Processo nº 24/2022 Data: 25.03.2022
(Autos de recurso jurisdicional)
Assuntos : “Aposentação”.
Tempo de serviço relevante para efeitos de “aposentação”.
Cálculo da “pensão de aposentação (a suportar pelo Fundo de Pensões)”.
SUMÁRIO
1. Em face do estatuído no art. 264° do E.T.A.P.M. importa distinguir “tempo de serviço” relevante para efeitos de “aposentação” e “tempo de serviço (relevante) para cálculo da pensão de aposentação (a suportar pelo Fundo de Pensões)”.
Com efeito, para o tempo de serviço relevante para efeitos de aposentação pode concorrer tempo pelo qual o funcionário tenha descontado para outra instituição de previdência fora de Macau, e, nessa situação, a R.A.E.M. apenas assegura a parte da pensão calculada em função do tempo de serviço a que tenham correspondido descontos efectuados para o Fundo de Pensões.
2. O facto de se reconhecer que o recorrente tem 42 anos, 3 meses e 11 dias de serviço para efeitos de aposentação, não implica que a R.A.E.M. tenha de suportar o pagamento da pensão pela “totalidade”.
Para tal, necessário era que o recorrente contasse com “36 anos de serviço” para efeitos de aposentação com os descontos efectuados por todo este (mesmo) período de tempo para o Fundo de Pensões, (o que, como está claro, não é a situação).
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 24/2022
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA de 02.07.2020 que “fixou ao recorrente, com início de 01JAN2019, a pensão mensal correspondente ao índice 750 da tabela indiciária, por contar 36 anos de serviço, acrescido do montante de 7 prémios de antiguidade e que lhe assegurou o pagamento da proporção correspondente a 791/1000 do valor fixado, permilagem essa equivalente a 28 anos, 5 meses e 24 dias, contados em relação ao tempo em que, enquanto inscrito no Fundo de Pensões, exerceu funções públicas e efectuou descontos a favor do Fundo de Pensões”; (cfr., fls. 4 a 39 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, por Acórdão de 28.10.2021, (Proc. n.° 852/2020), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 390 a 398).
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Inconformado, traz o mesmo recorrente o presente recurso jurisdicional.
Nas suas alegações produz as seguintes conclusões:
“1ª - O acórdão recorrido, bem como, o acto recorrido incorrem no vício de violação de lei (anulabilidade e nulidade), viola o caso julgado e violam entre outras disposições legais baixo mencionadas, os princípios de igualdade, da boa-fé e da justiça, consagrados como orientadores de toda a actividade administrativa, de acordo com o estipulado 2°, n.° 4, 8°, 122°, n.° 2, al. h), todos do CPA, 184°, n.° 2 e 3° e 187°, n.° 1, a), ambos do CPAC, artigo 326° do Código Civil, os artigos 258°, 260° e 264°, n.° 3, 265°, todos do ETAPM.
2ª - O acto recorrido errou no cálculo do pagamento da aposentação e não aplicou os 6 anos de serviço para efeitos de aposentação atribuídos ao recorrente como benefício da bonificação de 20% ao abrigo do artigo 20° do Decreto-Lei n.° 87/89/M de 21 de Dezembro.
3ª - O acto recorrido acto recorrido errou no cálculo do pagamento da aposentação errou ao não considerar que o recorrente só começou a trabalhar para o Governo de Macau em 22/01/1985.
4ª - O recorrente tem direito a ter a sua pensão calculada e ser pago pelo período de 36 anos de serviço e 36 anos de contribuições que fez e foram descontadas pelo Governo da RAEM (Polícia de Segurança Pública de Macau).
5ª - Se assim não fosse considerado pelo recorrido, teria direito a ter a sua pensão calculada pelo período de 36 anos de serviço e ser pago pelo período de 34 anos 11 meses 22 dias de contribuições que efectivamente fez e entregou ao Fundo de Pensões de Macau.
6ª - O Despacho recorrido viola o Princípio da Igualdade e da Boa Fé, ferindo, no seu núcleo essencial, Direitos Liberdades e Garantias do recorrente, de carácter constitucional pois consagrados na Lei Básica da R.A.E.M., designadamente o Princípio da Legalidade e da Prossecução do Interesse Público (art. 3° do C.P.A. e arts. 8°, 11°, 39°, 40° e 41° da Lei Básica), com o que, desde já, em função deste vício, se considera o acto recorrido ferido de nulidade.
7ª - O recorrente sempre trabalhou para o Governo da Região Administrativa Especial de Macau, anteriormente, Governo de Macau e foi alistado no Corpo de Polícia de Segurança Pública desde 22 Janeiro de 1985 até 31/12/2018;
8ª - O Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau iniciou em 22 Janeiro de 1985 os descontos para a compensação da aposentação da pensão de aposentação e o recorrente sempre descontou do seu vencimento para efeitos de aposentação;
9ª - Em 7 JUL 2020, o Fundo de Pensões de Macau emitiu a Declaração n.° 035/DRAS-DAS/FP/2020 na qual reconhece que no período de 22/01/1990 a 31/12/2018 o recorrente exerceu funções públicas em Macau e efectuou os descontos para efeitos de aposentação junto deste Fundo, no total de 12.685 dias, convertidos em 34 anos, 9 meses e 5 dias.
10ª - O acórdão recorrido não verificou que erradamente o acto recorrido calculou e atribuiu a aposentação voluntária considera: que o tempo de serviço de 1/9/1982 a 31/12/1983 deve ser contabilizado para efeitos de aposentação.
11ª - A contabilidade feita pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública visto que – por decisão do Tribunal – só considera que o recorrente só iniciou funções em 22 Janeiro de 1985.
12ª - A entidade recorrida recorrido e Fundo de Pensões, deviam praticar todos os actos jurídicos e operações materiais tais que, para efeitos dos artigos 174.°, n.° 3, e 184.°, n.° 2, ambos do C.P.A.C., assegurassem a final na esfera jurídica do recorrente o resultado que a fixação da pensão tem de considerar a carreira contributiva de 36 anos, nela reflectidos todos os necessários e juridicamente relevantes descontos, efectivados na fonte pelo Governo de Macau desde 1985 até 31 de Dezembro de 2016.
13ª - Para o cálculo do valor da pensão, também o recorrido faz tábua rasa do seu período de bonificação (6 anos), como benefício da bonificação de 20% ao abrigo do artigo 20° do Decreto-Lei n.° 87/89/M de 21 de Dezembro.
14ª - Contrário à lei e para efeitos de fixação da pensão de aposentação, só foi considerado pelo recorrente o período efectivo de 22 JAN 1990 a 9 OUT 2013 (sem tempo de bonificação).
15ª - Do acórdão proferido pelo Tribunal da Segunda Instância resulta não só que o recorrente sofreu pela sua entidade empregadora (governo de Macau e entretanto da RAEM) na sua esfera jurídica todos os relevantes descontos desde Janeiro 1985, mas que, ademais, face ao n.° 3 do art. 264.° do E.T.A.P.M., é de todo irrelevante ou indiferente para efeitos de fixação da pensão que tais descontos efectivados de 1985 a 1990 tenham ou não fluido para uma outra instituição previdenciária fora de Macau.
16ª - Resulta para a Administração o dever de dar pronta e cabal execução às decisões dos tribunais e de o fazer de forma leal e consentânea com uma postura de imperiosa boa fé – cfr. art. 36.° da Lei Básica e artigos 2.° e 174.°, n.° 3 do CPAC.
17ª - Assim, porque o restabelecimento da ordem jurídica violada só poderá ser feita nos estritos e exactos termos estipulados pelo T.S.I. em 23 MAl 2019, o recorrido, considerando os dados de base constantes daquele acórdão, deveria considerar que o recorrente tem uma carreira contributiva de 36 anos e que na e para mesma carreira se contém os juridicamente relevantes descontos efectuados desde 1985.
18ª - Os descontos canalizados para o Fundo de Pensões nunca terminaram em 2013 mas sim apenas em 1 JAN 2019 e face aos artigos 260.°, n.° 1, e 264.°, n.° 3, ambos do E.T.A.P.M., só os descontos que tenham efectivamente revertido para o Fundo de Pensões podem relevar para o cômputo e fixação do quantum da pensão de aposentação.
19ª - Se só os descontos que ficaram em Macau podem contar, nesse caso então deveriam ter sido contados pelos executados todos os descontos feitos ao exequente e que ficaram em Macau até se perfazer o tecto máximo de 36 anos.
20ª - Se o recorrido apenas entende considerar e atender para efeitos de cálculo da pensão aos descontos sofridos pelo recorrente que tenham ficado na posse e à guarda dos cofres do Fundo de Pensões, então nesse cenário deveriam os executados ter feito um cálculo tendo por base não 28 anos, 5 meses e 24 dias mas sim 34 anos, 9 meses e 5 dias.
21ª - Se é feita a contabilidade do tempo de serviço prestado para todos os efeitos também deverá o recorrente beneficiar da atribuição de todos os benefícios, em especial, os 6 anos de serviço para efeitos de aposentação atribuídos ao recorrente como benefício da bonificação de 20% ao abrigo do artigo 20° do Decreto-Lei n.° 87/89/M de 21 de Dezembro.
22ª - Como também deverá ser considerado que se não foram feitos os descontos para o Fundo de Pensões, tal situação não se ficou a si a dever mas sim ao Governo da RAEM e é de total justiça que não seja prejudicado por uma situação que não deixa de lhe ser totalmente alheia.
23ª - Terminando, o acto recorrido tinha a obrigação de considerar que o recorrente tem direito a ter a sua pensão calculada pelo período de 36 anos de serviço e 36 anos de contribuições.
24ª - Se assim não se entende, sempre teria de considerar que o recorrente teria direito a ter a sua pensão calculada pelo período de 36 anos de serviço e 34 anos 11 meses 22 dias de contribuições.
25ª - O acórdão agora recorrido não sanou os vícios que inquinam o acto recorrido.
26ª - Não o fazendo, só resta declarar e considerar que o acto recorrido incorreu no vícios de anulabilidade e nulidade, pois, viola a lei, viola o caso julgado e viola entre outras disposições legais acima referidas, os princípios de igualdade, da boa-fé e da justiça, consagrados como orientadores de toda a actividade administrativa, de acordo com o estipulado 2°, n.° 4, 8°, 122°, n.° 2, al. h), todos do CPA, 184°, n.° 2 e 3° e 187°,n.° 1, a), ambos do CPAC, artigo 326° do Código Civil, os artigos 258°, 260° e 264°, n.° 3, 265°, todos do ETAPM”; (cfr., fls. 408 a 440).
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Respondendo, diz a entidade recorrida o que segue:
“1. Dos elementos de facto constantes dos autos, bem como do respectivo processo administrativo, constata-se que o acto de fixação de pensão praticado pela Entidade recorrida está em consonância com o teor do douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI) proferido no Recurso contencioso n.° 802/2016 e confirmado pelo Tribunal de Última Instância (TUI) por acórdão proferido no Recurso jurisdicional n.° 114/2019.
2. Segundo o decidido pelo acórdão do TSI é de se reconhecer todo o tempo, para efeitos de aposentação, que foi contabilizado pelo serviço a que o Recorrente pertencia, que era de 39 anos 7 meses e 22 dias à data de 12.09.2016, o que se traduz em 42 anos 3 meses e 11 dias, nele se incluindo as bonificações legais, tendo 01.01.2019 como data de aposentação do interessado, o qual foi tido em conta pelo Fundo de Pensões.
3. Concluída a instrução do processo de aposentação do Recorrente pelo Fundo de Pensões, o mesmo processo foi. submetido a despacho da ora Entidade recorrida, sob proposta do Fundo de Pensões (Proposta n.° 529/DRAS-DASIFP/2020) para efeitos de fixação da pensão de aposentação conforme o estipulado no n.° 6 do artigo 267.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) em vigor.
4. No caso sub judice, em cumprimento do Acórdão do TSI n.° 802/2016, o Fundo de Pensões procedeu à elaboração de nova proposta de fixação da. pensão de aposentação. do Recorrente, com base nas informações enviadas pelo Gabinete do Senhor Secretário para a Segurança, e apurou o tempo de serviço para efeitos de aposentação do Recorrente.
5. Na contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação efectuada pelo CPSP e constante da informação n.° 900175/DRHDGR/2020P, de 03.06.2020, está incluído o período de 01.09.1982 a 31.12.1983, o qual corresponde ao período de tempo em que o Recorrente prestou serviço militar em Portugal.
6. O TSI por acórdão proferido no Processo n.° 802/2016 declarou a nulidade de todos os actos que desrespeitassem o decidido no Acórdão do TSI proferido no Processo n.° 586/2010, e este acórdão confirmou o tempo de serviço do Recorrente constante da lista de antiguidade de 1995 do CPSP, o qual inclui o período de tempo de prestação de serviço militar.
7. Pelas razões acima apontadas, esse período de tempo (01.09.1982 a 31.12.1983) teve necessariamente de ser levado em conta, sob pena de o novo acto administrativo incorrer no vício de nulidade.
8. Com base nas informações enviadas pelo Gabinete do Senhor Secretário para a Segurança, o Fundo de Pensões apurou o tempo de serviço para efeitos de aposentação do Recorrente em 42 anos 3 meses e 11 dias.
9. Como se pode constatar claramente através dos mapas acima expostos, no cálculo do tempo de serviço para efeitos de aposentação já foram incluídas as correspondentes bonificações legais, contrariamente do alegado pelo Recorrente.
10. Ora, embora o tempo de serviço para efeitos de aposentação do Recorrente seja contado desde 01.09.1982 a 31.12.2018, totalizando 42 anos 3 meses e 11 dias após bonificações legais a que tem direito, é de salientar que para efeitos de cálculo da pensão de aposentação, o limite máximo de anos de serviço é de 36 anos, conforme o n.° 1 do artigo 264.° do ETAPM.
11. Assim sendo, o Recorrente atingiu o limite máximo legal de 36 anos de tempo de serviço para o cálculo da respectiva pensão em 09.10.2013, devendo assim cessar os respectivos descontos a partir de 10.10.2013, por força do n.° 6 do artigo 259.° do ETAPM.
12. Todos os descontos efectuados pelo Recorrente ao Fundo de Pensões após 10.10.2013 passaram a ser considerados descontos indevidos, sendo assim objecto de devolução ao Recorrente.
13. Deste modo, por força dos dispostos nos n.os 1 e 4 do artigo 264.° conjugado com a alínea a) do n.° 1 do artigo 265.°, ambos do ETAPM, foi apurada e calculada uma pensão de aposentação do Recorrente, no montante correspondente ao índice 750 da tabela indiciária vigente, a que acresce o montante relativo a 7 prémios de antiguidade, nos termos da tabela a que se refere o artigo 1.° da Lei n.° 1/2014· (Alteração dos montantes do prémio de antiguidade, subsídios e abono), conjugado com os artigos 7.°, 8.°, 9.° da Lei n.° 2/2011 (Regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família), com início em 01.01.2019.
14. Conforme os elementos constantes do processo principal e do processo administrativo do Recorrente que constituem factos dados como provados no acórdão do TSI proferido no Processo n.° 802/2016 (fls. 24), o mesmo prestou serviço militar em Portugal durante 01.09.1982 a 31.12.1983 e encontrava-se inscrito e efectuava descontos para efeitos de aposentação na CGA durante o período de 22.01.1985 a 21.01.1990, o que contava 7 anos 6 meses e 11 dias.
15. Assim sendo, por força do n.° 3 do artigo 264.° do ETAPM, o Governo da RAEM é apenas responsável pela quota-parte correspondente ao tempo de serviço contado desde a sua inscrição (22.01.1990) e realização de descontos no Fundo de Pensões até perfazer o limite máximo legal de 36 anos de tempo de serviço para efeitos de cálculo da pensão de aposentação, o que se traduz em 28 anos 5 meses e 24 dias.
16. Feitos os cálculos, a pensão do Recorrente assegurada pelo Governo da RAEM é fixada em 791/1000 do valor correspondente ao índice 750 da tabela indiciária vigente, acrescido do montante equivalente a 7 prémios de antiguidade, isto é, 791/1000 do valor correspondente a MOP 72.160,00.
17. É de sublinhar que já antes do estabelecimento da RAEM, e até ao presente momento, em relação à pensão. de aposentação de subscritor a quem tenha sido reconhecido o tempo de serviço em que foram efectuados descontos para outra instituição de previdência, fora de Macau, o Fundo de Pensões tem vindo desde sempre a adoptar o mesmo critério da permilagem, em obediência ao disposto no n.° 3 do artigo 264° do ETAPM.
18. Ora como refere o segmento do acórdão desse Venerando TUI, proferido. no Recurso jurisdicional n.° 114/2019, o que demonstra o judicioso raciocínio jurídico subjacente, o. qual passamos a transcrever:
"(…) Há ainda outro ponto que merece alguma reflexão, referente aos descontos efectuados pelo recorrido, antes da sua inscrição no Fundo de Pensões de Macau, junto da Caixa Geral de Aposentações de Portugal para efeitos de aposentação.
Seria mais justo e equilibrado que a pensão do recorrido fosse calculada em função do tempo em que ele fez descontos para o Fundo de Pensões de Macau, pois não parecer razoável exigir que esta entidade assume a responsabilidade de suportar as pensões pelo tempo de serviço em que o desconto foi efectuado na Caixa Geral de Aposentação de Portugal. (…)" (Sublinhado nosso.)
19. Pelo exposto, tendo o Fundo de Pensões, que sempre se pautou rigorosamente pelo mesmo critério legal, já praticado os actos materiais necessários consistindo na execução espontânea e de boa-fé do douto Acórdão do TSI n.° 802/2016, bem como na sequência de a ora Entidade recorrida ter procedido à nova fixação da pensão de aposentação do Recorrente, em cumprimento e de acordo com o decidido no douto acórdão do TSI, as alegações (bem como as acusações) do Recorrente não podem proceder.
20. Não é demais recordar que, de acordo com o douto Acórdão do TSI n.° 802/2016/A proferido nos autos de execução para a prestação de um facto, – cujo conteúdo. damos por inteiramente reproduzido – foram julgados improcedentes os pedidos formulados pelo Exequente (ora Recorrente), declarando que o acórdão proferido no processo principal (Proc. n.° 802/2016) foi integralmente executado pelas Entidades competentes (as ora Entidade recorrida e o Fundo de Pensões).
21. Pois, tal como o Tribunal a quo apreciou e decidiu, e bem, no douto acórdão ora recorrido que "… A Administração calculou primeiro a pensão a que tem direito o recorrente de acordo com o tempo de serviço já judicialmente reconhecido e depois fixou a permilagem do valor dessa pensão, que ele terá de suportar, permilagem essa que para nós reflecte justamente a relação de proporção entre a parte de tempo de serviço com descontos para aposentação e a outra parte de tempo de serviço sem. descontos. (…)"
22. Tendo a Entidade recorrida cumprido escrupulosamente os aludidos acórdãos, e tendo o acto, ora objecto de recurso, sido praticado em perfeito cumprimento dos mesmos acórdãos e em observância da lei, pelo que, o acto objecto de impugnação não enferma de qualquer vício que possa comprometer a sua validade, antes pelo contrário, o mesmo é legal, justo e adequado, devendo portanto o douto acórdão recorrido ser integralmente confirmado por esse Venerando Tribunal”; (cfr., fls. 445 a 463).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto e detalhado Parecer, considerando que o recurso interposto não merecia provimento e que se devia confirmar o Acórdão recorrido; (cfr., fls. 473 a 475-v).
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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.
Nada obstando, passa-se a apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:
“O recorrente era Subintendente do CPSP, desligado do serviço para aposentação em 31DEZ2018, de acordo com os artºs 107º/1-a) e 262º/1-b) do ETAPM;
Tomou posse em 22JAN1985, no Gabinete de Macau em Lisboa, como Guarda de 2ª classe, do Corpo da Polícia de Segurança Pública de Macau;
E a partir daí passou a desempenhar as funções no CPSP de Macau;
Durante o período de tempo compreendido entre 22JAN1985 e 21JAN1990, o recorrente encontrava-se inscrito na Caixa Geral de Aposentações de Portugal e efectuava descontos para efeitos de aposentação junto da mesma caixa;
O recorrente procedeu-se à sua inscrição no Fundo das Pensões de Macau em 22JAN1990 e passou a efectuar descontos para efeitos de aposentação a favor do mesmo fundo, até a 31DEZ2018;
De acordo com a lista de antiguidade do pessoal do CPSP relativa a 31DEZ2009, publicada em 28JAN12010, o tempo de serviço computado para efeitos de aposentação do recorrente é 19 anos, 11 meses e 19 dias;
Mediante a carta datada de 05FEV2010, o recorrente reclamou do tempo de serviço constante dessa lista de antiguidade para o Senhor Comandante do CPSP, pedindo que fosse tomado o dia 01OUT1984 como data de início de funções para o efeito de contagem do tempo de serviço;
Reclamação essa foi indeferida por despacho datado de 19FEV2010 do Senhor Comandante do CPSP;
Da decisão sobre a reclamação, interpôs o recorrente recurso hierárquico para o Senhor Secretário para a Segurança;
Por despacho datado de 31MAIO2010 do Senhor Secretário para a Segurança lançado sobre a informação da autoria do Senhor Comandante do CPSP, foi ao recurso hierárquico negado provimento;
Inconformado com esse despacho datado de 31MAIO2010 do Senhor Secretário para a Segurança que lhe negou o provimento do recurso hierárquico, veio, mediante requerimento datado de 05JUL2010, o recorrente interpor o recurso contencioso para este TSI;
Por Acórdão datado de 27SET2012, tirado no processo nº 586/2010, o recurso foi julgado procedente e anulado o despacho recorrido;
Em 06JUL2016, o recorrente requereu a passagem à situação de aposentação voluntária, com efeitos a partir de 13SET2016, tendo o referido requerimento sido autorizado por despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 18JUL2016;
No âmbito do processo de aposentação do recorrente, foi elaborado pelo Fundo de Pensões a Informação nº 714/DRAS-DAS/FP/2016, onde se concluiu que o recorrente não reuniu a condição prevista no artº 20º/5 do Decreto-Lei nº 87/89/M, nem as demais fixadas no ETAPM relativamente à aposentação voluntária, visto que o recorrente só tem como tempo de serviço efectivo e descontado para efeitos de aposentação e sobrevivência 26 anos, 8 meses e 1 dia, por se encontrar inscrito no Fundo de Pensões apenas a partir de 22JAN1990, e não podendo incluir o tempo de serviço militar prestado em Portugal durante o período de tempo de 01SET1982 a 31DEZ1983, e o tempo de serviço descontado para efeitos de aposentação junto da Caixa Geral de Aposentação de Portugal durante o período de 22JAN1985 e 21JAN1990;
Com fundamento nisso, o processo de aposentação foi remetido pelo Fundo de Pensões ao CPSP;
Pelo seguinte despacho do Secretário para a Segurança, foi indeferido o pedido de passagem à situação de aposentação voluntária do recorrente:
Despacho N.º 81/SS/2016
Assunto: Requerimento de Aposentação Voluntária, apresentado por A
A, Subintendente n.ºXXXXXX do Corpo de Polícia de Segurança Pública, requereu a passagem à situação de aposentação voluntária nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 263.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Teve início, nos termos do artigo 267.° do mesmo Estatuto, o procedimento administrativo no âmbito do Fundo de Pensões, com vista à verificação dos requisitos prescritos na norma citada, ou seja, 55 anos de idade e um mínimo de 30 anos de serviço, contados para o efeito pretendido. Esta entidade, contudo, não validou a contagem do tempo de serviço fixada na corporação (39 anos, 6 meses e 8 dias, no que se incluem as bonificações de tempo de serviço efectivo), reconhecendo como tempo elegível para efeitos de aposentação, apenas 26 anos, 8 meses e 1 dia, contados a partir da data da respectiva inscrição, a qual terá ocorrido em 22 de Janeiro de 1990.
O acto administrativo que autoriza a aposentação voluntária é um acto complexo e consequente, vinculado à conclusão daquele procedimento administrativo, instaurado no Fundo de Pensões e cujo objecto é, como se afirmou, a verificação dos requisitos legais.
Assim, consequentemente à posição assumida pelo Fundo de Pensões, constante do seu oficio n.º 04077/1191/DRAS-DAS/FP/2016, de 12 de Setembro, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido e se anexa ao presente despacho, o Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, no uso das competências executivas que lhe confere a Ordem Executiva n.º 111/2014, apropria-se dos seus fundamentos de facto e de direito, INDEFERINDO o pedido de passagem à situação de aposentação voluntária do requerente, A, Subintendente n.° XXXXXX do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Notifique o requerente do presente despacho e, bem assim, de que do mesmo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias.
Inconformado com o despacho, o recorrente interpôs recurso contencioso de anulação para este TSI;
Por Acórdão datado de 23MAIO2019, tirado no processo nº 802/2016, o recurso foi julgado procedente e determinado o seguinte:
1) - Declarar-se nulos todos actos praticado pelo FP (enquanto contra-interessado nos autos) e pela Entidade Recorrida e demais decisões que desrespeitem o decidido no acórdão proferido no Processo nº 586/2010 deste TSI, ao abrigo disposto nos artigos 122º/1-h) e 123º do CPA, do artigo 8º/2 da Lei nº9/1999, de 20 de Dezembro, do artigo 187º do CPAC.
2) - Julgar procedente o presente recurso interposto pelo Recorrente, anulando-se o despacho do Secretário para a Segurança datado de 06/10/2016 (que fixava efeito retroactivo para 13/09/2016) por vício da violação das disposições legais acima apontadas.
Inconformado com esse Acórdão, o Fundo de Pensões, contra-interessado nos autos de recurso, recorreu para o TUI;
Por Acórdão do TUI datado de 13MAIO2020, tirado no processo nº 114/2019, foi negado provimento ao recurso interposto pelo Fundo de Pensões e confirmado o Acórdão recorrido;
Por despacho nº 048/SS/2020 do Secretário para a Segurança, datado de 27MAIO2020, foi determinado o cumprimento do decidido no Acórdão do TSI tirado no processo nº 802/2016, confirmado pelo TUI pelo seu Acórdão de 13MAIO2020;
Em 15JUN2020, foi proferido pelo Secretário para a Segurança o seguinte despacho:
Despacho n.º 061/SS/2020
Assunto: Contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação do ex-subintendente do CPSP n.º XXXXXX, A.
Em presença da informação n.º 900175/DRHDGR/2020P, de 03.06.2020, a qual em cumprimento do meu Despacho n.º 048/SS/2020 de 21.05.2020, que executa o Acórdão proferido no Processo de Recurso Contencioso n.º 802/2016 do Tribunal de Segunda Instância, confirmado pelo Acórdão do Tribunal de Última Instância proferido nos autos Processo de Recurso Jurisdicional n.º 114/2019, procede à contagem do tempo de serviço efectivo prestado pelo ex-subintendente do Corpo de Polícia de Segurança Pública n.º XXXXXX, A, decido, em complemento do citado despacho:
a) Manter, pelas razões de facto e de direito nele expostas, a data de aposentação do ex-subintendente A, em 1 de Janeiro de 2019.
b) Fixar em 42 anos 3 meses e 11 dias, o tempo de serviço para efeitos de aposentação do ex-subintendente A, contado desde 01.09.1982 a 31.12.2018, nele se incluindo as bonificações legais a que tem direito, conforme detalhe da sobredita informação do Corpo de Polícia de Segurança Pública
Remeta-se ao Fundo de Pensões.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 15 de Junho de 2020
Por despacho do Secretário para a Administração e Justiça, exarado em 02JUL2020, sobre a proposta nº 529/DRAS-DAS/FP/2020, foi fixada ao recorrente, com início de 01JAN2019, a pensão mensal correspondente ao índice 750 da tabela indiciária, por contar 36 anos de serviços, acrescido do montante de 7 prémios de antiguidade e determinado que seja assegurado pelo Governo da RAEM o encargo correspondente a 791/1000 do valor fixado, permilagem essa equivalente a 28 anos, 5 meses e 24 dias contados em relação ao tempo em que exerceu funções públicas e efectuou descontos em Macau; e
Notificado e inconformado com o despacho que lhe fixou a pensão, o recorrente veio interpor o presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 392-v a 395).
Do direito
3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, o presente recurso (jurisdicional) tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao anterior recurso contencioso pelo recorrente interposto do despacho do Secretário para a Administração e Justiça datado de 02.07.2020 que confirmou a fixação de pensão de aposentação ao ora recorrente, fixando-lhe uma pensão de aposentação mensal correspondente ao índice 750 da tabela indiciária em vigor, acrescida do montante relativo a 7 prémios de antiguidade, determinando que a R.A.E.M. asseguraria o encargo correspondente a 791/1000 do valor fixado, equivalente a 28 anos, 5 meses e 24 dias, correspondentes ao tempo que exerceu funções públicas e efectuou os devidos descontos para o Fundo de Pensões de Macau.
Ponderando no decidido – em sede administrativa assim como pelo Tribunal de Segunda Instância – e da reflexão sobre tudo o que pelo recorrente vem alegado, cremos que não lhe assiste razão, justo e adequado se mostrando (de confirmar) o veredicto recorrido que se nos apresenta claro na sua fundamentação e correcto na sua decisão, pouco havendo a acrescentar.
Seja como for, (a título complementar, e no intuito de se tentar simplificar a “questão” e a “solução adoptada”), não se deixa de consignar o que segue.
Como “nota prévia”, consigna-se desde já que – infelizmente – relativamente à “questão da aposentação” do ora recorrente, vários foram os recursos entretanto julgados e decididos, sendo porém de salientar que em nenhum deles se tratou (ou conheceu) da (mesma) “questão” agora nestes autos suscitada e em apreciação, ou seja, quanto ao “cálculo da sua pensão de aposentação” a suportar pelo Fundo de Pensões da R.A.E.M.; (cfr., Procs. n°s 586/2010 e 802/2016 do T.S.I., assim como o Proc. n.° 114/2019 deste T.U.I., onde se decidiu um recurso no anterior interposto).
Isto dito, (e, assim, afastada que fica qualquer eventual “repetição de julgados” com consequente possível “violação de caso julgado”), passa-se a (tentar) expor o nosso entendimento sobre a pretensão do ora recorrente.
Na decisão agora recorrida, (e na parte que agora releva), assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:
“(…)
De acordo com o alegado nas conclusões do petitório do recurso, o recorrente imputa ao acto recorrido vários vícios de violação da lei e o de violação de caso julgado.
Conforme se vê na proposta elaborada pelo Fundo de Pensões, sobre a qual foi exarado o despacho ora recorrido do Secretário para a Administração e Justiça, nota-se que é sempre tido em conta como pressuposto de facto o tempo de serviço de 42 anos, 3 meses e 11 dias para o cálculo de pensão a atribuir ao recorrente.
Ou seja, não é verdade que a entidade recorrida não respeitou o decidido no Acórdão do TSI, tirado no processo nº 586/2010 e no Acórdão do TSI, tirado no processo nº 802/2016, confirmado pelo Acórdão do TUI tirado no processo nº 114/2019, pois ao longo de toda a fundamentação, ao recorrente é sempre reconhecido o tempo de serviço que o recorrente considera ter adquirido e foi-lhe fixada a pensão de acordo com esse tempo de serviço, isto é, 36 anos de serviço completo para efeitos de aposentação, no valor do seu vencimento único acrescido de 7 prémios de antiguidade.
O que foi ex novo decidido no despacho ora recorrido é apenas a fixação da permilagem, a suportar pelo Fundo de Pensões de Macau, de acordo com os normativos dos artº 264º/3 do ETAPM, do valor da pensão reconhecida ao recorrente, calculado exactamente nos termos por ele pretendidos no presente recurso,
Portanto, quanto ao tempo de serviço, o recorrente está a defender e reivindicar um direito à aposentação que lhe já foi reconhecido no acto recorrido.
Assim sendo, todas as questões suscitadas pelo recorrente quanto à contagem de tempo de serviço, assim como as de violação de caso julgado e dos vários princípios fundamentais de igualdade, da boa-fé e da justiça, são questões falsas.
Desta maneira, a decisão contra a qual o recorrente pretende reagir por via do presente recurso contencioso é a acima referida parte da decisão que fixou a permilagem, a suportar pelo Fundo de Pensões de Macau, do valor da pensão expressamente reconhecida ao recorrente, que é 750 X MOP$88 + 7 prémios de antiguidade X MOP$880, baseada em 36 anos de serviço.
Portanto, a única questão efectivamente colocada no presente recurso é a de saber se o Fundo de Pensões da RAEM andou bem ao decidir suportar apenas 791/1000, em vez da totalidade, da pensão calculada e baseada em 36 anos de serviço.
Ora, a questão que se coloca agora não se põe normalmente, ou seja, se as normas reguladoras da matéria de aposentação tiverem sido correcta e unanimemente aplicadas por ambos os órgãos competentes e intervenientes na matéria de contagem de tempo de serviço para o efeito de aposentação.
Pois se, no caso em apreço, a lista de antiguidade do pessoal do CPSP de 1995, na parte referente ao ora recorrente, tivesse sido elaborada em rigorosa observância às normas do regime de aposentação estabelecido nas leis reguladoras da função pública, a questão não se colocaria.
Na verdade, conforme se vê no acima referido Acórdão do TSI de 27SET2012, tirado no processo nº 586/2010, o Tribunal não chegou a pronunciar-se sobre a legalidade da contagem do tempo de serviço do recorrente constante da lista de antiguidade de 1995, mas apenas afirmou a imodificabilidade da lista de antiguidade após o decurso do prazo legal de reclamação.
Juridicamente falando, o tempo de serviço do recorrente constante daquela lista de antiguidade de 1995 do CPSP não foi legalmente calculado, pois ficou provado nos autos que o recorrente só se encontra inscrito no Fundo de Pensões a partir de 1990, mas foi levado em conta o tempo de serviço anterior a essa data em que o recorrente não satisfez os encargos devidos para aposentação, de modo a fixar-lhe 14 anos e 8 meses de tempo de serviço, o que obviamente violou pelo menos o disposto nos artºs 160º/1 e 260º/1 do ETAPM, à luz do qual para efeitos de aposentação só se conta o tempo de serviço em relação ao qual o funcionário ou agente inscrito no Fundo de Pensões tenha satisfeito os respectivos encargos.
O tempo de serviço de 14 anos e 8 meses, ilegalmente calculado, só lhe é judicialmente reconhecido pura e simplesmente por ter sido entretanto sanada, pelo simples decurso de tempo, a ilegalidade na contagem do tempo de serviço constante da lista de antiguidade de 1995 do pessoal do CPSP.
É certo que, perante as várias decisões judiciais sucessivas, o Fundo de Pensões deve abster-se de verificar a existência das condições necessárias para a aposentação do recorrente quanto ao requisito do tempo de serviço para aposentação legalmente exigido e tem de aceitar que o tempo de serviço (42 anos, 3 meses e 11 dias), já reconhecido ao recorrente, tem a virtude de lhe conferir o direito a aposentar-se, a ver integrado no cálculo da sua pensão o valor correspondente a 7 prémios de antiguidade e a não sofrer as reduções prescritas no artº 265º/2 do ETAPM na fixação do valor da sua pensão.
Mas na fixação concreta da proporção a suportar do valor da pensão a atribuir ao recorrente, o Fundo de Pensões já tem o poder-dever actuar ex novo de acordo com os parâmetros e dentro dos limites definidos na lei vigente.
Ora, dentre esses parâmetros e limites, temos por pertinentes os estabelecidos nos artº 260º/1 e 264º/3 do ETAPM, à luz dos quais “para efeitos de aposentação conta-se todo o tempo de serviço em relação ao qual o funcionário ou agente tenha satisfeito os respectivos encargos” e “concorrendo tempo de serviço pelo qual o funcionário ou agente tenha descontado para outra instituição de previdência, fora de Macau, a pensão assegurada pela RAEM é calculada exclusivamente em função do tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau.”
Compreende-se a razão de ser dessas duas normas.
Pois, à compensação de 9% ou 10% (consoante há ou não bonificação) sobre o vencimento único acrescido dos prémios de antiguidade, devida pelos funcionários ou agentes inscritos no Fundo de Pensões, e à compensação de 18% ou 20% (consoante há ou não bonificação) suportada pela Administração, nos termos do disposto no artº 259º/5 do ETAPM e nas normas transitórias do Decreto-Lei nº 87/89/M (artº 20º/3), corresponde a contraprestação diferida por parte do Fundo de Pensões, consiste na obrigação de assegurar a estes funcionários ou agentes o pagamento da pensão de aposentação, verificadas as demais condições legais exigidas para o efeito.
Assim, face ao disposto nos citados artºs 260º/1 e 264º/3 do ETAPM, ao Fundo de Pensões só é exigível suportar o pagamento da pensão na proporção correspondente àquela parte do tempo de serviço em que o subscritor tenha satisfeito os encargos consistentes no pagamento da compensação para a aposentação.
Voltemos ao caso em apreço.
A Administração calculou primeiro a pensão a que tem direito o recorrente de acordo com o tempo de serviço já judicialmente reconhecido e depois fixou a permilagem do valor dessa pensão, que ele terá de suportar, permilagem essa que para nós reflecte justamente a relação de proporção entre a parte de tempo de serviço com descontos para aposentação e a outra parte de tempo de serviço sem descontos.
Cremos que bem andou a Administração.
Pois o acto ora recorrido foi praticado com a observância do disposto nos citados artºs 260º/1 e 264º/3 do ETAPM, não padecendo dos vícios invalidantes que lhe imputou o recorrente por via deste recurso.
Em conclusão:
Não obstante o reconhecimento judicial ao interessado o tempo de serviço superior a 36 anos para o efeito de aposentação, ao Fundo de Pensões só é exigível, face ao disposto nos citados artºs 260º/1 e 264º/3 do ETAPM, suportar o pagamento da pensão na proporção correspondente àquela parte do tempo de serviço em que o interessado subscritor tenha satisfeito os encargos consistentes no pagamento da compensação para a aposentação.
(…)”; (cfr., fls. 395-v a 397-v).
Aqui chegados, “quid iuris”?
Pois bem, sem prejuízo do muito respeito devido a eventual outro entendimento, (e reconhecendo-se o esforço na argumentação pelo ora recorrente empreendido, mas como já deixámos adiantado), temos para nós que a decisão ora recorrida (que na sua essência se deixou transcrita) não merece reparo, pois que nela se fez uma (cabal fixação da “matéria de facto” relevante assim como uma) adequada identificação e apreciação da(s) questão(ões) colocada(s), tendo-se chegado a uma “solução” que igualmente se nos apresenta justa e legal, afigurando-se-nos desta forma que o ora recorrente labora em manifesto equívoco, confundindo “questões” (e “situações”), e insistindo em atribuir relevo a aspectos que não tem a virtude de inverter ou alterar a solução que, in casu, se mostra de assumir e adoptar face ao regime legal que, em relação à aludida “factualidade relevante” – que não vem impugnada nem se mostra de alterar – se entende aplicável.
Vejamos.
Se bem ajuizamos, no fundo, não se conforma o ora recorrente com o facto de lhe estar reconhecido que tem “42 anos, 3 meses e 11 dias de serviço, contados para efeitos de aposentação”, e que, (não obstante tal realidade), lhe seja tão só considerado como elegível para o cálculo da sua pensão de aposentação o período de “28 anos, 5 meses e 24 dias”.
Porém, cabe dizer que embora à primeira vista possa parecer “estranho”, e que ao recorrente assiste obviamente o legítimo direito de insistir e de pugnar pela razão e acerto do seu entendimento, tal não altera o que – também em nossa opinião – se apresenta constituir a justa e correcta decisão para a sua situação.
Aliás, com o Acórdão agora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância (já) esclareceu – devidamente – esta suposta “diferença”, (ou possivelmente apelidada “dualidade de critérios” na atribuição de relevância aos aludidos dois “períodos de tempo”), afirmando, claramente, (seja-nos perdoada a repetição), que “face ao disposto nos citados artºs 260º/1 e 264º/3 do ETAPM, ao Fundo de Pensões só é exigível suportar o pagamento da pensão na proporção correspondente àquela parte do tempo de serviço em que o subscritor tenha satisfeito os encargos consistentes no pagamento da compensação para a aposentação”, (cfr., fls. 397-v), o que, como já se referiu, se tem como inteiramente adequado, sendo, aliás, uma solução que se mostra em total conformidade com o antes, (e embora em abstracto), considerado em sede de um outro recurso do ora recorrente para esta Instância, onde se consignou (nomeadamente) que:
“(…)
Ora, no presente caso, face àquela decisão judicial, já transitada em julgado, tomada pelo TSI sobre o tempo de serviço do recorrente, para o qual se conta o tempo de serviço prestado antes da sua inscrição no Fundo de Pensões de Macau, à obrigatoriedade dessa decisão para todas as entidades públicas e privadas e à sua prevalência sobre as decisões de quaisquer outras autoridades, afigura-se-nos que compete ao Fundo de Pensões cumprir a decisão judicial, aceitando o tempo de serviço confirmado pelo tribunal para efeitos de aposentação.
Há ainda um outro ponto que merece alguma reflexão, referente aos descontos efectuados pelo recorrido, antes da sua inscrição no Fundo de Pensões de Macau, junto da Caixa Geral de Aposentação de Portugal para efeitos de aposentação.
Seria mais justo e equilibrado que a pensão do recorrido fosse calculada em função do tempo em que ele fez desconto para o Fundo de Pensões de Macau, pois não parece razoável exigir que esta entidade assume a responsabilidade de suportar as pensões pelo tempo de serviço em que o desconto foi efectuado na Caixa Geral de Aposentação de Portugal.
Não se pode olvidar que, nos termos do n.º 3 do art.º 264.º do ETAPM, no caso de concorrer tempo de serviço pelo qual o funcionário tenha descontado para outra instituição de previdência, fora de Macau, a pensão assegurada pelo Fundo de Pensões de Macau é calculada exclusivamente em função do tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau.
(…)”; (cfr., v.g., o Ac. de 13.05.2020, Proc. n.° 114/2019).
E, assim, e independentemente do demais, algo extravagantes se nos apresentam (todas) as “considerações” pelo ora recorrente tecidas para (tentar) justificar aquilo que, em sua opinião, seriam as “ilegalidades” da decisão em questão.
Na verdade, não se pode olvidar que nos termos do art. 264° do E.T.A.P.M., (aprovado pelo D.L. n.° 87/89/M de 21.12):
“1. A pensão de aposentação é igual à trigésima sexta parte do vencimento que lhe serve de base no cálculo, multiplicada pelo número de anos de serviço contados para a aposentação, até ao limite de 36 anos.
2. Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 262.º, a pensão é calculada como se o subscritor contasse 36 anos de serviço.
3. Concorrendo tempo de serviço pelo qual o funcionário ou agente tenha descontado para outra instituição de previdência, fora de Macau, a pensão assegurada pelo Território é calculada exclusivamente em função do tempo de serviço prestado em serviços públicos de Macau.
4. As pensões de aposentação são fixadas com referência a um índice da tabela indiciária, sendo revistas sempre e na medida em que o forem os vencimentos do pessoal no activo”.
E, como igualmente e bem salienta o Ministério Público no Parecer que em sede de vista juntou aos presentes autos, deste comando legal resultam duas coisas:
- que para o tempo de serviço relevante para efeitos de aposentação pode concorrer tempo pelo qual o funcionário tenha descontado para outra instituição de previdência fora de Macau; e,
- nessa situação, a R.A.E.M. apenas assegura a parte da pensão calculada em função do tempo de serviço a que tenham correspondido descontos efectuados para o Fundo de Pensões.
Ora, esta, (chamemos), a (verdadeira) “chave” para a resolução do problema que a situação do recorrente suscita – e, não se alcançando e tendo-se a mesma como adequada, é caso para dizer que escusados são outros desenvolvimentos – pois que, “in casu”, está definitivamente provado, (e agora não se discute nem cabe discutir), que o tempo de serviço para efeitos de aposentação do ora recorrente é de “42 anos, 3 meses e 11 dias”, (contado desde 01.09.1982 até 31.12.2018), certo sendo, (igualmente), que aí se inclui um período de tempo situado entre 22.01.1985 e 21.01.1990, durante o qual (apenas) efectuou descontos para efeitos de aposentação na Caixa Geral de Aposentações de Portugal, o que, nos termos do transcrito n.° 3 do art. 264°, e como se mostra ser evidente, não pode ser contabilizado para efeitos do cálculo da sua pensão de aposentação a suportar pelo Fundo de Pensões do Governo da R.A.E.M..
Nesta conformidade, (e dúvidas não havendo assim que a situação do recorrente se enquadra na citada norma do n.° 3 do art. 264° do E.T.A.P.M.), procedeu-se ao cálculo (da parte) da sua pensão de aposentação relativamente à qual constituía “responsabilidade do Fundo de Pensões da R.A.E.M.”, contabilizando-se os atrás já aludidos “28 anos, 5 meses e 24 dias”, por corresponder ao período de tempo durante o qual o recorrente efectuou descontos para o dito Fundo de Pensões.
Ora, tal, admitindo-se que em resultado de uma análise menos atenta possa parecer – quiçá – “rebuscado”, (e até “injusto” para o recorrente), apresenta-se-nos como o puro e simples “resultado” da aplicação dos preceitos legais relevantes à situação em questão, sendo de se consignar, como já se referiu, que não se vislumbra no decidido qualquer “erro”, “defeito”, ou “irregularidade”, pois que importa ter em devida conta – o que parece não fazer o ora recorrente – que uma coisa é o tempo de serviço contado para efeitos de um trabalhador poder gozar o seu “direito de aposentação”, e outra, bem diferente, é o “cálculo (e proporção) da pensão que lhe irá caber e que deve ser suportada pela entidade para o efeito competente da R.A.E.M.”.
Com efeito, o facto de se reconhecer que o recorrente tem 42 anos, 3 meses e 11 dias de serviço para efeitos de aposentação, não implica que a R.A.E.M. tenha de suportar o pagamento da pensão pela totalidade, pois que para tal, necessário seria que o recorrente, contasse com “36 anos de serviço” para efeitos de aposentação com os descontos efectuados por todo este (mesmo) período de tempo para o Fundo de Pensões, (o que, como já está claro, não é a situação).
Diz, porém, o ora recorrente, que efectuou descontos para o Fundo de Pensões por um período de “34 anos, 11 meses e 22 dias”.
Ora, também aqui, labora em equívoco.
Na verdade, (e como igualmente, neste mesmo sentido observa o Ministério Público no seu Parecer que temos vindo a acompanhar), mercê da contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação que foi efectuada, o recorrente completou 36 anos em 09.10.2013, e, assim, (face ao disposto na norma do n.° 6 do art. 259° do E.T.A.P.M.), nessa data deveriam ter cessado os descontos para o regime da aposentação (referidos no n.° 5 do mesmo artigo).
Daí que já se tenha procedido à restituição ao recorrente dos montantes correspondentes aos descontos efectuados em “excesso”, ou seja, respeitantes ao período situado entre 10.10.2013 (data que completou os 36 anos), e 31.07.2019, (data até à qual efectuou descontos; cfr., documento junto aos autos a fls. 301 a 304).
Dest’arte, e contabilizando-se os “36 anos de serviço” do recorrente para efeitos de aposentação até à referida data de 09.10.2013 (em que de forma válida efectuou descontos para o Fundo de Pensões), impõe-se concluir que para efeitos do “cálculo da sua pensão de aposentação” a pagar pelo (mesmo) Fundo de Pensões apenas releva o período de 28 anos, 5 meses e 24 dias, tal como decidido foi pelo Tribunal de Segunda Instância, pelo que, não se vislumbrando qualquer lapso, erro, ou irregularidade na contabilização efectuada e com a qual lhe foi fixada a “pensão” aqui contestada, imperativa é a decisão de improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 25 de Março de 2022
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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Proc. 24/2022 Pág. 11