anulação.
  A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual conclui pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  Comecemos pelo acto recorrido e seus fundamentos.
  Consta, expressamente, da respectiva motivação que a caducidade da autorização de residência do Recorrente foi determinada pela Entidade Recorrida com fundamento na alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, por se ter considerado que ocorreu o decaimento do pressuposto sobre o qual se fundou aquela autorização e que foi o da reunião familiar do Recorrente com o seu cônjuge, residente de Macau. Tal decaimento resultou do facto de o Recorrente e o seu cônjuge, a partir do início do ano de 2018, terem deixado de viver juntos, em comunhão de vida e, além disso, ainda de acordo com a fundamentação do acto recorrido, a Administração ter considerado não se vislumbrar a possibilidade de o Recorrente e o seu cônjuge voltarem a ficar juntos.
  (ii)
  O Recorrente começou por imputar ao acto impugnado o vício do erro nos pressupostos de facto.
  Parece-nos que não tem razão.
  O erro nos pressupostos de facto constitui uma das causas de invalidade do acto administrativo, consubstanciando um vício de violação de lei. Em geral, fala-se de erro nos pressupostos de factos quando ocorre uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação na situação em concreto, resultando essa divergência da circunstância de se terem considerado naquela decisão factos que não estão provados ou que estão desconformes com a realidade. Dizendo de outro modo, os fundamentos de facto que motivaram o acto, ou não existiam ou não tinham dimensão que foi por ele suposta (cfr., na jurisprudência comparada, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.03.2009, processo n.º 545/08, disponível online).
  No caso, estamos em crer que, por um lado, a instrução procedimental levada a efeito pela Administração lhe permitiu recolher prova suficientemente segura dos factos que serviram de motivação ao acto recorrido e, por outro lado, o Recorrente não logrou fazer a mínima demonstração daquilo que alegou, ou seja, de que que, quando o acto foi praticado já estava a viver de novo com o seu cônjuge. Dizendo de outro modo, mas com o mesmo alcance, não conseguiu o Recorrente fazer a contraprova dos factos que integram os pressupostos da norma habilitante da actuação administrativa e, desse modo, torná-los duvidosos, fazendo com que essa dúvida pudesse ser ultrapassada, decidindo-se contra a Administração por sobre esta recair o ónus da prova, nos termos que decorrem da regra constante do artigo 339.º do Código Civil.
  Isto basta, em nosso modesto entendimento, para se ter por inverificado o alegado vício do erro nos pressupostos de facto.
  (iii)
  O Recorrente invocou, em segundo lugar, o vício de violação do dever inquisitório a que se refere a norma do n.º 1 do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  Também aqui, estamos convictos, sem bom fundamento.
  De acordo com o preceituado naquela norma, que, estamos de acordo com o Recorrente, consagra o dever inquisitório a cargo da Administração em sede de procedimento administrativo, «o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito».
  Daqui resulta, portanto, que a Administração está legalmente vinculada ao esclarecimento tão exaustivo quanto possível dos pressupostos de facto da sua decisão, de tal modo que insuficiência na instrução, na medida em que possa reflectir-se na insuficiência da base factual indispensável à justa e legal decisão do procedimento, em especial a um adequado exercício do poder discricionário, não pode deixar de se repercutir de modo invalidante nessa decisão.
  A verdade, porém, é que, a nosso ver, no caso sujeito, a Administração desenvolveu, como se lhe impunha, uma actividade instrutória com um suficiente grau de exaustão. De tal modo que a mesma lhe permitiu, com segurança, fixar os pressupostos de facto indispensáveis à prolação do acto administrativo que nos presentes autos foi impugnado. Isso basta, parece-nos, para se considerar observado o falado dever inquisitório.
  O Recorrente, com o devido respeito, parece laborar num equívoco. É que, uma vez desenvolvidas as diligências probatórias possíveis e razoáveis, como sucedeu no procedimento que culminou com o acto administrativo recorrido, já não há que falar de violação do dever inquisitório resultante do n.º 1 do artigo 86.º do CPA. A porta que então se abre ao particular é a da demonstração, no recurso contencioso, do erro nos pressupostos de facto. Porém, como já vimos, neste caso, essa demonstração não foi feita.
  Por isso dissemos que este fundamento do recurso não pode deixar de improceder.
  (iv)
  O Recorrente traz um terceiro fundamento para sustentar a sua pretensão impugnatória. Trata-se daquilo que designa como a violação do princípio da legalidade.
  Não nos parece, contudo, que possa ser acolhido.
  De acordo com a norma da alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que serviu de fundamento de direito ao acto recorrido, é causa de caducidade da autorização de residência o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado tal autorização.
  No caso, a autorização teve por base, como vimos, a reunião familiar do Recorrente com o seu cônjuge [cfr. alínea 5) do n.º 2 da norma do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003]. Ora, com a demonstrada separação de facto entre os cônjuges decaiu o pressuposto que esteve na base da concessão da autorização de residência e, por isso, é de considerar que se mostra preenchida a hipótese da norma da alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a qual, legitima a Administração a declarar, como efectivamente declarou, a dita caducidade e, mais do que isso, como veremos de seguida, vinculando-a nesse sentido (também assim, a propósito da separação de facto, veja-se o acórdão do TSI de 17.06.2021, processo n.º 1004/2020).
  Também não releva, estamos em crer, alegação que o Recorrente faz no artigo 33.º da douta petição inicial de que necessita de continuar em Macau para cuidar do filho e suportar as despesas da família.
  A Administração está impedida de, no exercício de poderes discricionários, praticar actos que tenham por efeito privar os seus residentes do gozo efectivo do essencial dos seus direitos fundamentais, nomeadamente, e desde logo, o direito de permanecer e residir livremente na RAEM, salvo quando estejam em causa razões inarredáveis de interesse público, sobretudo as ligadas à salvaguarda da segurança e da ordem públicas.
  Neste contexto, uma decisão administrativa que implique para o progenitor não residente de um menor que seja residente permanente a impossibilidade de permanecer em Macau, pelo menos durante a menoridade, pode constituir um desses actos. Ponto é que se prove que esse progenitor é o único ou, então, que o outro progenitor, por razões objectivas ou subjectivas, não está em condições de cuidar do menor. Nessa circunstância, uma tal decisão administrativa forçará, na prática, o menor residente permanente a abandonar Macau, privando-o, dessa forma, do essencial do seu estatuto de residente que lhe é conferido pela Lei Básica, em primeira linha, como dissemos, o direito de aqui residir e permanecer e isso, a nosso ver, não é, em princípio, de admitir (sobre esta problemática é interessante observar a evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia nos últimos anos e que pode servir de referência a título de direito comparado; vejam-se, em especial, os acórdãos proferidos por aquele Tribunal em 19 de Outubro de 2004, no caso Zhu e Chen; em 8 de Março de 2011, no caso Ruiz Zambrano e em 10 de Maio de 2017, no caso Chavez-Vilchez e outros).
  Sucede, todavia, que, no caso e como veremos no ponto seguinte, a Administração não actuou no exercício de poderes discricionários e, ademais, o Recorrente não é o único progenitor da menor residente permanente, sendo que a mãe desta é também residente permanente e não está provado, bem pelo contrário, que esta não possa cuidar da menor e tê-la à sua guarda pelo que não se demonstra que, com a caducidade da autorização de residência do Recorrente, a menor ficaria obrigada ou forçada a deixar Macau.
  Deve, a nosso modesto ver, ter-se por afastada a invocada violação do princípio da legalidade.
  (v)
  Finalmente, o Recorrente alega que o acto recorrido violou os princípios gerais da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da proporcionalidade e da boa fé.
  Vejamos.
  Tendo a Administração verificado, como antes vimos, o decaimento do pressuposto do acto de autorização de residência do Recorrente que foi, precisamente, o de permitir a reunião familiar entre este e o seu cônjuge, nos termos da alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo 5/2003, ficou a mesma vinculada a declarar a respectiva caducidade (neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Tribunal de última Instância de 27.01.2021, processo n.º 182/2020). Não se tratou, pois, de uma actuação no exercício de poderes discricionários.
  Por isso, não podia a prática do referido acto ser neutralizada pela invocação dos princípios da protecção dos direitos e interesses dos residentes, da proporcionalidade e da boa fé, já que os mesmos constituem um limite da margem de livre decisão administrativa que apenas podem bloquear a adopção de uma conduta administrativa com eles incompatível na medida em que tal conduta se encontre naquele espaço de livre decisão (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 221).
  Como a nossa jurisprudência tem vindo a assinalar de modo uniforme, a violação dos princípios gerais da actividade administrativa só tem relevância autónoma no âmbito da actividade discricionária da Administração, não quando está em causa o exercício de uma actividade vinculada (assim, entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 03.04.2020, processo n.° 7/2019 e de 27.11.2020, no processo n.° 157/2020).
  Cremos, pois, que o acto recorrido também não sofre do último vício que lhe foi apontado pelo Recorrente.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que o Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se o acto impugnado.
  
  Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5UC´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 16 de Junho de 2022
  
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

Mº Pº
Álvaro António Mangas Abreu Dantas

780/2021 REC CONT 13