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Processo nº 647/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 26 de Maio de 2022

ASSUNTO:
- Prescrição do procedimento disciplinar
- Infracção disciplinar continuada
- Interrupção do prazo
- Suspensão do prazo

SUMÁRIO:
1. Nas infracções disciplinares continuadas o prazo de prescrição começa a correr desde a data da prática do último acto;
2. A instauração do processo disciplinar suspende o prazo de prescrição;
3. De acordo com o nº 1 do artº 263º do EMFSM aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/94/M só com a remessa da acusação ao tribunal competente em processo crime se pode entender que pode ser ordenada a suspensão do processo disciplinar;
4. A interrupção da prescrição tem a virtualidade de inutilizar o prazo que decorreu até então;
5. Da suspensão do prazo de prescrição apenas resulta que durante o respectivo período o tempo decorrido não conta.


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Rui Pereira Ribeiro




















Processo nº 647/2021
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 26 de Maio de 2022
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho de 18.6.2021 proferido pelo Secretário para a Segurança que pune o Recorrente com a pena de demissão, formulando as seguintes conclusões:
I. Vem a petição de recurso contencioso interposto contra a Entidade Recorrida, o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, que, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 232/2014 do CPSP, proferiu uma decisão de aplicação ao Recorrente de pena de demissão, nos termos das alíneas f) do n.º 2 do artigo 238.º, por força do disposto na alínea c) do artigo 240.º ambos do EMFSM, decisão essa cuja cópia ora se junta como documento n.º 1 nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do CPAC (DOC. 1).
II. A Entidade Recorrida emitiu o acto administrativo recorrido, imputando ao Recorrente a violação de forma grave, reiterada e com plena consciência do prejuízo causado ao serviço, o dever de obediência a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, o dever de zelo, na formulação que lhe confere a alínea o) do n.º 2 do artigo 12.º , o dever de assiduidade na formulação da alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º e ainda o dever de pontualidade que lhe impõe a al. a) do n.º 2 do artigo 14.º, todos do EMFSM.
III. Considerou a Entidade Recorrida, essencialmente, num despacho que se dá aqui por integralmente reproduzido que: O processo disciplinar foi suspenso a aguardar a decisão judicial, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 263.º do Estatuto dos Militarizados das Formas de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, por despacho de 10.02.2015, o que constitui causa suspensiva da prescrição, sendo que após o trânsito em julgado da sentença criminal, que puniu o arguido com a pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática do crime de falsificação de documentos p.p. pela alínea b) do artigo 244.º, com referência a al. a) do artigo 243.º, ambos do Código Penal e pelo crime Burla p.p. pelo n.º 1 do artigo 211.º também do Código Penal, o processo disciplinar prosseguiu, por despacho do comandante de 01.02.2021, a sua tramitação com dedução da acusação e termos ulteriores. Não é relevante um despacho intercalar do comandante da corporação de 10.11.2020 que arquivou o processo disciplinar, na convicção da ocorrência de prescrição, despacho contrariado por parecer do Comissariado Contra a Corrupção (fls. 504 a 509) a cujo teor se adere.”
IV. Concluindo que, “Nestes termos, ponderadas a gravidade das faltas, a culpa e a responsabilidade do arguido, e não obstante as atenuantes que o favorecem, o Secretario para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo G ao artigo 211.º do EMFSM e bem assim, da Ordem Executiva n.º 182/2019, pune o arguido, o Guarda n.º XXX, A, do CPSP, na situação de aposentado, com a pena de DEMISSÃO, nos termos das alíneas f) do n.º2 do artigo 238.º do EMFSM, por força do disposto na alínea c) do seu artigo 240.º.”
V. Entende o Recorrente que a decisão recorrida está inquinada de vício que determina a sua invalidade, designada mente vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito
VI. A decisão recorrida assenta numa errada interpretação da lei, nomeadamente sobre a prescrição do procedimento disciplinar, sendo essa a questão fulcral deste recurso contencioso que é levado a V. Exas.
VII. Tornando mais simples a análise do presente recurso contencioso, importa desde logo sublinhar que estamos perante uma decisão disciplinar punitiva de demissão a um agente CPSPM - ainda que na situação de aposentado desde 16.03.2019 - decisão punitiva que lhe é aplicada passados mais de cinco anos desde o cometimento da infração disciplinar, o que legalmente é de todo inadmissível, salvo melhor opinião que se respeita mas não se aceita.
VIII. Nos autos em apreço, a pena disciplinar de demissão acabou por ser aplicada ao aqui recorrente, na sequência de um entendimento legal que o CCAC efectuou, insistindo, junto do exmo. Secretário para a segurança, que o procedimento disciplinar não estava prescrito.
IX. Acto esse de duvidosa legalidade, porquanto o titular do processo disciplinar é, num primeiro plano o instrutor, e num plano superior o próprio comandante da corporação, não sendo o processo disciplinar titulado, orientado ou decidido por nenhuma entidade externa ao CPSPM, algo que o Exmo. Sr. Secretário para a segurança bem devia saber e legalmente conhecer, considerando a sua formação profissional de magistrado de carreira.
X. Entendeu, contudo, a Entidade Recorrida que, em face de um despacho proferido pelo Comissariado Contra a Corrupção (“CCAC”), junto os autos, a prescrição do presente processo disciplinar ainda não tinha ocorrido e, como tal, após o processo disciplinar ter sido arquivado pelo Comandante do CPSPM, o mesmo foi reaberto, já após o decorrer do prazo de prescrição, e o aqui Recorrente veio a ser punido com a pena de demissão, como melhor consta dos autos e do despacho ora colocado em crise.
XI. As falhas (vício de violação de lei) não deixam de se espelhar fundamentalmente na decisão recorrida, pois a mesma, como se verá, padece de lapsos consequentes de uma errada interpretação legal efectuada por uma entidade que, além do combate à corrupção, tem também por missão “exercer acções de provedoria de justiça, promovendo a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos das pessoas, assegurando a legalidade no exercício dos poderes públicos, bem como a justiça e a eficiência da administração pública, e realizar acções de sensibilização para a integridade”.
XII. O procedimento disciplinar prescreve passados 5 anos, contados da data em que a infração se tiver consumado.
XIII. Em 30.09.2014 foi ordenada pelo Comandante do CPSPM a instauração de um processo disciplinar contra o ora Recorrente, conforme melhor consta do processo administrativo cuja junção a final se irá requerer.
XIV. Após a nomeação de instrutor, o inquérito teve início no dia 7.10.2014.
XV. O instrutor propôs a suspensão do processo disciplinar para que se aguardasse pelo resultado de um processo crime, como melhor consta dos autos.
XVI. Por despacho do Exmo. Sr. Comandante do CPSPM o processo foi “suspenso” até à conclusão do processo crime.
XVII. Posteriormente o processo disciplinar foi arquivado;
XVIII. Após o arquivamento, foi reaberto novamente por indicação do CCAC, passados que estavam já 5 anos.
XIX. Foi deduzida nova acusação contra o aqui recorrente, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina que suscitou dúvidas relativamente à prescrição - questão central neste recurso contencioso - e, foi entretanto, após ter obtido parecer do Conselho de Justiça e Disciplina, remetido ao Senhor Secretário para a Segurança, tendo este proferido a decisão recorrida em 18 de Junho de 2021.
XX. Está o Recorrente disposto a demonstrar que, em face da lei e dos factos ocorridos, o presente recurso contencioso· não poderá senão ser julgado procedente e, em consequência, ser anulada a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança que puniu o Recorrente com a pena de demissão.
XXI. O Recorrente é destinatário directo do acto praticado pela entidade recorrida, na medida em que o mesmo produz efeitos em relação ao aqui impugnante.
XXII. O Recorrente tem legitimidade activa para impugnar o acto em causa, que é definitivo, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo.
XXIII. O acto recorrido foi notificado ao Recorrente em 23 de Junho de 2021.
XXIV. Atento o disposto no artigo 25.º, n.º 2, alínea a) do CPAC o presente recurso é tempestivo.
XXV. De acordo com a sentença n.º CR4-19-0296-PCC, do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, - que serviu de base à condenação em processo disciplinar - foi dado como provado que o arguido praticou actos de burla e falsificação de documentos, desde 20/1/2012 a 27 /1/2014, tendo sido a respectiva decisão proferida em 3/07/2020, como melhor consta dos autos.
XXVI. A acusação que deu causa ao despacho n.º 051/SS/2021 - acto administrativo que culminou na demissão do Recorrente - foi deduzida em 1/03/2021, tendo sido notificada ao aqui arguido em 1/03/2021.
XXVII. O processo disciplinar, como está bem patente nos próprios autos, teve início em 30/09/2014, após o CPSPM ter recebido uma informação, após investigação levada a cabo pelo CCAC, referente ao Recorrente aqui em causa.
XXVIII. Essa informação foi comunicada ao CPSPM no dia 29/09/2014, sendo que, assim que o Comandante da referida corporação tomou conhecimento desses factos, no dia 30/09/2014, mandou, de imediato, no mesmo dia e à luz da lei, instaurar o presente procedimento disciplinar.
XXIX. Após a nomeação do Sr. Instrutor, o mesmo deu início ao inquérito no âmbito do processo disciplinar no dia 7/10/2014.
XXX. Contudo, o Sr. Instrutor propôs a suspensão do processo disciplinar, no dia 10/02/2015 e, nesse sentido, o processo disciplinar ficou a aguardar pela decisão final do processo criminal.
XXXI. Por despacho do Sr. Comandante da Corporação, datado de 10/02/2015, o presente processo disciplinar foi “suspenso”.
XXXII. O aqui Recorrente veio a ser condenado, em primeira instância, pelos crimes de burla e falsificação de documentos, como melhor consta dos autos, numa decisão datada de 3/7/2020.
XXXIII. A referida decisão do processo crime, que correu termos pelo 4.º juízo criminal, sob o n.º CR4-19-0296-PCC transitou em julgado no dia 23/7/2020
XXXIV. O processo disciplinar movido contra o aqui recorrente foi arquivado em 10/11/2020, pelo exmo. Sr. Comandante da Corporação, após proposta do Instrutor, alegando a prescrição.
XXXV. O Sr. Instrutor concluiu a instrução em 23/10/2020 e, em relatório final enviado à entidade que mandou instaurar o procedimento disciplinar, analisando o prazo de prescrição, entendeu pelo arquivamento pelo facto de não ser de exigir responsabilidade disciplinar, o que recebeu a anuência do Exmo. Sr. Comandante, como melhor consta do procedimento disciplinar.
XXXVI. O arquivamento foi decidido pelo Comandante do CPSPM, em despacho fundamentado, datado de 10/11/2020.
XXXVII. O referido despacho de arquivamento foi notificado ao Recorrente em 17/11/2020, como melhor consta do procedimento disciplinar.
XXXVIII. Posteriormente, numa análise efectuada pelo CCAC ao processo disciplinar já arquivado, em parecer datado de 5/1/2021 e enviado ao Comandante do CPSPM (em clara incompetência nos termos da legislação processual administrativa), decidiu o Sr. Comandante, num primeiro momento, revogar o acto administrativo de arquivamento do processo disciplinar, em 25/1/2021, e procedeu à reabertura do processo disciplinar, em 1/2/2021, sem que existisse qualquer facto novo, revogando, mais uma vez e num segundo momento o despacho de arquivamento proferido em 10/11/2020.
XXXIX. O Exmo. Sr. Comandante do CPSPM profere dois despachos do acto de revogação de arquivamento dos autos: um datado de 25/01/2021; e o segundo datado de 1/2/2021, igualmente a data de reabertura do processo disciplinar.
XL. Na referida decisão fundamentada de 25/01/2021 (ainda que não se aceite essa fundamentação legal), a qual mereceu o “concordo” do Exmo. Sr. Comandante, é referido que a contagem do prazo de prescrição foi mal efectuado pelo Sr. Instrutor, defendendo que o mesmo prazo deveria ter sido contado desde o dia 27/01/2014, e refere ainda que o referido prazo estava suspenso desde 30/09/2014 - o que não se aceita para todos os efeitos legais - concluindo pela errada aplicação da lei (erro de direito), tecendo, posteriormente, considerandos sobre uma nova lei que ainda não existe.
XLI. Em causa nos presentes autos está um vício de violação de lei por erro de direito, no que respeita à prescrição, alegando a entidade recorrida que O processo disciplinar foi suspenso a aguardar a decisão judicial, nos termos do disposta no n.º 1 do artigo 263.º do Estatuto dos Militarizados das Formas de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, por despacho de 10.02.2015, o que constitui causa suspensiva da prescrição, senda que após o trânsito em julgado da sentença criminal [...]”
XLII. Nos termos do disposto no artigo 263.º, n.º 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (doravante “Estatuto”), a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado.
XLIII. Acresce, por outro lado, que a presente acusação foi deduzida em 1/03/2021, tendo sido notificada ao aqui arguido em 1/03/2021 como está bem patente nos próprios autos, o referido procedimento disciplinar teve efectivamente início em 30/09/2014, após o CPSPM ter recebido uma informação, após investigação levada a cabo pelo CCAC, referente ao Recorrente aqui em causa
XLIV. Essa informação foi comunicada ao CPSPM no dia 29/09/2014, sendo que, assim que o Comandante da referida corpo ração tomou conhecimento desses factos, no dia 30/09/2014, mandou, de imediato, no mesmo dia e à luz da lei, instaurar o presente procedimento disciplinar.
XLV. Após a nomeação do Sr. Instrutor, o mesmo deu início ao inquérito no dia 7/10/2014.
XLVI. Contudo, nos termos do artigo 263.º, n.º 1, o Sr. Instrutor optou por propor a suspensão do processo disciplinar, porquanto o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar era também um ilícito penal, e, nesse sentido, ficou a aguardar pela decisão final do processo criminal.
XLVII. Contudo, como bem se depreende da norma em causa, o artigo 263.º, n.º 1 do Estatuto e dos factos vertidos nos autos, o artigo não tem aplicabilidade ao caso em concreto;
XLVIII. A norma estabelece que o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participada ao Tribunal, algo que não aconteceu in casu, pois foi precisamente o contrário, foi o CCAC que informou o CPSPM sobre os alegados actos criminais praticados pelo Recorrente, como melhor consta dos autos.
XLIX. Por outro lado, a investigação da acção disciplinar não ocorreu de per se por um acto do CPSPM, mas sim de uma informação que foi providenciada pelo CCAC, não tendo, sequer o CPSPM comunicado o que quer que fosse ao Tribunal.
L. Posto isto, não tendo o CPSPM comunicado o que quer que fosse a qualquer Tribunal, ou seja, o ilícito criminal não resultou de uma acção disciplinar (antes a acção disciplinar resultou de um ilícito criminal) tendo sido o CCAC a participar o facto (ilícito criminal) ao CPSPM, inexiste uma aplicabilidade do artigo 263.º, n.º 1 do Estatuto ao caso concreto.
LI. Tudo acrescido pelo facto de, mesmo quando a norma revela, in fine, que “poderá aguardar por tal resultado”, esse aguardar não é eterno e jamais pode ultrapassar o prazo de prescrição, caso contrário seria letra morta o estipulado no n.º 1 e 3 do artigo 205.º do EMFSM.
LII. Na verdade, o Recorrente veio a ser condenado, em primeira instância, pelos crimes de burla e falsificação de documentos, como melhor consta dos autos, numa decisão datada de 3/7/2020, tendo a mesma transitada em julgado no dia 23/7/2020.
LIII. Nos termos do artigo 205.º, n.º 1 do Estatuto, e sem qualquer margem para dúvida, a prescrição no procedimento disciplinar ocorre passados 5 anos após a data em que a infração se consumou, contudo, caso o facto seja qualificado também como infração penal, e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 5 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
LIV. No caso em concreto, a prescrição do procedimento criminal pelos crimes que o Recorrente foi condenado é igualmente de 5 anos, ou seja, a falsificação de documentos e a burla simples, pelo que o prazo de prescrição a ser aplicado em processo disciplinar é igualmente de cinco anos (vide artigos 244.º, 243.º e 211.º do CPM e artigo 110.º do CPM).
LV. Acresce ainda que, os factos pelos quais o aqui Recorrente foi condenado estão compreendidos no período temporal de 20 de Janeiro de 2012 a 27 de Janeiro de 2014, tendo o mesmo sido condenado por crime continuado, pelo que a prescrição, em termos gerais, sempre teria de ser contada a partir de 27 de Janeiro de 2014.
LVI. Mas, como o CPSPM apenas teve conhecimento desses factos em 30/09/2014, sempre poderia alegar ser esta a data de início para se contar o prazo de prescrição.
LVII. Na verdade, em 30/09/2014, já era, e foi, possível ao CPSPM dirigir o expediente por facto certo e contra pessoa determinada, e então seguiu-se imediatamente o processo disciplinar propriamente dito, não existindo qualquer problema, como refere Manuel Leal-Henriques (in Manuel de Direito Disciplinar, 2.ª edição - 2009-), tendo sido o que sucedeu nos autos em apreço, tendo a instrução sido aberta em 7/10/2014.
LVIII. No caso em apreço nem se pode alegar a interrupção com a prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 205.º do estatuto, porquanto não houve nenhum acto caracterizado como tal.
LIX. A prescrição do procedimento disciplinar interrompe-se com a prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo, mas a abertura da instrução disciplinar (em 7/10/2014) não é um acto que possa ter incidência na marcha do processo, porquanto o mesmo é apenas um acto instrumental, não tendo, também, natureza instrutória.
LX. Por seu turno, a posterior decisão de aguardar pelo resultado do processo crime (em 10/02/2015), apesar de poder ter incidência na referida marcha do processo, não é um acto de natureza instrutória, porquanto não se destina à descoberta de qualquer verdade material ou prática de ilícito.
LXI. Na verdade, não são expedientes pré disciplinares ou disciplinares que vêm quebrar um prazo que estava a correr. E, assim sendo, em 30/09/2014, já o CPSP de Macau sabia contra quem dirigir o procedimento disciplinar e por que factos, não necessitando de desencadear qualquer outro procedimento.
LXII. Posto isto, a decisão em se aguardar pelo resultado do processo crime, datada de 10/02/2015, não é, nem pode ser entendida, como um acto que a “entidade administrativa competente não se quer demitir do seu poder disciplinar”.
LXIII. De resto, em momento algum do procedimento disciplinar é invocado o n.º 4 do artigo 205.º do Estatuto.
LXIV. Mas seja como for, acabou por ser considerado no âmbito do procedimento disciplinar, nomeadamente pelo Sr. Instrutor, que a prescrição, o início da contagem do prazo de prescrição, foi a partir de 10/02/2015, data do despacho do Sr. Comandante da Corporação a aguardar pelo fim do processo crime.
LXV. Cremos, contudo, que esta decisão não está de acordo com a lei, pois que a prescrição deve ser contada, o início do prazo de prescrição, desde o dia 27/01/2014, data da prática do último acto pelo aqui Recorrente condenado em crime continuado, nos termos do artigo 205.º, n.º 1 do Estatuto.
LXVI. Assim sendo, este procedimento disciplinar prescreveu no dia 27/01/2019, porquanto não se registou nenhuma suspensão, nem nenhuma interrupção, do prazo de prescrição, ao contrário do que é alegado.
LXVII. Sem conceder, e apenas por mera cautela de patrocínio, se se considerar que, tal como fez o Sr. Instrutor, o prazo de prescrição se conta desde a data do despacho do Comandante da Corporação, que determinou que o processo disciplinar aguardasse pelo fim do processo crime, em 10/02/2015, então aí a prescrição sempre teria ocorrido como o Sr. Instrutor a calculou, ou seja, em 10/02/2020.
LXVIII. Porquanto, como se alegou, não ocorreu nenhum acto que levasse à suspensão ou interrupção do prazo de prescrição.
LXIX. Posto isto, mal se compreende que o CCAC, em relatório junto aos autos, e corroborado pela entidade recorrida no despacho de demissão ao qual aderiu (mal em nosso entender), venha alegar que o procedimento disciplinar foi suspenso por ter ocorrido a instauração de processo disciplinar que, embora não dirigido ao militarizado, venha a apurar infrações por que seja responsável (art. 205.º, n.º 5, al. a) do Estatuto).
LXX. É que na verdade, apesar do CCAC vir alegar este fundamento, apenas revela que o processo foi suspenso em 30/09/2014 - o que como se viu não é verdade -, mas em nenhuma passagem do referido relatório - ao qual a entidade recorrida aderiu para fundamentar o acto de demissão - consta a data em que, no entender do CCAC, o prazo de suspensão terminou.
LXXI. O referido relatório apenas se insurge contra o arquivamento e a forma, base legal, com que foi arquivado - a prescrição - invocando que o prazo de prescrição foi suspenso, mas não referindo até quando, ou seja, até que data.
LXXII. E, depois, aplica erroneamente uma norma que não tem qualquer aplicabilidade ao caso em concreto, mormente a alínea a) do n.º 5 do artigo 205.º do Estatuto.
LXXIII. É que a norma da alínea a), n.º 5, artigo 205.º, apenas tem aplicabilidade quando já há um processo a correr, o que não foi o caso em apreço, confundindo o CCAC um processo dirigido a pessoa determinada e por factos certos (sendo o caso em apreço), com a instauração de um outro processo (o 2.º processo) de expediente pré disciplinar ou disciplinar para se apurar eventuais “faltas imputáveis aqueles que se querem aproveitar da prescrição”.
LXXIV. A génese da alínea a) n.º 5, artigo 205.º do Estatuto, encerra um expediente que visa apurar responsabilidades - factos certos - e pessoas determinadas quando estes dois aspectos não estejam devidamente identificados em processo disciplinar especifico, sendo que nesses casos faz todo o sentido que a instauração de tal expediente venha suspender o decurso do prazo de prescrição do processo disciplinar já em curso, até que sejam identificados os sujeitos ou até que sejam determinados e apurados os factos, o que não foi o caso em apreço.
LXXV. Por outro lado, esta norma pode igualmente englobar uma situação em que exista um processo disciplinar dirigido contra um terceiro militarizado, e no mesmo processo se venha a apurar que outro militarizado tenha cometido faltas passiveis de originarem um processo disciplinar.
LXXVI. Contudo, jamais esta alínea pode ser entendida como o CCAC e a entidade recorrida entenderam, ou seja, que pelo simples facto de ser instaurado um processo disciplinar, a partir desse momento, o prazo de prescrição seja suspenso.
LXXVII. Por outro lado, defende o CCAC e a entidade recorrida que a decisão de aguardar pelo resultado do processo crime não afecta o prosseguimento do processo disciplinar, aceitando, assim, de forma implícita, que essa decisão não interrompe, nem suspende o procedimento disciplinar.
LXXVIII. Em suma, não tendo existido nenhum acto que levasse à interrupção ou suspensão do processo disciplinar em causa, quer se considere a data da prática do último ilícito por parte do aqui arguido - 27/01/2014 - quer se aplique a data de instauração do processo disciplinar - 30/09/2014 -, quer se aplique a data de inicio da instrução - 7/10/2014 - , quer se aplique a data em que por decisão do Comandante os autos ficaram a aguardar a decisão do processo crime - 10/02/2015 - , em todas as datas já o prazo de prescrição decorreu, tendo a mesma ocorrido, respectivamente, qualquer data que se considere, em 27/01/2019, 30/09/2019, 7/10/2019 e 10/02/2020.
LXXIX. De resto, quando foi proferida a decisão de condenação pelo Tribunal de Primeira Instância da RAEM, em 3/7/2020, já o prazo de prescrição tinha decorrido, independentemente da data que é considerada para o início da contagem do prazo de prescrição, pelo que estes autos deviam ter sido definitivamente arquivados, com fundamento na prescrição, algo que não aconteceu.
LXXX. Assim, a decisão recorrida incorreu em vício de violação de lei por erro de direito, por violação do disposto no art. 263º, nº 1, 205.º, n.º 1, 3, 4, 5 al. a), todos do EMFSM e 110.º, n.º 1, al. d) do Código Penal, bem como por violação do princípio da legalidade plasmado no art. 3º do CPA, segundo o qual a administração deve actuar em obediência à lei e ao direito.
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, com as seguintes conclusões:
1) Não foi violado o princípio da proporcionalidade, sendo a pena aplicada a que melhor se adequa à conduta infratora do arguido;
2) O procedimento disciplinar não se encontra prescrito;
3) Decaindo, assim, os vícios imputados ao acto administrativo impugnado e não se vislumbrando quaisquer outros que inquinem a validade jurídica do mesmo.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio o Recorrente fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, nos seguintes termos:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança datado de 18 de Junho de 2021 que, em processo disciplinar, puniu o Recorrente com a pena de demissão, pedindo a respectiva anulação.
  Foi apresentada contestação pela Entidade Recorrida, concluindo no sentido da improcedência do recurso.
  2.
  A única questão que vem colocada pelo Recorrente no presente recurso contencioso para ser decidida pelo Tribunal de Segunda Instância é a de saber se, como o mesmo sustenta, ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar, pois que, acaso se conclua positivamente, o acto recorrido padecerá de vício invalidade por violação de lei.
  Vejamos.
  (i)
  De acordo com o artigo 205.º, n.º 1, do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro (entretanto revogado pela Lei n.º 13/2021, mas aplicável à presente situação), «o procedimento disciplinar prescreve passados 5 anos, contados da data em que a infracção se tiver consumado», sendo que, como preceitua o n.º 3 do mesmo artigo  «se o facto qualificado como infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 5 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal».
  No caso, mesmo considerando o teor desta última norma legal, o prazo de prescrição a considerar é de 5 anos, uma vez que, tendo o Recorrente sido condenado pela prática de crimes puníveis com pena de máximo igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos [estão em causa, recordemos, os crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 244.º, alínea b) e 243.º, alínea a) do Código Penal e os crimes de burla previstos e punidos pelo n.º 1 do artigo 211.º do Código Penal, os quais são puníveis com pena de multa ou pena de prisão até 3 anos], o prazo de prescrição do procedimento criminal também de 5 anos, tal como resulta do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 110.º do Código Penal.
  Para além do próprio prazo de prescrição, a lei prevê igualmente as respectivas causas de interrupção e de suspensão.
  Como decorre do n.º 3 do artigo 205.º do EMFSM, a prescrição do procedimento disciplinar interrompe-se (α) com a prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo e (β) pela notificação da acusação ao arguido.
  Relativamente à suspensão, o n.º 5 do mesmo artigo dispõe que a mesma ocorre em duas situações: (α) com a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra o militarizado, venham a apurar-se infracções por que seja responsável e (β) com a submissão do processo a parecer do Conselho de Justiça e Disciplina, nos casos em que for obrigatória a intervenção deste Conselho.
  Além disso, segundo pensamos, o prazo de prescrição também se suspende nas situações previstas no n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, não obstante a falta de indicação expressa nesse sentido. Na verdade, estabelecendo-se ali que, «quando o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participado ao tribunal competente para apuramento e aplicação das respectivas sanções penais, a decisão final do processo disciplinar poderá aguardar tal resultado», parece-nos evidente que isso não poderá deixar de significar que, quando o órgão competente determine que o processo disciplinar fique a aguardar a decisão final do processo judicial, daí decorrerá a suspensão do prazo prescricional do procedimento disciplinar. Seria manifesta e incompreensivelmente contraditório que a lei previsse, por um lado, a possibilidade de o processo disciplinar aguardar a de decisão do processo criminal e, por outro lado, se admitisse que o prazo de prescrição, nessa situação, continuaria a correr.
  (ii)
  Na situação em apreço, os factos disciplinarmente relevantes imputados ao Recorrente ocorreram entre 20 de Janeiro de 2012 e 27 de Janeiro de 2014, no caso das deslocações ao exterior sem dar conhecimento superior e em prejuízo do horário normal do trabalho e entre 5 de Janeiro de 2012 e 11 de Dezembro de 2013, no caso das infracções atinentes à apresentação com atraso no serviço.
  Vamos admitir que, numa e noutra situação estaremos perante infracções disciplinares continuadas. Por ser assim, o prazo de prescrição começou a correr desde o dia da prática do último dos actos, por aplicação, à falta de outra, da regra emergente da alínea b) do n.º 2 do artigo 111.º do Código Penal (no sentido da admissibilidade da figura da infracção continuada em direito disciplinar e, bem assim, no de que nesse caso o prazo de prescrição se conta a partir do último acto que integra a continuação, veja-se, na jurisprudência portuguesa, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.1.2003, processo n.º 604/02, disponível em versão integral no endereço electrónico www.dgsi.pt. Trata-se de entendimento que não é pacífico: veja-se, sobre a questão, LUÍS VASCONCELOS ABREU, Infracção disciplinar continuada ou princípio da unidade da infracção disciplinar, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 44, pp. 24-29).
  Assim, quanto ao primeiro grupo de infracções, a contagem do prazo iniciou-se em 27 de Janeiro de 2014 e quanto ao segundo, em 11 de Dezembro de 2013.
  O processo disciplinar foi instaurado em 30 de Setembro de 2014, importando apurar se, tal como foi entendido pela Entidade Recorrida, essa instauração teve o efeito de suspender o prazo prescricional por aplicação do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 205.º do EMFSM.
  Com todo o respeito, não vemos como.
  Recordemos o que se preceitua na referida norma: o prazo de prescrição do procedimento disciplinar suspende-se com a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra o militarizado, venham a apurar-se infracções por que seja responsável.
  Em nosso modesto entendimento, o sentido dessa norma, idêntica, aliás, à que consta do n.º 4 do artigo 289.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), não pode ser aquele que foi apontado pela Entidade Recorrida, ou seja, o de que a instauração do processo disciplinar suspende o prazo de prescrição.
  Com efeito, a suspensão do prazo de prescrição prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 205.º do EMFSM decorrente da instauração de processo disciplinar apenas ocorre quando este foi instaurado contra outro trabalhador que não o trabalhador a quem aproveita a prescrição («embora não dirigidos contra o militarizado»), como, aliás, nos parece evidente, pois que a razão de ser daquela suspensão do prazo reside no facto de, com a instauração dos processos indicados na alínea a) do n.º 5 do artigo 205.º do EMFSM a Administração revelar o seu interesse nas verificação da realidade, permitindo-lhe, depois, a posterior actuação que se adeque a cada caso (quando muito, parece-nos que pode admitir-se que a hipótese legal também abrange os casos de processos disciplinares instaurados contra o trabalhador a quem aproveita a prescrição nos quais se venham a revelar outros factos com relevância disciplinar que com os que são objecto do processo não se encontrem numa relação de unidade de infracção. Veja-se, no sentido por nós defendido, veja-se PAULO VEIGA MOURA – CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Volume, Coimbra, 2014, p. 511. Em sentido diverso, MANUEL LEAL- HENRIQUES, Direito Disciplinar de Macau, RAEM, 2020, p. 131).
  De resto, não faria sequer sentido, com o devido respeito, que, pretendendo o legislador consagrar a instauração do processo disciplinar contra o trabalhador a quem a prescrição aproveita como causa de suspensão do prazo de prescrição não o tivesse dito de forma linear, inequívoca e em norma própria e, ao invés, optasse por uma tão rebuscada formulação. Como também não faria qualquer sentido que a suspensão do prazo de prescrição ficasse condicionada, como resulta da parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 205.º do EMFSM, ao apuramento, necessariamente indiciário, de infracções pelas quais o trabalhador seja responsável porquanto esse apuramento constitui um pressuposto da própria instauração do processo disciplinar.
  Ademais, a adoptar-se o entendimento sufragado pela Entidade Recorrida também ficaria por compreender, estamos em crer, o sentido da previsão da causa de interrupção do prazo de prescrição que inequivocamente se encontra no inciso legal contido no n.º 4 do artigo 205.º do EMFSM. Não parece lógico, todos estaremos de acordo, que um legislador que, presumivelmente, consagra as soluções mais acertadas e se sabe exprimir de forma adequada, preveja uma causa de interrupção de um prazo cujo curso se encontra indefinidamente suspenso, pois que é disso que se trata se admitirmos que a mera instauração do procedimento disciplinar é causa da suspensão do prazo de prescrição.
  Aliás, esta última consequência, da eterna suspensão da prescrição que resulta da tese que vê na instauração do processo disciplinar contra o trabalhador a quem a prescrição aproveita é manifestamente contrária ao próprio espírito da previsão legal da existência de prazos de prescrição. Não pode haver suspensões de prazos prescrições que se prolonguem indefinidamente. Com efeito, quando a causa de suspensão do prazo não cessa por natureza [é o que acontece, por exemplo, com as causas de suspensão previstas nas alíneas a) e c) do Código Penal], o legislador sempre cuida de estabelecer, como não pode deixar de ser, um limite temporal para essa suspensão (é o que sucede, por exemplo, no n.º 6 do artigo 205.º por referência à alínea b) do n.º 5 do mesmo artigo do EMFSM e é também o que está previsto no n.º 2 do artigo 110.º do Código Penal. De resto, MANUEL LEAL-HENRIQUES, perante o desconforto interpretativo a que conduz a sua tese segundo a qual a instauração do processo disciplinar suspende o prazo da suspensão dada a inexistência da previsão de um prazo que limite temporalmente essa suspensão, vê-se obrigado a, de forma imaginativa, mas sem qualquer apoio na lei, com todo o respeito o dizemos, vislumbrar na norma do n.º 3 do artigo 287.º do ETAPM, correspondente à do n.º 4 do artigo 205.º do EMFSM, a previsão de uma causa de paralisação da suspensão do prazo de prescrição e não aquilo de que verdadeiramente se trata e que é uma causa de interrupção da prescrição. Neste último sentido tem seguido, de modo tranquilo e constante, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores).
  Podemos, pois, concluir com segurança e de forma que, modestamente o dizemos, nos parece interpretativamente adequada, que a instauração do processo disciplinar contra o Recorrente não suspendeu o prazo de prescrição [sempre se diga, aliás, o que não deixa de ser sintomático, que esta conclusão é hoje incontroversa face ao disposto na alínea 2) do n.º 3 do artigo 81.º da Lei n.º 13/2021 que contém o novo Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança de Macau].
  (iii)
  Além disso, no dia 10 de Fevereiro de 2015, o Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, lavrou um despacho que se encontra fls. 462 do processo administrativo instrutor, determinando que, uma vez que o Ministério Público havia aberto um processo de inquérito tendo por objecto os mesmos factos em causa no processo disciplinar, este ficaria suspenso nos termos do artigo 263.º do EMFSM a aguardar a decisão do processo penal.
  Considerou a Entidade Recorrida na decisão punitiva que é objecto de impugnação contenciosa nos presentes autos que o dito despacho constitui causa suspensiva da prescrição, o que teria obstado ao curso desta até ao trânsito em julgado da sentença condenatória do Recorrente que foi proferida no processo penal que correu termos pelo 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base sob o n.º CR4-19-0296-PCC.
  Com todo o respeito, não nos parece que assim seja.
  Pelas razões acima enunciadas, também nós entendemos que a norma do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM contém a previsão de uma verdadeira causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
  Todavia, essa suspensão só opera nos estritos termos resultantes da previsão legal e não fora dela, nomeadamente, não opera em razão de uma actuação administrativa que se situe fora dos pressupostos da habilitação normativa.
  Ora, como resulta expressamente da segunda parte do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, para que a suspensão do processo disciplinar e, consequentemente a suspensão do prazo de prescrição daí derivada possa ocorrer, é necessário que «o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participado ao tribunal competente para apuramento e aplicação das respectivas sanções penais», significando isto, apesar da óbvia falta de rigor terminológico da dita norma, que necessário se mostra que tenha havido uma acusação deduzida pelo Ministério Público, pois só nessa situação processo é remetido para o tribunal a fim de se proceder à audiência de julgamento, ou para se proceder à instrução, nos casos em que esta seja requerida.
  Compreende-se esta exigência à luz do princípio da autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo criminal resultante da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, não bastando, pois, que penda um processo criminal para que se possa suspender o processo disciplinar, mostra-se necessário, além disso, que o processo criminal se encontre numa fase avançada da sua tramitação (neste mesmo sentido, a propósito do ETAPM, MANUEL LEAL-HENRIQUES, Direito…, pp. 85-87).
  Podia discutir-se, de lege ferenda, se esta era ou não a boa solução e se, ao invés, se justificava a possibilidade de suspensão do processo disciplinar mesmo quando o processo criminal se encontrasse em fase de inquérito, é dizer, em fase pré judicial. A verdade é que de jure constituto, face ao anterior EMFSM, não era de modo algum viável, em nosso modesto entendimento, uma interpretação que validasse a suspensão do procedimento disciplinar com a consequente suspensão do prazo de prescrição quando o processo criminal se encontrasse em fase de inquérito (à luz da nova lei deixou de ser assim: de acordo com a alínea 1) do n.º 3 do artigo 81.º da Lei n.º 13/2021, a prescrição do procedimento disciplinar suspende-se durante o tempo em que o processo disciplinar estiver suspenso a aguardar decisão final em processo disciplinar, independentemente da fase em que este se encontrar).
  Não se verificando os pressupostos legais habilitantes da suspensão procedimental prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, é juridicamente inoperante como tal a determinação contida no despacho que se encontra a fls. 462 do processo administrativo instrutor, por isso que a mesma é, em rigor, ilegal.
  Significa isto, portanto, que também por esta via não ocorreu qualquer suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal.».
  
  Ordenada a junção aos autos de documentos e dada nova vista dos mesmos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público por este veio a ser emitido o seguinte Parecer:
  «(i)
  Apesar de a acusação deduzida contra o Recorrente ter dado entrada no Tribunal no dia 11 de Setembro de 2019 e ter sido recebida no dia 19 do mesmo mês, a verdade é que, na sequência de tais actos processuais, a Administração não praticou nenhum acto a determinar a suspensão do procedimento disciplinar ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM.
  Mesmo quem, como nós, entenda que a norma do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM contém a previsão de uma verdadeira causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, não pode deixar de considerar que essa suspensão não é automática, carecendo, ao invés, de um acto, de natureza discricionária, praticado no processo disciplinar, que a determine. A letra da lei é, a esse propósito, inequívoca: «(...) a decisão final do processo disciplinar poderá aguardar tal resultado» (o sublinhado é da nossa responsabilidade).
  Ora, como já vimos no nosso anterior parecer, o único acto da Administração que, no processo disciplinar, ordenou a respectiva suspensão foi praticado muito antes da dedução da acusação contra o Recorrente no processo criminal e, portanto, porque não encontra nos pressupostos da habilitação legal contida na segunda parte do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, parece-nos que não pode deixar de se considerar destituído de qualquer eficácia suspensiva do prazo de prescrição, independentemente do que, de modo superveniente, veio a ocorrer.
  (ii)
  Ainda que, sem conceder, se entenda que o despacho a ordenar a suspensão do procedimento disciplinar adquiriu a eficácia suspensiva do prazo de prescrição que antes não tinha a partir do momento em que ocorreu o preenchimento do pressuposto legal previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 263.º do EMFSM, ou seja, a partir do momento da entrada no tribunal da acusação deduzida no processo crime contra o Recorrente, nem por isso a prescrição teria deixado de ocorrer.
  Com efeito, contando o prazo de prescrição de 5 anos a partir do dia 10 de Fevereiro de 2015 (a partir desta data por sabermos que a partir dela nenhum acta com eficácia interruptiva foi praticado no processo disciplinar), data em que o processo disciplinar ficou parado a aguardar o resultado do processo criminal, até 11 de Setembro de 2019, data da entrada da acusação no tribunal, temos que correram para a prescrição 4 anos e 7 meses. No dia 11 de Setembro de 2019, o prazo teria ficado suspenso até ao trânsito em julgado do acórdão proferido no processo criminal, o que ocorreu no dia 23 de Julho de 2020 (cfr. fls. 473 do processo administrativo instrutor), momento a partir do qual o prazo de prescrição retomou o seu curso, pelo que se teria completado no dia 22 de Dezembro de 2020, uma vez que entre 23 de Julho e 22 de Dezembro de 2020 não foi praticado qualquer acto instrutório com incidência na marcha do processo disciplinar nem neste foi deduzida acusação, é dizer, nenhum acto a que o artigo 205.º, n.º 4 do EMFSM confere eficácia interruptiva do prazo de prescrição. Pelo contrário. Nesse período, o que ocorreu de relevante no processo foi apenas a declaração, por parte do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, da prescrição do procedimento disciplinar.
  Pelas duas razões que antecedem, continuamos, pois, a ser de parecer de que ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar.».
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos factos

a) Em 30.09.2014 foi ordenada pelo Comandante do CPSPM a instauração de um processo disciplinar contra o ora Recorrente – cf. fls. 2 do PA apenso aos autos -;
b) Após a nomeação de instrutor, o processo disciplinar teve início no dia 7.10.2014 – cf. fls. 1 do PA apenso aos autos -;
c) Em 16.01.2015 foi ouvida a última testemunha no processo disciplinar – cf. fls. 443 do PA apenso aos autos -;
d) Em 10.02.2015, por despacho do Comandante do CPSPM, com o fundamento de ter sido instaurado inquérito relativamente aos factos que constam do processo disciplinar foi ordenada a suspensão deste nos termos do nº 1 do artº 263 do EMFSM – cf. fls. 462 do PA apenso aos autos -;
e) Em 11.09.2019 a acusação deduzida contra o arguido agora aqui Recorrente deu entrada no TJB, vindo a ser distribuída ao 4º Juízo criminal em 12.09.2019, onde correu termos sob o nº CR4-19-0296-PCC– cf. fls. 83 -;
f) Por despacho proferido naqueles autos de processo crime datado de 19.09.2019 foi proferido despacho a receber a acusação e por despacho de 04.10.2019 foi designada data para julgamento – cf. fls. 83 -;
g) Por Acórdão de 03.07.2020, transitado em julgado em 23.07.2020, foi decidido:
綜上所述,本合議庭宣告檢察院在本案的控訴理由部份成立,並對嫌犯A判處如下:
1. 以直接正犯(共犯)、連續犯和既遂方式觸犯澳門《刑法典》第244條第一款b)項配合第243條a項所規定及處罰的一項「偽造文件罪」,判處二年徒刑;
2. 檢察院指控嫌犯以直接正犯(共犯)和既遂方式觸犯澳門《刑法典》第211條第3款結合第1款及第196條a項所規定及處罰的一項詐騙罪(巨額),應予改變法律定性,改為判處嫌犯以直接正犯(共犯)、連續犯和既遂方式觸犯澳門《刑法典》第211條第1款所規定及處罰的一項「詐騙罪」,判處一年徒刑;
3. 二罪並罰,合共判處二年三個月徒刑,緩刑二年執行,緩刑附帶條件,嫌犯須於判決確定後一個月內向本特區捐獻澳門幣30,000元以彌補其犯罪之惡害;
4. 判處嫌犯A須向本特區支付澳門幣58,019元之賠償,另加自本案判決日起計至付清的法定延遲利息。
- cf. fls. 473 a 487 do PA apenso aos autos -;
h) Pelo Comandante do CPSPM em 10.11.2020 foi proferido despacho a ordenar o Arquivamento dos autos por prescrição do procedimento disciplinar – cf. fls. 500/501 do PA apenso aos autos -;
i) Por despacho do Comandante do CPSPM de 01.02.2021 foi revogado o despacho anterior e ordenada a continuação do processo disciplinar – cf. fls. 514 do PA apenso aos autos -;
j) Em 01.03.2021 foi deduzida acusação no processo disciplinar – cf. fls. 540 a 553 do PA apenso aos autos -;
k) O arguido foi notificado daquela acusação na mesma data – cf. fls. 554 do PA apenso aos autos -;
l) Por despacho de 18.06.2021 do Secretário para a Segurança foi aplicada ao arguido a pena de demissão – cf. fls. 608 a 609 do PA apenso -;
m) O arguido agora Recorrente foi notificado daquele despacho em 23.06.2021 – cf. fls. 610 do PA apenso aos autos -;
n) Em 23.07.2021 o arguido veio interpor Recurso contencioso daquela decisão.
  
2. Do Direito
  
  Tal como já resulta do Douto Parecer do ilustre Magistrado do Ministério Público a única questão que importa apreciar e decidir nestes autos consiste na prescrição do procedimento disciplinar.
  Acompanhamos sem reservas a fundamentação constante do indicado parecer no sentido de que no caso em apreço se tratam de infracções disciplinares continuadas, começando o prazo de prescrição a correr desde a data da prática do último acto, pelo que, «quanto ao primeiro grupo de infracções, a contagem do prazo iniciou-se em 27 de Janeiro de 2014 e quanto ao segundo, em 11 de Dezembro de 2013.».
  
  Não acompanhamos, contudo o Douto Parecer quando entende que a instauração do processo disciplinar não suspende o prazo de prescrição.
  Dispõe o artº 205º do Decreto-Lei nº 66/94/M, vigente ao tempo, o seguinte:
Artigo 205.º
(Prescrição)
  1. O procedimento disciplinar prescreve passados 5 anos, contados da data em que a infracção se tiver consumado.
  2. O procedimento disciplinar por infracções que resultem de contravenções prescreve decorrido o prazo de prescrição das mesmas contravenções.
  3. Se o facto qualificado como infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 5 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
  4. A prescrição do procedimento disciplinar interrompe-se com a prática de acto instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido.
  5. Suspende o decurso do prazo prescricional:
  a) A instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra o militarizado, venham a apurar-se infracções por que seja responsável;
  b) A submissão do processo a parecer do CJD, nos casos em que for obrigatória a intervenção deste Conselho.
  6. A suspensão prevista na alínea b) do número anterior não pode ultrapassar 2 anos.
  7. Salvo o caso de o militarizado punido se ter subtraído de má fé à sua execução, as penas prescrevem decorridos 10 anos sobre a data em que a decisão se tornar irrecorrível.
  Embora com uma redacção ligeiramente diferente a alínea a) do nº 5 da indicada norma corresponde ao nº 4 do artº 289º do ETAPM onde se diz: «4. Suspendem o prazo prescricional a instauração dos processos de sindicância e de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.».
  Sobre esta matéria e na esteira do que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal e do Tribunal de Última Instância acompanhamos o entendimento de que é expressa a intenção do legislador de consagrar na alínea a) do nº 5 do artº 205º do EMFSM a suspensão do prazo de prescrição.
  Mais feliz a redacção da norma contida no nº 4 do artº 289º do ETAPM do que a da alínea a) do nº 5 do artº 205º do EMFSM, mas o que de ambas resulta é que não só apenas os expedientes de natureza disciplinar ali indicados que hajam sido dirigidos contra o funcionário objecto do processo disciplinar têm a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, como também aqueles que hajam sido dirigidos contra terceiros.
  Aliás, como refere Manuel Leal Henriques em Direito Disciplinar de Macau, CFJJ, 2020, a pág. 123 a 127 a própria escolha do expediente usado tem de ocorrer de acordo com a situação existente e obedecer ao propósito de cada um dos expedientes ali indicados e que igualmente se encontram regulados, não se podendo aceitar que seja causa de suspensão do prazo de prescrição a instauração de um processo de sindicância que tem como objectivo a averiguação geral acerca do funcionamento do serviço (artº 354º do ETAPM) quando a administração já tem conhecimento dos factos com relevância disciplinar e do seu Autor.
  Clara é a redacção do nº 4 do indicado artº 289º quando diz “mesmo” que não tenham sido instaurados contra o funcionário e agente a quem a prescrição aproveite, e daí dizermos mais feliz que a referida alínea a) do nº 5 do artº 205º “embora não dirigidas contra o militarizado” mas que não deixa de ter o mesmo significado.
  Mas, também porque em obediência ao disposto no artº 8º do C.Civ. na interpretação da lei se deve ter em atenção à unidade do “sistema jurídico” e de que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, contemplando as duas normas em causa a mesma situação, não faria sentido que a alínea a) pudesse de alguma forma ser interpretada em sentido distinto do nº 4 do artº 289º, sendo certo que, a redacção deste último não deixa margem para dúvidas de que foi intenção do legislador que a instauração do processo disciplinar fosse causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
  Poderá essa solução em termos de justiça não ter sido aquela que o interprete veio a considerar a “mais favorável ao agente objecto do processo disciplinar”, como aliás resulta a dada passo do Acórdão do TUI de 31.07.2020 proferido no processo nº 61/2020, mas como também resulta deste mesmo Acórdão não cabe “julgar a lei” mas sim “ julgar segundo a Lei”.
  Por fim, e se dúvidas ainda houvesse, da mesma forma que o legislador de 2021 foi capaz de expressar o seu pensamento de forma adequada quando na alínea 2) do nº 2 do artº 81º da Lei nº 13/2021 arreda das causas de suspensão do prazo de prescrição a instauração do processo disciplinar, da mesma forma o havia feito o legislador de 1994 se essa fosse a sua intenção, porém os tempos eram outros e a evolução que o instituto sofreu nas últimas décadas levou a alterações significativas que sendo hoje aceites, não faziam sentido de antanho.
  Aqui chegados e entendendo que a alínea a) do nº 5 do artº 205º do EMFSM consagra que a instauração do processo disciplinar suspende o prazo de prescrição, temos que, o que da factualidade apurada resulta é que em 10.02.2015 foi ordenada a suspensão do processo disciplinar nos termos do nº 1 do artº 263º do EMFSM.
  Reza o nº 1 do artº 263º do EMFSM que «A acção disciplinar é exercida independentemente da criminal. Porém, quando o ilícito criminal de que resultou a acção disciplinar tenha sido participado ao tribunal competente para apuramento e aplicação das respectivas sanções penais, a decisão final do processo disciplinar poderá aguardar tal resultado.».
  Aqui a redacção do preceito é completamente distinta da do nº 2 do artº328º do ETAPM.
  Concordamos inteiramente com o Douto Parecer do Ministério Público quando sustenta que a alusão “a participação ao tribunal competente” não pode ter outro entendimento que não seja o de pelo menos ter sido deduzida acusação pelo Ministério Público pois só aí faz sentido que se fale de “tribunal competente”, pois se não houver uma acusação deduzida a questão da competência do tribunal nem sequer se coloca.
  Pelas mesmas razões já antes expostas de que o legislador sabe sempre exprimir o seu pensamento de forma adequada, tal como actualmente se refere na alínea 1) do nº 3 do artº 81º da Lei nº 13/2021 que a prescrição do procedimento disciplinar se suspende quando “o procedimento disciplinar estiver suspenso a aguardar decisão final em processo criminal”, também em 1994 havia sido possível expressar-se da mesma forma, tanto mais que, idêntica a esta (a redação da Lei 13/2021) é a redacção do equivalente nº 2 do artº 328º do ETAPM, pelo que, se outra fosse a intenção do legislador que não fazer depender a suspensão do prazo de prescrição da remessa da acusação ao tribunal competente bastar-lhe-ia ter recorrido à redacção existente no regime similiar e mais antigo do ETAPM.
  Assim, aderindo à argumentação constante do Douto Parecer do Ministério Público o despacho de 10.02.2015 do Comandante do CPSPM carece de base legal pelo que é inoperante não tendo dali resultado a suspensão do prazo de prescrição, pelo menos no momento em que o despacho é proferido.
  Contudo, estando a suspensão ordenada com aquele fundamento sendo este um acto que cabe na instrução do processo disciplinar, vindo essa acusação a ser deduzida posteriormente e remetida ao tribunal, não nos repugnava aceitar que a partir do momento em que a acusação dá entrada no tribunal se operava o efeito suspensivo que antes havia sido ordenado.
  Porém, nem assim se entendendo resulta algo em benefício da suspensão ou interrupção da prescrição.
  O que da factualidade apurada resulta é que o último acto praticado na instrução do processo com relevância para a marcha deste foi realizado em 16.01.2015 – cf. al. c) dos factos apurados -, o qual teve a virtualidade de interromper o prazo de prescrição sendo que a partir desta data volta a correr este prazo por força do disposto no nº 4 do artº 205º do EMFSM.
  Interrompido o prazo de prescrição volta a este a contar-se de novo, pelo que, de 16.01.2015 a 11.09.2019 (data de entrada no tribunal da acusação) decorreram quatro anos, sete meses e vinte e seis dias. O Acórdão a condenar o Recorrente transitou em julgado em 23.07.2020, momento a partir da qual cessaria a causa de suspensão e só em 01.02.2021 se volta a proferir um despacho a ordenar a continuação do processo disciplinar (uma vez que o despacho anterior não releva para o efeito por ter decretado a prescrição do procedimento), isto é, decorridos mais seis meses e oito dias.
  Apenas a interrupção da prescrição tem a virtualidade de inutilizar o prazo que decorreu até então.
  Da suspensão apenas resulta que durante o respectivo período o tempo decorrido não conta.
  Assim sendo, somando-se o tempo que havia decorrido entre o último acto de instrução com relevância no processo e a entrada da acusação no tribunal, com aquele que decorreu após o transito em julgado da decisão e o despacho a ordenar a continuação do processo, verifica-se que já se havia completado o prazo de prescrição.
  Destarte, ainda que se aceitasse que a entrada da acusação no tribunal ocorrida 4 anos após o despacho a ordenar a suspensão do processo tinha tido a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, por fundamentos ligeiramente distintos dos do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, somos também a acompanhar a conclusão de que quando foi deduzida acusação contra o arguido o prazo de prescrição já havia decorrido, prescrição que o arguido também invocou em sede de contestação no processo disciplinar mas que não foi acolhida pela entidade decisora.
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida por haver prescrito o procedimento disciplinar.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 26 de Maio de 2022
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  Lai Kin Hong
  Fong Man Chong
  
  Mai Man Ieng


647/2021 REC CONT 33